Residência Salesiana São João Bosco
Inspetoria de Maria Auxiliadora
São José dos Campos – Brasil
São
José dos Campos, 24 de abril de 1950.
Caríssimos irmãos,
Caríssimos irmãos,
Com o ânimo profundamente comovido vos
comunico a morte do caro irmão professo perpétuo sacerdote Rodolfo Komorék, de
59 anos, em São José dos Campos a 11 de dezembro de 1949.
Filho da heróica Polônia, nasceu em
Bielsco, Silésia, a 11 de outubro de 1890. Seus pais, João Komorék e Inês Gach,
o educaram em sentimentos de piedade e de grande delicadeza de consciência. Uma
sua irmã ainda viva escreve dele: "Desde menino era bom e devoto, e assim
também como estudante de ginásio. Era o melhor dos seis filhos: e é o primeiro
que morre após os genitores”.
O doce e santo lar foi o ambiente
propício para fazer germinar a plantinha da santa vocação. De fato, o pequeno
Rodolfo sentiu logo no seu coração a voz do Senhor que o chamava para ser um
dia um zeloso ministro do altar. Com grande alegria de sua alma entrava no
Seminário diocesano e já em 1909 era revestido da veste talar. Daquele tempo
nos fala ainda sua irmã: "No Seminário, pela sua bondade, todos o queriam
bem, o amavam muito, e desde então o chamavam um São Luís". Das mãos do
Cardeal Kopp recebia em 1911 a tonsura e em julho de 1913 recebia do mesmo
Emmo. Cardeal o sagrado presbiterado.
Após ter trabalhado por nove anos no
ministério paroquial em sua diocese, sentindo em seu coração o desejo de uma
vida mais perfeita, fez o pedido para ingressar entre os filhos de São João
Bosco. Em julho de 1922 iniciava o santo noviciado em Klecza Dolna, e em 1923
fazia a primeira profissão trienal. Passou um ano na casa de Przemysl, paróquia
e escola para organistas. Em seu inato desejo de vida de sacrifício e de
apostolado, fez o pedido para ser missionário. Sonhava morrer mártir entre os
selvagens.
Em 1924 era parcialmente satisfeito o
seu desejo, pois partia para a América do Sul. Sua segunda pátria será o
Brasil, onde trabalhará por 25 anos. Seu primeiro campo de trabalho foi a
florescente colônia polonesa de São Feliciano, Rio Grande do Sul. Em 1929 o
encontramos em nossa casa de Niterói, onde trabalhou como vice-pároco, no nosso
frequentadíssimo Santuário de Maria Auxiliadora. Ainda hoje é recordado pelos
fiéis, que tanto o estimavam. De 34 a 36 trabalhou como bom filho de Dom Bosco
em Luís Alves, Santa Catarina, entre os colonos italianos e poloneses. Em 1936
foi enviado como confessor e professor ao nosso florescente aspirantado de
Lavrinhas. Sua fibra robusta estava enfraquecida pelo muito trabalho e pelo mal
que o minava. Foi por isso constrangido a vir a esta casa de saúde. São José
dos Campos foi o último campo de seu fecundo apostolado. Por oito anos
trabalhou; embora enfermo, nesta cidade climatérica, dando a todos exemplo de
uma vida ilibada, mortificadíssima e de grande zelo pela salvação eterna das
almas. Na verdade o nosso caríssimo Pe. Rodolfo foi um digno e santo filho de
São João Bosco, que honrou a nossa amada Congregação com a prática das mais
excelsas virtudes.
Sua caridade era proverbial: amava os
pobres, os humildes, e na assistência aos enfermos era um autêntico apóstolo.
Não queria ceder a ninguém a felicidade de poder assistir a um agonizante e
levar-lhe os confortos da nossa santa Religião. Tinha predileção pela virtude
da humildade: procurava sempre o último lugar e amava ficar escondido. Nas
festas ou diante dos ricos se sentia a contragosto, com a aparência de um tímido
menino que quer fugir. Entre os pobres, ao invés, se sentia no seu ambiente, se
sentia feliz entre os infelizes. Por alguns anos foi o capelão de um asilo de
pobres velhos e ficava radiante de alegria quando se colocava à mesa ao lado
daqueles pobrezinhos, participando da sua frugal refeição. O Pe. Rodolfo era um
homem verdadeiramente bom, simples da simplicidade evangélica e profundamente
humilde. Se lhe parecia ter de qualquer forma ofendido alguém, pedia logo
humildemente perdão.
Tinha a austeridade de um asceta, de um
penitente, mas ao invés de afastar, atraia irresistivelmente quem quer que fosse
embora o visse pela primeira vez.
