sexta-feira, 18 de junho de 2010

Vida eucarística de Maria no Cenáculo

Vida eucarística de Maria no Cenáculo
(escritos e sermões de São Pedro Julião Eymard)



O amor pede mais que as homenagens assíduas da conversação e da presença. Pede comunhão de vida.

Maria, no Cenáculo, vivia da vida eucarística de Jesus. Assim como partilhava a vida de Seu Filho em todos os Seus ministros - pobre como Ele em Belém, escondida em Nazaré, perseguida durante a Sua vida evangélica, imolada na hora de Sua vida padecente - assim também devia, com maior razão, viver da vida eucarística do Salvador, fim e coroação de todas as outras.

Ora, a vida de Jesus no Santíssimo Sacramento é uma vida escondida, uma vida interior, vida sacrificada. Tal foi também a vida da Augusta Virgem durante os últimos vinte e quatro anos se Sua peregrinação terrena.

Vida escondida

Jesus leva uma vida escondida no Santíssimo Sacramento. Aí honra o silêncio e a solidão, as duas condições essenciais da vida em Deus. Aí está morto ao mundo, à glória, aos bens, aos prazeres do século. Sua vida é toda ressuscitada e toda celeste.

Tal a vida de Maria depois da Ascensão de Seu divino Filho. Retira-se para o Cenáculo, no monte Sião, e envolve-se na obscuridade e no esquecimento. Os santos evangelistas não repetirão mais Suas palavras admiráveis; não reproduzirão, para edificar nossa piedade, Suas ações santas, Suas virtudes tão puras; deixaram-na no Cenáculo, ao pé da adorável Eucaristia, no exercício habitual de adoração humilde e aniquilada.

Vivendo esse centro de Amor, está de agora em diante morta ao mundo com Seu divino Filho. A Hóstia Santa é-lhe todo o bem, toda a glória, toda a felicidade. Não está ela toda entregue ao Seu Jesus?

Tal também deve ser a vida dos adoradores, filhos de Maria. Devem estar mortos ao mundo profano e terreno; a vida ressuscitada de Jesus deve ser o princípio de sua vida sobrenatural; as espécies eucarísticas, silenciosas e solitárias, devem levá-los a fugir do mundo, a só ter com ele as relações impostas pelo seu estado e pelas conveniências sociais, e assim proporcionar às suas almas alguns momentos de liberdade e de paz para visitar o Deus oculto no Santíssimo Sacramento.

Pois em absorver de tal forma os homens pela vida exterior, pelas exigências tirânicas dos negócios terrenos, e não deixar um momento à alma e a Deus, está a escravidão do mundo e a tentação de Satanás. Ora, a primeira condição de vida cristã e eucarística é a liberdade espiritual, a isenção de toda servidão mundana; é saber dar à alma o repouso e o Pão de vida, sem os quais está condenada a morrer.

Vida interior

No Santíssimo, Jesus leva uma vida toda interior. Está perpétuamente a prestar a homenagem de Si mesmo ao Amor e à Graça do Pai, cujas perfeições Sua alma humana está sempre a contemplar.

Em Seu estado sacramental, Jesus continua as virtudes de aniquilamento de Sua vida mortal. Essa humildade levou-O a rebaixar-Se até tomar a forma de escravo. Aqui, humilha-Se até revestir as espécies de pão, une-Se a uma mera aparência de ser, atinge o derradeiro limite do nada.

Na Eucaristia, Jesus continua Sua pobreza. Do Céu só traz Sua Pessoa adorável, Seu amor, contando com a hospitalidade do homem, embora tendo a dum simples presépio, dele esperando os paramentos de Seu culto e a matéria de Seu Sacrifício.

Na Eucaristia, Jesus continua Sua obediência, que se torna maior, mais universal. Obedece a todos os sacerdotes, a todos os fiéis, até a Seus inimigos. Obedece dia e noite, obedece sempre. Não quer ter nem escolha, nem liberdade. O amor a tudo despreza.

Na Eucaristia, Jesus continua Sua vida de oração; mais ainda, a oração torna-se a única ocupação de Sua alma. Jesus contempla Seu Pai, contempla-Lhe a grandeza e a bondade; adora-O, pelo rebaixamento profundo que associa a Seu estado de glória; agradece-Lhe incessantemente os dons e os benefícios concedidos aos homens; pede continuamente para os pecadores a graça da misericórdia e da paciência divina; solicita a todo momento a caridade do Pai celeste em favor daqueles que foram remidos pela Sua Cruz.

