terça-feira, 30 de outubro de 2012

Carta Mortuária do Padre Rodolfo Komorék



Residência Salesiana São João Bosco 
Inspetoria de Maria Auxiliadora
São José dos Campos – Brasil

São José dos Campos, 24 de abril de 1950.
Caríssimos irmãos,

Com o ânimo profundamente comovido vos comunico a morte do caro irmão professo perpétuo sacerdote Rodolfo Komorék, de 59 anos, em São José dos Campos a 11 de dezembro de 1949.
Filho da heróica Polônia, nasceu em Bielsco, Silésia, a 11 de outubro de 1890. Seus pais, João Komorék e Inês Gach, o educaram em sentimentos de piedade e de grande delicadeza de consciência. Uma sua irmã ainda viva escreve dele: "Desde menino era bom e devoto, e assim também como estudante de ginásio. Era o melhor dos seis filhos: e é o primeiro que morre após os genitores”.
O doce e santo lar foi o ambiente propício para fazer germinar a plantinha da santa vocação. De fato, o pequeno Rodolfo sentiu logo no seu coração a voz do Senhor que o chamava para ser um dia um zeloso ministro do altar. Com grande alegria de sua alma entrava no Seminário diocesano e já em 1909 era revestido da veste talar. Daquele tempo nos fala ainda sua irmã: "No Seminário, pela sua bondade, todos o queriam bem, o amavam muito, e desde então o chamavam um São Luís". Das mãos do Cardeal Kopp recebia em 1911 a tonsura e em julho de 1913 recebia do mesmo Emmo. Cardeal o sagrado presbiterado.
Após ter trabalhado por nove anos no ministério paroquial em sua diocese, sentindo em seu coração o desejo de uma vida mais perfeita, fez o pedido para ingressar entre os filhos de São João Bosco. Em julho de 1922 iniciava o santo noviciado em Klecza Dolna, e em 1923 fazia a primeira profissão trienal. Passou um ano na casa de Przemysl, paróquia e escola para organistas. Em seu inato desejo de vida de sacrifício e de apostolado, fez o pedido para ser missionário. Sonhava morrer mártir entre os selvagens.
Em 1924 era parcialmente satisfeito o seu desejo, pois partia para a América do Sul. Sua segunda pátria será o Brasil, onde trabalhará por 25 anos. Seu primeiro campo de trabalho foi a florescente colônia polonesa de São Feliciano, Rio Grande do Sul. Em 1929 o encontramos em nossa casa de Niterói, onde trabalhou como vice-pároco, no nosso frequentadíssimo Santuário de Maria Auxiliadora. Ainda hoje é recordado pelos fiéis, que tanto o estimavam. De 34 a 36 trabalhou como bom filho de Dom Bosco em Luís Alves, Santa Catarina, entre os colonos italianos e poloneses. Em 1936 foi enviado como confessor e professor ao nosso florescente aspirantado de Lavrinhas. Sua fibra robusta estava enfraquecida pelo muito trabalho e pelo mal que o minava. Foi por isso constrangido a vir a esta casa de saúde. São José dos Campos foi o último campo de seu fecundo apostolado. Por oito anos trabalhou; embora enfermo, nesta cidade climatérica, dando a todos exemplo de uma vida ilibada, mortificadíssima e de grande zelo pela salvação eterna das almas. Na verdade o nosso caríssimo Pe. Rodolfo foi um digno e santo filho de São João Bosco, que honrou a nossa amada Congregação com a prática das mais excelsas virtudes.
Sua caridade era proverbial: amava os pobres, os humildes, e na assistência aos enfermos era um autêntico apóstolo. Não queria ceder a ninguém a felicidade de poder assistir a um agonizante e levar-lhe os confortos da nossa santa Religião. Tinha predileção pela virtude da humildade: procurava sempre o último lugar e amava ficar escondido. Nas festas ou diante dos ricos se sentia a contragosto, com a aparência de um tímido menino que quer fugir. Entre os pobres, ao invés, se sentia no seu ambiente, se sentia feliz entre os infelizes. Por alguns anos foi o capelão de um asilo de pobres velhos e ficava radiante de alegria quando se colocava à mesa ao lado daqueles pobrezinhos, participando da sua frugal refeição. O Pe. Rodolfo era um homem verdadeiramente bom, simples da simplicidade evangélica e profundamente humilde. Se lhe parecia ter de qualquer forma ofendido alguém, pedia logo humildemente perdão.
Tinha a austeridade de um asceta, de um penitente, mas ao invés de afastar, atraia irresistivelmente quem quer que fosse embora o visse pela primeira vez.
