I.
O REINO DE CRISTO
1.
Qual há de ser o primeiro dos Exercícios da semana. — 2. Apelo à conquista do
Reino de Cristo. — 3. Alegria do caminho de Cristo. — 4. Como conquistaremos
almas para este Reino de Cristo. — 5. Resumo.
1.
— Vossa alma já está limpa de pecados pela confissão sacramental; já
concebestes ao pecado ódio de morte; já resolvestes corrigir-vos pela oração e
pelo exame quotidiano: assim dais o primeiro passo para atingir o vosso fim
último, Deus. Mas a Ele devereis chegar pela imitação de Seu Filho Jesus
Cristo. Por isto, à primeira semana de Exercícios, que trata de extirpar os
pecados e que por isso pertence à Via Purgativa, segue-se naturalmente a Via
iluminativa, isto é, seguir o caminho trilhado por Cristo, nossa luz e guia,
imitando as suas altíssimas virtudes.
Entre
parênteses vos direi que isto de primeira ou segunda semana de Exercícios se
refere ao tempo que Santo Inácio deixou estabelecido para a duração dos
Exercícios. Ordinariamente tinham-se quatro semanas de Exercícios. Que comprido!
não é verdade? Isto me direis porque sois crianças fracas, e rebentaríeis com a
carga. Também há pessoas grandes que dizem o mesmo. Agora eles costumam
fazer-se em oito dias, e mesmo em menos, em seis, em cinco, em três, que é
muito pouco tempo para labor tão magno e importante.
O comum é fazerem-se em
oito dias. A primeira semana costuma durar três ou quatro dias; a segunda e a
terceira, dois ou três; e a última, um apenas. Assim, quando eu vos falar de
semana, já me entendereis.
Nesta
segunda semana começa-se, pois, a seguir a Cristo, e a primeira meditação ou
explicação é a do “Reino de Cristo”, que é a meditação fundamental desta
semana, como a do fim do homem é a fundamental dos Exercícios; e, assim como
então a primeira coisa que se apresenta à consideração dos exercitantes é o fim
do homem, que é Deus, para depois, pelas meditações seguintes, afastar os
impedimentos que se opõem à consecução deste fim, impedimentos esses que são os
pecados, assim também pomos agora como fundamento desta semana o “Reino de
Cristo”, que é resolvermo-nos a imitá-lO, para depois, nas outras meditações,
irmos considerando as virtudes que Ele praticou, e procurando copiá-las em nós.
Fique, pois, assente que, para imitar a Cristo, o que é a finalidade desta
segunda semana, a primeira coisa que devemos fazer é resolver-nos a segui-lO.
Nosso fim é Deus, e a Deus se vai por Cristo.
2.
— Estais lembrados daquele exemplo que vos propus da viagem em automóvel?
Disse-vos que, para fazer aquela viagem sem percalços, havia que suprimir obstáculos
que impedissem o veículo de caminhar, havia que limpar de pedras a estrada,
aplanar depressões, levantar calçadas..., o que significa tirar os pecados,
únicos impedimentos no caminho de Deus. Desembaraçada já a alma desta carga
terrível, prontas as asas e com ânimo de empreender o voo, como ignoramos o
caminho e nesta vida é de noite, carecemos de luz e guia. A luz e guia é
Cristo. Logo, se queremos seguir o caminho do céu, devemos ter a Cristo por luz
e guia.
Para
que esta verdade entre, pela imaginação, no nosso entendimento, Santo Inácio
propõe uma parábola. Diz ele: figurai “um rei humano, eleito por mão de Deus
Nosso Senhor, a quem fazem reverência e obedecem todos os príncipes e todos os
homens cristãos”, rei esse que diz a todos os seus súditos: “A minha vontade é
conquistar toda a terra de infiéis; portanto, quem quiser vir comigo, deve
ficar satisfeito de comer como eu, e assim de beber e de vestir, etc.;
igualmente deve, como eu, trabalhar de dia e velar de noite, etc., para que
assim tenha depois parte comigo na vitória como teve nos trabalhos. Considerai
o que a um rei liberal e tão humano devem responder os súditos, e, por
conseguinte, se algum não aceita a petição dele, quanto merece ser vituperado
por toda gente, e tido por perverso cavalheiro”.
