COMO SE VICIAM OS FILHOS
Aqui vai, minhas senhoras, um plano de educação que meditamos muito e respeitosamente submetemos à apreciação das mães de família. Seguindo pontualmente as regras que aqui vão e que aliás são de uso corrente, chegareis, com certeza, a fazer dos vossos filhos crianças viciadas, insuportáveis e infelizes, na mais genuína acepção da palavra:
1º- Dai sempre aos vossos filhos tudo o que lhes aprouver pedir, principalmente quando o exigimos aos gritos, sapateando. Ireis assim desenvolvendo neles a teima, a birra a que certos imbecis chamam: uma vontade firme.
2º- Não percais ocasião de demonstrar-lhes que estais em completo desacordo na família, no que diz respeito à educação. A mãe terá o cuidado de representar-lhe o pai como um tirano cheio e ridículos caprichos, um déspota, um simples instrumento de castigo. A seu turno, o pai não lhes falará da mãe senão como um ser indiscutivelmente inferior e sem autoridade alguma. Assim os filhos terão para com seus pais todos os sentimentos, menos o de respeito e amor.
3º- Vá lá que lhes deis alguns princípios de moral e religião, mas nunca lhes deixeis perceber que tendes esses princípios em alguma conta ou que lhes ligais qualquer importância, na vida prática. Mandai-os, se quiserdes, à igreja, mas nunca lá ponhais o pé; dizei-lhes que não mintam; mas pregai em sua presença, as maiores mentiras; fareis deles assim uns refinados hipócritas.
4º- Tomai sempre os filhos para testemunhas e quiçá juízes das vossas contendas e desavenças em casa. Asseguro-vos que não encontrareis juízes mais implacáveis, mais tarde.
5º- Não percais ocasião de inculcar na criança o mais alto conceito de si própria; extasiai-vos diante de sua "prodigiosa" inteligência, de suas respostas, embora atrevidas; fazei que se convença de sua superioridade sobre todos os que o cercam, sem excluir os próprios pais. Tereis mais tarde um modelo acabado de pedante, ambicioso e soberbo.
6º- Deixai-os ler tudo quanto lhes cair nas mãos. Nesse sentido não há nada como os folhetins de jornais baratos, para perverter a alma de uma criança.
7º- O pai levará sempre consigo o filhinho à taberna; lá aprenderá desde cedo "as boas maneiras", os ditos ousados e muitas outras coisa "edificantes e instrutivas" que aqui não cabem.
8º- A mãe irá desde cedo inculcando às filhas o gosto pelo luxo, pelos enfeites, realçando-lhes a formosura e granjeando-lhes admiradores. É preciso que um menina, desde os primeiros anos, conheça "a fundo", já antes de saber ler, todo o vocabulário das costureiras e modistas, para que possa chegar, mais tarde, a ser objeto venal à procura de compradores.
9º- Cuidem os pais que às crianças nunca lhes falte dinheiro e com fartura, mas não procurem indagar como o gastam; acostumar-se-ão assim a gastar, compenetrados desta máxima: "sem dinheiro não pode haver alegria". O "proveito" será deles e vosso também.
10º- Nos castigos é preciso que haja discrição. Se os filhos vos pregarem alguma mentira ou vos faltarem ao respeito, fechai os olhos e tapai os ouvidos ou ride-vos se a saída tiver graça; mas, se quebrarem um copo ou um prato, ainda que seja por descuido, então castigai-os sem dó nem piedade, para que se não convencendo de que, neste mundo, não há falta grave, senão quando traz algum prejuízo material.
11º- Por fim, recomendo-vos que não tenhais compaixão com os mestres e superiores de qualquer categoria; criticai-os, mas sempre em presença dos filhos. Com as vossas recriminações exageradas e injustas, ireis desenvolvendo nas crianças a terrível mania da crítica, tão em voga hoje em dia e de tanto "proveito" para os que se alistam entre os vadios, insubmissos e descontentes.
Que vos parece, minhas senhoras, destes princípios? Sabe Deus se os não tendes posto em prática até aqui.
(As desavenças no lar, causas e remédios, J. Nysten, Centro da boa imprensa, 1927, com imprimatur)