A viuvez cristã
E, sentado frente ao Tesouro do Templo,
observava como a multidão lançava pequenas moedas no Tesouro,
e muitos ricos lançavam muitas moedas.
Vindo uma pobre viúva, lançou duas moedinhas, isto é, um quadrante.
E chamando a si os discípulos, disse-lhes:
“Em verdade eu vos digo que esta viúva que é pobre
lançou mais do que todos os que ofereceram moedas ao Tesouro.
Pois todos os outros deram do que lhes sobrava.
Ela, porém, na sua penúria,
ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver.”
(Mc., 12, 41-44)
E, sentado frente ao Tesouro do Templo,
observava como a multidão lançava pequenas moedas no Tesouro,
e muitos ricos lançavam muitas moedas.
Vindo uma pobre viúva, lançou duas moedinhas, isto é, um quadrante.
E chamando a si os discípulos, disse-lhes:
“Em verdade eu vos digo que esta viúva que é pobre
lançou mais do que todos os que ofereceram moedas ao Tesouro.
Pois todos os outros deram do que lhes sobrava.
Ela, porém, na sua penúria,
ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver.”
(Mc., 12, 41-44)
Nota-se muitas vezes, que o próprio termo “viúva”, evoca nos que o ouvem uma impressão de tristeza, e mesmo uma espécie de afastamento; por isto, algumas recusam-se a usá-lo e esforçam-se por todos os meios para fazer esquecer a sua condição, a pretexto de que ela humilha, excita à comiseração, coloca-as num estado de inferioridade do qual querem evadir-se e apagar até a lembrança.
Reação normal aos olhos de muitos, porém, dizemo-lo bem claramente, reação pouco cristã; sem dúvida ela comporta um movimento de apreensão mais ou menos instintivo diante do sofrimento, mas também trai uma ignorância das realidades profundas.
Quando a morte fere um chefe de família na força da idade e o tira ao seu lar, planta ao mesmo tempo no coração da esposa uma cruz pesadíssima, uma dor indelével, a dor do ente a quem se arranca a melhor parte de si mesmo, a pessoa amada que foi o centro do seu afeto, o ideal da sua vida, capaz de lhe compreender todas as penas e de aplaca-las.
De repente, eis da sua dor e das responsabilidades que tem de afrontar: como assegurar a própria subsistência e a dos filhos? Como resolver este cruel dilema: ocupar-se dos seus, ou deixar a sua casa para ir ganhar o seu pão de cada dia? Como terá de fazer à ajuda de parentes próximos ou de outras famílias?
Basta evocar estas questões para compreender até que ponto a alma da viúva experimenta uma sensação de esmagamento, e, às vezes, de revolta, ante a imensidade da amargura que a abebera, da angústia que a estreita como muralha intransponível.
Basta evocar estas questões para compreender até que ponto a alma da viúva experimenta uma sensação de esmagamento, e, às vezes, de revolta, ante a imensidade da amargura que a abebera, da angústia que a estreita como muralha intransponível.
Por isto algumas abandonam-se a uma espécie de resignação passiva, perdem o gosto de viver, recusam sair do seu sofrimento, enquanto as dispensem de enfrentar leal e corajosamente as suas verdadeiras responsabilidades.
Prolongamento das graças do matrimônio e a preparação da eflorescência delas na luz de Deus
Nos primeiros séculos da Igreja, a organização das comunidades cristãs designava às viúvas um papel particular. Durante a sua vida mortal, Cristo testemulhava-lhes uma benevolência especial, e, depois Dele, os Apóstolos as recomendavam ao afeto dos cristãos e traçam-lhes regras de vida e de perfeição. São Paulo descreve a viúva como “aquela que pôs a sua esperança em Deus, e que persevera noite e dia nas súplicas e nas preces” (I Tim 5,5).
Conquanto a Igreja não condene as segundas núpcias, todavia assinala a sua predileção pelas almas que querem ficar fiéis ao seu esposo e ao simbolismo perfeito do sacramento do Matrimônio. Rejubila-se de ver cultivar as riquezas espirituais próprias desse estado.
A primeira de todas, parece-nos é a convicção, vivida, de que, longe de destruir os laços de amor humano e sobrenatural contraídos pelo Matrimônio, a morte pode aperfeiçoá-los e reforçá-los. Sem dúvida, no plano puramente jurídico e no das realidades sensíveis, a instituição matrimonial não mais existe; porém aquilo que lhe constituía a alma, aquilo que lhe dava vigor e beleza, o amor conjugar com todo o seu esplendor e com os seus anseios de eternidade, subsiste, como subsistem os entes espirituais e livres que se voltaram um ao outro.
Quando um dos cônjuges, liberto dos apegos carnais, entra na intimidade divina, Deus o livra de toda fraqueza e de todas as escórias do egoísmo; convida também aquele que ficou na terra estabelecer-se numa disposição de alma mais pura e mais espiritual.
Já que um dos esposos consumou o seu sacrifício, não deve o outro aceitar desapegar-se mais da terra e renunciar as alegrias intensas, porém fugazes, do afeto sensível e carnal que ligava o esposo ao lar e lhe açambarcava o coração e as energias?
Pela aceitação da cruz, da separação, da renúncia à presença cara, trata-se agora de conquistar uma outra presença, mais íntima, mais profunda, mais forte. Uma presença que também será purificante, pois aquele que vê a Deus face a face não tolera, naqueles a quem mais amou durante a sua existência terrena, a preocupação de si mesmo, o desalento, os apegos inconsistentes.
