A cadeia do Rosário
Pregando em Carcassona, cidade de França, o glorioso São Domingos e pregando, como sempre costumava, a devoção do Rosário, trouxeram-lhe um endemoniado furiosíssimo, o qual se despedaçava a si mesmo; e, posto que vinha atado com cadeias de ferro, não havia quem o pudesse domar, nem ter mão. Mas o santo tinha outra cadeia mais forte e mais poderosa, que era o Rosário.
Pregando em Carcassona, cidade de França, o glorioso São Domingos e pregando, como sempre costumava, a devoção do Rosário, trouxeram-lhe um endemoniado furiosíssimo, o qual se despedaçava a si mesmo; e, posto que vinha atado com cadeias de ferro, não havia quem o pudesse domar, nem ter mão. Mas o santo tinha outra cadeia mais forte e mais poderosa, que era o Rosário.
Lançou o seu Rosário ao pescoço do miserável homem, e o demônio, com grandes repugnâncias e visagens, em que mostrava a nova força de que se sentia oprimir, ficou domado. Agora entenderam os doutos uma boa interpretação daquele anjo do Apocalipse, sobre que os expositores antigos se dividem em tantas opiniões. Diz São João que viu descer do céu um anjo, o qual trazia na mão uma grande cadeia e que com ela prendeu e atou aquela antiga serpente que enganou o gênero humano, o que por um nome se chama Demônio, e por outro Satanás: Vidi angelum descendentem de caelo habentem... catenam magnam in manu sua, et aprehendit Draconem, serpentem antiquum, qui est Diabolus, et Satanás, et ligavit eum. (Apoc. 20, 1-2).
As outras palavras que acrescenta o texto pode ser que nos sirvam, e as expliquemos depois; o que só digo de presente é que este anjo descido do céu é o apóstolo da Virgem Maria, São Domingos, varão por todas as virtudes angélicas, e que a grande cadeia, que do mesmo céu trouxe na mão e com que prendeu a serpente e atou o Demônio, é o Rosário. Das mesmas Crônicas de São Domingos, que em semelhantes casos são os melhores expositores, o povo.
Em um povoado da Ilha de Evisa exorcizava um filho do mesmo Santo uma mulher endemoniada, e era o Demônio tão protervo, tão rebelde e tão obstinado, que a nenhumas orações e esconjuros se rendia: rendeu-se, porém, finalmente à convicção do Santíssimo Nome de Maria e aos poderes insuperáveis do seu Rosário. Mas, com uma circunstância muito notável, a qual eu só pondero em prova do que digo. Quando lançaram o Rosário ao pescoço da aflita mulher, começou a gritar o Demônio: “Tirem-me essa cadeia, que me abrasa! Tirem-me essa cadeia, que abrasa!”
Já temos que o Rosário é cadeia que ata o Demônio. Mas que seja cadeia que o abrasa, como pode ser? Assim como os anjos, quando estão na terra, trazem consigo a sua glória, assim os demônios trazem também consigo o seu inferno. Os anjos trazem consigo sua glória, porque em qualquer parte estão vendo a Deus; e os demônios trazem consigo o seu inferno, porque em qualquer parte estão ardendo naqueles incêndios eternos. Pois, se este Demônio estava ardendo em fogo, qual é o inferno, como diz que o abrasava a cadeia do Rosário?
Pode haver fogo mais penetrante, mais forte e mais abrasador que o do inferno? Sim. E estas novas chamas e labaredas são para os demônios as orações dos cristãos. Assim o confessaram já antigamente os mesmos demônios, e o refere Minúcio Félix naquela sua famosa Antologia contra os Gentios: Haec omnia sciunt plerique vestrum, ipsos daemones de semetipsis confiteri, quoties a nobis, et meritis verborum, et orationem incendiis e corporibus exiguntur.
De sorte que mais queimam e mais abrasam aos demônios as orações do Rosário que o mesmo fogo do inferno.
Estes são pois os fuzis de maior e mais penetrante fogo, de que se forma a cadeia do Rosário: e esta é a cadeia que São Domingos trouxe do céu, e esta a com que domou o Demônio que lhe apresentaram, que rompia e desfazia todas as outras.
(Sermões VI, 1668, págs. 9-11- Padre Antônio Vieira)