terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A perfeição cristã

A perfeição cristã


É próprio de toda vida procurar a perfeição. Com a vida natural acontece que, chegando ao cume, começa a declinar. Mesmo, porém, no plano natural, a vida intelectual, por exemplo, não deixa nunca de crescer, porque nunca atinge a saturação: - o homem nunca possuirá a totalidade dos conhecimentos.

A vida cristã, como verdadeira vida que é, deve também desenvolver-se, crescer, progredir, até chegar à perfeição. Mas esta perfeição é inatingível neste mundo: só na glória do Pai descansaremos nela – e isto mesmo de modo relativo.

Importa-nos muito saber em que consiste a perfeição, se estamos obrigados a procurá-la, que meios empregar para isto, e como devemos agir.

Sede perfeitos

1 – Todos os batizados são chamados à santidade (I Cor. 1,1). Jesus se dirigiu a todos, quando disse: “Sede perfeitos como o meu Pai Celestial é perfeito” (Mt. 5,48). São Paulo prega repetidamente aos fiéis a obrigação da santidade: “Até que cheguemos todos... ao estado de homem perfeito”. (Ef. 4,13).

2 – A vida cristã, por sua natureza, exige a perfeição. Só existe vida cristã enquanto houver o estado de graça. Para conservar o estado de graça é preciso cumprir todos os preceitos graves. Ora, há certos preceitos graves que o homem só cumprirá procurando a perfeição. Portanto, para conservar a vida cristã é necessário procurar a perfeição.

Pensemos, por exemplo, como pode guardar a castidade quem não mortifica o gosto, os olhares, ou não se dá à oração, ou não evita leituras levianas, etc. Ou como terá caridade com o próximo quem nada quer suportar, mas pretende impor sua vontade, fazer seus gostos, não ser incomodado.

Em que consiste

1 – A perfeição consiste em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor de Deus.
A perfeição não consiste em muitas orações, nem graças extraordinárias (visões, êxtases, milagres), nem grandes penitências (fervor, doçura), etc.

2 – Não sendo possível o amor de Deus sem o cumprimento dos preceitos, a perfeição assenta sobre a observância dos Mandamentos. Mas como isto não realiza a perfeição, ela só se completa pelos conselhos evangélicos.

a) Os Mandamentos bastam para a salvação. Mas não para a perfeição. Para esta requerem-se os conselhos: “Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens dá aos pobres” (Mt. 19,21).
b) A perfeição pode ser moralmente obrigatória. É quando, sem os seus cuidados, não conseguiremos cumprir os Mandamentos. Assim como o moço rico. Não quis atender ao conselho de Jesus, e pôs em risco a própria salvação: “Dificilmente um rico entrará no reino dos céus” Mt. 19,16-26).

3 – Quando se diz que a perfeição consiste na caridade, não se exclui nenhuma outra virtude, mas até se incluem todas elas. A caridade no seu verdadeiro sentido de amor a Deus e ao próximo por amor de Deus supõe todas as demais virtudes.

Como realizar

1 – O fundamento da perfeição é a graça santificante. E como os sacramentos são o meio mais poderoso para se alcançar a graça, a freqüência dos sacramentos é o grande meio de santificação.
Quanto maior for em nós a graça santificante, tanto mais perfeitos somos. Ora, os sacramentos nos conferem eficazmente a graça; logo, são o meio mais eficiente de perfeição.

2 – O homem deve cooperar com a graça de Deus para levar a termo a própria perfeição. A cooperação é elemento indispensável da perfeição.

A luta contra a concupiscência e os inimigos da alma, o aumento das disposições na recepção dos sacramentos, todos os esforços da vontade para imitar a Jesus, são meios para alcançar o fim.

3 – Sendo Cristo o modelo, a perfeição está em imita-lO. Somos tanto mais perfeitos quanto mais a nossa vida se aproximar da de Cristo. E a perfeição se consumará, quando pudermos dizer, como São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. (Gl. 2,20).

a) Cristo é um modelo universal: para todos os tempos e todos os homens, sem distinção alguma. Distancia-se infinitamente dos santos: o mesmo santo não pode, ás vezes, servir de modelo a dois homens. É que cada qual imita a Jesus Cristo dentro do seu próprio feitio: feitios diferentes imitam a Cristo diferentemente. Por isto todos são obrigados a imitar a Cristo, ninguém é obrigado a imitar determinado santo. Para facilitar a imitação dos santos, procuremos para nossa devoção um santo cujo temperamento e gênero de vida se pareçam com os nossos. De Nossa Senhora, porém, se pode dizer o mesmo que de Jesus Cristo.

b) A perfeição está em fazer de modo extraordinário as coisas comuns – e não em realizar ações extraordinárias... Cada qual se santifica vivendo com perfeição a própria vida, cumprindo bem todos os deveres, por pequenos que sejam, aceitando com resignação ou alegria a vontade de Deus, e fazendo-a .

4 – A perfeição não se alcança de uma vez. Tem graus.

Para viver a doutrina

1 – Condição essencial da vida cristã, o estado de graça há de ser minha primordial preocupação. Viver na graça divina é ter Deus em mim, é realizar a união com Deus, é atingir neste mundo o fim para que fui criado. No céu, será apenas a consumação desta união.

2 – Os meios da perfeição terão para mim a importância relativa à sua eficácia. Quanto mais eficazes, mais valiosos. Então, os sacramentos terão o primeiro lugar: A Comunhão, a Confissão freqüente; a valorização da graça permanente do Batismo e da Crisma.

3 – As práticas subjetivas são de grande importância, embora inferiores aos sacramentos. São necessários. A mortificação tanto espiritual como corporal, os atos de devoção (leituras, meditações, exames de consciência, irmandades, práticas devotas), obras de apostolado, etc., prestam grande auxílio à perfeição. Não devemos, porém, confundir a perfeição com elas, nem afligi-nos quando não as pudermos fazer.

4 – Santifico-me, fazendo a vontade de Deus, que é o meu dever. Qualquer que ele seja, bem feito! Aceitando tudo o que Deus me enviar, certo de que é bom, pois Deus não me pode mandar senão o bem. Mesmo que eu não o compreenda.

5 – Devemos acompanhar o Ano Litúrgico, aproveitando as lições das festas de Cristo e Nossa Senhora, os exemplos dos Santos às exortações da Igreja.

6 – A leitura da vida dos santos é de muita utilidade para a perfeição.
Não devemos, porém, confundir a santidade com graças extraordinárias que Deus concede, às vezes, mas que não constituem a santidade. Lembremo-nos de que os Santos também tinham defeitos, pois absolutamente perfeito só Deus. Devemos procurar na vida dos santos não a sensação dos fatos extraordinários, mas a edificação.

7 – Leitura por excelência proveitosa há de ser a da Bíblia, sobretudo do Novo Testamento. Os Evangelhos dão-nos a vida de Cristo – e seria vergonha desconhecê-los. O bom cristão nunca se cansará de relê-los, meditando-os, penetrando-se de seu espírito. Eles contêm o modelo acabado da perfeição.

8 – Por perfeito que julgasse ser, estaria errado o cristão que descurasse do próximo. Aliás, é a caridade com o próximo da essência mesma da perfeição. E não há maior prova de verdadeiro amor do que procurar ao próximo o sumo bem desta vida, que é o estado de graça e a perfeição cristã.

(O caminho da vida – Pe. Álvaro Negromonte)