sábado, 13 de fevereiro de 2010

Bailes - Maldição da alma

Bailes - Maldição da alma



“Antes quero uma febre,
que tenha presos meus membros em uma cama,
do que entrar em um sarau ou qualquer baile.”
(Imperador Frederico)

É certo que, à custa de qualquer trabalho ou detrimento do corpo, se deve remir e evitar o da alma, que são os pecados: sed sic est, que os bailes e danças, do modo que ordinariamente se fazem, quase sempre se acompanham de pecados, uns que supõem, outros que induzem; logo, bem escolhia Frederico estar antes preso com uma febre do que solto em uma dança.

... Santo Ambrósio diz que a nossa alegria deve ser a que nasce da boa consciência, e não a que se acende com o muito comer e folgar, porque aí é suspeito o deleite e corre perigo a honestidade onde se acompanha com estes exteriores movimentos, pois, enfim, todo o que dança parece haver perdido o juízo ou estar destemperado. (D.Amb., lib. 3 “De Virginib.”)

São Basílio diz: “Ris-te e alegras-te com alegria sã e estulta quando era necessário por causa dos pecados que cometeste, derramar muitas lágrimas? Cantas modos profanos, esquecendo-te dos hinos e salmos? Saltas e danças loucamente, quando importava dobrar os joelhos diante de nosso Senhor Jesus Cristo?”.

Santo Efrem diz que onde se cantam salmos com espírito devoto aí está Deus, e seus anjos; mas onde se cantam modos diabólicos, aí está a ira e desagrado do mesmo Deus, e os gemidos que se seguem em recompensa das risadas descompostas. E onde se lêem livros sagrados, aí está a alegria dos justos e o aproveitamento dos que os ouvem; porém onde há citaras e flautas, e bailes de homens e mulheres, aí, por conseguinte, há muitas obras do príncipe das trevas, assim em um como em outro sexo, e se celebra a sua festa rija.

Quero ajuntar a estas autoridades a de Francisco Petrarca, porque, suposto não é santo, nem Padre da Igreja, foi varão timorato e mui discreto, como se verá das suas palavras, em que descreve bem que coisas são bailes e os frutos que deles se colhem:

"Construo para que logrem todos: Ali andam livres as mãos, livres os olhos, livres voam as palavras. Soa muito estrondo dos pés, muito cantar desentoado, muito alarido dos concorrentes, muito ímpeto dos que giram e emparelham, levantando grande poeira, até que chegue (como ordinariamente sucede) aquela inimiga da honestidade e sócia das maldades, que é a noite.

Eis aqui como desterra o temor e o pejo e com que se estimula a luxúria e se concedem licenças amplas à relaxação. E tudo isto (falando como quem não é fácil de se enganar) é o que vós intitulais com o apelido de um desenfado singelo e inocente, disfarçando o pecado com a máscara de jogo e entretenimento.

E, suposto que só entre homens ou só entre mulheres não tenha tanto perigo, todavia ali aprendem separados o que depois hão de exercitar juntos, a modo de discípulos, que em ausência do mestre, decoram o que hão de repetir quando venha."
***

Mas se tão grave e nervosamente castigam os Santos Padres e varões judiciosos os bailes, falando deles absolutamente, que sentiremos em particular dos bailes feitos nas igrejas e átrios delas, por honra dos santos e dias de festas?

Fazer ofensa a Deus e em cima vender-lha por obséquio!
Honrar os dias e lugares santos com obras profaníssimas!

Comer e beber e rir e folgar e bailar e chacotear, dizendo ao mesmo tempo mil estultícias e liberdades, e querer encampar tudo isto a Deus nosso Senhor por religiosa observância de votos e culto de seus santos!

Verdadeiramente, este é um dos efeitos do muito comer e beber, porque, como ensina Santo Tomás, uma das filhas da gula é a tolice ou insipiência. E que maior insipiência que supormos (senão no conceito, ao menos no efeito) que os santos são como deuses do paganismo, Baco, Flora e outros da mesma farinha, que eram venerados como semelhantes festas.

Por isso, com razão disse o grande Padre Santo Agostinho que estes desventurados e miseráveis, que nem medo nem pejo têm de ocupar-se nestes festins, ainda que venham para a Igreja cristãos, vão da Igreja pagãos, porque este costume de bailar ficou da superstição da gentilidade. (Serm. 215 “de Tempore”)

Tenhamos, pois, entendido que Deus Nosso Senhor não recebe com agrado semelhantes festas, como também não é Ele o que as inspira e move. Move-as e delas se agrada o diabo.

