segunda-feira, 7 de junho de 2010

62ª - Contemplação - A inconstância humana

62ª - Contemplação
Revmo. Pe. Júlio Maria 
Missionário de Nª. Sª. do SS. Sacramento


A inconstância humana

Prelúdios:
Contemplemos ainda Jesus, chorando, não somente sobre Jerusalém ingrata, mas sobre a nossa tibieza e nossas faltas. Ó bom Jesus, caiam sobre mim as Vossas lágrimas, como expressão de Vosso amor e de Vosso perdão de minhas ingratidões passadas.

***

Meu Jesus, ao contemplar-Vos vertendo lágrimas sobre Jerusalém, que tão culpada se vai tomar, não posso impedir-me de fazer uma dolorosa comparação... Jerusalém é a imagem da alma...
Tem também a alma um templo onde Deus habita, muralhas que a defendem e promessas dum futuro magnífico... "Nescitis quia templum Dei estis, et Spiritus Dei habitat in vobis?" (I Cor. 3,16).

Neste momento, chorais sobre esta cidade, porque, por Vossa presciência, a vedes transformada num deserto em que reina a desolação. Acolhe-Vos hoje como seu rei e jura-Vos obediência eterna, e eis que poucos dias após, sob o império de surdas ameaças, ouvi-la-emos soltar gritos de ódio e pedir obstinadamente a Vossa morte. Apenas alguns tímidos amigos protestarão, e os indiferentes deixarão fazer.

"Pompose civitatem intravit, in qua tradendus et crucifigendus erat." (S. Pedro, Dam. Serm. II. Palm.)

Oh! Como a humanidade é fraca e inconstante!... Ora, a minha alma pertence a esta humanidade, ela tem uma natureza frágil. O que será dela amanhã?...

Contendum laetitiae meae flendae cum sanctis maeroribus; et ex quo parte stem, nescio. Hei mihi Domine, miserere mei.” (S. Aug. : Confess.: C. 28)

Ama-Vos hoje, meu Deus, Seus anelos são todos para Vós, e ela exclama: Vinde, vinde, minha morada está aberta para Vós! Pela comunhão entrais nela mais intimamente do que no templo de Jesuralém, cujas pedras não Vos conheciam. Eu juro-Vos uma fidelidade que julgo eterna!...

O que será feito de todos estes sentimentos, de todas estas promessas, deste amor que julgo imortal!... daqui a uns dez anos, um ano ou talvez alguns dias?... A alma tem também as suas tempestades súbitas e destruidoras!

Quantos imprevistos estão ocultos na minha estrada!... Onde outros cederam, poderei eu resistir?

Septies enim cadet justus et resurget.” (PV. 24,16)

Vendo-Vos chorar e soluçar. Ó meu Salvador, eu tenho medo, porque me pergunto: sobre quem caem estas lágrimas?

Vossa inteligência humana, desde então, possuía o magnífico dom de perceber num só olhar, distintamente, cada um dos homens de todos os tempos, como de todos os lugares... Segui-me, portanto, este olhar em todos os instantes da minha vida e da Vossa, distinguistes-me nitidamente no meio dos inumeráveis seres presentes ao Vosso espírito, melhor do que uma mãe que vê seu filho no meio da turba; e isto me faz dizer: Jesus chora, soluça... Uniria Ele meu pensamento ao desta cidade culpada?

Suas lágrimas seriam também por mim?... Se não pelo meu passado, seriam talvez pelo meu futuro?...

Ó Jesus adorado, eu tremo à pergunta que acabo de fazer... não choraríeis sobre o meu futuro?... Bem sei que não podeis responder-me e dizer-me: um dia teu coração terá mudado. Devo, portanto, conservar este receio e ver uma advertência em Vossas lágrimas. Esta dor íntima tornar-me-á mais vigilante em prever os perigos, mais generoso em evitar todo o relaxamento, mais fervoroso na oração.

Pravum est cor omnuium, et inscrutabile: quis cognoscet illud?” (Jr. 17,9)

Mas, infelizmente, nem mesmo as minhas melhores disposições podem tranquilizar-me: a alma humana é de uma fraqueza fundamental. Ó Jesus, eu conto acima de tudo com a assistência contínua que me asseguram Vossas promessas e Vosso amor.

Auxilium meum a Domine, qui fecit coelum et terram."(Sl. 120,2)

Se chorais sobre Jerusalém, é porque ainda lhe tendes amor... Se a amais, sabendo-a antecipadamente homicida, neste momento amais-me também, qualquer que seja a minha infelicidade futura! Este futuro depende de mim, sem dúvida, mas depende ainda mais de Vós...

Deus est enim, qui operatur in vobis et velle et perficere.” (Fp. 2,13).

Já Vos disse e cem vezes repetirei: Abandono-me em Vossas mãos, castigai-me se preciso for, tornai amargo ao meu coração tudo quanto poderia seduzi-lo, quebrai sem piedade os laços que poderiam retê-lo longe de Vós, guardai-me por todos os modos: eu quero ser sempre Vosso.

Qui manet in me, et ego in eo, hic fert fructum multum.” (Jo. 15,5)

Ó Jesus, mostrai-Vos para comigo doce e humilde de coração, maternalmente inclinado para a minha miséria, indulgente para as minhas faltas, paciente para a minha frieza, desejoso de Vos sentir amado por este pobre ser que sou eu!... porque eu quero sinceramente conservar-me fiel e subir conVosco ao Calvário!

Não o quereis assim, ó Vós que me amais mais do que eu Vos amo? Ó Vós que choraríeis o meu abandono; ó Vós que tanto necessitais de achar, no meio dum mundo indiferente e covarde, uma alma que Vos procure para acolher-Vos e consolar-Vos? A grande ameaça que me aterra é a de perder-Vos.

Oh! Não o permitais, querida Mãe... a quem me consagrei para sempre... guardai Jesus comigo; guardai-me para Jesus, para o tempo e para a eternidade.

(Contemplações evangélicas doutrinais e morais sobre a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo Revmo. Pe. Júlio Maria)

PS: Mantenho os grifos do autor.