Olhai
as qualidades desse rei: ele é tão poderoso que todos os outros príncipes e todos
os cidadãos lhe obedecem; e Deus escolheu-o para os seus grandes desígnios. É
tão bom que só pensa em empregar o seu poderio para a glória de Deus, trazendo
a Deus todos os povos. Tão grande é esse rei, tão louváveis os seus desígnios,
que todos os súditos devem responder-lhe oferecendo-se-lhe em absoluto, e o que
se negar a isso será tido por perverso cavalheiro. Não é verdade que deixar de
segui-lo seria uma insigne covardia? Mas, os que o seguem, com que entusiasmo o
seguem! Quantas e belas esperanças abrigam eles sob as ordens de tal rei!
Agora
escutai a explicação da parábola. O rei é Jesus Cristo, que diz a cada um de
nós: “A minha vontade é conquistar o mundo todo e todos os inimigos, e assim
entrar na glória de meu Pai; portanto, quem quiser vir comigo há de trabalhar
comigo, para que, seguindo-me no penar, também me siga na glória” (Sto.
Inácio). De modo que, se vós teríeis oferecido vossas pessoas ao rei da
parábola, quanto mais não deveis oferecê-las a Jesus Cristo, que é verdadeiro
rei de todo o mundo? Assim, pois, “todos os que tiverem juízo e razão hão de
oferecer suas pessoas ao trabalho”. E sabeis qual é este trabalho? É “lutar
contra a sua própria sensualidade”, é renegar-se a si mesmo, é sermos enfim
bons soldados de Cristo na conquista do reino dos céus para nós e para outros a
quem salvemos.
Olhai
a pessoa de Jesus Cristo, Rei magnífico que vos chama ao Seu serviço. Ele é
belo sobre toda ponderação, atraente, misericordioso, amantíssimo sobretudo das
crianças. Que há n’Ele que não seja amor e doçura?
Qual
será esse reino que Jesus quer conquistar? É o reino das almas, é aquele reino
cuja vinda pedimos no Padre-Nosso dizendo: “Venha a nós o vosso reino”. É este
o reino que Ele quer conquistar, e para o qual pede o vosso auxílio. Quer
conquistar as almas e reinar nelas.
É
tal a excelência deste reino que devemos conquistar, que só por ele se fez
carne o nosso bom Jesus, e andou entre os homens cujas almas queria ganhar,
escolhendo para a Sua obra os apóstolos, pregando pelo mundo uma doutrina
trazida do céu, para nos santificar e nos levar para lá; fazendo o bem,
morrendo por nós, deixando após si lugar para a Sua Igreja santa, o Seu reino deste
mundo, a qual, seguindo a mesma rota de Seu esposo Cristo, fosse continuadora e
executora da Sua vontade na grande conquista das almas. Nós pertencemos a essa
Igreja, e estamos obrigados, nesta obra da salvação do mundo, a seguir o nosso
rei Jesus. Olhai como é magnífico e excelente esse reino! Como não seguirmos o
apelo do nosso Rei Jesus?
Sigamo-lo, pois, na conquista desse reino.
Determinados
que já estais a isso, querereis saber que coisa seja esse reino de Cristo. Esse
reino é a alma de cada um — como acabo de dizer, — na qual Jesus quer reinar
por graça, ajudando-o nós nessa conquista espiritual; Ele quer entrar em nossos
corações e aí reinar. Mas necessita de que vós o deixeis entrar.
Com
muitíssimo gosto — dir-me-eis. Jesus entrar e reinar em nós? Que beleza! Que
entre, que entre e reine!
