sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A reincidência

Nota do blogue: Meus agradecimentos ao irmão Ítalo Aguiar pela transcrição. Deus lhe pague muitíssimo.

Indigna escrava do Crucificado e da SS. Virgem,
Letícia de Paula

(Jesus Cristo falando ao coração do Sacerdote, ou meditações eclesiásticas para todos os dias do mês, escritas em italiano pelo Missionário e doutor Bartholomeu do Monte traduzidas pelo Pe. Francisco José Duarte de Macedo, ano de 1910)


I. – Filho, quantas vezes Me tens prometido não tornar a pecar, e quantas vezes tens faltado ao teu prometimento? É sinal de que desconsideras a Minha majestade.
Se prometes a um homem, é para ti ponto de honra o cumprires a tua palavra a todo o custo; só a Mim não te envergonhas de faltar, tendo-Me prometido tantas vezes e tão solenemente?
Conheces a malícia, a miséria do teu proceder, confessai-a, detestai-a, e logo, como o vil cão, devoras a imundícia que vomitaras, e como o animal mais imundo te revolves no lamaçal. (1)
Assim correspondes a Minha bondade e a paciência com que te tenho sofrido? Não te confundem os prometimentos que Me tens feito, as Minhas graças de que tens abusado, a santidade a que te obriga o teu caráter, o miserável estado em que te achas?

II. – Filho, que confissões são essas tuas, em que sempre propões e nunca cumpres? Isso não é arrepender-te, é escarnecer de Mim. Se, em vez do propósito de emenda, fizeras propósito de continuar a ofender-Me sempre, terias podido obrar pior?
Tu mesmo não darias crédito a quem te tivesse faltado tantas vezes, quantas te havia prometido; e, se te sentaras no confessionário para ouvir de confissão um Sacerdote, semelhante a ti, não acreditarias em seus propósitos por mais que prometesse. Como pois viverás seguro e tranquilo a respeito das tuas confissões e fáceis absolvições?
       Ah infeliz! De nada te servem, antes te condenam, não só a ti, mas também a teus confessores, que te vendem a ti, e vendem o seu ministério; e, quando um cego guia outro cego, ambos caem no abismo.
E ousas subir assim todos os dias ao Meu altar? e depois de tal abuso da confissão, não te horrorizas de cometer o abuso mais tremendo do Meu corpo e sangue?!

III. – Ah desgraçado! Se te não regeneras com grande fervor e firme resolução, desse teor de vida, vejo que corres à condenação eterna, e a tornas cada vez mais inevitável e horrível.(2)
Treme, filho, treme; porque são raríssimos os Sacerdotes reincidentes, que se emendam e fazem sincera penitência.(3)
Entra em ti mesmo e vê o estado a que te achas reduzido. Quando começaste a ofender-Me, envergonhavas-te: temias as tuas culpas, sentias-lhes o peso, atribulavam-te; mas agora, miserável, as cometes e multiplicas quase sem remorso; calejou-se a tua má consciência, e por isso ou te não confessas ou te contentas-te com uma absolvição, que, em vez de curar-te, te anima, por sua facilidade, a recair no pecado. Oh! Quanto é lastimoso o teu estado!
De nenhuma sorte digas que não te pode emendar; não chegues ao excesso de Me acusar de te ter imposto obrigações superiores às tuas forças, ou de não querer auxiliar-te; não as imporia, se te não quisesse dar a mão. É pois tua toda a culpa, e só tua, que não queres nem te esforças por sacudir o jugo do pecado.
O Meu sangre na Confissão e o Meu corpo na Sacrossanta Eucaristia, se deles fazes o bom uso que deves, não serão meios e auxílios eficazes para te curar? Ai de ti, se, onde tantos pecadores acham o perdão e a salvação, tu, pelo abuso, agravas os teus pecados e encontras a tua condenação!

Fruto. – Remedeia os males passados por meio de uma confissão geral; mas sabe que nada vale repetir muitas confissões gerais, se não há verdadeira emenda. Escolhe entre mil um confessor, dizia o Ven. João d’Ávila. E São Francisco de Sales acrescentava: E eu digo entre dez mil, porque capazes de tal ministério são mais raros do que se pensa. Isto mesmo tinha o Santo escrito em seus propósitos como regra de vida: Confessar-me-ei ao confessor mais hábil que me poder encontrar, o qual não mudarei sem necessidade. Um Sacerdote tem maior necessidade em um bom confessor, que os leigos.(4)
Reflete na Proposição 60 e seguintes, condenadas por Inocêncio XI(5), e conhecerás que os Sacerdotes não são excetuados nelas; antes as graves obrigações do teu estado te dirão que a condenação tem mais força contra ti, que és obrigado a procurar a perfeição, do que contra os outros.
Collet dizia: Quero antes ser queimado vivo, que absolver um Sacerdote consuetudinário, ou o confessor que o absolveu. Os confessores que absolvem a todos indistintamente, dizia São Thomas de Villa Nova, são a ruína da Igreja: são traidores e cruéis assassinos das almas.

Notas:
1
A quo enim quis superatus est, hujus et servus est. Si enim refugientes coinquinationes... his rursus implicati superantur: facta sunt eis posteriora deteriora prioribus; melius erat illis non cognoscere viam justitiae, quam post agnitionem retrorsum converti. Contigit enim eis illud veri proverbii: Canis ad suum vomitum reversus; et: Sus lota in volutabro luti. (PETRUS. Epist, 2.ª, Cap. II, 19-22.)

2Impossibile est enim, eos, qui semel illuminati sunt, gustaverunt etiam donum coeleste... et prolapsi sunt; rursus renovari ad poenitentiam, rursum crucifigentes sibi ineipsis Filium Dei, et ostentui habentes. Terra enim saepe venientem super se bibens imbrem... proferens autem spinas, actribulos, réproba est, et maledicto próxima, cujus consummatio in combustionem. (Ad Haebr., VI, 4-8.)

3­ – Clerici, si mali fuerint, inemendabiles sunt. Clericus enim, qui meditatur Scripturas, aut omnino observaturus est, et erit perfectus; aut, si semel coeperit eas contemnere, nunquam excitatur in illis, ut imeat. Quis aliquando vidit Clericum cito poenitentiam agentem? Sed et si deprehensus humiliaverit se, non ideo dolet, quia peccavit; sed confunditur, quia perdidit gloriam suam... et ideo Christus dicit: Publicani, et meretrices praecedent vos in regnum Dei. (Chrysost., Hom. 40.)

4Quid me beatius, atque securius, cum ejusmodi circa me vitae meae custodes haberem, et testes, qui, si vellem aliquatenus deviare, non sinerent, frenarent praecipitem, dormitantem excitarent; quorum me reverentia, et libertas excedentem corrigeret; quorum me constantia, et fortitudo nutantem firmaret, erigeret diffidentem; quorum me tides, et sanctitas ad quaeque amabilia, et bonae famae provocaret. (Bernard. Considerat. 4.)

560 – Habenti consuetudinem peccandi... nec est neganda nec differenda absolutio... 61 – Potest aliquando absolvi in próxima occasione peccandi versatus, quam potest et non vult dimittere... 62 – Proxima occasio peccandi non est fugienda, si causa utilis, aut honesta occurrat non fugiendi. (Propositiones damn. ab Innoc. XI, anno 1679.)