Tal a vida contemplativa de Jesus. Tal também a vida de Maria. Ela honra em Si mesma as virtudes humildes de Jesus; fá-las reviver numa perfeita imitação. Com Deus escondido, quisera ser uma mera aparência humana, toda mundana, toda transformada na vida de Jesus.

Maria é pobre, tão pobre quanto Jesus no Sacramento do Altar; mais pobre ainda, já que pode sentir de fato as necessidades e privações da santa pobreza.

Vive de obediência, não somente em relação aos Apóstolos, mas até a os últimos ministros da Igreja e da sociedade. É simples, doce na obediência, e alegra-se de poder obedecer como Jesus!

Mas a vida interior de Maria reside principalmente no amor que tem ao Seu divino Filho, partilhando com Ele todos os Seus pensamentos, todos os Seus sentimentos, todos os Seus desejos. Ela nunca perdia a lembrança da Presença de Jesus; unia-Se incessantemente à Sua oração e às suas adorações; vivia n'Ele e para Ele, recolhida na contemplação ininterrupta de Sua Divindade e de Sua santa Humanidade, toda submissa, toda entregue à influência de Sua graça.

Que o agregado imite com Maria as virtudes interiores de Jesus no Santíssimo Sacramento e se aplique com constância e paciência à prática da virtude do recolhimento, ao exercício da contemplação de Jesus, pelo silêncio, pelo esquecimento das criaturas, pelos atos de união, fervorosa e repetidos.

Ditosa a alma que compreende essa vida de amor, que a deseja, que a pede sem descanso, que nela se exercita sem cessar! Tal alma já conquistou o reino de Deus em si.

Vida sacrificada

Maria adorava Seu querido Filho nesse novo Calvário onde Seu amor o crucificava e apresentava-O a Deus pela salvação de Sua nova família. A lembrança de Jesus na Cruz, com Suas Chagas abertas, renova-Lhe na alma o martírio de Sua compaixão. Parecia-Lhe estar a ver, na Santa Missa, o Seu Jesus Crucificado, derramando o Seu sangue com efusão, por entre as dores e os opróbrios, abandonado dos homens e de Seu Pai, e morrendo no ato supremo de Seu amor.

Depois de adorar, na Consagração, o Seu Filho presente sobre o Altar, Maria vertia lágrimas abundantes sobre o seu estado de vítima, à vista sobretudo dos homens, que, não fazendo caso do augusto Sacrifício, tornavam estéril, para suas almas, este Mistério da Redenção; à vista ainda daqueles que ousavam ofender, desprezar esta Vítima adorável, ofertada sob seus olhos e para sua própria salvação.

Maria, teria querido sofrer mil mortes a fim de reparar tamanhos ultrajes, pois os desgraçados que se tornavam réus eram Seus filhos, aqueles que Jesus Lhe confiava.

Pobre Mãe! Não Lhe bastou, porventura, o Calvário? Por que renovar diariamente Suas dores e ferir-Lhe o coração com esses novos gládios de impiedade? Todavia, como a melhor das mães, em vez de repelir, de amaldiçoar os pecadores, Maria tomava sobre Si, com Jesus, a dívida de seus crimes e expiava-os pela penitência; constituía-se vítima aos pés do altar, implorando graça e misericórdia pelos filhos culpados.

À vista de Sua santa Mãe imolando-Se com Ele, Jesus Se consolava do abandono dos homens e então prezava os sacrifícios que tanto Lhe custaram, preferindo esse Seu estado de aniquilamento e de opróbrio à Sua glória. Maria O compensava de tudo, e Seu amor encontrava indizível satisfação em acolher Sua oração e Suas lágrimas, derramadas pela salvação do mundo.

Que os adoradores saibam, pois, unir-se com Maria ao Sacríficio de Jesus, a fim de serem eles mesmos uma consolação para a Augusta Vítima. Que o sofrimento voluntário, abraçado por amor, tenha um lugar em sua vida; que se tornem salvadores com Jesus, completando em si mesmos aquilo que faltou à Sua Paixão eucarística.

(A Divina Eucaristia, escritos e sermões de São Pedro Julião Eymard)

PS: Grifos meus