Primeira parte
(Princípios da vida de intimidade com Maria Santíssima
segundo os Santos, os Doutores e os Teólogos
pelo Pe. Julio Maria,
missionário de Nª. Srª. do SS. Sacramento)
Sob este título trataremos, não somente do fim da devoção para com a divina Mãe de Jesus, mas do fim mesmo de toda a religião e de todas as criaturas.
No Apocalipse Deus chamou-se o principium et finis (Apoc. 1.8), o princípio e o fim de tudo: isto é, da devoção, assim como o é de todas as obras humanas.
Ele é então o fim de nosso amor para Maria, como também é o princípio.
O princípio de toda obra sobrenatural é, de fato, a graça. Ora, só Ele é o autor e a fonte da graça. Nele nós a devemos procurar e após tê-la obtido, pela via e pelos meios, que indicaremos mais adiante, é ainda a Ele que ela deve voltar, carregada de méritos.
É o que veremos, estudando sucessivamente Jesus Cristo em si mesmo, em nós e no próximo.
***
Capítulo I
NOÇÕES FUNDAMENTAIS
Antes de tratarmos as questões puramente doutrinais, nós exporemos aqui algumas noções gerais, de um importância capital, das quais nos devemos compenetrar, para melhor comprender a extensão e o fim dessas páginas, onde vão colocar-se sob nosso olhar as questões mais delicadas e mais elevadas sobre nossos mistérios e sobre nosso dogma.
Rogamos ao leitor não passar adiante, sem se compenetrar destas noções que resumiremos nos cinco princípios seguintes:
PRIMEIRO PRINCÍPIO:
Nossos dogmas são a fonte da piedade, pelo conhecimento que conferem de seu objeto e pelos sentimentos que inspiram.
SEGUNDO PRINCÍPIO:
Os mistérios, conquanto que incompreensíveis, nos põem em contato com o objeto que eles encerram, e que é uma iniciação à vida sobrenatural.
TERCEIRO PRINCÍPIO:
A primeira resolução de toda alma que quer honrar a Maria, deve ser, não somente amá-lA, mas antes de tudo estudá-lA.
QUARTO PRINCÍPIO:
A vida de intimidade não é um caminho particular pois ela foi indicada pelo Senhor para todos os homens, mas pode tornar-se uma devoção particular, concentrando ali suas forças e seus esforços.
QUINTO PRINCÍPIO:
A vida de intimidade com Maria abrange todo o dogma da economia da graça, reunindo admiravelmente o fim, o caminho e os meios da salvação, indicados por Nosso Senhor.
_________________________________
PRIMEIRO PRINCÍPIO
Nossos dogmas são a fonte da piedade,
pelo conhecimento que conferem de seu objeto
e pelos sentimentos que inspiram.
Pensa-se exageradamente que a parte dogmática da religião é fria, sem alma e puramente especulativa.
Há nisto um erro tão sem fundamento quão funesto para a piedade. Esta falsa idéia da "Dogmática" provém da distração, do espírito de dissipação com que se faz a leitura de livros deste gênero.
Nos dogmas há belezas, há sentimentos que se assemelham a estas cores delicadas que um dia nublado desfigura. Não se deve lê-los sem meditar e sem orar, porque, para penetrar as coisas divinas, é preciso ter um senso divino, e é o Espírito Santo quem no-lo dá.
Sem recolhimento e sem oração não se pode compreender as belezas, nem sentir o calor das verdades dogmáticas.
O dogma nos ensina a conhecer a Deus. Ora, que há que possa ser comparável a Deus?... Deus, perfeição infinita, beleza suprema, fonte e alimento de toda vida!
E conhecer a Deus é ver como este Ser de Majestade nos ama, a nós tão pequenos; é saber que Ele nos convida a gozar de Sua beatitude; e que de certo modo fazendo-nos participantes de Sua própria natureza, nos dá direito a que o chamemos: "Meu Pai!"