No seminário diocesano, Mons. Ascânio
Brandão, seu penitente, escreveu um belo artigo, que retrata maravilhosamente este
nosso querido irmão. Entre outras coisas, diz: "O Pe. Rodolfo falava pouco,
apenas o necessário, e nem por isso deixava de ser delicado e amável. No
ministério sacerdotal, o mais difícil, o mais penoso, o mais incômodo ele o
disputava com ardor. Julgava-se o escravo de todos, e tinha por lema: servir e
nunca ser servido. Homem do dever e do sacrifício. Nunca se ouvia dos seus
lábios uma queixa, uma recriminação, uma palavra dura, um simples lamento.
"Si quis in verbo non offendit, hic
perfectus est vir", diz o Apóstolo. "Se alguém não peca pela
palavra é santo". Aqui admiramos todos Pe. Rodolfo. Longos anos com ele
tratamos e palestramos, e jamais uma palavra supérflua, e muito menos
irrefletida. Nem uma censura, uma expressão que denotasse a mais leve falta de
caridade. Tudo nele edificava. E não era triste, não. Tinha o sorriso da
bondade dos santos.”.
A sua vida de oração era profunda. Vivia
sempre recolhido, tanto em casa, como pelas ruas da cidade. Passava longo tempo
diante de Jesus Sacramentado e era o primeiro pela manhã a chegar bem cedinho à
capela para visitar o Divino Prisioneiro. O seu amor e reverência para Jesus
era tanto, que ao levar o viático privadamente aos enfermos, caminhava sempre
de cabeça descoberta, quer pelas ruas da cidade, quer pelo campo, sob o sol
quente, como debaixo de chuva. Ao entrar em qualquer igreja, era belo vê-lo
ajoelhar-se logo com ambos os joelhos, fazer uma reverência profunda e ficar
imóvel por muito tempo.
Amava a Virgem, e não deixava nunca
nenhum doente sem o escapulário do Carmo e a bênção de Maria Auxiliadora.
Rezava diariamente com fervor o santo Rosário e falava com unção da Mãe de
Deus.
Pode-se dizer que o Pe. Rodolfo foi o
apóstolo da confissão, um verdadeiro herói do confessionário. Era muito
procurado. Todos queriam confessar-se com ele: ricos, pobres, leigos e
eclesiásticos, irmãs e religiosos.
Com sua têmpera de aço, unida a uma
vontade tenaz, embora consumido pela doença, entre dores cruciantes, com a
respiração afanosa, febricitante, ainda atendia às confissões, administrava os
SS. Sacramentos. Era, na verdade, comovente aquele seu heroísmo.
De seu espírito de penitência fala ainda
Mons. Ascânio Brandão, escritor de renome e conhecido em todo o Brasil
Católico: "O seu espírito de penitência foi notável. Por mais que o
procurasse ocultar, via-se logo a que austeridades se entregava continuamente.
Dormia no chão duro. Tinha horror ao leito macio. Quando a obediência o
obrigava a se acolher ao leito, sobre tábuas duras havia de repousar".
De uma cartinha de sua irmã tiramos esta
afirmação que revela qual espírito de pobreza e de penitência o acompanharam
por toda a vida: "Nunca possuiu nada, porque tudo o que tinha, dava aos
pobres. Não dormia na cama, mas ou sobre um banco ou sobre o pavimento".
Era o homem da Regra - amava-a e a
praticava com perfeição. Observava os santos votos com escrúpulo. Era obediente
até o sacrifício, sempre pronto a dar aulas, a pregar, a assistir os enfermos,
etc. Nutria grande reverência para com os seus superiores, mesmo se muito mais
jovens do que ele. Fazia seu rendiconto mensalmente com uma simplicidade e
sinceridade que comovia quem o escutava.
A virtude da pobreza era sua
característica. Vivia como verdadeiro pobre de Jesus Cristo: sua batina, seus
sapatos, seu chapéu eram remendados. Nunca pedia nada de novo, mas usava o que
os outros deixavam.
Na mesa era mortificadíssimo: nunca se
alimentava de carne ou de iguarias finas, não provava uva, vinho ou outras
bebidas.
Amou a virtude angélica; e a sua vida
foi toda perfumada dos aromas desta bela flor predileta de Maria. Era muito
reservado no falar com as mulheres, e o fazia somente quando o exigia a
caridade ou o sagrado ministério.
Aparentemente não revelava a sólida
cultura que possuía. Era autêntico homem de estudo e nunca perdia tempo. Lia diariamente
a sagrada teologia e livros de ascética. Possuía bem a moral, o direito
canônico e a liturgia. Tinha estudado a história, a geografia e falava
corretamente quatro idiomas, o que muito o ajudou no ministério das confissões.
