Capítulo III
O coração deve ser regrado
Que se deve entender por esta expressão: coração regrado?
Deve entender-se um coração que ama o belo e se liga ao bem.
Um arcebispo de Mogúncia dizia: "O coração humano é como a mó dum moinho; se se lhe deita trigo, esmaga-o e transforma-o em farinha; se nada se lhe deita, gira sempre, e gasta-se por si próprio"
(Michelet)
Artigo I - O amor do belo
Por que é importante despertar no coração o amor pelo belo?
Porque:
1º - "Teoricamente, o conhecimento daquilo que é belo é o verdadeiro caminho e o primeiro escalão para o conhecimento das coisas que são boas; as leis, a vida e a alegria da beleza, nas coisas do mundo material, são partes tão sagradas e eternas da obra do Criador, como a virtude no mundo dos espíritos."
(Ruskin, citado por P. Gaultier, ob. cit., p.47)
2º - "Praticamente, só a visão do belo desprende a alma de tudo o que é pequeno e mesquinho, depura a sensibilidade de todo o egoísmo, inflama nos nossos corações a sede da perfeição infinita. Contemplamos os tipos radiosos e transfigurados que a arte faz resplandecer aos nossos olhos, sentimo-nos maiores, mais livres, mais fortes, mais inclinados às ações nobres e aos sentimentos generosos, melhores; numa palavra: mais homens, mais semelhantes a Deus. Aí se encontram juntos o afeto e a condição da emoção estética, que é feita de simpatia e de admiração; porque, se admirar é imitar, é certo também, diz Plotin, que, se a alma se não faz bela, não se distingue a beleza."
(R.P. Lahe, filosofia, t. I, p. 362)
Como se pode despertar na criança este amor pelo belo?
Educando-a num meio de beleza.
"Que a criança não veja em volta de si nada que não seja belo! Dever-se-á preservá-la da fealdade e da imoralidade... duas coisas que, frequentemente, andam juntas"
(P. Gaultier, ob., cit., p.48)
É difícil embelezar a casa onde a criança deve crescer?
1º - Nem todos têm recurso para viver numa habitação à medida dos seus desejos.
2º - Mas nada mais fácil do que embelezar uma casa.
3º - Seria conveniente dar à criança um quarto bem situado, alegre, bem revestido e ornado, onde ela possa sentir um coração terno que atrai e a mão afetuosa de alguém que protege e encaminha. Faz-se assim geralmente, com as filhas. Sob vários pretextos, não se procede deste modo, quando se trata dos rapazes. Cremos, no entanto, que se obteriam vantagens em fazer alguma coisa neste sentido.
É difícil embelezar a escola que a criança frequenta?
Nem todas as escolas podem ser aprazíveis casas de campo, vilas ou casas de recreio; mas, ao menos, que o ar e a luz entrem a jorros em todas as salas, que o interior seja alegre, com tons claros, ornado com algumas obras... e que a verdura espalhe livremente os seus tons consoladores nos pátios onde as crianças brincam.
Artigo II - O amor do bem
Como podemos despertar na criança o amor do bem?
Observando atentamente, para que o bem seja celebrado com amor, praticado com generosidade, defendido com desinteresse.
Procedendo de maneira que, no espírito da criança, o bem esteja sempre em evidência, circundado de luz, aureolado e venerado. Nunca permitindo que a criança se afeiçoe a quem a lisonjeia ou acaricia, de preferência a quem a repreende para a instruir, ou a corrige para a tornar melhor.
De que forma pode o bem orientar o coração das crianças?
Reservando para um outro livro o amor da virtude e o amor da Igreja, que são mais da ordem sobrenatural, diremos aqui que é preciso inspirar à criança:
1º - O amor da família;
2º - O amor dos pobres;
3º - O amor do trabalho;
4º - O amor do dever;
5º - O amor da pátria.
1º - O amor da família
Que é que se deve amar na família considerada como família?
1º - Deve-se amar a honra do nome. Este nome, os antepassados levaram séculos a criá-lo; fizeram-no de probidade, de inteligência, de glória, talvez; transmitiram-no de geração, engrandecendo-o, acreditando-o, fazendo-o subir cada vez mais na estima dos homens. O primeiro dever daqueles que o usam é não o desonrar.
"Quando me vejo obrigado por um dever doloroso a revelar a um pai ou a uma mãe um desses comportamentos que fazem que um jovem não seja mais que um apóstata desta honra hereditária, vejo todo o sangue dos avós subir-lhe ao rosto, revoltado, indignado.
- Que desgraçado! Que fez ele do bom nome de seus pais?
