O LUXO
Esse luxo desenfreado que por aí campeia, veio ocupar o lugar que o bom senso havia reservado à modéstia cristã; veio abrir as portas à miséria, à desordem, às contínuas desavenças na família, abalando-lhe assim a tranquilidade em seus alicerces. O luxo sobrepõe-se a qualquer consideração, a todas as conveniências, no afã irrefletido de agradar, de sobressair e de chamar a atenção pública sobre si. Por toda parte procura admiradores à ostentação da vaidade.
O luxo é cruel, grosseiro, invejoso, sensual e, por um nada, se melindra. Suas vítimas são geralmente afáveis com os estranhos e insuportáveis com os de casa; em público, chamam a atenção e acabam provocando o riso. O luxo enfraquece a vontade, arma competições, em tudo se intromete, tudo contamina e em toda parte deixa vestígios. Na mobília da casa, nos enfeites da sala, nas toilettes e festas, nos jantares, visitas, logo se reconhece a vaidade e ostentação.
Há um luxo próprio das mulheres, outro que é monopólio dos homens e há também um terceiro que pertence a ambos os sexos. Em todos os casos, porém, as vítimas do luxo de qualquer condição social, constroem sobre a areia movediça, enquanto que os que são modestos, edificam sobre terreno sólido. Os primeiros são imprevidentes, levianos, sem critério; os segundos não perdem de vista o futuro próprio e o dos filhos; uns, são verdadeiros demolidores da família, os outros, são a garantia sólida do lar.
Não conhecem os leitores essas casas, onde a despesa ultrapassa continuamente a receita? Conhecem-nas; porém, poucos sabem ou imaginam como isso acontece. O marido não bebe, não joga; em casa tudo é modesto, tudo parece correr na melhor ordem, os negócios marcham regularmente, as doenças são raras e, entretanto, as dívidas aumentam todos os dias e já não se sabe a quem atender primeiro, para evitar a falência.
Ora, examinemos o caso, um pouco mais detidamente. Reparem naquela mobília, nos vestidos da senhora e senhoritas, no número, na qualidade e no tempo que têm. Não esqueçam que naquela casa dão-se, de tempos a tempos, festinhas, aliás muito apreciadas; aparecem lá os melhores vinhos, as iguarias mais esquisitas, exatamente como na vivenda do senhor Barão X... ou da senhora condessa Y... Os cigarros mais finos têm lá excelente freguesia, entre os numerosos convidados que não se fartam de elogiar a generosidade e o bom gosto dos donos da casa.
Outras vezes, a boa educação exige, pensam eles, que se retribuam, com igual fausto, as finezas com que foram distinguidos por certas famílias muito mais abastadas. E será para admirar que um lar assim, venha, mais cedo ou mais tarde, a dar com os burros n'água? O caso é bastante comum, entre famílias remediadas, quando se deixam ir à mercê do luxo. Enchem-se de orgulho como as rãs da fábula, e acabam na mais completa miséria e humilhação.
Às vezes, basta um dos cônjuges atacado da mania do luxo para, com suas prodigalidades e despesas inúteis, dar cabo da família. Se forem ambos, não terão de quem se queixar, mas também os filhos não terão motivos de andarem ufanos com os autores dos seus dias; quando menos, os filhos de pais perdulários ressentem-se do mesmo defeito.
Uma senhora que havia desperdiçado a rica herança que recebera, caiu em extrema miséria; o filho dava-lhe uma mesada; mas, como não bastasse, ela escreveu-lhe neste termos: "Meu rico filho, os credores reduziram-me à extrema miséria; pelo amor de Deus, vem em auxílio de tua mãe". A resposta foi a seguinte: "Mamãe eu estou nas mesmas condições, o que não permite ao querido filho ir em auxílio de sua mãezinha".
Ora, se um dos cônjuges, com suas levianas prodigalidades e desperdícios, tiver arruinado a família, claro está que o outro se há de queixar, fazendo-lhe as mais justificadas recriminações. E como essas queixas são geralmente proferidas com asperezas e sem a devida compostura, as conseqüências não podem deixar de ser funestas, agravando ainda mais a situação do casal. A pessoa dada ao luxo entende que não deve ficas atrás de ninguém, no vestir, nos enfeites e na apresentação social; portanto, se as rendas não derem para isso, procurará meios de fazer cortes, dê por onde der.
