quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Humildade e fidelidade de Santa Maria Madalena

Primeiro momento

Em primeiro lugar Cristo foi o seu Perdoador. Eis que, lá da rua, vem a proscrita, penitente é certo, mas imperdoada - com seus longos cabelos desgrenhados caindo-lhe pelos ombros, com seu vestido cor de açafrão, em desalinho, com seu vaso de perfume nas mãos. Ela veio, pensando ser talvez aquela a sua última oportunidade de ao menos ver Jesus, se mais não fosse; de olhar para Ele, que para ela havia olhado bondosamente no passado; de ver talvez uma sombra de tristeza naqueles olhos penetrantes. O resto segue-se rapidamente. Quase antes mesmo de a terem visto os servos, eis que ela está abaixada ali no chão, atrás da cadeira d'Ele, chorando baixinho a sua miséria, novamente e cada vez mais penetrada pelo lume dos divinos olhos.

Um silêncio se produz de repente quando, inconsciente de tudo exceto de si mesma e d'Ele, ela baixa tanto a cabeça que suas lágrimas Lhe gotejam nos pés, e quando, chocada pela profanação daqueles pés sagrados, ela primeiro os enxuga frenéticamente com seus compridos cabelos, e depois, como que para compensar o toque das suas lágrimas, destampa o vaso de perfume e despeja o nardo, - eis que a murmuração do mundo começa, lá nos lugares de honra.
Jesus levanta a cabeça; e então numa frase ou em duas, tudo está feito.

" Simão, vês esta mulher? ...Ela ao menos fez aquilo que tu, como meu hóspede, deixaste de fazer...Ela muito amou, muito amou...E por isto os seus pecados lhe são perdoados. Vai, minha filha e minha amiga, e não pequeis mais".

Segundo momento

Com a lembrança de tudo isso na mente, quando, meses mais tarde - meses de uma vida mudada, pura e tranqüila finalmente - ela olha para trás, imaginai-lhe os agitados e tumultuosos pensamentos, as angústias e as esperanças, quando ela segue passo a passo os tormentos e o opróbrio d'Aquele que a absolvera e lhe dera a Sua esperança! Desde a madrugada ela acompanhara cada minúncia da Sua paixão. Pegara-se à orla da multidão delirante; escutara as conversas dos que lhe estavam perto; ouvia as gargalhadas quando Ele, o seu Amigo, apareceu no topo dos degraus do Pretório com o rasgado manto de púrpura nos ombros, com a cana nas mãos atadas, e com a coroa de espinhos na cabeça. Escutara ao silêncio os estalos cortantes dos flagelos...

Depois seguiu-O outra vez, pelas ruas, através da porta da cidade e pela íngreme ladeira. E, por fim, quando tudo está feito e Ele pende da cruz, despido, envergonhado e atormentado, e quando os soldados quebram o cordão de isolamento e se metem pela multidão, ela abre caminho através desta e chega até o pé da Árvore trêmula, e aí, uma vez mais, "fez o que pôde"... Mais uma vez ela lavou aqueles pés com suas lágrimas; e, escorrendo juntamente até o chão, ali formaram uma corrente, mais doce do que qualquer das que regam o Paraíso, as lágrimas da pecadora perdoada e o sangue do Salvador.

Sem embargo, como, por todo o tempo, não deve ela ter esperado, contra toda esperança, que a tragédia não findasse trágicamente! Ela O vira antes nas mãos dos seus inimigos, e no entanto Ele havia escapado. Mesmo agora, quando ela estava agachada aos pés da Cruz, ainda não era completamente tarde. Ele ainda não estava morto!...Onde estavam então aquelas legiões de anjos de que Ele havia falado? Acima de tudo, aonde estava aquele Poder Divino que a havia confortado, poder tão evidentemente sobre-humano que não podia haver limites para os seus triunfos? Quando no seio da multidão avultou o clamor:

 " Se és o Filho de Deus, desce da Cruz, e creremos."

Como não deve ela ter fitado a calma e atormentada Face de olhos cerrados que pendia contra o firmamento! E, sobretudo, quando o clamor esmorecera, e quando, partindo das duas cruzes dos lados e de homens que por casusa da sua miséria tinham um direito supremo sobre o Amigo dos pecadores, subiu o mesmo brado de apelo, com o seu terrível acréscimo: " Se és o Cristo, salva-te - e a nós", de certo podemos vê-la também erguer-se de um salto sobre seus pés, com a esperança de que ao menos agora deva Ele responder.

Com certeza, enfim, aquele Poder se reafirmaria, mesmo na undécima hora; e os pregos se transformariam em gemas e a cruz em flor, e Ele, o seu Amigo, radiante novamente, desceria do seu trono para receber a adoração do mundo! É bem possível que, ficando ali a olhar para Maria e João em busca de incentivo, e depois novamente para Ele mesmo, ela haja, murmurado na sua angústia:

"Já que és o Cristo, salva-te a Ti mesmo - e a mim".

... E Jesus, dando um grande grito, expirou...

(A amizade de Cristo - Mons. Robert H. Benson)

PS: Grifos meus