E vejo correr de seus olhos lágrimas silenciosas"
(Mgr. Baunard, Deus na escola, t. I, p. 85-86)
Não obstante, se é preciso conservar nobremente o bom nome dos antepassados, porque é uma glória, torna-se necessário conservá-lo com modéstia e com receio, porque é um fardo...
2º - É preciso amar o espírito da família, quer dizer, este conjunto tradicional de convicções, de virtudes e de princípios domésticos que constituem o patrimônio sagrado de toda a família cristã; "Estes são os nossos princípios"! Diz-se assim das verdades que se amam. Princípios políticos, sem dúvida, mas também princípios religiosos.
"Belas famílias aquelas em que se anda aos grupos e como que em coro pelo caminho do céu, à maneira das estrelas que gravitam em constelações no firmamento."
(Mgr. Baunard)
Temos o nosso lugar marcado diante do crucifixo para a oração comum, na igreja paroquial, nas obras de caridade, de piedade, de zelo, de propaganda, etc.
3º - É preciso amar a vida da família
Haverá, com efeito, dias comparáveis aos que se passam com o pai e a mãe, em companhia dos irmãos e irmãs? E que inquietação me inspiram esses jovens e donzelas que acham longas as horas passadas no lar, e que voltam, com impaciência, os seus olhares para esses regiões longínquas donde lhes vêm certos bafejos de liberdade prejudicial e nas quais aspiram secretamente a ir perder aquilo que o Evangelho chama a sua substância, quer dizer, a sua alma, e bem assim, ao mesmo tempo, a sua felicidade, vivendo luxuriose (vivendo luxuriosamente - N.T)
É preciso amar as reuniões de família, quer à mesa, quer noutra parte; quer sejam periódicas, quer habituais. É preciso que ser transforme em lei a celebração das festas de família, das festas dos padroeiros, das festas de aniversários natalícios dos pais ou avós. O culto doméstico tem, como o outro, as suas festas obrigadas, a quem não se deve faltar.
Quais devem ser, no seio da família, os beneficiários do amor das crianças?
São:
1º - O pai e a mãe;
2º - Os irmãos e irmãs;
3º - Os avós;
4º - Os tios e tias;
5º - Os padrinhos e madrinhas.
1º - O amor dos pai e da mãe
Há necessidade de sacrificar o afeto do coração?
Sim, porque, apesar das aparências, o amor nas crianças, mesmo o amor filial, não é inato; tem necessidade de se criar...
"Em geral, a natureza - naquilo que inspira amor - não se propõe senão salvaguardar a espécie. Assim, nos animais inferiores, que não precisam de proteção ou auxílio desde o nascimento, o afeto maternal e filial é imperceptível. Com efeito, esse afeto, parece ser despido do objetivo, porque os pequenos sabem, desde a primeira hora, prover às suas necessidades. Num grau mais elevado, vê-se a ave procurar o alimento conveniente aquecer e proteger a sua ninhada. No entanto, logo que os filhos crescem, o ninho ficará deserto e nada sobreviverá da solicitude nem do amor respectivos: nunca mais se reconhecerão. Seria assim a família humana, se o instinto não viessem juntar-se as considerações morais dos benefícios recebidos e o afeto raciocinado que desses benefícios resulta."
(Nicolay, As crianças mal educadas, p. 359)
A criança, entregue a si mesma, é capaz de fazer estas considerações morais que produzem o afeto?
Não.
Os pais devem, pois, fazê-las por seu lado, em sua intenção e em seu proveito.
Devem ensinar-lhe que foram eles que lhe deram a vida; que são eles que lhe proporcionam o lar, o calçado, o vestuário, a alimentação, etc.; são eles que a instruem ou a mandam instruir, lhe preparam o futuro e a colocam no caminho do céu; que são eles que, depois de Deus, lhe têm mais afeto e que, sem duvidam, tudo isto lhe faltaria, se fosse abandonada a si mesma.
Ouvi estas palavras tão encantadoras e tão verdadeiras:
"A criança cresce: pouco a pouco, a sua alma desenvolve-se; começa a compreender. Os diversos cuidados de que é objeto, as carícias que lhe prodigalizam, fazem nascer nela impulsos de ternura. O rosto de sua mãe que lhe sorri, a sua doce voz, que lhe fala, cativam os seus olhos e os seus ouvidos; torna-se atenta, e atribui os benefícios que recebe à mão que lhos dispensa. O reconhecimento começa a despontar, e a inteligência une-se á razão para fortificar o afeto... Bem depressa suas mãozinhas acariciam a mãe, um sorriso mostra que a conhece, na sua presença tenta balbuciar alguns sons... ela ama! É este o fruto das lições recebidas."