Aplaudo
esta resposta vossa, tão ingênua e cordial; mas, esperai. Entrar num coração e
reinar nele significa fazê-lo inteiramente seu e governá-lo à sua vontade, e
isto custa à vontade própria os seus sacrifícios. Mas não vos assusteis:
dar-vos-ei um remédio muito bom para dardes por completo o vosso coração a
Jesus e lho entregardes ao Seu alvedrio amando-O deveras.
Os
dois amiguinhos Antônio e Pedro amam-se entranhadamente. Aquele já é taludo e
de forças; este é menor e fraco. Certo dia eles saem juntos para brincar à
margem de um rio. Pedro, distraído, pisa em falso numa das touceiras da margem
e cai no rio, que por ali é profundo. Antônio, bom nadador, lança-se à correnteza
e tira fora seu amigo já meio afogado. Desde então o amor de Pedro ao seu
salvador não tem limites. Antônio, que é bom, serve-se deste profundo carinho
do seu amiguinho para bem deste, conseguindo dele tudo quanto quer. Assim,
depois de lhe salvar o corpo, salva a alma do amigo e, de ricochete, a sua
própria.
Neste
exemplo Antônio reina no coração do seu amigo e consegue dele tudo o que quer,
e, ainda quando lhe peça impossíveis, o fraco e pequeno Pedro se reforça e
consegue... esses impossíveis, para dar prazer ao seu amigo.
Do
mesmo modo, Jesus Cristo quer reinar nos vossos corações depois de vos haver
salvado da morte eterna, conquistando-vos para Ele e querendo que façais por
Ele... que? impossíveis? Nada disso: quer fazer em vós a Sua vontade.
Os
mandamentos que Ele vos impõe e os conselhos que vos dá são, com Sua ajuda,
fáceis. “Meu jugo é suave e minha carga leve”, diz Ele. É jugo o que Ele vos
impõe, e o jugo é levado por dois. Jesus Cristo está convosco nesta conquista
espiritual das vossas almas. Que temeis? Olhai, olhai o vosso capitão Jesus que
vos convida a esta empresa de felicidade vossa e honra sua, e, olhando-o, e
considerando o que Ele vos pede, determinar-vos-eis a segui-lo com o maior dos
prazeres.
Agora
imaginai Cristo sentado na planura de Genesaré; vede-O como, olhando para uma
multidão de meninos e meninas que O cercam e que disputam entre si e se
atropelam para estarem mais perto d’Ele, diz estas amorosíssimas palavras:
“Deixai vir a mim as criancinhas” (Mc 10, 14). Ponde-vos, pela consideração,
entre aqueles meninos, pensai que Cristo nosso Rei vos chama e quer que vos
achegueis d’Ele, porque Ele quer conquistar um Reino, o nosso Reino, o Reino
d’Ele nos vossos corações, pois Ele o diz: “Meu reino está dentro de vós” (Lc
17, 21). À conquista de vós mesmos caminha Ele, por isso vos chama, por isso
vos quer.
Não
sem razão compara-se este apelo de Cristo à conquista de um Reino. Sabeis o que
sucede quando um rei quer conquistar um Reino? Faz declaração de guerra, soam
clarins, congregam-se hostes, afiam-se e brunem-se as armas, previnem-se os
ânimos valorosos... Assim vos chama Cristo, dizendo: “Às armas, meninos! pois
vamos conquistar para mim o Reino de vossas almas”. Receio que as meninas, que
se sentem pouco belicosas, se julguem excluídas deste apelo: nada disto; também
vós sois chamadas a esta guerra de novo gênero, porque Cristo quer reinar nos
vossos corações.
Agora
vede o que fazem os soldados quando o rei os chama à conquista: “Aqui estamos!
— dizem eles. — Viva o rei!” Assim haveis de responder a esse chamado de
Cristo: “Aqui estamos, prontos a seguir-te: Viva Jesus!” E é este precisamente
o fruto do exercício deste dia: a resolução de seguir a Cristo, mande Ele o que
mandar.
