sexta-feira, 6 de setembro de 2013

TRATADO DO DESÂNIMO - Parte XI

Nota do blogue: Acompanhar esse especial AQUI.

TRATADO DO DESÂNIMO NAS VIAS DA PIEDADE
Obra póstuma do Padre J. Michel - 1952


É PENSAR MAL O PEDIRMOS A DEUS A CESSAÇÃO DAS NOSSAS PENAS E DOS NOSSOS COMBATES, E QUERERMOS SER OUVIDOS IMEDIATAMENTE.

Apesar dessas verdades tão bem estabe­lecidas, cumpre confessar que, esse estado de tédio e de repugnância é sempre pe­noso de suportar. O homem foge natural­mente do sofrimento e dos combates. Em vez de se ocupar com as grandes vanta­gens que as suas vitórias lhe proporcio­nariam, mas, ao contrário, unicamente preocupado com aquilo que a guerra que tem de sustentar contra si mesmo lhe faz sofrer, ele não pensa nos bens precio­sos que daí pode retirar. Volve-se, então, para o Senhor para obter o Seu socorro: mas que é que lhe pede? Pede-lhe que Ele se digne de fazer findar esse estado de tédio, de secura, de repugnância. Se Deus não o atende, se quer prová-lo por mais tempo, ele imagina rezar em vão, imagina que Deus não o escuta, que ele não alcança nada do que pede. A pertur­bação, o temor, o desânimo apoderam-se-lhe do coração. Nesse estado, ele não sabe pedir mais nada a Deus; não se atreve mesmo a pedir. Diz mesmo como Jesus (Mt 26, 39): Senhor, passe longe de mim este cálice; mas bem se resguarda de acrescentar com esse divino Modelo: Con­tudo, faça-se a Vossa vontade e não a mi­nha. É preciso compenetrar-se bem dos princípios da Fé para se colocar nesse hu­milde abandono à Providência, que vela sobre nós com tanto mais cuidado quanto mais perfeito é o nosso abandono.

A religião nos ensina que, na conduta que segue com as Suas criaturas, chaman­do-as ao Seu serviço, Deus não faz nada senão para a Sua glória, e para a verda­deira felicidade delas. Só a Deus, pois, compete determinar a espécie de glória que Ele quer tirar do homem, e a trilha pela qual quer conduzi-lo à santidade e à felicidade. Quereria a criatura servir a Deus segundo as suas idéias e os seus gos­tos particulares; prescrever a Deus a ma­neira como quer ser conduzida pela Sua Providência; determinar-lhe as condições a que quer que Ele ligue as Suas recom­pensas? Seria uma extravagância, um de­lírio; seria dar aos homens, como regra da Sua conduta, todas as paixões, todos os erros.

Diante de Deus o homem não pode, pois, ter em partilha senão a submissão. O que lhe diz respeito é conhecer bem o cami­nho de Deus sobre ele; e segui-lo com confiança, com amor, com docilidade. A Deus cabe traçar o plano; ao homem com­pete executá-lo, com o socorro de Deus. Se o homem entra nesse caminho com estas disposições, esse caminho será sem­pre o mais seguro para ele; porquanto, escolhendo-o para por ele conduzi-lo à felicidade eterna, Deus preparou ao ho­mem graças particulares para guiá-lo e sustentá-lo nessa trilha. Estando então sempre na ordem da Providência sobre si, não pode o homem deixar de experimen­tar uma proteção especial; pelo menos, tem a maior esperança disto.

Se, pois, Deus quiser conduzir ao Céu uma alma pelas provações do tédio, das repugnâncias, deverá ela pedir a Deus que mude essa Providência a seu respeito? Po­de pedi-lo, e Jesus Cristo o tem feito: semelhante pedido tem sido, muitas vezes, atendido. A demora de uma graça não é uma recusa: obtemo-la pela perseverança, no tempo que Deus destinou a nos fazer sentir a Sua misericórdia. Mas deve essa alma fazer disso o objeto único das suas preces, de sorte que, se Deus não a aten­der, ela caia no abatimento? Nisto ela se afastaria muito do exemplo que Jesus Cristo lhe deu, e que os Santos imitaram.

Seguiria as sugestões da tentação, que quer afastá-la de Deus e tirá-la da ordem da providência sobre ela.
O primeiro e o principal objeto das suas preces deve ser pedir a Deus a submissão a Sua vontade, a graça de suportar com resignação, com fidelidade, com amor, o estado em que Ele a põe para santificá-la nele; visto que não é a ela que compete escolher o caminho que deve seguir. Na humilde persuasão de não merecer os favores singulares do Senhor; na humilde persuasão de que, tendo tido a desdita de ofendê-lO, ainda é um efeito adorável da Sua misericórdia que, como dizia o filho pródigo, Ele a suporte não como um filho, mas como um dos Seus servos mais vis; deve ela aceitar o seu estado em espírito de penitência, e abandonar-se nas mãos de Deus por todo o tempo que Ele quiser tirar desse estado a Sua glória. É esse o melhor meio que ela possa empregar para alcançar de Deus o fim dessa provação pe­nosa.

Pensais que Deus não vos escuta porque vos deixa no estado de tédio ou tentação de que lhe pedis serdes livrado; mas, con­soante os princípios da religião, vos en­ganais. Se a vossa oração é feita com sub­missão, com confiança e perseverança, se­gundo as promessas de Jesus Cristo ela será certamente atendida. Na verdade, Deus não vos concederá o que lhe pedis, porque isso vos seria nocivo, devido ao mau uso que disso faríeis, ou seria menos útil do que os dons que Ele vos recusa por misericórdia; dar-vos-á graças mais pre­ciosas, mais desejáveis, que vos farão pra­ticar as virtudes perfeitas da Religião e vos farão adquirir méritos para o Céu, pela renúncia, pela mortificação, pela sub­missão, pelo espírito de penitência, graças que, sustentando-vos no combate, vos dei­xarão ver todo o vosso nada, vos conven­cerão da vossa fraqueza, vos manterão na humildade cristã, fundamento das verda­deiras virtudes, na vigilância sobre vós mesma, e em relação contínua com Deus para solicitar o socorro d’Ele, cuja necessi­dade sempre melhor reconhecereis para vos sustentar.

Essa Providência, essa conduta do Se­nhor é-nos bem assinalada em S. Paulo. Esse grande Apóstolo pede a Deus várias vezes livrá-lo de uma tentação humilhan­te que o atormenta. Deus permitia-a nesse grande Apóstolo, conforme este mesmo no-lo faz saber, com medo de que a grandeza das suas revelações o elevassem aos seus próprios olhos (2 Cor 12, 7). O Senhor recusa-lhe o livramento dessas tentações, mas tranquiliza-o sobre elas: Minha graça te basta (2 Cor 12, 9). Essa recusa que a alma perturbada, entediada, tentada ex­perimenta, não indica, pois, que Deus se afaste dela, que não a escute, que a te­nha abandonado: essa recusa prova unicamente que Deus tem outros desígnios que não aqueles que ela se propõe; que não quer livrá-la, mas que está sempre pron­to a ajudá-la.