quinta-feira, 27 de agosto de 2009
A arte de punir
- Há dois excessos a evitar em matéria de educação: o que consiste em jamais intervir- o “deixar-passar”- ou a política dos olhos fechados: “Faze o que te agrada e deixa-me em paz”, política de demissão que pode culminar em conseqüência catastróficas; ou então, o excesso que consiste em intervir a cada instante por bagatelas. A verdade, como sempre, está no meio-termo. A criança precisa de ajuda do adulto e mesmo, quando é pequena, essa ajuda pode consistir numa espécie de adestramento incessante: a lembrança de uma dor (palmada ou ralho) relativa a um gesto ou a uma atitude repreensível.
- Uma advertência para ser eficaz, deve ser breve e rara. Se assumir o ar de cena, de gritos intervalados ou superagudos, perde todo o efeito.
- Por pouco se observe num jardim, num trem ou num lar, uma mãe com o filho, é de espantar o número por vezes ilógicas e injustificadas que chovem sobre os pobres pequenos:
“Henrique, não corras mais, vais sentir muito calor...”.
E cinco minutos depois:
“Não fiques aí plantado como uma árvore vai brincar... Não te chegues tão perto da água... Cuidado com os sapatos, vai sujá-los!... Vais ainda desobedecer-me como sempre... Que foi que te disse Henrique?... É terrível ter crianças como esta! Não há nada a fazer contigo, não serves para nada!”
E ainda quando a pobre mãe, inconsciente do alcance de suas palavras, não acrescenta: “Vê-se bem que tens o gênio de teu pai!”
- Quando se tem de repreender uma criança é melhor (a menos que o erro seja público) fazê-lo em particular e em voz baixa.
- O que é preciso evitar a todo custo quando se faz uma observação a uma criança, é compará-la a uma outra: “Olha como o teu irmão é bonzinho... - Ah, se fosses sempre como o Jaimezinho”, etc. Não há nada pior do que isso para criar entre a criança e o modelo proposto ciúmes e até mesmo inimizades implacáveis.
- Nunca ressuscitar, a propósito de um acidente qualquer, todas as velhas mágoas. Uma vez perdoada, a falta passada não deve ser mais lembrada. Voltar a ela é mostrar que nada foi esquecido e que se tem sempre em reserva uma certa história humilhante prestes a ser contada de novo. Há nisso algo capaz de desencorajar para sempre uma criança em seus esforços.
- Não há nada mais falso e mais cruel para a própria criança do que essa errônea sensibilidade que consiste em inclinar-se diante dos caprichos e faltas, sob o pretexto de que se trata apenas de uma criança. É claro que não se cogita de brutalizá-la; mas, erigir em princípio ser preciso “não impor às crianças qualquer sofrimento, mesmo leve”, é um absurdo que levará a criança a se tornar o nosso próprio tirano.
- A criança é uma anarquia de tendências. Não é de espantar que subitamente surja uma tendência perversa. Desconfiemos das perfeições prematuras. É papel do educador intervir por vezes energicamente para associar no espírito e mesmo na carne da criança a idéia de uma dor física à transgressão de uma interdição.
- A punição, para ser educativa, isto é, para formar a consciência, deve sempre ser dosada, ou melhor, adaptada à idade da criança, ao seu caráter, ao seu temperamento, bem como às circunstâncias de falta. O mau jeito é uma coisa, a maldade, outra. Uma coisa é uma irreflexão, outra uma falta de respeito.
- É um erro castigar uma criança por um mal-feito do que não havia adivinhado o caráter repreensível. Antes de punir, convém verificar se a criança sabia da proibição.
- O educador deve se apagar o mais possível, a fim de eliminar qualquer aspecto de luta ou de vingança pessoal, e fazer sentir ao culpado que ele é a causa primeira dos aborrecimentos que lhe caírem sobre os ombros.
- É preciso não punir tudo. Há pecadilho que devemos às vezes fingir que não vemos. Sobretudo se não têm conseqüências morais ou sociais. Mas, quando se proíbe uma coisa, que seja para todos os dias, enquanto não mudarem as circunstâncias.
(A arte de educar as crianças de hoje – Pe. G.Courtois)