O devotamento aos filhos,
consolidação da harmonia conjugal
Para viver em perfeita harmonia, os esposos devem partilhar os múltiplos cuidados relativos à saúde dos filhos, à formação de seu caráter, à sua educação moral e religiosa e a seu futuro social. Estes cuidados aumentam com o número dos filhos. Mas, muito longe de constituir um obstáculo para a intimidade conjugal, eles contribuem para consolidar e estreitar a união dos corações numa mesma vontade de dedicação.
Os filhos se tornam, assim, uma ocasião de alegria para os pais, e tanto mais profunda quanto mais os pais tiverem consciência de ter cooperado juntamente para a sua formação moral. Que alegrias podem ser comparadas às alegrias dos pais que assistem ao desenvolvimento de suas faculdades? Chegados à idade madura como não haveriam de amar-se mais ainda ao recordar os esforços e devotamentos comuns que tiveram como resultado a formação da personalidade da qual legitimamente se orgulham?
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O número dos filhos, uma vez que estes sejam bem-educados, longe de ser uma ocasião de empobrecimento da sociedade familiar, quase sempre é a fonte de uma grande prosperidade. Se a família numerosa conhece anos difíceis enquanto os filhos forem demasiadamente jovens para o trabalho, ela entra numa fase de grande atividade produtora quando os filhos começam a revelar o valor de suas energias de trabalho acumuladas no decurso da infância laboriosa.
É um fato que o gosto pelo trabalho, o sentimento da dedicação e da atividade, a aptidão em se adaptar às dificuldades da vida geralmente são muito mais desenvolvidas no filho de uma família numerosa do que no filho único. Preparar o filho para as lutas da vida é fazê-lo partilhar dos cuidados e das dificuldades de uma família numerosa. Até mesmo as privações servem para modelar as vontades e os caracteres.
O adolescente que sabe que seu futuro está assegurado graças à fortuna dos pais, é facilmente tentado a não fazer nada. Não é com o dinheiro que se fortalecem as energias.
Quanto mais os pais derem o exemplo de trabalho e devotamento, tanto mais os filhos serão levados a imitá-los e a segui-los. Trata-se de preparar homens e não rendeiros. O verdadeiro amor não consiste em entorpecer o filho pela perspectiva de uma bela situação financeira, mas em obrigá-lo a não ter confiança senão em seus esforços pessoais. Os sábios não são os que têm medo da vida, mas o que lhe aceitam corajosamente os riscos e os trabalhos.
É lamentável que a inviolabilidade das consciências não nos permita conhecer o número dos esposos que restringem o número de seus filhos por motivos de consciência, comparado ao dos esposos que o fizeram por amor aos prazeres e por medo das responsabilidades. O número destes últimos se elevaria certamente a proporções consideráveis em relação ao dos outros.
Contaram-me recentemente a seguinte anedota:
Uma senhora tomara-se de amores, num jardim público, por uma menina que brincava sempre sozinha e parecia não gostar muito. Tendo perguntado à criança se ela não seria feliz em ter um irmãozinho para dividir com ele os brinquedos, a criança, entusiasmada pela idéia e toda radiante de esperança, precipitou-se em direção à sua mãe e diz: "Mamãe, dê-me um irmãozinho". E a mãe responde com estas odiosas palavras: "Se eu te der um irmãozinho, serás menos feliz porque precisarás dividir com ele tudo o que eu te dou, doces, carícias e beijos". A infeliz não compreendia que ao falar assim ela matava em sua raiz os mais generosos sentimentos se sua filha. Mas a criança deu à mãe uma severa lição, afirmando que sua alegria seria precisamente dividir com o irmãozinho tudo o que ela possuía. Perturbada com estes argumentos, a mãe não encontrou senão uma resposta: "Muito bem! dar-te-ei um cãozinho!"
Eis como uma mãe, deformada pelo egoísmo, pode chegar a comparar o devotamento a um animal ao devotamento a um irmãozinho. Semelhantes histórias não merecem comentários. Elas dizem muito sobre os desvios sentimentais de alguns de nossos contemporâneos. Com efeito, vêem-se mulheres recusar filhos, enquanto que aceitam, por causa de seus animaizinhos, incômodos e fadigas consideráveis...
Disposições morais tão contrárias à lei divina e à generosidade do coração não podem senão prejudicar à evolução normal do amor, tanto conjugal como paterno e materno.
Os pais que tomam a decisão de não criar mais que um filho preparam os mais graves desvios da personalidade de tal filho. Por exemplo, como farão eles nascer na consciência dele a noção de justiça, se nunca tem algo a dividir com irmãos e irmãs? Como conhecerão suas paixões, que não se manifestam a não ser durante as brincadeiras e contatos cotidianos entre filhos de uma mesma família?
O filho único não se conhece e muito menos o conhecem seus pais. Eles são incapazes de prever quais serão as suas reações diante das tentações e das lutas do futuro. Numa família numerosa, a vida em comum dos filhos espontâneamente faz aparecer as boas e as más tendências de cada natureza.
Os pais do filho único dificilmente reagem contra seus caprichos. Para ter paz, satisfazem suas vontades sem se preocuparem com as conseqüências. O filho começa a impor a própria vontade e o consegue com grande facilidade, uma vez que não se acham presentes os irmãos e irmãs para protestarem e fazerem valer seus direitos. Não há ocasião de descobrir as deploráveis conseqüências de seus atos sobre os que o cercam...
Na família numerosa o filho é constantemente obrigado a pensar nos outros e a eles se dar. Sua personalidade insensivelmente é modelada para o devotamento. Estou persuadido de que um estudo aprofundado da mentalidade dos adultos teria como resultado provar que os homens mais egoístas, os mais preocupados com os próprios desejos, os mais indiferentes às injustiças sociais são, na maioria das vezes, filhos únicos.
