68ª Contemplação
Jesus e Sua Mãe em Betânia
Prelúdios
Representamo-nos bem ao vivo Jesus sentado ao lado de Sua extremecida Mãe... É noite em Betânia... o silêncio é completo. Sós em uma sala velam Jesus e Maria: Jesus tomou nas Suas mãos de Sua Mãe, e com doce e penetrante voz conta-Lhe o que acontecerá nos dias seguintes.
Ó Jesus com Vossa Mãe, venho confundir minhas lágrimas com o sangue que diviso já correndo sobre Vossa fronte... e oferecer-me para acompanhar-Vos na estrada do Calvário.
Cala-se o Evangelho sobre este augusto colóquio, mas sem nada inventar é fácil reconstruir a tocante cena entre o Filho e a Mãe. São Boaventura faz dizer a Jesus: Minha Mãe, é chegado o tempo de resgastar o mundo pelo sacrifício de Minha vida... Ver-me-eis, em breve, entregue a Meus inimigos, que exercerão sobre mim toda a sua malícia... Responde a Virgem: Ah! meu Filho, se me fosse permitido oferecer Minha vida para salvar a Vossa, ou ao menos poder morrer conVosco... (S.Bonavent.: Med. Vitae Christi, C.72)
Apraz-me, ó bom Jesus, de contemplar-Vos no retiro de Betânia, entretendo-Vos com Vossa Mãe querida. Tendo sido sempre submisso e respeitoso para com Ela, não queríeis faltar a estas atenções que são o característico de um filho amoroso, pelo que, vendo próxima a Vossa morte, não quisestes apartar-Vos d'Ela, sem instruí-lA de Vossos desígnios - Et venit Nazareth, et erat subditus illis (Lc 2,51), tanto mais que já Lhe havíeis revelado outros mistérios.
É para isto que quereis voltar todas as tardes a Betânia - Exiit in Bethaniam cum duodecim (Mc 11,11). O dia, consagraste-lo ao ensino, a noite pertence a Vossa Mãe. Após a ceia, diz São Boaventura, Ele retira-se à parte com Maria, a mais sensível, a melhor de todas as mães. - Coena facta, vadit Dominus Jesus ad matrem, et sedet cum ea seorsum (S. Boav. loc. cit.).
Vosso coração, ó Jesus, está acabrunhado de dor, pensando na dor que causareis à Vossa santa Mãe, com a narração de Vossos sofrimentos; e Maria, pressentindo o que Vos deve acontecer, sente toda a amargura, todo o rigor de Vossas penas. - Com efeito, Vós sois homem, ao mesmo tempo que Deus, e não podemos duvidar que tendo querido submeter-Vos às fraquezas do homem, não tenhais sido sujeito a estes despedaçamentos de coração, que se produzem em semelhantes circunstâncias, e que devem ter sido tanto mais dolorosos, quanto Vós éreis mais inclinado à ternura.
Se, no Jardim das Oliveiras, Vossa alma experimentou uma tristeza tão excessiva, que esteve a ponto de separar-se de Vosso corpo, seria crível que pudésseis deixar Vossa santa Mãe, que amáveis tão ternamente, sem sofrerdes com esta separação? (S. Brigida: Lib. I Revel. C.10)
Ó Jesus, permiti-me contemplar-Vos demoradamente, assim como a Vossa Mãe Santíssima durante estes comoventes colóquios noturnos.
Ora fitais a Virgem, ora elevais ao céu o Vosso olhar, límpido e doce... mas também velado de lágrimas à lembrança da ingratidão dos homens. E Maria, a cabeça inclinada, o olhar puro como o azul do firmamento, beija Vossa mão divina e em seguida, fixando-Vos docemente com este olhar de ternura que cercara um dia Vosso berço... e que em breve Vos verá... ou antes, desde agora, Vos vê em espírito, suspenso num infame patíbulo... Vós, Seu Deus e Seu Filho! - Cum Filius meus aspexit oculos meos lacrimantes, tristabatur quasi ad mortem (S.Brigit. I. I Revel. C.10).
Meu Filho, Meu Jesus, geme Ela... sei que é preciso... tal é a vontade de Vosso Pai... é demais para a Minha frágil natureza... é preciso que o Pai sustente Minha fraqueza, afim de que eu possa sofrer conVosco!... - Ecce acilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum (Lc 1,38) Tudo aceito... Uno-me a Vós, ó Meu Filho, e peço-Vos que todas as Vossas dores se reproduzam em Minha alma... como outrora Vossas alegrias e Vossas graças se reproduziam no Meu coração - Praescia futurae passionis, filii, longum in cogitationibus martyrium pertulit (Rupert. Abb. in Cant. IV).
Ó Jesus o mais amoroso dos filhos! Ó Maria, a mais amorosa das mães!... reconheço toda a fragilidade da minha natureza. A Vossos pés prostrado, rogo-Vos, ó Maria, me concedais um pouco deste amor que tendes para Jesus... e Vós, ó Jesus, um pouco deste amor que tendes para Maria!... É a veemência irresistível do Vosso amor a causa de todo o Vosso martírio; e é este mesmo amor que eu desejo para condoer-me de Vossas penas...
Mãe de Jesus, que não desdenhais ser também minha Mãe, e que me amais com um amor muito superior ao de todas as mães, tende piedade de mim... Sois cheia de misericórdia, e por ser eu o mais miserável de Vossos filhos, espero ser atendido, e que me obtereis de Vosso Filho o dom precioso deste santo amor que Vos peço. - O Domina mea, quae plus sine comparatione nos diligit, quam mater carnalis, aspice in me, et miserere mei, quia unicus et pauper sum ego valde. Tu misericordiae plena: quis ergo quod petierit, non obtinebit (S. Boav.; Stim. div. am. C. IV).
Doce Mãe, dai-me o ódio de minhas faltas passadas e de minhas fraquezas presentes, que são a causa de Vosso martírio... e sobre as ruínas de minhas misérias ateiai o fogo de Vosso divino amor... Quero amar-Vos... e, como prova, quero desde hoje fazer bem tudo o que tenho a fazer.... e com a única intenção de agradar-Vos!...
(Contemplações evangélicas doutrinais e morais sobre a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo Revmo. Pe. Júlio Maria)