Fonte: Core Catholica
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Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
O DIA DOS MORTOS
Finados
É o dia dos fiéis defuntos em toda Igreja. Uma lembrança dos que já passaram e dormem o sono da paz. Qui dormiunt in somno pacis.
Toda a Liturgia recorda o dogma do purgatório e pede-nos orações pelos nossos mortos. A Igreja se cobre de luto e os sacerdotes podem, neste dia, celebrar três vezes o Santo Sacrifício. As multidões afluem aos cemitérios. É a lembrança de nossos mortos despertada. Avivam-se as saudades. Finados! Dia dos mortos! Lembramo-nos deles apenas com algumas flores e umas lágrimas que com o tempo se vão estancando, ou procuramos sufragar-lhes as pobres almas que talvez ainda estejam sofrendo no purgatório? Este dia nos foi dado pela Igreja, não para as pompas e manifestações de um sentimentalismo estéril, mas para sufrágio dos mortos. Como se esquecem disto muitos cristãos! Multidões que enchem os cemitérios, sorrindo e até brincando muita vez, sem orações, sem um pensamento sobrenatural dos mortos! Santifiquemos este dia. Seja, sim, o dia da nossa saudade, mas principalmente seja o do nosso sufrágio.
A Igreja, nossa Mãe, neste dia abre-nos os tesouros das suas indulgências em favor dos mortos. Permite a celebração das três Santas Missas desde a Constituição Apostólica de 15 de Agosto de 1915, de Bento XV. Duas Missas pertencem: uma aos fiéis defuntos em geral e outra nas intenções do Sumo Pontífice. Concede uma grande indulgência, semelhante à da Porciúncula, em favor dos defuntos. Aos que visitarem uma igreja ou oratório público ou semi-público, indulgência plenária cada vez aos que entrarem na igreja e rezarem seis Padre-Nossos e seis Ave-Marias nas intenções do Sumo Pontífice, contanto que tenham se confessado e recebido a Santa Comunhão. (P. P. O. 544.)
Que tesouro de indulgência em favor das pobres almas! Mais ainda, todas as Santas Missas celebradas no dia de finados pelos mortos, e durante a oitava gozam do altar privilegiado. A visita ao cemitério também neste dia tem uma indulgência plenária. Porque nos abre assim a Igreja estes tesouros? Para nos estimular a devoção aos mortos e o zelo pelo sufrágio das almas.
Tudo no Ofício Divino deste dia nos fala da miséria humana, pelas lamentações dolorosas de Jó, e repetem gemidos que parecem vir das profundezas do abismo: Miseremini mei! miseremini mei! Saltem-vos amici mei quia manus Domini tetigit me! Tende piedade de mim, tende piedade de mim, pelo menos vós que sois meus amigos, porque a mão de Deus me feriu. Sim, a mão da Justiça de Deus feriu as pobres almas para santificá-las, purificá-las e torná-las dignas do céu.
Com a Igreja, nossa Mãe vestida de luto, vamos chorar nossos mortos, e, rezando por eles, reafirmar nossa fé na imortalidade de nossa alma e na ressurreição da carne. Digamos de coração: Requiem aeternam dona eis Domine, et lux perpetua Iuceat eis. Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno, e brilhe para elas a luz perpétua!
Origem do dia dos mortos
A oração pelos mortos é tão antiga como a Igreja, ou como está já provado, tão antiga como o Antigo Testamento, pois quem não se recorda da oração e dos sacrifícios ordenados por Judas Macabeus e a expressão: é útil e salutar orar pelos mortos? Sempre na Igreja se fizeram preces e foi oferecido o Augustíssimo Sacrifício dos Altares pelo alívio dos mortos. Todavia, não existiu sempre um dia especialmente dedicado aos sufrágios e à lembrança piedosa dos fiéis defuntos. A comemoração dos fiéis defuntos de 2 de Novembro vem do tempo de Santo Odilon, célebre abade de Cluny de 994 a 1049. Antes deste grande Santo, já muitos mosteiros tinham um dia especialmente consagrado ao sufrágio dos monges falecidos, segundo se depreende dos martirológios e necrológios. Eram comemorações reservadas apenas ao Mosteiro, em caráter particular. A iniciativa de Santo Odilon consistiu em estender a todos os fiéis defuntos os benefícios e sufrágios destas comemorações particulares e reservadas só aos monges de determinados mosteiros.
Segundo o monge Jotsald na obra “De vita et virtutibus sancti Odilonis abbatis”, houve um fato extraordinário que determinou esta comemoração geral. Um peregrino de Rodez, que conhecia muito bem as virtudes e os trabalhos de Santo Odilon, na volta de uma peregrinação a Jerusalém, naufragou e foi dar numa ilha deserta. Lá teve umas visões misteriosas de grandes incêndios, e ouvia gritos e gemidos de pobres almas do purgatório que diziam: “Somos aliviadas pelas orações e pela caridade do servo de Deus Odilon e pelos monges de Gluny”. O peregrino logo que se viu salvo, procurou o Mosteiro de Cluny e contou o que ouvira. Donde a origem da comemoração dos mortos, pois Santo Odilon daí por diante trabalhou para estendê-la a toda a Igreja. No século XI já era conhecida e praticada em toda Igreja do Ocidente. Com o tempo foi se tornando mais solene, até que nos últimos anos obteve os ricos tesouros de indulgências e missas de que já falamos.