Eles não tiveram, na sua infância, a ocasião de lutar contra seu egoísmo natural. Os cidadãos mais devotados e mais desinteressados, ao contrário, são recrutados entre os filhos de famílias numerosas. Não se habituaram eles, desde pequenos, a dividir com os outros suas alegrias, penas e trabalhos?
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Poderíamos seguir o mesmo raciocínio com relação à maioria das qualidades humanas. Tomemos o exemplo da coragem em face do trabalho. No caso de uma família numerosa, os filhos, são testemunhas das lutas e das fadigas de seus pais. Vêem seu pai procurar melhorar de situação, não por ambição ou para proporcionar-se meios de diversão, mas unicamente por amor a seus filhos e para que não lhes falte o necessário.
São testemunhas dos sacrifícios que sua mãe constantemente faz para prover às necessidades do lar. Se ela mesma procura não fazer gastos inúteis, ao mesmo tempo está incitando os filhos a não descuidarem de seus negócios para ajudar ao bom equilíbrio do orçamento. Daí resulta uma atmosfera de economia, de trabalho que distingue cada um dos membros da família, preparando-o para os esforços do futuro.
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O filho toma facilmente conhecimento da dedicação que os pais lhe prodigalizam. Se ele for o único a receber seus cuidados e atenções, deles aproveitará sem que seu coração desperte para o reconhecimento. Está de tal modo habituado com a dedicação materna, que se porta como um cego, que não vê nem a claridade do dia. Na família numerosa, ao contrário, cada filho é testemunha do que fazem os pais junto aos irmãozinhos, dos cuidados dispensados ao doente, das preocupações provocadas pela conduta de um ou de outro. O devotamento que o filho não teria descoberto se se tratasse de filho único, ele o constata todos os dias por causa de seus irmãos e irmãs.
A formação do caráter está ligada às múltiplas reações da vida cotidiana. Não é um adágio popular que as implicâncias formam o caráter? Mas o que começa quase sempre em disputas normalmente acaba, entre irmãos, em reconciliações. Graças à vida em comum o filho, aprende a melhor conhecer a si mesmo.
Um é obstinado, outro quase não conhece argumentos notáveis, um terceiro é sempre tentado a ceder e a deixar-se convencer. Se um dos filhos mentir, os outros logo cuidarão de o denunciar; se outro abusar de sua força, imediatamente será levado diante do tribunal paterno. Aquele que se recusar a um trabalho coletivo, logo será obrigado pelos outros a corrigir a preguiça.
Numa palavra, tão somente o jogo das forças coletivas da família em breve faz manifestar e corrigir os excessos e os egoísmos individuais. Nada de semelhante se dá quando o filho está sempre sozinho diante de si mesmo.
A explosão espontânea das paixões infantis desperta a atenção dos pais e leva-os a ver e a compreender o que certamente lhes teria escapado se se encontrassem diante de um filho úncio. Estas descobertas fazem com que eles exerçam uma autoridade cada dia mais esclarecida e façam uma idéia mais advertida e mais aprofundada de suas responsabilidades.
O pai e a mãe unidos numa mesma vontade de educação moral exercem sua autoridade em condições particularmente favoráveis e realizam, com relação a todos os filhos, o ideal de uma sociedade onde reinam a paz e a justiça. Exigem de cada um esforços proporcionais às suas capacidades e todos têm direito de esperar da autoridade deles os juízos que farão de cada um segundo seus direitos e necessidades.
O fato de melhor conhecer os filhos terá como resultado facilitar a união dos esposos. Tendo múltiplas ocasiões para se preocupar juntamente com a formação moral (e espiritual) dos filhos, sua intimidade somente se aprofundará. Nada mais favoráveis à harmonia do que estar obrigado a refletir em comum, a procurar junto os melhores métodos de educação, e preocupar-se dos dois com o futuro de cada um dos filhos.
Às preocupações comuns virão juntar-se as alegrias comuns. As alegrias que não repousam senão na união conjugal são precárias. tendem a diminuir e a restringir-se com o tempo. As que têm origem nos filhos são mais duráveis, pois são mais desinteressadas.
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A alegria de uma família repousa, em grande parte, na presença de filhos pequenos. De certo modo o pequeno faz rejuvenecer a todos os que o cercam. Todos o amam porque é fraco e ainda não causou sofrimentos a ninguém. Traz ele consigo as promessas do futuro. Seu sorriso faz esquecer as penas e os sofrimentos da vida. É por isso que uma família que vê aparecer um novo filho conhece alegrias tão puras; essas contribuem poderosamente para a união e a boa vontade de todos os seus membros.
Até os avós, vendo-se rodeados de tantos netos, como que rejuvenescem. O enternecimento que experimentam em presença deles não ocasiona uma união mais íntima num mesmo sentimento de alegria e de reconhecimento a Deus?
A presença de crianças contribui para melhorar o caráter dos adolescentes e dos adultos. O adolescente é objeto de tentações particulares: da carne, do egoísmo sentimental e da independência. Quer viver sua vida e com dificuldade suporta as obrigações e os sacrifícios da vida em família. Discute e sempre quer ter razão. É levado a procurar fora da família as afeições de que seu coração necessita. Estas tentações encontram, de certo modo, um antídoto natural, na presença das crianças. A presença de um irmãozinho ou de uma irmãzinha contribui para conservar na família o coração dos adolescentes; é como que um derivativo para as suas tentações juvenis.
A criança rejuvenesce a atmosfera familiar e facilita, assim, a união e a intimidade de todos os membros.
(Harmonia conjugal, pelo Cônego J. Viollet)
PS: grifos meus.