Bem compreendidas, estas grandes verdades trazem verdadeiros jatos de luz e de calor, nos quais a nossa alma vai haurir os sentimentos da mais terna e mais elevada piedade.
Aqui a imaginação encontra seus carinhos; a esperança, os seus anelos; a generosidade, os impulsos de grandes dedicações e o amor exulta invejando santamente crescer e embelezar-se, para se aproximar do objeto que ama e ao qual quer agradar.
Como vedes, Deus não é somente a fonte da piedade, porque Ele no-la dá, mas é também porque as verdades dogmáticas, através das quais Ele se nos manifesta, são o verdadeiro alimento desta piedade. Meditar estas verdades é nutrir-se de Deus.
Quando o verão nos apresenta os campos repletos de trigo sazonado, nós dizemos: eis aí a vida do homem; de igual modo, contemplando as verdades da religião, pode dizer-se: eis aqui a vida da alma.
Em matéria de religião, as verdades mais abstratas, os mistérios mais profundos têm o seu lado prático. Alguns poderiam imaginar que ocupar-se de coisas incompreensíveis, como são os mistérios, é agitar-se no vácuo, sem nada apreender.
Esta, é uma objeção feita por certos sábios modernos, mas que está em plena contradição com os seus próprios atos. Se lhes acontece lançar um olhar distraído sobre os nossos dogmas, imediatamente gritam: isto é muito subtil, demais misterioso!
Mas, então, ó sábios inconsequentes, se a subtilidade e a profundeza são defeitos, porque então fazeis vós vossas investigações ao microscópio, para chegar até as mais secretas profundezas das coisas?...
Quantas investigações engenhosas, que de raciocínios subtis, para estabelecer vossas descobertas!...
E tendes razão.
Mas, como é que nós não temos razão, quando empregamos vossos métodos, para um objeto de uma importância muito maior?... Humildemente confessai que é somente a vossa ignorância a respeito dos nossos mistérios que vos faz desdenhá-los.
Quereríeis compreender no ser Infinito o que nem sequer sois capazes de compreender em um átomo.
Logo, distingui bem: os mistérios não são subtilezas: são simplesmente verdades, acima de nossa razão; mas verdades reais, vivas, incompreensíveis quanto ao fundo, mas não quanto às noções que delas Deus mesmo nos dá.
Os mistérios ocultam realidades e realidades compreensíveis. Deus nos revela o mistério, não para que nós o penetremos, o que nos é impossível, mas para nos pôr em contato com o objeto que ele encerra.
E qual é este objeto?
É a iniciação à vida sobrenatural.
Quantas luzes, por exemplo, não brotariam do mistério da Encarnação, da Redenção, da SS. Trindade, da graça, etc... quantos jatos luminosos, que esclareceriam tudo, que iluminariam tudo, fazendo-nos entrever a divindade e as sublimes relações existentes entre ela e nós.
Estes mistérios esclarecem tudo; entretanto eles mesmos permanecem impenetráveis aos nossos olhos. É o que nos mostra a necessidade de estudar o dogma, de contemplar os mistérios, afim de que a luz e o calor que deles dimanam nos aclarem e aqueçam.
Uma lacuna muito comum da piedade em geral, e em particular para com Maria Santíssima, diz muito bem um profundo teólogo e ilustre escritor (Pe. Sauvé. SS.Culto do Coração de Maria C.V) é não ser bastante esclarecida sobre o inefável objeto que ela venera, é contentar-se com afeições que com o tempo podem esgotar-se ou pelo menos enfraquecer-se.
Tendo no espírito uma débil força, apenas esfriadas as primeiras impressões do fervor, o coração e a vida começam a sentir esta pobreza doutrinal.
Eis porque a primeira resolução de toda alma que quer honrar a Maria, deve ser estudá-lA, e estudá-lA com toda a sua alma.