Na vida de Santo Odilon, tirada das Acta Sanctorum ordinis Sancti Benediciti, se encontra o decreto da Instituição da Comemoração dos Mortos. Ei-lo: “Pelo nosso beato Pai Dom Odilom e consentimento e súplica de todos os padres de Cluny, foi decretado: “Como nas igrejas de Deus que se erguem em todo o orbe terrestre se celebra no dia das kalendas de Novembro a festa de Todos os Santos, assim entre nós se fará, segundo o costume das festas, comemoração de todos os fiéis defuntos que viveram desde o começo do mundo até o fim, de tal maneira: no mesmo dia acima dito, depois do Capítulo farão esmola de pão e vinho a todos os pobres que aparecerem como é costume fazer na ceia do Senhor. Neste mesmo dia, depois da assembleia das Vésperas, soarão todos os sinos e se cantarão as Vésperas pelos defuntos. No dia seguinte, depois de Matinas, tocarão de novo todos os sinos e se fará o ofício pelos defuntos, etc”. E desde então começou, até ser hoje o que vemos, a solenidade da Comemoração dos fiéis defuntos.
Resoluções
Façamos o propósito de guardar bem as lições deste dia, gravadas em nossa alma.
A lembrança dos mortos há de ser embalsamada pelo perfume da oração e a caridade do sufrágio. Seja o Dia de Finados o dia da nossa grande dedicação para com os mortos. Ouvir a Santa Missa, receber a Santa Comunhão e visitar o cemitério, se possível. Podemos carinhosamente adornar de flores os túmulos queridos. Todavia, que estas flores simbolizem a nossa oração e venham depois ou juntas com nossos sufrágios. Flores e lágrimas sentimentais e estéreis, nada aproveitam aos mortos, já o dissemos e repetimos. Não se deixe o essencial pelo acessório. O útil pelo supérfluo. Vamos ao cemitério sem vaidades e com espírito de fé. Lá procedamos como verdadeiros cristãos, com todo respeito. Meditemos seriamente em nosso destino eterno. Digamos como São Camilo de Lellis: “Ó, si estes que aqui estão nos túmulos pudessem voltar, como haviam de ser santos e trabalharem pela sua salvação! Estes já foram e eu também irei um dia! Mais tarde me visitarão também num cemitério!”.
Estou preparado? A morte virá quando eu menos pensar. Meu Deus! Tende piedade daqueles que talvez estejam sofrendo no purgatório por minha causa!
Enfim, quanta reflexão grave e decisiva não pode nos vir num cemitério!
São Silvestre, abade, se converteu e se santificou à vista do cadáver em corrupção, cadáver de um grande amigo que viu ele num túmulo aberto, em estado lamentável de corrupção. A oração do Santo no Breviário, lembra esta passagem quando assim reza; “Ó clementíssimo Deus, que vos dignastes chamar à solidão o santo abade Silvestre, quando ele meditava piedosamente sobre a vaidade deste mundo, em um túmulo aberto, assim como o ornastes com os méritos de uma vida ilustre, humildemente vos suplicamos que imitando o seu exemplo, desprezemos os bens terrenos a fim de gozarmos eternamente a vossa companhia”.
É o que precisamos fazer no dia dos mortos: contemplar os túmulos e procurar a solidão de uma meditação grave. Pensarmos em nossa vida futura. Não é mister que se abram os túmulos e presenciemos, como São Silvestre, o espetáculo horrível da corrupção a que havemos de chegar um dia. Sobre os túmulos fechados há muito que meditar, há muita lição que aprender num cemitério! Tomemos a resolução, pois, repito, de visitarmos os mortos para aprendermos a viver. Façamos do dia de finados o dia da nossa grande e generosa caridade para com os fiéis defuntos.
Exemplo
O livreiro de Colônia
Guilherme Freyssen foi um célebre livreiro de Colônia, do qual se contam duas graças extraordinárias alcançadas pela devoção às santas almas do purgatório. Ele havia narrado estas graças numa carta escrita no ano de 1649 ao Revmo. Pe. Tiago de Monfort, da Companhia de Jesus. Eis a carta:
“Meu Padre, eu vos escrevo esta para vos contar a dupla cura de minha mulher e de meu filho. Durante os dias feriados em que fechei minha livraria e tipografia, fiquei recolhido em casa e tomei um livro bom e piedoso, para leitura. Eram os originais de uma obra que ia imprimir sobre as almas do purgatório. Estava ocupado nesta leitura, quando me vieram dizer que meu filho estava com os sintomas de uma doença muito grave. A doença progrediu rapidamente e a criança estava em perigo sério de vida. Os médicos não deram mais esperanças. Já se pensava mesmo nos funerais. Nesta grande aflição e vendo baldados todos os recursos humanos, resolvo fazer um pedido ao Senhor pelas almas do purgatório e fiz uma promessa: distribuiria gratuitamente cem exemplares do livro que tratava do purgatório e recomendava a devoção às santas almas. Uma grande esperança encheu meu coração. Entrei logo no quarto do filho e o encontrei muito melhor. No dia seguinte, contra toda expectativa, o menino estava completamente curado e restabelecido. Cumpri meu voto. Fiz logo propaganda da obra. Passaram-se três semanas e uma doença grave veio atingir minha mulher. Tremia ela por todo corpo e se atirava ao chão, em convulsões, até ficar sem sentidos. Chegou a perder o uso da palavra. Empregaram-se todos os meios possíveis para salvá-la, mas tudo inutilmente. O confessor que a assistia só tinha palavras de consolo. Quanto a mim, não perdi a esperança. Tinha grande confiança nas benditas almas do purgatório. Voltei à igreja e prometi distribuir, desta vez, duzentos exemplares do livro a fim de conquistar muitas almas para a devoção às santas almas. Mal saía da Igreja quando os criados me vieram dar a notícia feliz de que minha mulher estava bem melhor. E assim era. Encontrei minha mulher mais bem disposta, e poucos dias depois estava perfeitamente curada. Fui fiel em dar os livros prometidos e sempre fui muito grato às almas do purgatório.”. (Hautin, Puteus defunctorum Lib. I - C. V. Art. 3.).