Cantar da Alma que se alegra
em conhecer a Deus pela Fé
São João da Cruz
[Toledo, cárcere - 1578]
Que bem sei eu a fonte que mana e corre
mesmo de noite
Aquela eterna fonte está escondida,
Mas bem sei onde tem sua guarida,
mesmo de noite.
Sua origem não a sei, pois não a tem,
Mas sei que toda a origem dela vem,
mesmo de noite.
Sei que não pode haver coisa tão bela,
E que os céus e a terra bebem dela,
mesmo de noite.
Eu sei que nela o fundo não se pode achar,
E que ninguém pode nela a vau passar,
mesmo de noite.
Sua claridade nunca é obscurecida,
E sei que toda a luz dela é nascida,
mesmo de noite.
Sei que tão caudalosas são suas correntes,
Que céus e infernos regam, e as gentes,
mesmo de noite.
A corrente que desta fonte vem
É forte e poderosa, eu sei-o bem,
mesmo de noite.
A corrente que destas duas procede,
Sei que nenhuma delas a precede,
mesmo de noite.
Aquela eterna fonte está escondida
Neste pão vivo para dar-nos vida,
mesmo de noite.
De lá está chamando as criaturas,
Que nela se saciam às escuras,
mesmo de noite.
Aquela viva fonte que desejo,
Neste pão de vida já a vejo,
mesmo de noite.