O MISTÉRIO DA CRUZ
Redenção, palavra forte, cujo sentido muitos ignoram!
Há vinte séculos é tão difícil medir-lhe a extensão, quanto sondar-lhe a profundidade. Há um mistério de luz, nas trevas do Calvário. Há um resgate de vida, por trinta moedas de Sangue...
Condenamos a traição de Judas, mas, traímos a vocação cristã.
Maldizemos a fraqueza de Pilatos, mas, fugimos aos compromissos do Batismo.
Quantas vezes, na vida diária, a descrença macula as intenções e o desespero arruína a esperança. Somos filhos de Deus pela Graça, mas, seguimos a carne pelo sangue.
Ouvimos o apelo dos Céus, mas, voltamos os olhos para a terra.
No entanto, Senhor, a Mensagem é a mesma: "Se alguém quiser Me seguir, tome a sua cruz e Me acompanhe"!
Meu Deus, uns conhecem a cruz e rejeitam o seu peso, outros suportam o peso, mas, não querem carregar a cruz. Uns arrastam a cruz porque não podem fugir do Calvário; outros chegam ao Calvário, mas, se negam a morrer na cruz.
A cruz para ser árvore de vida há de ser plantada na morte. A seiva que lhe esgarça os ramos, só dá frutos quando nela morremos.
A cruz é qual sementinha do campo, que morre na terra para rebentar com vida. Senhor, pela redenção, nos legaste a Vossa Cruz! Os lábios que pregam essa "loucura", exprimirão o que a Fé nos ensina. A alma que sente esta Verdade, deve saber por que o mundo sofre.
Senhor, não é doce o tufão, quando varre as areias do deserto.
Não é doce o calor, quando mata a virulência dos gérmens.
Não é doce o bisturi, quando rasga a podridão da matéria.
Não é doce uma cruz, quando estamos pregados nela.
A cruz só é leve na vida, quando aceitamos o seu peso de morte.
Daí, a renúncia que se faz entrega e o amor que gera o sacrifício.
Daí, o heroísmo que sagra os fortes e a vitória que consagra os Santos.
Somos, por natureza, esquivos ao sofrimento.
Tudo o que nos rouba a fonte do prazer é espinho dorido macerando a nossa carne.
Há, na cruz, um plano da Providência que jamais se esgota.
A cruz não se pesa pela soma de sofrimentos, mas, pela unção paciente das dores. Uma cruz pequenina pode ser mais custosa que um madeiro imenso. Uma cruz gigantesca pode ser mais leve que um bloco de granito.
Aceitar, com paciência, a cruz, é diminuir-lhe o peso. Fugir ao seu domínio, é ser esmagado por ela. Na ordem do Cristianismo, em matéria de cruz, tudo depende dos ombros que se curvam e dos braços que a carregam.
Senhor, quem decifrará o mistério da dor?
As almas feridas são extremamente sensíveis; buscam o alívio das dores e escondem a cicatriz das chagas; suplicam a doçura do bálsamo e se esquecem do amor de gratidão.
O mundo sofre porque não sabe viver.
O mundo morre porque não sabe sofrer.
Senhor, dá-nos a conhecer o valor do sofrimento para aproveitarmos dos méritos de Vossa Paixão.
(Vozes do silêncio, meditações eucarísticas, pelo Pe. Isnard da Gama, gráfica Nibo LTDA, 1956, com imprimatur)