Se é necessário procurar a verdade por todos os meios, é também a verdade que diz ser à Maria que se devem aplicar estas palavras; como ocupar-se de Maria, de seu amor, sem fazê-lo de todo o coração?...
Deste modo nascerá necessariamente o pensamento vivo e habitual de nossa Mãe, e este pensamento que produzirá o amor.
Em Deus o Verbo respira o amor - Verbum spirans amorem.
Em nós o pensamento de Maria deve respirar o amor.
Sem este estudo a devoção para com a Santíssima Virgem é necessariamente incompleta e superficial.
"Nós, diz ainda o Pe. Sauvé - obra citada - fazemos de Maria uma idéia fraca, pálida, incompleta. Maria Santíssima está em um canto da vida, em um altar lateral da alma, quando deveria ocupar aí o altar principal, unida a Jesus como a Mãe é unida ao Filho, no mistério da Encarnação ou de Belém, como a nova Eva ao novo Adão, sobre o Calvário e reinando com Ele em toda a parte".
Tal deve ser pois a primeira prática do nosso culto para com Maria: estudá-lA, para que deixemos de vez esta concepção indigna de Suas grandezas e de Seu amor.
Para provar esta asserção, basta compreender bem o ensino de Nosso Senhor, ao nos lembrar continuamente a necessidade de estarmos unidos a Ele, para vermos em seguida o que é uma devoção particular.
Estas duas questões receberão o seu plano de desenvolvimento nos domínios deste estudo. Resumamo-las aqui sucintamente, para que a sua idéia esteja continuamente presente desde esse instante e esclareça as páginas que seguem.
Para provar que a vida de intimidade foi ensinada por Jesus Cristo, basta provar que Ele é o tronco, e nós somos os ramos. (S.João XV. 5)
Do mesmo modo que os ramos não podem produzir frutos, se não estão unidos ao tronco, também nós nada podemos, se não estamos unidos a Ele. (S.João XV. 5)
E orando ao Seu Pai por nós, Ele assim diz: "Meu Pai... que o amor com que amaste esteja neles". (S. João XVII. 26) Já no Antigo Testamento Ele se dizia o esposo de nossas almas: "Eu te desposarei e nossas núpcias serão eternas". (R.P.Coulé S.J)
A vida de intimidade não é pois uma vocação especial, mas sim o próprio fundamento e o fim do cristianismo. (S.Mateus, XI. 18)
O convite de Nosso Senhor não admite exceções: "Vinde a mim todos... (S. Mateus. XI 18) e aqueles que se julgam opressos de trabalhos, afazeres, das penas da vida, ele acrescenta: Vinde a mim todos vós que estais atarefados e afadigados, e encontrareis repouso". (S.Mateus XI. 18)
Sem dúvida, Deus não nos pede um misticismo de eremita, mas sim uma união íntima e constante com Ele, como condição essencial à vida sobrenatural.
Referindo-se a vida de intimidade, isto é verdade, como o é também, referindo-se à união com a SS.Virgem. E a razão é simples: é que Deus tendo desejado que todas as graças passassem pelas mãos imaculadas de Sua Mãe, nós devemos necessariamente, para receber estas graças ser unidos Aquele que no-las comunica.
Entretanto, é por ela que nós devemos ser unidos ao próprio Jesus. Jesus Cristo teria podido traçar-nos outro caminho, mas não o fez. Logo, o caminho único para chegar até Ele é Maria. E tanto isto é verdade, que o Beato Montfort escreveu: "aquele que diz ter Deus por pai, não querendo ter Maria por mãe, é um mentiroso e um enganador". (Vraie Devotion envers la Très S. V)
Sendo Jesus nosso modelo, é necessário que se possa dizer de nós, como se pode dizer d'Ele: "Maria de qua natus est Jesus". É necessário que nasçamos da Virgem, que sejamos educados por Ela, e que por Ela enfim subamos ao céu, como por Ela o Filho de Deus baixou até nós.