(Citado por Nicolay, ob. cit., p. 360)
II - O amor dos irmãos e irmãs
Como se pode criar nas crianças o amor dos irmãos e irmãs?
1º - Fazendo-lhes notar que os irmãos e irmãs têm o mesmo nome; têm o mesmo pai, a mesma mesa e os mesmos jogos; recebem a mesma educação; têm, geralmente, mais ou menos, as mesmas idéias, os mesmos gostos e sensivelmente as mesmas inclinações; que, por consequência, a simpatia é instintiva e o amor deve ser natural.
Qual a condição necessária deste amor?
É o respeito.
1º - "O respeito proíbe primeiro toda a palavra e toda a ação que, de perto ou de longe, poderia atingir a honra e a reputação;
2º - Proíbe em seguida, em nome da justiça, tudo o que poderia lesar os direitos duns e doutros: cada um deve contentar-se com a sua parte nos bens da família, e nenhum deve usar de adulação ou de fraude para se apoderar daquilo que lhe não pertence."
(Guibert, Cursos de moral teórica e prática, p. 208)
3º - A cautela contra a inveja
Quais são os frutos deste amor?
1º - É a edificação
"Porque os irmãos devem ser irmãos para sempre, e fraternidade não produzirá senão tristeza e desespero, se a sua duração final, ou melhor, a sua duração sem fim, não for eterna."
(Mgr. Baugard, Deus na escola, t. I, p. 462,464)
... A edificação dá-se pelo bom conselho e pelo bom exemplo.
2º - É a assistência.
Os mais velhos podem tornar-se no seio da família os preceptores e os mestres dos seus irmãos mais novos.
"São espetáculos que alegram os coros dos anjos."
(Mgr. Baugard, Deus na escola, t. I, p. 462,470)
"A sua missão tornar-se-á mais importante, se o pai ou a mãe faltarem: os irmãos e irmãs mais velhas assumem então as responsabilidades de chefes da família. O auxílio afetuoso deve, mesmo na idade madura, caracterizar as relações entre irmãos e irmãs."
(Guibert, Cursos de moral teórica e prática, p. 203)
Ajudam-se mutuamente com os seus conselhos e os seus bens, quando é necessário, sempre com as suas orações.
III - O amor dos avós
Como se pode despertar nas crianças o amor pelos avós?
1º - Ensinando-lhes, desde a mais tenra idade, que os seus avós são os papais e as mamães do seu próprio pai e de sua própria mãe e que, por conseguinte, se elas têm um papai e uma mamãe, devem-no, depois de Deus, a seus avós.
2º - Revelando-lhes que há, nos avós, uma reserva especial de afeto a favor das criancinhas.
3º - Fazendo-lhes notar que os avôs e as avós como estão numa idade avançada, merecem, por esses título, uma estima mais profunda, uma maior confiança e atenções mais delicadas.
4º - Dando-lhes sempre o exemplo das virtudes que elas devem praticar, não deixando passar nenhuma infração e vigiando que sejam cumpridas, a tempo e hora, as cerimônias afetuosas do dia de Ano Novo, dos dias santos, do aniversário, etc.
IV - O amor dos tios e das tias
Como se pode despertar nas crianças o amor dos tios e tias?
1º - Fazendo-lhes notar que os tios e as tias são os irmãos e as irmãs de seu pai e de sua mãe, e que ocupam, por conseguinte, na ordem do parentesco, um lugar no primeiro plano em que se deve atender necessariamente ao amor bem formado.
2º - Habituando-se às demonstrações de afeto, próprias da boa sociedade do meio em que vivem.
3º - Indicando e corrigindo qualquer falta que se manifesta.
V - O amor dos padrinhos e madrinhas
Como se pode despertar nas crianças o amor aos padrinhos e às madrinhas?
Fazendo ressaltar a importância e as responsabilidades desta paternidade espiritual assumida no dia do batismo pelo padrinho e madrinha. "Lembrai-vos, dizia Santo Agostinho, vós, homens e mulheres, que levaste crianças à pia batismal de que sois os responsáveis diante de Deus".
Portanto, a criança bem educada respeita e ama o seu padrinho e a sua madrinha; recebe com docilidade e gratidão, os bons conselhos e as caridosas repreensões que eles lhe dão.
(Excertos do livro: Catecismo da Educação, do Abade René de Bethléem, continua com o post: O amor os pobres e dos criados)
PS: Grifos meus.