Quantas vezes a caridade para com os pobres é sacrificada ao ídolo do luxo! Quando tanto se desperdiça no mobiliário da casa e no vestir, tantos excessos se fazem com a mesa, que admira que haja tantos indigentes dormindo ao relento? Vejam como aquela outra família, que dispõe apenas do salário do seu chefe, vive com relativo conforto, paga regularmente os aluguéis e as contas do armazém, e ainda consegue economizar todos os meses alguma coisa que vai levar à caixa dos depósitos populares. É que ali se evitam as despesas inúteis, e o ornato mais recomendável da esposa e das filhas, é aquela simplicidade e modéstia que lhes dá tanta graça. Ninguém pensa em divertir-se à custa do necessário; ninguém se preocupa com o que vestem ou fazem os demais, e todos estão bem convencidos de que as mais ricas jóias de uma família sensata, são os filhos sadios, fortes e asseados; todos sabem, por experiência própria, quanto custa ganhar uma nota de cinco mil réis; enfim, há muito se traz bem sabido que, os belos discursos tendentes a melhorar as condições da classe operária, nada adiantarão, se se não aprender a poupar e a suprimir despesas inúteis.
E porque será que aquela outra família, dispondo dos mesmos recursos, vive sempre sobrecarregada de dívidas?
A razão é muito simples.
O chefe de família quer divertir-se; a mulher e as filhas pretendem vestir como nunca deveriam, enquanto seus nomes figurassem na lista negra dos devedores que não pagam. Elogiai a um homem a mulher, porque veste com elegância e apurado bom gosto e ele vos responderá, com uma ponta de azedume: "É verdade, mas também me custa os olhos da cara". Esta expressão diz tudo.
Quando o marido diz ou insinua apenas que precisa de um par de calças ou de um sobretudo, a senhora concorda prontamente e vai além, aconselhando-o a que mande confeccionar um fato, para a próxima festa. Mas não mete prego com estopa; e com aquela condescendência aparentemente tão generosa, julga-se logo autorizada a encomendar à costureira novo vestido talhado pelo último figurino. E nem se julga sequer na obrigação de consultar o marido, porque, pensa ela, uma fineza com outra se paga. No dia aprazado para a festa, é que o pobre marido vai verificar que a cara metade, abusando da sua condescendência, deu-se ao luxo de mais um vestido, cuja nota, vinda da modista, lhe vai servir a ele de presente de ano bom.
Assim é.
Há senhoras que, sem se darem ao trabalho de consultar o marido, fazem compras mais ou menos avultadas, com o fim de chamarem a atenção sobre a formosura de que se julgam dotadas; o marido, negociante ou simples empregado, que se avenha depois, para pagar a encomenda. Se for alguma ninharia, vá lá; mas, quando a despesa for de molde a compreender as finanças da família, não há que admirar se o marido, justamente indignado, explodir em recriminações e ameaças muito desagradáveis para ambos. Daí, rixas e contendas sem fim, graças ao luxo imprudente e leviano da mulher. E ainda bem, se com isso se corrigir, tornando-se mais precavida e zelando melhor pelos interesses e pela tranquilidade do lar.
Quantas casas comerciais tiveram de fechar as portas, quantos proprietários arruinados ou impossibilitados de continuar o negócio, por causa dos gastos das senhoras que querem comprar o que não podem! Quantas famílias condenadas a viverem na indigência e na miséria mais humilhante, por motivo das continuas festas e recepções suntuosas, as viagens de recreio, as quais além das despesas que ocasionam, privam um estabelecimento da presença ativa do seu chefe, por tempo mais ou menos longo; por causa dos mimos oferecidos em diversas circunstâncias, em troca de outros recebidos. Quantas casas cheias de presentes sem nenhuma utilidade prática; quantas famílias decaídas, que quiseram distinguir-se pelo luxo e acabam distinguindo-se também pela falta do necessário.
Verdadeiros escravos da vaidade ridícula, julgam-se na obrigação estrita de retribuir todos os presentes, sem outro critério mais que a pretensão de não quererem ser menos do que os outros. Hão de pagar todas as visitas recebidas; hão de ostentar um luxo que lhes permita continuar as relações com famílias ricas, nas quais, entretanto, a ostentação não vai nunca além das próprias posses.
Tais famílias estão a dois passos da ruína completa; vivem em contínuas apreensões pelo dia de amanhã, com os credores a lhes baterem inutilmente à porta, fazendo dívidas aqui, para pagar ali, até que a falência as obrigue a um leilão forçado. E quantas vezes, o revólver, o veneno ou uns metros de corda, vêm resolver triste e desgraçadamente o problema, porque os culpados ou inocentes, não aprenderam a suportar a transformação repentina e humilhante a que os levou o luxo da vida passada!
O luxo, diz um autor, gera a sensualidade, a vã ostentação, leva à miséria por brilhante caminhos, por onde só os loucos transitam.
(As desavenças no lar, causas e remédios, J. Nysten, Centro da boa imprensa, 1927, com imprimatur)