Considerada sob outros ponto de vista, esta prática, embora destinada a todos, pode ser o objeto de uma devoção particular.
Chama-se devoção particular a concentração de nossos esforços, reflexões e práticas, sobre um ponto determinado da religião, afim de melhor penetrá-lo e, por meio deste conhecimento mais profundo, dar-lhe todo o nosso coração.
Aqui a alma enamorada de Maria, desejosa de amá-lA cada vez mais, e com todas as suas forças, faz suas investigações sobre o mistério da vida de união com esta terna Mãe, concentra-se esforçadamente sobre este ponto e chega por assim dizer a condensar todas as suas afeições sobre esta prática.
Sem esquecer os outros mistérios, sem rejeitar as outras devoções, ela procura aplicar a esta toda a sua força e todo o seu esplendor. E isto é para ela de uma imensa vantagem, pois especializa-se nesta devoção e superioriza-se nela, do mesmo modo que um sábio, que se dedica a um ramo da ciência, em breve se torna especialista neste mesmo ramo.
Neste sentido a vida de intimidade com a Mãe de Jesus é verdadeiramente uma devoção particular e talvez a que mais agrada ao maternal coração de Maria.
Geralmente o dogma da graça não é bastante conhecido pelos cristãos, somente os sacerdotes, em consequência de seus estudos teológicos, conhecem todas as belezas, todas as riquezas ocultas nesta parte do dogma.
Os simples cristãos julgam que estas questões são demasiadamente abstratas, puramente especulativas, fora de prática. É um erro. A graça é a parte viva do cristianismo, é de certo modo o próprio Jesus Cristo.
O dogma da graça, sendo de uma maneira toda especial o fundamento e o fim da vida de intimidade com a Santíssima Virgem, encontrará aqui um desenvolvimento suficiente - o que raramente se encontra em obras populares - para mostrar a todos as riquezas e belezas desta divina economia, fazendo-o em uma linguagem bastante simples, para que seja por todos compreendido.
O fim da vida de intimidade com Maria outro não é senão Jesus Cristo. Ele é a cabeça; a Virgem é o pescoço; nós somos os membros unidos o pescoço e por ele a cabeça.
Tirai a cabeça, e o pescoço não tem mais razão de existir. Do mesmo modo, a união à Santíssima Virgem de nada serviria, se Ela não nos unisse ao Redentor, nossa cabeça.
O caminho a seguir é aquele que Jesus Cristo nos mostrou. Pode dizer-se que é Ele mesmo, pois tudo quanto se encontra em Maria é d'Ele. Digamos mais: Não está Ele mesmo em Maria e não nasceu d'Ela?
Unir-nos à Maria é pois unir-nos a Ele. Passar pelo caminho de Maria é ir diretamente e sem desvios ao encontro de Jesus.
E qual é o meio desta prática?
Este meio é a Encarnação. É Maria, de quem nasceu Jesus, que está encarregada de o produzir espiritualmente em nossas almas.
Assim, desde o início aparece claramente o princípio, a divisão, o conjunto e a perfeita concordância das três partes em que se divide esta obra.
Está traçado o nosso plano. Não é uma série de teses que estabeleceremos acerca da devoção à Santíssima Virgem; muito menos ainda é um estudo de Seu poder ou de Suas grandezas, mas simplesmente uma indicação do fim, do caminho e do meio de nossa vida de intimidade com Ela.
Este assunto, embora bem fixo aqui, é extremamente vasto, e não menos profundo. Abrange de certo modo toda a economia da graça em Jesus Cristo, em Maria e em nós.
E com efeito a ordem que seguiremos é a seguinte:
Jesus Cristo: Fonte de graça.
A Virgem Maria: Distribuidora da graça.
Nós: Necessitados e sujeitos da graça.
Jesus Cristo: O fim e a vida.
Maria: o caminho e o modelo.
Nós: os receptores e os imitadores.