No seminário diocesano, Mons. Ascânio Brandão, seu penitente, escreveu um belo artigo, que retrata maravilhosamente este nosso querido irmão. Entre outras coisas, diz: "O Pe. Rodolfo falava pouco, apenas o necessário, e nem por isso deixava de ser delicado e amável. No ministério sacerdotal, o mais difícil, o mais penoso, o mais incômodo ele o disputava com ardor. Julgava-se o escravo de todos, e tinha por lema: servir e nunca ser servido. Homem do dever e do sacrifício. Nunca se ouvia dos seus lábios uma queixa, uma recriminação, uma palavra dura, um simples lamento. "Si quis in verbo non offendit, hic perfectus est vir", diz o Apóstolo. "Se alguém não peca pela palavra é santo". Aqui admiramos todos Pe. Rodolfo. Longos anos com ele tratamos e palestramos, e jamais uma palavra supérflua, e muito menos irrefletida. Nem uma censura, uma expressão que denotasse a mais leve falta de caridade. Tudo nele edificava. E não era triste, não. Tinha o sorriso da bondade dos santos.”.
A sua vida de oração era profunda. Vivia sempre recolhido, tanto em casa, como pelas ruas da cidade. Passava longo tempo diante de Jesus Sacramentado e era o primeiro pela manhã a chegar bem cedinho à capela para visitar o Divino Prisioneiro. O seu amor e reverência para Jesus era tanto, que ao levar o viático privadamente aos enfermos, caminhava sempre de cabeça descoberta, quer pelas ruas da cidade, quer pelo campo, sob o sol quente, como debaixo de chuva. Ao entrar em qualquer igreja, era belo vê-lo ajoelhar-se logo com ambos os joelhos, fazer uma reverência profunda e ficar imóvel por muito tempo.
Amava a Virgem, e não deixava nunca nenhum doente sem o escapulário do Carmo e a bênção de Maria Auxiliadora. Rezava diariamente com fervor o santo Rosário e falava com unção da Mãe de Deus.
Pode-se dizer que o Pe. Rodolfo foi o apóstolo da confissão, um verdadeiro herói do confessionário. Era muito procurado. Todos queriam confessar-se com ele: ricos, pobres, leigos e eclesiásticos, irmãs e religiosos.
Com sua têmpera de aço, unida a uma vontade tenaz, embora consumido pela doença, entre dores cruciantes, com a respiração afanosa, febricitante, ainda atendia às confissões, administrava os SS. Sacramentos. Era, na verdade, comovente aquele seu heroísmo.
De seu espírito de penitência fala ainda Mons. Ascânio Brandão, escritor de renome e conhecido em todo o Brasil Católico: "O seu espírito de penitência foi notável. Por mais que o procurasse ocultar, via-se logo a que austeridades se entregava continuamente. Dormia no chão duro. Tinha horror ao leito macio. Quando a obediência o obrigava a se acolher ao leito, sobre tábuas duras havia de repousar".
De uma cartinha de sua irmã tiramos esta afirmação que revela qual espírito de pobreza e de penitência o acompanharam por toda a vida: "Nunca possuiu nada, porque tudo o que tinha, dava aos pobres. Não dormia na cama, mas ou sobre um banco ou sobre o pavimento".
Era o homem da Regra - amava-a e a praticava com perfeição. Observava os santos votos com escrúpulo. Era obediente até o sacrifício, sempre pronto a dar aulas, a pregar, a assistir os enfermos, etc. Nutria grande reverência para com os seus superiores, mesmo se muito mais jovens do que ele. Fazia seu rendiconto mensalmente com uma simplicidade e sinceridade que comovia quem o escutava.
A virtude da pobreza era sua característica. Vivia como verdadeiro pobre de Jesus Cristo: sua batina, seus sapatos, seu chapéu eram remendados. Nunca pedia nada de novo, mas usava o que os outros deixavam.
Na mesa era mortificadíssimo: nunca se alimentava de carne ou de iguarias finas, não provava uva, vinho ou outras bebidas.
Amou a virtude angélica; e a sua vida foi toda perfumada dos aromas desta bela flor predileta de Maria. Era muito reservado no falar com as mulheres, e o fazia somente quando o exigia a caridade ou o sagrado ministério.
Aparentemente não revelava a sólida cultura que possuía. Era autêntico homem de estudo e nunca perdia tempo. Lia diariamente a sagrada teologia e livros de ascética. Possuía bem a moral, o direito canônico e a liturgia. Tinha estudado a história, a geografia e falava corretamente quatro idiomas, o que muito o ajudou no ministério das confissões. E, quem o diria? Aquela figura de homem humilde, tímido, era ao invés a do mestre, do sacerdote de rara cultura, inteligência viva e perspicaz. Ouçamos ainda Mons. Brandão, falando dele: "Possuía o talento, a habilidade rara de se esconder e se humilhar, a paixão pelo último lugar, a sede de humilhações e de sofrimentos. Eram as características desta santidade que quanto mais ele a procurava esconder, tanto mais brilhava aos olhos de todos que o conheceram: O Padre Santo. O povo não se referia a ele sem esta expressão, que brotava espontaneamente do coração para os lábios".
