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XI.
Mas devemos também persuadir-nos, que a secura espiritual não é sempre um castigo, mas muitas vezes disposição de Deus para nosso maior bem, e também para nos conservar humildes. Em ordem a que São Paulo se não tornasse vaidoso, com as mercês que tinha recebido, permitiu o Senhor que ele fosse molestado com tentações de impureza: «E para que a grandeza das revelações me não exaltasse, me foi dado e estímulo de minha carne, anjo de Satanás, para atormentar-me.» (2 Cor. XII 7.) Aquele que ora a Deus com espiritual doçura e deleite, bem pouco faz. «É um amigo e companheiro à mesa, mas me deixará no dia de aflição.» (Ecl. VI. 10.) Vós não considerais como verdadeiro amigo, aquele que só vier à vossa mesa, e tomar parte em vossos divertimentos; mas sim aquele que vos vem valer nos trabalhos, e vos acudir nas tribulações, sem que disso tire vantagem própria.
Quando Deus manda a obscuridade e desolação, é para pôr à prova os Seus verdadeiros amigos. Paladio, tendo sofrido grande secura espiritual na oração, foi consultar São Maurício, que lhe disse: «Quando o inimigo vos tentar para que deixeis a oração, dizei-lhe: Eu me satisfaço de aqui ficar pelo amor de Jesus Cristo, e mesmo só para guardar as paredes desta cela.» Tal deve ser a vossa resposta, quando fordes tentado a não continuar na oração, porque vos parece que nisso perdeis tempo. Dizei nessas ocasiões: «Aqui estou para agradar a Deus.» São Francisco de Sales, diz que, «se nós nada mais fazemos quando rezamos, do que afastar distrações e tentações, que rezamos bem. Taulero também diz, que aquele que no tempo da secura espiritual perseverar na oração, lhe concederá Deus maiores graças, do que aquele que orar com sensível devoção. O padre Rodrigues diz, que um certo homem confessava que pelo espaço de quarenta anos não tinha experimentado consolação alguma na oração, mas que naqueles dias em que orava, se sentia mais forte em virtude, porém que senão orava conforme o costume, se sentia possuído de tal fraqueza, que estava inteiramente incapaz de fazer obra alguma boa.
São Boaventura e Gerson dizem, que muitos, que durante a oração não tem a atenção que desejam, servem mais a Deus do que outros que a conservam; porque esta falta os obriga a serem mais diligentes: pois que, se assim não fosse, se poderiam tornar negligentes e soberbos, na idéia de que haviam achado o que procuravam. E o que temos dito da secura espiritual, podemos também dizer das tentações; porém, se Deus permite que sejamos tentados, ainda que devemos trabalhar para evitar as tentações, sejam estas contra a pureza, ou contra qualquer virtude, não devemos lastimar-nos; mas também nisto resignar-nos à divina vontade. São Paulo, quando ele deprecava para ser livre de tentação impura, respondeu o Senhor: «A minha graça te é suficiente.» (2. Cor.XII 9.) E assim, quando Deus nos não concede a mercê de vivermos libertos de tentações que nos molestam, digamos, Senhor faze e permite o que quiseres: a Vossa graça me é suficiente; mas dá-me o Vosso auxílio para que eu não a perca. Não são as tentações, mas o consentir nelas, que nos priva da divina graça. Quando resistimos as tentações, tornamo-nos mais humildes, e adquirimos mais merecimento, que nos induz a recorrer a Deus com mais frequência, e nós estamos mais longe de O ofendermos, unindo-nos mais intimamente a Ele com o Seu Santo amor.