Na PRIMEIRA PARTE estudaremos pois Jesus Cristo, como autor da graça. Estudá-lO-emos em si mesmo e considerado nos efeitos de Sua graça.
Na SEGUNDA PARTE consideraremos Maria no plano divino, Suas plenitudes de graça e as incomparáveis riquezas de dons celestiais com que foi embelezada.
Na TERCEIRA PARTE veremos o papel de Maria junto a Jesus, para nos comunicar a graça - para nos santificar - bem como o seu papel junto a nós, para nos elevar até Seu divino Filho e nos tornar participantes da natureza divina.
Em outros termos poderíamos resumir tudo dizendo que:
Na primeira parte tratar-se-á da graça em Jesus.
Na segunda, da graça em Maria.
Na terceira, da graça de Jesus em nós, por Maria.
A conclusão geral deve ser:
1º - Ter os olhos fixos continuadamente sobre o fim.
2º - Seguir exatamente o caminho que conduz a este fim.
3º - Empregar os meios, que nos fazem progredir neste caminho até o fim.
(Princípios da vida de intimidade com Maria Santíssima segundo os Santos, os Doutores e os Teólogos pelo Pe. Julio Maria, missionário de Nª. Srª. do SS. Sacramento, continua com o post: Natureza da Vida de intimidade)
PS: Grifos meus.
O dogma nos ensina a conhecer a Deus. Ora, que há que possa ser comparável a Deus?... Deus, perfeição infinita, beleza suprema, fonte e alimento de toda vida!
E conhecer a Deus é ver como este Ser de Majestade nos ama, a nós tão pequenos; é saber que Ele nos convida a gozar de Sua beatitude; e que de certo modo fazendo-nos participantes de Sua própria natureza, nos dá direito a que o chamemos: "Meu Pai!"
Bem compreendidas, estas grandes verdades trazem verdadeiros jatos de luz e de calor, nos quais a nossa alma vai haurir os sentimentos da mais terna e mais elevada piedade.
Aqui a imaginação encontra seus carinhos; a esperança, os seus anelos; a generosidade, os impulsos de grandes dedicações e o amor exulta invejando santamente crescer e embelezar-se, para se aproximar do objeto que ama e ao qual quer agradar.
Como vedes, Deus não é somente a fonte da piedade, porque Ele no-la dá, mas é também porque as verdades dogmáticas, através das quais Ele se nos manifesta, são o verdadeiro alimento desta piedade. Meditar estas verdades é nutrir-se de Deus.
Quando o verão nos apresenta os campos repletos de trigo sazonado, nós dizemos: eis aí a vida do homem; de igual modo, contemplando as verdades da religião, pode dizer-se: eis aqui a vida da alma.
SEGUNDO PRINCÍPIO
Os mistérios, conquanto que incompreensíveis,
nos põem em contato com o objeto que eles encerram,
e que é uma iniciação à vida sobrenatural.
Em matéria de religião, as verdades mais abstratas, os mistérios mais profundos têm o seu lado prático. Alguns poderiam imaginar que ocupar-se de coisas incompreensíveis, como são os mistérios, é agitar-se no vácuo, sem nada apreender.
Esta, é uma objeção feita por certos sábios modernos, mas que está em plena contradição com os seus próprios atos. Se lhes acontece lançar um olhar distraído sobre os nossos dogmas, imediatamente gritam: isto é muito subtil, demais misterioso!
Mas, então, ó sábios inconsequentes, se a subtilidade e a profundeza são defeitos, porque então fazeis vós vossas investigações ao microscópio, para chegar até as mais secretas profundezas das coisas?...
Quantas investigações engenhosas, que de raciocínios subtis, para estabelecer vossas descobertas!...
E tendes razão.
Mas, como é que nós não temos razão, quando empregamos vossos métodos, para um objeto de uma importância muito maior?... Humildemente confessai que é somente a vossa ignorância a respeito dos nossos mistérios que vos faz desdenhá-los.