Muitas vezes o vi reprovar docemente, mas com energia, quem assim se exprimia dizendo: eu sou o pobre Pe. Rodolfo, grande pecador.
Na última fase de sua doença foi internado em um sanatório desta cidade. Queríamos chamar um auto, mas ele, que andava sempre a pé, não quis absolutamente.
Tive que acompanhá-lo numa modesta charrete. À partida, disse aos irmãos: adeus, não voltarei mais, rezai por mim.
As boas irmãs do sanatório, que já o conheciam e admiravam desde muito tempo, prodigaram-lhe toda a espécie de cuidados. Aí edificou a todos, irmãs, médicos e enfermeiras, pelo seu fervor e resignação nos sofrimentos.
Rezava sempre. Uma semana antes de morrer, chamou-me para dizer que queria fazer a sua confissão geral e receber a extrema-unção. Não quis nenhum outro no seu quarto e ele mesmo, com grande fervor, respondia as palavras na administração do óleo santo. Passou os últimos dias de sua vida em contínua oração. Recebia Jesus diariamente das mãos do capelão. Os múltiplos sofrimentos não o afastava de seus colóquios com Deus. Com as mãos cruzadas sobre o peito em atitude de penitente, passava as horas imóvel, sem mudar de posição, sem procurar alívio às suas dores agudas. Não quis o balão de oxigênio para aliviar a respiração afanosa, nem sequer água para umedecer os lábios secos pela febre. Queria morrer como penitente e beber até à última gota o cálice do sofrimento.
Na tarde do dia 11 de dezembro seu estado se agravou e ele mesmo pediu ao capelão para que lhe lesse as preces dos agonizantes. Avisados por telefone, fomos alguns sacerdotes desta casa para visitá-lo. Rezamos ainda as orações dos moribundos e as orações da boa morte do Jovem Instruído. Pe. Rodolfo passou suas últimas horas de vida abraçado ao seu grande crucifixo, em contínua oração. Às 23:20 horas do dia 11 de dezembro entregava sua bela alma a Deus. Na manhã seguinte, o corpo foi transportado para a capelinha da nossa residência. A notícia se difundiu rapidamente por toda a cidade: morreu o Padre Santo. Durante o dia foi uma contínua afluência de fiéis, que o queriam ver ainda uma vez e tocar em seus restos mortais terços e medalhas. Os funerais foram imponentes, um verdadeiro triunfo. Foram a exaltação do servo bom e fiel. A rádio local difundiu por toda a parte a notícia, e na hora do enterro, embora chovesse continuamente, uma grande multidão de fiéis de todas as classes sociais se aglomerava diante da nossa residência. Formou-se um imponente cortejo, precedido pelos meninos, depois a juventude católica, homens e senhoras das diversas associações paroquiais e por fim o povo. Estavam presentes muitos sacerdotes, seculares e religiosos, e os nossos, vindos das casas mais próximas. Durante quase todo o percurso a rádio local fazia um belo elogio dele. No cemitério, sempre de baixo de chuva, o pároco fez um tão belo elogio deste digno filho de Dom Bosco, que fez chorar a todos os presentes.
No sétimo dia da morte cantou-se uma solene Missa de requiem na igreja paroquial, celebrada pelo sr. inspetor, Pe. João Resende. Sua bela alma foi sufragada com muitas missas, mandadas celebrar pelos fiéis seus penitentes.
Quero terminar esta carta mortuária com as palavras de Mons. Ascânio Brandão no referido artigo: "Nestas linhas, a homenagem sincera ao amigo saudoso, ao inesquecível pai espiritual, e não sei se darei pêsames ou felicitarei a benemérita Congregação Salesiana pela morte triunfal de um Justo".
Aos parentes, transmito os pêsames e asseguro a lembrança nas orações.
Caros irmãos - não sabemos se o Senhor em Seus imperscrutáveis desígnios quererá um dia glorificar também sobre esta terra o Seu servo fiel, como certamente já o terá admitido a glória celeste. Entretanto, sejamos-lhe largos de nossos fraternos sufrágios, também para obtermos a sua proteção.
Peço-vos também um memento por esta casa e por quem se professa vosso af.mo em D. Bosco Santo.
SAC. GASTÃO MENDES 

(Traços biográficos)