3.
— Alegro-me com este vosso entusiasmo: se prosseguirdes nele, depressa
conquistareis o vosso coração para Cristo. Mas ai! que talvez algum pensamento
desalentador, como um mau caruncho, roa esta vossa energia e faça vacilar as
vossas perninhas. Seguir a Cristo nosso Rei! Que bonito! Mas quão difícil! —
diz o caruncho — e quão triste! — acrescenta. Ladeira acima, por íngremes
penedias, sem um pouco de prazer que alegre a vida... horizontes turvos...
deixando aos lados risonhos jardins que se têm de passar de largo; fontes rumorosas,
sem poder atirar-se a elas de bruços e beber um gole sequer que acalme a sede
abrasadora...
Oh!
que engano funesto se dessa maneira julgais o seguir a Cristo! O caminho do
prazer é bonito na fantasia: na realidade, é uma agonia continuada. Os seus deliciosos
jardins de flores têm áspides; as suas claras fontes trazem veneno que amarga
as fauces e aumenta a sede; no fim abre-se o antro do inferno...
Em
compensação, o caminho de Cristo não é triste como parece à primeira vista.
Imaginai
que sois uns exploradores, desses a que chamam boy scouts ou escoteiros, e que caminhais por uma senda edregosa e
ladeira acima, mas ides com uma turba de amiguinhos capazes de desenrugar o
cenho mais franzino. Levam eles compridos bordões de alpinistas, carabinas e
espingardas de ar comprimido para atirar nos pássaros, e também sua mochila bem
repleta e uma cornetinha para as ordens. E levam como capitão um menino mais
crescido, bonachão como um pedaço de pão, o qual é como se fosse pai deles.
Este vai adiante, ajuda os pequenos, corta sarçais com a sua faca de mato... e
ri, e anima, e com o seu cantil dá de beber a quem o necessita. Quando a hoste
infantil se cansa, ele manda fazer alto e, à sombra de um arvoredo, tira um
riquíssimo cordial, reanima-os com um par de tragos e... “Avante... meninos!
Avante os exploradores!” — diz o capitão apontando para um bosquezinho
precioso, com seu castelo pequeno no meio, fim da expedição, castelo no qual
esperam os pequenos as mais gratas surpresas. — Avante, meninos! repete o rapaz,
ajudando a este, amarrando a mochila àquele outro e as botas a um terceiro. —
Que bom capitão que temos! — dizem os exploradores, e levantam-se como um só
homem e recomeçam a penosa marcha, sem se lembrarem de penas, cantando todos um
hino guerreiro. Vamos a ver quem é o bravo que se atreve a dizer que este
caminho é triste.
Pois
mais alegre é o caminho que temos de fazer para conquistar o Reino de Cristo.
Vai conosco uma turba imensa de santos e santas, gente alegre, embora a muitos
pareça triste. O capitão é Cristo, e, quando a sede fatiga, Ele aproxima dos
nossos lábios abrasados um riquíssimo cordial que sabe a leite e mel, o cordial
da Eucaristia; e nos apoia a Ele, para que bebamos do Seu lado aberto o leite
da consolação ou, quando menos, do esforço animoso. Se os ardores do sol e a
aspereza do caminho fatigam, há n’Ele suas paradazinhas onde, à sombra amiga do
nosso Capitão, nós limpamos o suor do rosto e, quando soa a voz de mando:
“Avante, meninos! Avante, meus filhos”, Ele nos dá a mão e, às vezes, até nos
carrega às costas. É triste isto? Não sabe o que diz quem assegura que é triste
seguir a Cristo.