Se já o sacramento do Matrimônio, símbolo do amor redentor de Cristo à sua Igreja, aplica ao esposo e à esposa a realidade desse amor, transfigura-os, torna-os semelhantes, um ao Cristo que se entrega para salvar a humanidade, e o outro à Igreja redimida que aceita participar do sacrifício de Cristo, então a viúvez torna-se , de alguma sorte, o desfecho dessa consagração mútua; figura a vida presente da Igreja militante privada da visão de seu Esposo celeste, com quem no entanto fica indefectivamente unida, marchando para Ele na fé e na esperança, vivendo desse amor que a sustenta em todas as suas provações, e aguardando impacientemente o cumprimento definitivo das promessas iniciais.
Tal é a grandeza da viuvez quando vivida como o prolongamento das graças do Matrimônio e como a preparação da eflorescência delas na luz de Deus. Que pobre consolo humano poderia jamais igualar estas maravilhosas perspectivas? Mas também é preciso merecer penetrar-lhes o sentido e o alcance, e pedir essa compreensão por uma prece humilde, atenta, e pela aceitação corajosa das vontades do Senhor.
A necessidade de cultivar a própria vida espiritual
... Não deixe passar nenhum dia sem se conceder um tempo de recolhimento, alguns momentos privilegiados em que se sinta mais perto do Senhor e mais perto daquele que continua a velar por ela e pelo lar. Reserve-se também cada ano alguns dias consagrados mais exclusivamente à reflexão e à oração longe do barulho, das preocupações cotidianas, tão esmagadores. Achará ela aí uma segurança inexprimível que lhe iluminará todas as decisões e lhe permitirá assumir com firmeza as suas responsabilidades de chefe de família.
Escusa dizer que essa prece deverá ser acompanhada da prática sacramental, da participação na Liturgia, e da prática dos outros meios de santificação que a ajudarão a se defender das tentações insidiosas, particularmente das do coração e dos sentidos.
A lembrança no ausente deve inspirar coragem à viúva na sua tarefa educadora
No seu lar, continuará a viúva a praticar o dom de si mesma que prometeu no dia do seu casamento. Seus filhos esperam dela, visto ocupar ela também o lugar do pai. Por seu lado, a viúva faz recair sobre os filhos o afeto sensível que dava ao marido; apega-se ternamente a eles, e, no entanto, também nisso deve ficar fiel à sua missão, fazer calar os apelos por demais prementes de um coração sensibilizado ao extremo, para assegurar aos filhos uma formação viril, sólida, aberta a sociedade, para lhes deixar a liberdade a que eles têm direito, e, em particular, na escolha de um estado de vida.
Seria funesto consumir-se em vãos pesares, comprazer-se em recordações amolentadoras, ou, inversamente, deixar-se espantar por sombrias perspectivas de futuro. A viúva consagrar-se-á à sua tarefa de educadora com a delicadeza e o tato de uma mãe, sem dúvida, mas ficará unida em espírito a seu marido, que lhe sugerirá em Deus as atitudes a adotar, dar-lhe-á autoridade e clarividência.
Cumpre que a lembrança do ausente, em vez de impedir ou de diminuir o arrojo generoso e a aplicação às tarefas necessárias, inspire a coragem de as cumprir integralmente.
O testemunho de uma felicidade mais profunda, mais estável e mais luminosa
Nas relações sociais, não pode a viúva renunciar ao lugar que lhe compete. Sem dúvida, aparece ela exteriormente cercada de uma reserva mais assinalada, pois participa mais do mistério da cruz, e a gravidade do seu comportamento acusa a influência de Deus na sua vida.
Mas, justamente por esta razão, possui ela uma mensagem, a entregar aos homens, que a cercam: ela é aquela que vive mais da fé, aquela que pela sua dor, conquistou o acesso a um mundo mais sereno, sobrenatural. Não toma apoio na abundância dos bens temporais de que, muitas vezes, é desprovida, mas sim na sua confiança em Deus.
Aos lares muito fechados e curvados sobre si mesmos, e que ainda não descobriram o sentido pleno do amor conjugal, dirá ela as purificações e os desprendimentos necessários, a fidelidade sem arrependimento que ele exige. Junto às outras viúvas em particular, sentir-se-á especialmente incumbida de ajudá-las a rematar o seu sacrifício, a lhe apreender a significação, elevando-se acima das simples vistas humanas para lhe enxergar os prolongamentos eternos.
Para todos, será ela aquela cuja caridade silenciosa e delicada se apressa a prestar serviço, com uma palavra, com um gesto, onde quer que se revele uma necessidade mais urgente, uma pena mais viva. Nas suas relações familiares, profissionais ou de amizade, trará ela a nota distintiva que caracteriza o seu apostolado: o testemunho da sua fidelidade a uma memória cara, e o de haver achado, nessa fidelidade e nas renúncias que ela impõe, uma felicidade mais profunda, mais estável, mais luminosa do que aquela que teve de renunciar.
A riqueza dos pequenos serviços partidos de um coração engrandecido pela provação
Nas horas mais austeras, e nas tentações de desânimo, evocará ela a casta heroína Judite, que não hesitou em correr os mais graves perigos para salvar da ruína o seu povo, e que pôs em Deus toda a sua confiança. Pensará, sobretudo na Virgem Maria, também viúva, que depois da partida de seu Filho, ficou sendo na Igreja primitiva Aquela cuja prece, cuja vida interior, cuja dedicação oculta atraíam incessantemente as bênçãos divinas sobre a comunidade.
O que o Senhor dizia daquele modesto óbolo aplica-se também aos menores serviços que uma viúva pode prestar, contanto que eles partam de um coração mais pertencente a Deus, de um coração engrandecido pela provação, mais próximos também daqueles a quem ama, e capaz de difundir em torno de si os reflexos mais puros do amor que o possui.
(Excertos do discurso do Papa Pio XII - 16 de setembro de 1957)
PS: Grifos meus
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