quarta-feira, 14 de setembro de 2011

14 de Setembro. Exaltação da Santa Cruz

 14 de Setembro. 
Exaltação da Santa Cruz


§I. Quão recomendável e indispensável é ao padre a meditação do mistério da cruz.
§II. Quão poucos cristãos e padres compreendem este mistério.

§ I. Nada mais recomendado e indispensável ao padre
do que a meditação da Paixão de Jesus Cristo

Dirigindo-se para Jerusalém, o Salvador prediz pela terceira vez a Sua Paixão e morte: Ecce ascendimus Jerosolymam, et consummabuntur omnia quae dicta sunt per prophetas de Filio hominis (1).

Prodígios de caridade e de paciência da parte do Filho de Deus, prodígios de ingratidão e de perversidade da parte dos homens, tudo vai brevemente completar-se; o Consummatum est será pronunciado dentro em pouco tempo. É aos apóstolos chamados à parte, que Jesus faz esta declaração: Assumpsit duodecim discipulos secreto et ait illis. Nem todos os homens compreendem a linguagem da cruz, e não é necessário que todos a compreendam no mesmo grau; mas convém que os homens apostólicos possuam eminentemente esta sagrada ciência; que estejam penetrados deste mistério; por isso o Salvador lhes fala dele tantas vezes.

Até no Tabor, Ele quer que os Seus apóstolos pensem na Paixão: Dicebant excessum ejus quem completurus erat in Jerusalem (2). Se eles se lisonjeiam de ocupar um lugar distinto no Seu reino, recorda-lhes as ignomínias da Sua morte: Potestis bibere calicem quem ego bibiturus sum? Se lhes dá o Seu corpo como alimento e o Seu sangue como bebida, tem o cuidado de lhes dizer que é o mesmo corpo que será entregue, o mesmo sangue que será derramado por eles: Quod pro vobis trodetur... , qui pro vobis fundetur: a comunhão deverá sempre lembrar a Paixão (3). Se lhes confere o poder de oferecer no altar esse corpo imolado, esse sangue derramado, é para que se recordem dEle e da Sua morte: Haec quotiescumque feceritis, in mei memoriam facietis: a Sua imolação mística (Nota do blogue: Recomendo a leitura deste belíssimo texto do Padre Méramo) será o memorial da Sua imolação sangrenta. 

Ó padres, podemos nós repetir estas enternecedoras palavras, com que termina a consagração, sem admirarmos o amor de Deus, e sem nos confundirmos? Ele morre por causa de nós, e recomenda-nos que pensemos nEle! ... 

Envergonhemo-nos da dureza de nosso coração, que tornou necessária esta recomendação, e que a torna muitas vezes inútil!

Esta recordação que nos é tão recomendada, está, por assim dizer, ligada a todas as nossas obrigações. Sem uma freqüente meditação da Paixão e morte de Jesus Cristo, o nosso zelo afrouxará. Não conheceremos nem as infinitas perfeições de Deus: a Sua grandeza, a Sua santidade, a Sua misericórdia, a Sua justiça, etc. E nesse caso como nos afervoraremos em promover a Sua glória? Enfim não conheceremos o preço das almas, julgadas dignas de uma tal redenção, nem a imensa felicidade ou desgraça que as espera! ... Onde iremos buscar esse generoso zelo, de que precisamos para as salvar? Se não somos assíduos em meditar sobre a cruz, faltará alguma coisa essencial às nossas funções. A primeira é instruir; é a nossa missão: Euntes docete. Mas, que ensinaremos nós senão Jesus, e Jesus crucificado? Nos autem praedicamus Christum crucifixum (4). Este mistério é a suma da pregação apostólica; é a base de todas as nossas crenças. O perfume da cruz, diz S. Pedro Damião, exala-se de todas as páginas da Sagrada Escritura: Quae est sacri eloquii pagina, quae crucis mysteria non redoleat ? (5)

O crucifixo é um livro que devemos meter nas mãos dos ignorantes e dos sábios, dos pecadores e dos justos: Legit simplex, et laetificatur atque compungitur; exercitatus vero et intelligens irradiatur atque accenditur (6).