Quereríeis compreender no ser Infinito o que nem sequer sois capazes de compreender em um átomo.
Logo, distingui bem: os mistérios não são subtilezas: são simplesmente verdades, acima de nossa razão; mas verdades reais, vivas, incompreensíveis quanto ao fundo, mas não quanto às noções que delas Deus mesmo nos dá.
Os mistérios ocultam realidades e realidades compreensíveis. Deus nos revela o mistério, não para que nós o penetremos, o que nos é impossível, mas para nos pôr em contato com o objeto que ele encerra.
E qual é este objeto?
É a iniciação à vida sobrenatural.
Quantas luzes, por exemplo, não brotariam do mistério da Encarnação, da Redenção, da SS. Trindade, da graça, etc... quantos jatos luminosos, que esclareceriam tudo, que iluminariam tudo, fazendo-nos entrever a divindade e as sublimes relações existentes entre ela e nós.
Estes mistérios esclarecem tudo; entretanto eles mesmos permanecem impenetráveis aos nossos olhos. É o que nos mostra a necessidade de estudar o dogma, de contemplar os mistérios, afim de que a luz e o calor que deles dimanam nos aclarem e aqueçam.
TERCEIRO PRINCÍPIO
A primeira resolução de toda alma que quer honrar a Maria,
deve ser, não somente amá-lA, mas antes de tudo estudá-lA.
Uma lacuna muito comum da piedade em geral, e em particular para com Maria Santíssima, diz muito bem um profundo teólogo e ilustre escritor (Pe. Sauvé. SS.Culto do Coração de Maria C.V) é não ser bastante esclarecida sobre o inefável objeto que ela venera, é contentar-se com afeições que com o tempo podem esgotar-se ou pelo menos enfraquecer-se.
Tendo no espírito uma débil força, apenas esfriadas as primeiras impressões do fervor, o coração e a vida começam a sentir esta pobreza doutrinal.
Eis porque a primeira resolução de toda alma que quer honrar a Maria, deve ser estudá-lA, e estudá-lA com toda a sua alma.
Se é necessário procurar a verdade por todos os meios, é também a verdade que diz ser à Maria que se devem aplicar estas palavras; como ocupar-se de Maria, de seu amor, sem fazê-lo de todo o coração?...
Deste modo nascerá necessariamente o pensamento vivo e habitual de nossa Mãe, e este pensamento que produzirá o amor.
Em Deus o Verbo respira o amor - Verbum spirans amorem.
Em nós o pensamento de Maria deve respirar o amor.
Sem este estudo a devoção para com a Santíssima Virgem é necessariamente incompleta e superficial.
"Nós, diz ainda o Pe. Sauvé - obra citada - fazemos de Maria uma idéia fraca, pálida, incompleta. Maria Santíssima está em um canto da vida, em um altar lateral da alma, quando deveria ocupar aí o altar principal, unida a Jesus como a Mãe é unida ao Filho, no mistério da Encarnação ou de Belém, como a nova Eva ao novo Adão, sobre o Calvário e reinando com Ele em toda a parte".
Tal deve ser pois a primeira prática do nosso culto para com Maria: estudá-lA, para que deixemos de vez esta concepção indigna de Suas grandezas e de Seu amor.
QUARTO PRINCÍPIO
A vida de intimidade não é um caminho particular pois ela foi indicada pelo Senhor para todos os homens, mas pode tornar-se uma devoção particular, concentrando ali suas forças e seus esforços.
Para provar esta asserção, basta compreender bem o ensino de Nosso Senhor, ao nos lembrar continuamente a necessidade de estarmos unidos a Ele, para vermos em seguida o que é uma devoção particular.
Estas duas questões receberão o seu plano de desenvolvimento nos domínios deste estudo. Resumamo-las aqui sucintamente, para que a sua idéia esteja continuamente presente desde esse instante e esclareça as páginas que seguem.
