“Cuspiram-Lhe então no rosto e deram-Lhe bofetadas”
(Mt 26,67).
Depois de o julgarem digno de morte, como um homem já condenado ao suplício e declarado infame, aquela canalha pôs-se a maltratálo durante toda a noite com bofetadas, com golpes, com pontapés, arrancando-lhe a barba, cuspindo-Lhe no rosto, motejando Dele como dum falso profeta, dizendo-Lhe: “Adivinha, ó Cristo, quem te bateu?”
Tudo já predissera nosso Redentor por Isaías: “Entreguei meu corpo aos que me feriam e minha face aos que a laceravam; não desviei o rosto dos que me injuriavam e me cobriam de escarros” (Is 50,6).
Diz o devoto Tauler ser opinião de S. Jerônimo que só no dia do juízo final serão conhecidas todas as penas e injúrias que Jesus sofreu naquela noite. S. Agostinho, falando das ignomínias sofridas por Jesus Cristo, diz: Se este remédio não curar a nossa soberba, não sei o que há de curá-la (Serm. 1 in dom. 2 quadr.)
Ah, meu Jesus, Vós tão humilde e eu tão soberbo!
Senhor, dai-me luz, fazei-me conhecer quem sois Vós e quem sou eu.
Então suspiram-Lhe no rosto! Ó Deus, que maior afronta, que ser injuriado com escarros! O último dos ultrajes é receber escarros, diz Orígenes. Onde se costuma escarrar, senão em lugares sórdidos? E Vós, meu Jesus, sofreis escarros no rosto. Esses iníquos Vos o maltratam com bofetadas e pontapés, Vos injuriam e cospem no Vosso rosto, fazem conVosco o que querem e não os ameaçais, nem os reprovais: “O qual, sendo amaldiçoado, não amaldiçoava, sendo maltratado, não ameaçava, mas entregava-Se àquele que o julgava injustamente” (1Pd 2,23).
Como um cordeiro inocente, humilde e manso, tudo suportastes sem nenhum lamento, oferecendo tudo ao Vosso Pai para nos obter o perdão de nossos pecados: “Como um cordeiro diante do que o tosquia, emudecerá e não abrirá sua boa” (Is 53,7)...
Ah, meu Senhor, Vós bem sabeis que houve um tempo em que Vos fiz as mesmas injúrias, quando Vos pospus aos meus malditos prazeres. Meu Jesus, perdoai-me, que eu me arrependo de meu passado e de hoje em diante quero preferir-Vos a todas as coisas.
Eu Vos estimo e Vos amo acima de todos os bens; prefiro mil vezes morrer a abandonar-Vos. Dai-me a santa perseverança, dai-me o Vosso amor...
Consideremos, como em nosso Redentor se realizou perfeitamente o que dissera o Salmista, isto é, que Ele se tornaria na Sua paixão o opróbrio dos homens e o ludíbrio da plebe: “Eu sou um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e a abjeção da plebe” (Sl 21,7), chegando a morrer coberto de vergonha, justiçado pela mão do carrasco num patíbulo, como um malfeitor, no meio de dois celerados: “E foi posto no número dos malfeitores” (Is53,12).
Ó Senhor altíssimo, tornado o mais baixo de todos os homens, exclama S. Bernardo; ó excelso tornado vil, ó glória dos anjos tornada o opróbrio dos homens!
Ó graça, ó força do amor de um Deus, continua S. Bernardo (Serm. de pass. Dm.). É assim que o Senhor Supremo de todos se fez o ínfimo de todos! E quem fez isto? O amor. Tudo fez o amor que Deus consagra aos homens, para nos patentear quanto Ele nos ama e ensinar-nos com Seu exemplo a sofrer pacientemente os desprezos e as injúrias. “Cristo padeceu por nós, diz S. Pedro, deixando-vos o exemplo para que sigais os meus vestígios" (1Pd 2,21).
Eleazar, perguntado por sua esposa como podia suportar com tanta paciência as injúrias que lhe eram feitas, respondeu: Eu me ponho a considerar Jesus desprezado e confesso que minhas afrontas nada são em comparação com as que Ele, sendo meu Deus, quis suportar por amor de mim.
Ah, meu Jesus, e como é que eu, à vista de um Deus tão ultrajado por meu amor, não sei suportar o mínimo desprezo por vosso amor? Pecador e soberbo! Donde, Senhor, me pode vir este orgulho?
Ah! pelos merecimentos dos desprezos que sofrestes, dai-me a graça de suportar com paciência e alegria as afrontas e injúrias. Proponho de agora em diante com o Vosso auxílio não mostrar mais ressentimento e receber com alegria todas as injúrias que me forem feitas.
Outros desprezos mereci eu, que desprezei a vossa divina Majestade e por isso mereci os desprezos do inferno. Vós, meu amado Redentor, me fizestes mui doces e amáveis as afrontas, abraçando tantos desprezos por meu amor.
Proponho, além disso, para Vos comprazer, beneficiar quanto puder quem me desprezar ou pelo menos dizer bem dele e rezar por ele. E agora vos suplico encher de graças aqueles de quem recebi alguma injúria. Eu Vos amo, Bondade Infinita, e quero amar-Vos sempre quanto eu puder. Amém.
(Excertos do livro: A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo - Volume I - Santo Afonso Maria de Ligório)
PS: Grifos meus.