Neste livro aprenderemos a paciência, a mansidão, e a terna compaixão, que nos são indispensáveis no púlpito, no santo tribunal, ao pé dos doentes. Este livro nos instruirá sobre o augusto ministério que exercemos no altar. Leiamo-lo com atenção, esforcemo-nos em compreendê-lo, e deixaremos de afligir os anjos, representando friamente a pessoa de um Homem-Deus agonizante no Horto das Oliveiras, arrastado aos tribunais, crucificado, morto, sepultado!... É necessário, portanto, que o padre possua uma profunda ciência de Jesus crucificado ainda que não tenha outra: Non judicavi me scire aliquid inler vos nisi Jesum Chrislum, ef hunc cruciiixum (7). Mas para adquiri-la, é necessário que ele faça muitas vezes deste mistério o assunto de suas piedosas meditações.

§ II. Quão poucos cristãos e padres compreendem a doutrina de cruz

Os termos que tinha empregado o Salvador, pregando a Sua morte próxima, nada continham de obscuro; tudo neles era claro e preciso; todavia as Suas palavras foram um enigma para os que as ouviram. Estranha falta de compreensão, de que parece admirado o Evangelista!

Et ipsi nihil horum intellexerunt, el erat verbum islud absconditum ab eis, et non intelligebant quae dicebantur (8). Os apóstolos, diz S. Boaventura eram aqui a imagem desses pastores de almas, que não penetram o mistério da cruz, nem o vêem à sua verdadeira luz (9).

Três coisas obstam a que os homens compreendam uma verdade tão salutar:

1- O orgulho, que escurece a fé; só se crê frouxamente esta excessiva caridade de Jesus. Não queremos que Deus tenha mais bondade que a que podemos compreender. Ó Jesus será possível que o grande amor que tendes aos homens, seja para eles um motivo de Vos ofender, recusando crer nele?

2- A distração; só se pensa raras vezes e superficialmente em um mistério, que era o objeto habitual da meditação dos Santos. Triste verdade! Há padres que lêem e explicam a Paixão de Jesus Cristo, celebram todos os dias o santo sacrifício que é a sua continuação e a sua aplicação, e ficam insensíveis, até no altar! Oh! quão diversamente sucede com os sacerdotes verdadeiramente espirituais! Uma só palavra sobre a Paixão e morte do Homem-Deus, um só relance de olhos para a cruz os enternece, lhes excita o amor e o reconhecimento.  Mas, ai! de mim! porque não sou eu deste número?

3- A imortificação; não se quer compreender o que é incompatível com uma vida tíbia e sensual, que se não quer deixar. Os apóstolos não compreendiam uma doutrina que não amavam: Non intelligebant, quia hanc veritatem non diligebant (10).

Quando a virtude da cruz e a graça do Espírito Santo os tiver mudado, eles a amarão, a compreenderão; e um dia hão de exclamar: O bona crux, quae decorem ex membris Domini suscepisti, diu desiderate, sollicite amata... accipe me ab hominibus, et redde me magistro meo, ut per te me recipiat qui per te me redemit!

Senhor, Vós dignai-Vos inspirar-me a resolução de meditar e pregar muitas vezes a Vossa Paixão e morte, e eu tomo-a. Se a conservar, bastará para santificar a minha vida e fecundar o meu ministério. Acharei ali o motivo e o modelo de todas as virtudes sacerdotais; acharei ali as mais sólidas consolações e, amando-Vos, o prazer de Vos ganhar corações. Haec meditare, fili; in his esto; et fiet tibi in cruce mea salus, vita, protectio ab hostibus, infusio supernae suavitatis (11).

Notas:

1-     Luc. XVIII, 31.
2-     Id. IX, 31.
3-     O sacrum convivium, in quo Christus sumitur, recolitur memória Passionis ejus. – O memoriale mortis Domini, panis vivus, vitam praestans homini.
4-     I. Cor. , 23.
5-     Serm. de Invent. Crucis.
6-     S. Laur. Just. De Triunph. Christi agone.
7-     I. Cor. II, 2.
8-     Luc. XVIII, 34.
9-     Expos in hoc loc.
10-  S. Bonav. Expos. In hoc loc.
11- Memor. Vit. Sacerdot. C. XIV.

(Meditações sacerdotais ou o Padre Santificado pela oração, volume III, versão portuguesa pelo Padre Francisco Luís de Seabra, ano de edição 1933)