Para provar que a vida de intimidade foi ensinada por Jesus Cristo, basta provar que Ele é o tronco, e nós somos os ramos. (S.João XV. 5)
Do mesmo modo que os ramos não podem produzir frutos, se não estão unidos ao tronco, também nós nada podemos, se não estamos unidos a Ele. (S.João XV. 5)
E orando ao Seu Pai por nós, Ele assim diz: "Meu Pai... que o amor com que amaste esteja neles". (S. João XVII. 26) Já no Antigo Testamento Ele se dizia o esposo de nossas almas: "Eu te desposarei e nossas núpcias serão eternas". (R.P.Coulé S.J)
A vida de intimidade não é pois uma vocação especial, mas sim o próprio fundamento e o fim do cristianismo. (S.Mateus, XI. 18)
O convite de Nosso Senhor não admite exceções: "Vinde a mim todos... (S. Mateus. XI 18) e aqueles que se julgam opressos de trabalhos, afazeres, das penas da vida, ele acrescenta: Vinde a mim todos vós que estais atarefados e afadigados, e encontrareis repouso". (S.Mateus XI. 18)
Sem dúvida, Deus não nos pede um misticismo de eremita, mas sim uma união íntima e constante com Ele, como condição essencial à vida sobrenatural.
Referindo-se a vida de intimidade, isto é verdade, como o é também, referindo-se à união com a SS.Virgem. E a razão é simples: é que Deus tendo desejado que todas as graças passassem pelas mãos imaculadas de Sua Mãe, nós devemos necessariamente, para receber estas graças ser unidos Aquele que no-las comunica.
Entretanto, é por ela que nós devemos ser unidos ao próprio Jesus. Jesus Cristo teria podido traçar-nos outro caminho, mas não o fez. Logo, o caminho único para chegar até Ele é Maria. E tanto isto é verdade, que o Beato Montfort escreveu: "aquele que diz ter Deus por pai, não querendo ter Maria por mãe, é um mentiroso e um enganador". (Vraie Devotion envers la Très S. V)
Sendo Jesus nosso modelo, é necessário que se possa dizer de nós, como se pode dizer d'Ele: "Maria de qua natus est Jesus". É necessário que nasçamos da Virgem, que sejamos educados por Ela, e que por Ela enfim subamos ao céu, como por Ela o Filho de Deus baixou até nós.
Considerada sob outros ponto de vista, esta prática, embora destinada a todos, pode ser o objeto de uma devoção particular.
Chama-se devoção particular a concentração de nossos esforços, reflexões e práticas, sobre um ponto determinado da religião, afim de melhor penetrá-lo e, por meio deste conhecimento mais profundo, dar-lhe todo o nosso coração.
Aqui a alma enamorada de Maria, desejosa de amá-lA cada vez mais, e com todas as suas forças, faz suas investigações sobre o mistério da vida de união com esta terna Mãe, concentra-se esforçadamente sobre este ponto e chega por assim dizer a condensar todas as suas afeições sobre esta prática.
Sem esquecer os outros mistérios, sem rejeitar as outras devoções, ela procura aplicar a esta toda a sua força e todo o seu esplendor. E isto é para ela de uma imensa vantagem, pois especializa-se nesta devoção e superioriza-se nela, do mesmo modo que um sábio, que se dedica a um ramo da ciência, em breve se torna especialista neste mesmo ramo.
Neste sentido a vida de intimidade com a Mãe de Jesus é verdadeiramente uma devoção particular e talvez a que mais agrada ao maternal coração de Maria.
QUINTO PRINCÍPIO
A vida de intimidade com Maria abrange todo o dogma da economia da graça,
reunindo admiravelmente o fim, o caminho e os meios da salvação,
indicados por Nosso Senhor.
Geralmente o dogma da graça não é bastante conhecido pelos cristãos, somente os sacerdotes, em consequência de seus estudos teológicos, conhecem todas as belezas, todas as riquezas ocultas nesta parte do dogma.