E, quem o diria? Aquela figura de homem humilde, tímido, era ao invés a do mestre,
do sacerdote de rara cultura, inteligência viva e perspicaz. Ouçamos ainda
Mons. Brandão, falando dele: "Possuía o talento, a habilidade rara de se
esconder e se humilhar, a paixão pelo último lugar, a sede de humilhações e de
sofrimentos. Eram as características desta santidade que quanto mais ele a
procurava esconder, tanto mais brilhava aos olhos de todos que o conheceram: O
Padre Santo. O povo não se referia a ele sem esta expressão, que brotava espontaneamente
do coração para os lábios".
Muitas vezes o vi reprovar docemente,
mas com energia, quem assim se exprimia dizendo: eu sou o pobre Pe. Rodolfo,
grande pecador.
Na última fase de sua doença foi
internado em um sanatório desta cidade. Queríamos chamar um auto, mas ele, que
andava sempre a pé, não quis absolutamente.
Tive que acompanhá-lo numa modesta charrete. À partida, disse aos irmãos: adeus, não voltarei mais, rezai por mim.
Tive que acompanhá-lo numa modesta charrete. À partida, disse aos irmãos: adeus, não voltarei mais, rezai por mim.
As boas irmãs do sanatório, que já o
conheciam e admiravam desde muito tempo, prodigaram-lhe toda a espécie de
cuidados. Aí edificou a todos, irmãs, médicos e enfermeiras, pelo seu fervor e
resignação nos sofrimentos.
Rezava sempre. Uma semana antes de
morrer, chamou-me para dizer que queria fazer a sua confissão geral e receber a
extrema-unção. Não quis nenhum outro no seu quarto e ele mesmo, com grande
fervor, respondia as palavras na administração do óleo santo. Passou os últimos
dias de sua vida em contínua oração. Recebia Jesus diariamente das mãos do
capelão. Os múltiplos sofrimentos não o afastava de seus colóquios com Deus. Com
as mãos cruzadas sobre o peito em atitude de penitente, passava as horas
imóvel, sem mudar de posição, sem procurar alívio às suas dores agudas. Não quis
o balão de oxigênio para aliviar a respiração afanosa, nem sequer água para
umedecer os lábios secos pela febre. Queria morrer como penitente e beber até à
última gota o cálice do sofrimento.
Na tarde do dia 11 de dezembro seu
estado se agravou e ele mesmo pediu ao capelão para que lhe lesse as preces dos
agonizantes. Avisados por telefone, fomos alguns sacerdotes desta casa para
visitá-lo. Rezamos ainda as orações dos moribundos e as orações da boa morte do
Jovem Instruído. Pe. Rodolfo passou suas últimas horas de vida abraçado ao seu
grande crucifixo, em contínua oração. Às 23:20 horas do dia 11 de dezembro
entregava sua bela alma a Deus. Na manhã seguinte, o corpo foi transportado
para a capelinha da nossa residência. A notícia se difundiu rapidamente por toda
a cidade: morreu o Padre Santo. Durante o dia foi uma contínua afluência de
fiéis, que o queriam ver ainda uma vez e tocar em seus restos mortais terços e
medalhas. Os funerais foram imponentes, um verdadeiro triunfo. Foram a
exaltação do servo bom e fiel. A rádio local difundiu por toda a parte a
notícia, e na hora do enterro, embora chovesse continuamente, uma grande
multidão de fiéis de todas as classes sociais se aglomerava diante da nossa
residência. Formou-se um imponente cortejo, precedido pelos meninos, depois a
juventude católica, homens e senhoras das diversas associações paroquiais e por
fim o povo. Estavam presentes muitos sacerdotes, seculares e religiosos, e os
nossos, vindos das casas mais próximas. Durante quase todo o percurso a rádio
local fazia um belo elogio dele. No cemitério, sempre de baixo de chuva, o
pároco fez um tão belo elogio deste digno filho de Dom Bosco, que fez chorar a
todos os presentes.
No sétimo dia da morte cantou-se uma
solene Missa de requiem na igreja paroquial, celebrada pelo sr. inspetor, Pe.
João Resende. Sua bela alma foi sufragada com muitas missas, mandadas celebrar
pelos fiéis seus penitentes.
Quero terminar esta carta mortuária com
as palavras de Mons. Ascânio Brandão no referido artigo: "Nestas linhas, a
homenagem sincera ao amigo saudoso, ao inesquecível pai espiritual, e não sei
se darei pêsames ou felicitarei a benemérita Congregação Salesiana pela morte
triunfal de um Justo".
Aos parentes, transmito os pêsames e
asseguro a lembrança nas orações.
Caros irmãos - não sabemos se o Senhor
em Seus imperscrutáveis desígnios quererá um dia glorificar também sobre esta
terra o Seu servo fiel, como certamente já o terá admitido a glória celeste.
Entretanto, sejamos-lhe largos de nossos fraternos sufrágios, também para
obtermos a sua proteção.
Peço-vos também um memento por esta casa
e por quem se professa vosso af.mo em D. Bosco Santo.
SAC. GASTÃO MENDES
(Traços biográficos)