Ninguém pode considerar-se suficientemente armado contra o orgulho e, já que não é possível exterminá-lo nesta vida, é preciso ao menos servir-se avidamente de todos os meios para enfraquecê-lo e neutralizar-lhe as investidas. Ora, dentre estes meios, um dos mais eficazes é justamente fornecido pelas nossas faltas. À semelhança da mandíbula dessecada de uma mula, que se transformou nas mãos de Sansão num engenho de morte contra os filisteus, os nossos pecados, por mais hediondos que sejam, podem também tranformar-se numa maça poderosa contra o orgulho, e converter-se assim em instrumento da nossa salvação e santificação.
Com efeito, se o orgulho é uma estima e um amor desordenado da nossa pretensa excelência, a humildade, diz São Francisco de Sales, é o "verdadeiro conhecimento e o reconhecimento voluntário da nossa miséria" (Filotéia, III,6). E que há de mais apropriado para nos dar esse verdadeiro conhecimento do que a consideração dos nossos pecados? São eles, realmente, na engenhosa expressão do P. Álvarez, como outras janelas pelas quais penetra uma luz mais abundante sobre as nossas misérias.
Mais eficazes do que as humilhações que nos vêm dos acontecimentos ou dos homens, as nossas quedas convencem-nos da fragilidade das nossas forças puramente humanas. E diz, nosso santo, "este reconhecimento do nosso nada não nos deve intranqüilizar, mas tornar-nos mansos, humildes e pequenos diante de Deus". (XIV,236)
"Conheces bem o estado da tua alma? Pois bendize a Deus por te dar esse conhecimento e não te lamentes tanto. És muito feliz por saber que não és senão a própria miséria".(VI,48 Colóquio III. da firmeza)." "Devemos confessar a verdade: somos umas pobres criaturas que, sem a ajuda de Deus, não podem fazer bem coisa alguma".(XII, 203)
"- Eu vos digo que, se fordes humilde, sereis fiel.
"- Mas chegarei a ser humilde?
"- Sim, se quiserdes sê-lo.
"- Mas eu quero.
"- Pois então já o sois.
"- Mas eu vejo que não sou.
"- Tanto melhor, pois isso serve para que o sejais com mais certeza" (XIX,300. Carta a uma superiora carmelita)
" As nossas limitações à hora de levarmos adiante os nossos assuntos, tanto interiores como exteriores, são um motivo eficaz de humildade produz e alimenta a generosidade".(XVIII,266. Carta a uma superiora)
Com efeito, como confiar em nós mesmos e julgar-nos de algum valor quando caímos de bruços ao primeiro sopro da tentação, quando vemos os nossos melhores propósitos desvanecerem-se como uma faísca, como a estopa atirada às chamas?(Is.1,31)?
Como o orgulho perde a sua força quando uma queda nos mostra a realidade da nossa miséria, e como então a humildade lança facilmente raízes na verdade! É como se ouvíssemos uma voz bradar: Sejam retos os vossos juízos! (Sl 57,1); Fostes pesados na balança e viu-se que não tínheis o peso necessário (Dn 5,27); Pensáveis ser mais, e eis que sois menos.(Ag 1,9)
(A arte de aproveitar as própria faltas - Joseph Tissot- págs.53 a 55)