... Bem pregava este desengano às suas ovelhas Santo Estevão, bispo Diense, para desterrar de entre elas semelhante abuso de seus festins, celebrados ao domingo; porém não pôde até lho mostrar patente a seus mesmos olhos. Orou a Deus que lhos abrisse, para verem com quem dançavam e quem os incitava; e mandou aos demônios que se descobrissem em visível forma, sem fazer mal a alguém.

Caso prodigioso!

Viram muitos demônios, de corpulência mais que agigantada, negríssimos e feíssimos, com pontas nas cabeças e lançando de si horrível fogo e cheiro intolerável. Como viram, então creram e se emendaram.

... Suposto e sobredito, bem certificados podemos ficar de que os bailes, danças e saraus costumam trazer consigo muitos pecados. A não ser assim, nem os demônios insistiriam tanto em os persuadir, nem os santos em os detestar, nem Deus em os castigar; logo, sem dúvida alguma, melhor é padecer qualquer dano no corpo (como dizia aquele imperador) do que conceder-lhe este gosto, que redunda em detrimento da alma.

Emende-se, pois, o abuso de fazermos ou permitir que se façam vigílias e serões à cruz ou aos altares, que se armam nas ruas, com aquelas profanidades que só podem ser aceitas a Baco e Vênus, e não ao verdadeiro Deus e a seus santos.

Emende-se o celebrante as noites de Natal nas igrejas (como eu vi celebrar em uma) com pandeiros, adufes, castanhetas, foguetes, tiros de pistola e risadas descompostas. E advirta-se que nenhuma dá glória a Deus nas alturas nem paz aos homens na terra.

Emende-se o introduzir nos coros sagrados as chulas, sarabandas e outros tonilhos do teatro profano, e advirta-se que para a cada de Deus só é decente o que é santo: Domum tuam decet sanctitudo (Salmo, XXIX,5).

Emende-se levar nas procissões diante do Santíssimo Sacramento danças de ciganas e de mulheres de ruim fama, e advirta-se que a Arca do Testamento não era mais que uma figura deste Augustíssimo Mistério, e David era rei santo e, mais, tinha-se por indigno de ir dançando em Sua presença.

Emende-se o querermos honrar os santos com touros, jogo que os sumos pontífices não aprovam, e, de si, está mostrando ser de bárbaros; comédias, entretenimento que raro ou nenhum autor admite ser lícito, senão com aquelas condições que se não usam; como romarias daquele gênero, aonde não costuma haver mais que comezainas, brigas, descomposturas e perigosa comunicação dos sexos e anos, em que os demônios armam as suas feiras e donde tiram seus lucros, e advirta-se que pode isto ser de algum modo concorrer para o escândalo e mofa dos hereges.

Emende-se o consentirem os senhores que seus escravos e escravas, aos dias santos pondo diante um painel de Nossa Senhora, festejem publicamente a Virgem das Virgens com bailes, gestos e meneios, arriscados até para a imaginação, quanto mais para a vista. E advirta-se quem tem a seu cargo o bem da república e salvação das almas que uma alma vale mais que a cabeça de São João Batista; e, se com razão estranhamos tanto que o Batista fosse degolado por amor do baile de uma mulher, quanto devemos estranhar que pelo baile destes escravos se consinta a ruína de suas almas e das outras que o vêem?

Estes e outros semelhantes abusos mostram bem assim nos que os cometem como nos que os permitem, podendo impedi-los, o pouco conceito que têm formado da presença real de Cristo, Senhor Nosso, nos templos e sacrários, do culto verdadeiro da religião católica e a pouca comunicação que têm com o Espírito de Deus, que é modesto, estável, santo e amigo da pureza e decoro.

Os bailes e saltos que nas ocasiões das sagradas festividades devem dar aos fiéis hão de ser aqueles que levantam da terra, não o corpo, mas o espírito, como disse um Padre (Richard., in Salm. CXIII): Hão de ser aqueles a que nos provoca decantando a música do Evangelho, que é levantar o coração para receber a graça de Deus, como disse Santo Ambrósio (Amb., lib. 2 “de Paenit” – cap. VI):

Hão de ser semelhantes àqueles que o beato Henrique Suso viu em certa ocasião dar os anjos: os quais, levantando a inteligência, ora mais acima, ora mais abaixo, conforme a luz divina os ensinava, voavam a conhecer e amar as perfeições divinas e seus mistérios. Destes saltos da vida espiritual se passa depois aos da vida eterna.

(Excertos do livro: Nova Floresta – Pe. Manuel Bernardes – Volume II)
PS: Grifos meus