segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Vanglória e a desastrosa dança do Pavão


Diz-se que um certo passarinho, por nome tataranho, tem uma virtude secreta, no seu grito e nos seus olhos, de afugentar as aves de rapina e crê-se ser esta a razão da simpatia que as pompas lhe dedicam. Assim os também podemos dizer que a humildade é o terror de Satanás, o rei do orgulho, que ela conserva em nós a presença do Espírito Santo e de seus dons e que por isso foi tão apreciada dos santos e santas e tão querida dos Corações de Jesus e de sua Mãe.

Muitos se comprazem duma maneira vã em si próprios, por ter belos cabelos, belos dentes ou belas mãos, ou certa habilidade no jogo, uma boa voz para cantar, uma certa elegância para dançar. Mas que baixeza de espírito ir procurar a sua honra em coisas tão frívolas. Muitos outros encantam-se com sua pretensa beleza; outros, cheios de si por um pouco de ciência, unida a muita vaidade, tanto se ridicularizam, aos olhos daqueles por quem se querem fazer respeitar, que o nome de pedante é todo o louvor que recebem. Na verdade Filotéia, é destas coisas que procede a vanglória.

Queres, pois, saber se certa pessoa é sábia, prudente, nobre e generosa? Examina se estas qualidades são acompanhadas da humildade, da modéstia e da submissão para com seus superiores; se assim for, são verdadeiros bens; mas, se descobrires nela afetação de fazer aparecer o que tem por bem, julga que essa pessoa é superficial e que esses bens são tanto mais fúteis quanto mais os quer ostentar.

As pérolas formadas numa estação de ventos tempestuosos e trovões só têm de pérolas uma casca sem a substância; assim, todas as virtudes e as mais excelentes qualidades de um homem, que delas se ensoberbece, só têm uma aparência do bem, sem nenhuma solidez.

Com razão compara-se a honra ao açafrão que se torna mais forte e mais abundante quando calcado aos pés. Uma pessoa que tem vaidade de sua beleza perde-lhe a glória; e outra que pouco se dá disso aumenta-lhe o brilho. A ciência que nos enche de nós mesmos desonra e degenera numa ridícula pedanteria. Quando o pavão quer ter o prazer de contemplar a sua bela plumagem, eriça todo o corpo, mostrando o que tem de mais disforme e feio.

Se desejamos sempre o primeiro lugar, a precedência e títulos, além de expormos as nossas qualidades ao exame e ao pesar de vê-las contestadas, fazemo-nos vis e desprezíveis; pois, assim como nada há de mais belo que o louvor espontâneo, também nada é mais feio que o que se exige, como um direito; é como uma linda flor, que não devemos tocar nem apanhar, se não queremos que murche.

O amor e o desejo da virtude começam a nos fazer virtuosos; mas a paixão e a cobiça da glória começam a nos fazer desprezados. As almas grandes não se entretêm com essas bagatelas de primazia, distinções e cumprimentos; disto só se ocupam os espíritos mesquinhos e ociosos, aquelas empregam o seu tempo em coisas mais nobres.

O verdadeiro humilde não quer parecer que o é e nunca fala de si mesmo... Fica aqui o meu conselho Filotéia, ou nunca falemos de nós com termos de humildade, ou conformemos com eles os nossos pensamentos, pelo sentimento interior duma verdadeira humildade. Nunca abaixemos os olhos, sem humilharmos o coração; nunca procuremos o último lugar, sem que de bom grado e sinceramente o queiramos tomar. Esta regra é tão geral que não se pode abrir exceção alguma.

O homem verdadeiramente humilde gostará mais que os outros digam dele que é um miserável, que nada é e nada vale, do que de o dizer por si mesmo; ao menos, se sabe que falam assim dele, sofre com paciência e, como está persuadido que é verdade o que dizem, facilmente se conforma com esses juízos, aliás, iguais aos seus ... A humildade esconde as virtudes e as boas qualidades e só as mostra pela caridade, que, não sendo uma virtude humana e mortal, mas celeste e divina e o sol das virtudes, deve sempre dominar sobre todas; de sorte que, se a humildade prejudica a caridade em alguma coisa, é, sem dúvida, uma humildade falsa.

(Filotéia - São Francisco de Sales)

PS:Grifos meus