Um
pouquinho difícil... sim, mesmo algo difícil é; mas asseguro-vos que muito mais
o é seguir o diabo. Coisa interessante! O que parece bonito e agradável aos
sentidos, vindo do diabo, que é um velho apodrecido, vem empestado e dá
náuseas; e o que parece repugnante e áspero à primeira vista, vindo de Cristo,
perde a sua crueza, e sobe a néctar a própria amargura. Dizei-me se há alguma
coisa mais amarga do que as lágrimas, e, todavia, derramadas por Cristo, são
doces como córregos de mel. Como é isto, meu Jesus, que assim dulcificas o que
tocas? É que por onde passas vais deixando cintilações da Vossa formosura!
4.
— Como conquistaremos almas para este reino de Cristo? Escutai. Posto que,
embora custoso, seja tão alegre o seguir a Cristo na conquista deste reino de
cada uma de nossas almas, Ele quer que, depois de olharmos seriamente pela
nossa salvação, olhemos também pela de nosso próximo. Lembrai-vos do que fazia
o menino Antônio, que salvou a vida a Pedro e depois se prevalecia do amor
deste para conduzi-lo ao céu.
Mas,
perguntar-me-eis — podemos salvar almas conquistando-as para Cristo? Isso
compete aos missionários.
Aos
missionários e a vós. Como? De duas maneiras. Primeiro procurando serdes cada
dia mais santinhos. Só com seu exemplo o santo leva ao céu atrás de si muitas
almas. O exemplo é como os rosmaninhos e as alfazemas floridas que, por seu
aroma, atraem as abelhas: assim a alma santa atrai outras almas. Pelo que, dai
bom exemplo, como o rosmaninho dá flores repletas de mel.
Em
segundo lugar, podeis trazer almas a Cristo fazendo de missionários de verdade,
orando pela conversão dos cristãos pecadores, dos gentios e hereges, e fazendo
por eles algum sacrifício. Num colégio de meninas há um mealheiro para as
missões, e em cima do mealheiro um negrinho de feltro. Uma colegial mete amiúde
no mealheiro uma moeda de dez centavos. Cada vez que a põe, o negrinho inclina
a cabeça. A nova missionária compreende muito bem que a saudação do negrinho
não significa outra coisa senão a saudação do Anjo da Guarda aplaudindo aquela
esmola para as missões. Além disto, a menina faz outros sacrifícios, e reza de
todo o seu coração para que o reino de Cristo se estenda entre os gentios. Esta
menina é um verdadeiro soldado de Jesus Cristo que o segue na conquista do
reino das almas.
Eis
aqui um belo meio para aumentar o reino de Jesus Cristo. Mas há outro também
muito praticável e consiste em atrair a Jesus Cristo as pessoas com quem
tratamos. O amor é proselitista, atrai gente ao nosso partido, e, como vós
amais a Jesus e quereis atender ao apelo que Ele vos faz a prol da conquista do
Seu reino, naturalmente havereis de ter grandes desejos de lhe trazer almas.
Vedes algum amiguinho vosso que deixa bastante a desejar; fazei o que puderdes
para levá-lo a se confessar e a comungar; dizei-lhe como é mau o pecado, como
ele se expõe a condenar-se andando por veredas perigosas, e outras coisas deste
gênero que o amor a Jesus vos porá nos lábios. Talvez topeis, na vida, com
criaturas ignorantes que andam longe de Deus. Falai-lhes, aconselhai-as,
mostrai-lhes o bom caminho. Outras vezes, encontrareis algum ignorante sem
culpa: ensinai-lhe a olhar para o céu.
Uma
vez uma menina me trouxe outra menina para que eu a batizasse. Isto não
aconteceu nem na Mourarja, nem na China, nem no fundo de uma mata africana,
porém numa das nossas grandes urbes católicas. A pequena catecúmena pedia o
batismo com muita insistência. De que meios se valeu a nova missionária para
trazer aquela ovelhinha à Igreja de Cristo, que é o seu reino na terra?
Contou-lhe coisas da História Sagrada; explicou-lhe à sua maneira algo do
catecismo... o que tudo a outra pobrezinha ouvia encantada. Via um mundo novo
para ela. Principalmente se comoveu quando ouviu Joaninha (assim se chamava a
catequista) dizer-lhe um dia:
Nós
as meninas católicas trazemos na fronte uma estrela que é o resplendor da graça
que temos na alma; por essa estrela Jesus Cristo nos reconhece como Suas.
