quarta-feira, 16 de outubro de 2013

TRATADO DO DESÂNIMO - Parte XX

Nota do blogue: Acompanhar esse especial AQUI.

TRATADO DO DESÂNIMO NAS VIAS DA PIEDADE
Obra póstuma do Padre J. Michel - 1952


PERDE-SE O TEMPO NA MEDITAÇÃO: PRETEXTO PARA ABANDONÁ-LA; PRE­TEXTO FALSO, E NÃO RARAS VEZES CRIMINOSO, NAQUILO QUE PODE TER DE REAL. MEIOS DE SE OCUPAR UTILMENTE NA MEDITAÇÃO

Mas afinal, acrescentam algumas vezes certas pessoas, bastas vezes sucede não se ter nenhum atrativo particular. Prepara-se ou resolve-se ler um assunto, que logo se esquece, ou no qual não se acha com que se ocupar, ao menos por longo tempo. Neste caso, não se sabe o que fazer na ora­ção. E logo a gente se persuade de que perde aí o seu tempo, que empregaria me­lhor noutro lugar e em alguma ocupação do seu estado. Não é melhor seguir esta idéia do que estar na oração sem aí fazer nada?

Esta idéia é uma tentação perigosa e funesta, que afasta de Deus uma alma e a faz esquecer a Deus, justamente pela ocupação que ela toma contra a vontade d’Ele.


Porque, afinal de contas, — direi eu também por meu lado, — é bem de admirar que uma alma religiosa formule se­melhante queixa, e confesse, sem corar, que não acha com que se ocupar diante de Deus. Se a preguiça ou o amor-próprio não a impedem disso, então entre ela em si mesma, examine diante de Deus se os seus sentimentos, os seus motivos, as suas diligências, o seu proceder são conformes àquilo que a santidade do seu estado pede, quais são as paixões que a ocupam, quais as ocasiões que a arrastam às faltas que ela comete; e, nos sentimentos de pesar que testemunhar a Deus, procure os meios que deve empregar para se corrigir. Eis aí um assunto que facilmente se pode ter sempre presente, que se pode tomar com frequência, e que é talvez um dos mais úteis.

Quantos outros assuntos mais ou menos semelhantes não pode a gente propor-se! Não há ninguém que não possa prender-se a alguma das vistas que a Fé fornece, e que lhe podem ser mais familiares.

Como o Publicano, a gente se reconhece indigno dos benefícios de Deus; implora a Sua misericórdia; admira a Sua bondade que nos suporta; dá-Lhe mil ações de gra­ças.

Como Madalena, mantemo-nos aos pés de Jesus Cristo; testemunhamos-Lhe o vivo pesar que concebemos das nossas faltas; solicitamos o perdão delas. Repassa­mos na mente os bens que temos recebido da pura liberalidade do Senhor, a cria­ção, a redenção, a providência especial que nos colocou na sua Igreja, único asilo para a salvação; a Sua bondade, que nos buscou quando Lhe fugíamos; a Sua pa­ciência, que nos suportou quando Lhe re­sistíamos; a Sua doçura, que nos repôs no caminho quando d’Ele nos transviávamos.

Estes objetos, e mil coisas semelhan­tes, fundados naquilo que deveis a Deus e nos vossos interesses pessoais em rela­ção à eternidade, poderão ocupar-vos utilmente diante de Deus, sem vos cons­trangerdes, nem vos obrigardes a deter-vos na mesma vista senão enquanto ela vos ocupar.

Quando se tem uma imaginação viva e volúvel, facilmente ela é detida apresentando-se-lhe um objeto sensível no qual achamos um bem interessante. Jesus Cris­to, Deus e Homem, é um objeto sensível, e capaz de excitar numa alma o mais vivo interesse. Que utilidade não podemos tirar dele para a meditação!

Representamo-no-lo ensinando os ho­mens; fixamo-nos nas verdades que Ele lhes revela. Consideramo-lo agindo entre os homens: vemos as Suas intenções pa­ra a glória de Seu Pai, a Sua exatidão em cumprir a vontade de Seu Pai, embora bem rigorosa; a Sua paciência, a Sua ca­ridade para com os homens, nas humi­lhações e nos sofrimentos a que Se sub­mete por amor a eles. Que exemplos não achamos em todas as virtudes que esse divino Salvador praticou! exemplos capa­zes de impressionar a imaginação, de ocupá-la utilmente, se nos dermos o tra­balho de os aplicar à nossa conduta.

Muitas vezes, no tempo da oração, esta­mos diante do SS. Sacramento. Esta vista relembra-nos o sacrifício de Jesus Cristo nos nossos altares, a Sua morada no tabernáculo, a mesa santa onde Ele nos con­vida a nos alimentarmos da Sua própria carne, e onde tantas vezes nos tem uni­do a Si de maneira tão íntima, tão perfeita. Esses prodígios do Seu amor a nós, que reflexões, que sentimentos não nos inspirarão, por pouca atenção que Lhes prestemos? Se, apesar de tudo isso, a ima­ginação se extravia, lançai os olhos sobre o altar onde Jesus Cristo está presente, sobre a Cruz a que está pregado, e logo a reconduzireis a Ele.

Em qualquer estado que estejais, ide sempre à oração, na firme esperança de que será um tempo de mérito para vós. Já que é Deus quem a ela vos chama, achareis nela as maiores graças pelo sacrifício contínuo que fizerdes de vós mes­mo à vontade de Deus. A confiança dá esta santa liberdade que se deve ter com um pai infinitamente bom, dilata o cora­ção pelo amor, consola a alma de todas as suas penas pela esperança das recom­pensas. Experimentareis o socorro d’Ele para combaterdes e vencerdes as paixões que são as inimigas da Sua glória tanto como da vossa felicidade. Nunca vos per­turbeis, pois; não deis ouvidos à preguiça; não temais nada, estando sob a proteção de um Deus infinitamente bom, todo poderoso, e fiel às Suas promessas.


Achareis sempre ou com que vos ocu­pardes, ou, combatendo, com que merecer­des uma felicidade eterna.