Kate Chopin (1850-1904) era uma mulher à frente de seu tempo. De escrita elaborada na forma e ousada no conteúdo, Chopin surpreende pela habilidade narrativa e pela coragem em lidar com temas polêmicos. Já no final do século XIX, impõe corajosamente em sua literatura uma percepção apurada e crítica da sociedade.
Tendo como exemplo a audácia de sua avó, que, em pleno século XIX, foi a primeira mulher a se separar legalmente em Saint Louis (Missouri) e, já em idade avançada, tornou-se empresária, Chopin se tornou uma mulher destemida. Viúva aos 32 anos, teve de se sustentar sozinha, vindo a descobrir sua verdadeira vocação quando passou a escrever regularmente, por indicação do seu terapeuta, tornando-se, assim, uma excelente romancista e conquistando sua independência como escritora.
Culpados, mesmo sendo o primeiro romance escrito por Chopin, já apresenta uma maturidade narrativa inegável ... Chopin encontrou inúmeras barreiras para publicar suas obras, visto que tocava em temas tabus como divórcio, alcoolismo, tensões raciais, preconceitos morais e religiosos, a frivolidade burguesa, etc. Sua escrita era uma afronta à moral estabelecida, na medida em que construía personagens femininas fortes, que representavam o desejo feminino de independência e colocavam em xeque preceitos morais e o comportamento padrão que a sociedade impunha à mulher, comportamento esse objeto incansável da ironia de Chopin.
A protagonista de Culpados, Thérèse Lafirme, viúva aos 30 anos, passa a administrar com desenvoltura a plantação de algodão deixada pelo marido. David Hosmer, um empresário divorciado, aparece para propor a Thérèse uma boa oferta em troca do direito de cortar madeira de suas terras por alguns anos. Os dois rapidamente se apaixonam, mas Chopin nos mostra então as limitações de Thérèse, que, ao descobrir que Hosmer era divorciado (de Fanny Larimore, uma jovem alcoólatra e dada a rodadas de diversão com amigos), mostra-se ainda refém de uma moral elevada demais para se dar ao luxo de ser feliz com ele:
– Não pensei que a senhora fosse católica. – Disse, finalmente virando-se para ela com braços cruzados.
– Porque o senhor nunca viu nenhum sinal externo. Mas não posso deixá-lo com a impressão errada: a religião não influencia minha opinião neste assunto.
– A senhora acredita, então, que um homem que teve tamanho infortúnio deveria ser privado da felicidade trazida por um segundo casamento?
– Não, nem uma mulher, se estiver de acordo com seu princípio moral, o que eu acredito ser algo peculiarmente pessoal.
– Isto me parece ser um preconceito. Preconceitos podem ser deixados de lado por um esforço da vontade. Respondeu, segurando-se a um fio de esperança.
– Existem alguns preconceitos que uma mulher não pode se dar ao luxo de abandonar, senhor Hosmer, mesmo pelo preço da felicidade. Por favor, não diga mais nada sobre isso, não pense mais no assunto. – Ela disse com um pouco de arrogância (p. 55-56).
Ainda, a partir desse diálogo podemos refletir sobre a própria questão do divórcio. Chopin, aqui, também subverte o que normalmente se veria à época, que é a mulher divorciada sofrendo o preconceito da sociedade, sofrendo impedimentos morais para poder se casar de novo. Aqui é o homem que aparece como vítima desse preconceito; é o homem que aparece em condição de humilhação.
PS: grifos meus
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