Mas
eu não estou vendo em ti estrela nenhuma, disse a outra.
Mas
vê-a o anjo da guarda, Deus a vê.
Pois
eu quero trazer essa estrela.
Essa
estrela ser-te-á dada pelo batismo, com a graça que receberás pela água
batismal. Enquanto não te batizares, ainda que espanhola, serás uma mourazinha.
Não
embalde pedia a pobre mourazinha o batismo. Instruíram-na, batizaram-na...
Suponho que agora ela será uma boa cristã, seguidora de Cristo. Ouvistes, pois,
como uma menina entendia muito bem essa coisa de ganhar almas para o reino dos
céus.
Às
vezes numa família há algum dos seus membros afastado de Deus; mas também há
nela um menino amante de Jesus Cristo; e, não podendo sofrer que uma pessoa a
quem ele ama esteja afastada do único bem, esse menino reza por ela,
sacrifica-se, fala-lhe, e afinal consegue trazê-la a Deus. Quantos pais
blasfemos têm sido convertidos por um bom filho! quantas mães loucas, por uma
filha virtuosa! E vede como um menino, uma menina se unem a esses soldados de
Jesus, os missionários, e estendem o reino de Cristo pelo mundo,
conquistando-lhe almas.
5.
— Agora resumamos esta meditação, para que recordeis os motivos que tendes para
seguir a Cristo, e formeis melhor os propósitos de fazê-lo.
Ao
começarmos esta segunda semana de Exercícios, pomos como base da meditação o
Reino de Cristo. Este Reino de Cristo é reinar Ele em nossas almas.
Recordaremos a parábola de Santo Inácio sobre o rei humano que chama seus
súditos para conquistar todos os homens e fazê-los cristãos. Segue-se depois a
aplicação da parábola. Este rei é Cristo; nós somos os súditos; o reino que Ele
quer que conquistemos são ''as nossas almas e as dos nossos próximos. Para
mover-nos a isso, contemplaremos como é amável a pessoa de nosso rei Cristo, e
quanto Ele nos ama; depois pensaremos em que este reino que devemos conquistar
é o reino das almas na terra, para o que faremos a vontade de Cristo, a fim de
depois reinarmos com Ele no céu. É tão grande a excelência deste reino das
almas, que por ele Cristo se fez nossa carne, e morreu por nós.
Ora,
para que Cristo reine em nós, mister se faz que nos entreguemos por completo
à sua vontade, amando-o de coração, a exemplo daquele menino livrado da morte
por seu amiguinho. De ainda mais nos livrou Cristo, pois nos livrou da morte
eterna. Vamos, pois, determinar-nos a seguir a Cristo na grande conquista. Não
devereis temer dificuldades, pois Cristo vai conosco e alegra o nosso Calvário
melhor do que aquele capitão dos escoteiros alegrava os seus subordinados, e,
para nos esforçarmos e aplacarmos a nossa sede, dá-nos o cordial da Eucaristia.
Além
disto, não haveis de vos contentar com salvar vossas almas; haveis de trabalhar
para trazer a Deus almas dos vossos próximos, particularmente as mais ligadas a
vós por parentesco, amizade e trato; e, enfim, haveis de rezar pelas missões e
fazer por elas algum sacrifício. Quantas vezes, pela oração e pelos sacrifícios
de uma criança, as palavras dos missionários são mais eficazes, e um gentio se
converte e se batiza, e o principal missionário diante de Deus foi uma criança!
Agora,
cheios os vossos corações destes bons propósitos, resolvidos a seguir sem
vacilação o caminho de Cristo, que é o da Cruz, pedi a nossa Mãe Maria que
torne eficazes estes bons desejos, e para isto rezai comigo três Ave-Marias.