Os simples cristãos julgam que estas questões são demasiadamente abstratas, puramente especulativas, fora de prática. É um erro. A graça é a parte viva do cristianismo, é de certo modo o próprio Jesus Cristo.
O dogma da graça, sendo de uma maneira toda especial o fundamento e o fim da vida de intimidade com a Santíssima Virgem, encontrará aqui um desenvolvimento suficiente - o que raramente se encontra em obras populares - para mostrar a todos as riquezas e belezas desta divina economia, fazendo-o em uma linguagem bastante simples, para que seja por todos compreendido.
O fim da vida de intimidade com Maria outro não é senão Jesus Cristo. Ele é a cabeça; a Virgem é o pescoço; nós somos os membros unidos o pescoço e por ele a cabeça.
Tirai a cabeça, e o pescoço não tem mais razão de existir. Do mesmo modo, a união à Santíssima Virgem de nada serviria, se Ela não nos unisse ao Redentor, nossa cabeça.
O caminho a seguir é aquele que Jesus Cristo nos mostrou. Pode dizer-se que é Ele mesmo, pois tudo quanto se encontra em Maria é d'Ele. Digamos mais: Não está Ele mesmo em Maria e não nasceu d'Ela?
Unir-nos à Maria é pois unir-nos a Ele. Passar pelo caminho de Maria é ir diretamente e sem desvios ao encontro de Jesus.
E qual é o meio desta prática?
Este meio é a Encarnação. É Maria, de quem nasceu Jesus, que está encarregada de o produzir espiritualmente em nossas almas.
***
Assim, desde o início aparece claramente o princípio, a divisão, o conjunto e a perfeita concordância das três partes em que se divide esta obra.
Está traçado o nosso plano. Não é uma série de teses que estabeleceremos acerca da devoção à Santíssima Virgem; muito menos ainda é um estudo de Seu poder ou de Suas grandezas, mas simplesmente uma indicação do fim, do caminho e do meio de nossa vida de intimidade com Ela.
Este assunto, embora bem fixo aqui, é extremamente vasto, e não menos profundo. Abrange de certo modo toda a economia da graça em Jesus Cristo, em Maria e em nós.
E com efeito a ordem que seguiremos é a seguinte:
Jesus Cristo: Fonte de graça.
A Virgem Maria: Distribuidora da graça.
Nós: Necessitados e sujeitos da graça.
Jesus Cristo: O fim e a vida.
Maria: o caminho e o modelo.
Nós: os receptores e os imitadores.
Na PRIMEIRA PARTE estudaremos pois Jesus Cristo, como autor da graça. Estudá-lO-emos em si mesmo e considerado nos efeitos de Sua graça.
Na SEGUNDA PARTE consideraremos Maria no plano divino, Suas plenitudes de graça e as incomparáveis riquezas de dons celestiais com que foi embelezada.
Na TERCEIRA PARTE veremos o papel de Maria junto a Jesus, para nos comunicar a graça - para nos santificar - bem como o seu papel junto a nós, para nos elevar até Seu divino Filho e nos tornar participantes da natureza divina.
Em outros termos poderíamos resumir tudo dizendo que:
Na primeira parte tratar-se-á da graça em Jesus.
Na segunda, da graça em Maria.
Na terceira, da graça de Jesus em nós, por Maria.
A conclusão geral deve ser:
1º - Ter os olhos fixos continuadamente sobre o fim.
2º - Seguir exatamente o caminho que conduz a este fim.
3º - Empregar os meios, que nos fazem progredir neste caminho até o fim.
(Princípios da vida de intimidade com Maria Santíssima segundo os Santos, os Doutores e os Teólogos pelo Pe. Julio Maria, missionário de Nª. Srª. do SS. Sacramento, continua com o post: Natureza da Vida de intimidade)
PS: Grifos meus.