Ébion de Lima
Quando vem uma
criança ao mundo, vem dizer-nos, segundo o poeta Kipling, que Deus ainda não se
enfarou dos homens.
E quando nasce um
santo, ele vem dizer mais. Ele vem dizer que Deus, apesar de tudo está
presenteando a humanidade.
No dia 11 de outubro
de 1890, o presente de Deus aos homens chamou-se Rodolfo Komórek.
Nasceu na cidade de Bielsko,
segundo a denominação polonesa, ou Bielitz, em língua alemã. Esta cidade,
de uns 30.000 habitantes, está na Silésia, um dos pedaços de terra da Europa
Central mais maltratados pelos... tratados.
Retalhada e
distribuída ora à Polônia, ora à Prússia, ora à Checoslováquia, era da Áustria
quando nasceu Rodolfo.
Em 1919 uma parte retomou à
Polônia. Em 1945 o restante. Agora, infelizmente, é uma das tantas fatias
mal digeridas no bojo do imperialismo soviético.
O pai de Rodolfo
chamava-se João.
Um ferreiro de físico
arrojado. Semblante severo e franco, rabiscado por um exuberante bigode
retorcido que lhe acentuava a personalidade respeitável de pai de família à
moda antiga.
Afeito ao trabalho,
assíduo e pesado. Tirava biblicamente do suor de seu rosto à beira da forja, o
pão para os filhos. E eram sete!
Uma das suas ambições
consistia em querer decididamente resgatar a sua descendência daquela condição
humilde de vida esfalfante; subtrair os filhos à obscuridade mediante educação
esmerada e instrução superior, "para que, dizia, não tenham que mourejar
assim tão duramente como eu".
E seus esforços,
parece que não iludiram as suas esperanças, aliás justas.
Sem contar Maria que foi apenas
uma boa dona de casa, dos outros cinco filhos que chegaram à idade adulta,
Wanda se fez professora, Roberto tornou-se engenheiro, assim como João que
depois se tornou artista cantor. Leopoldo, o mais jovem, seguiu o curso de
indústria e comércio. Enfim, Rodolfo que era o terceiro filho,
subindo os degraus do altar, abraçou a carreira que está mais perto
de Deus.
II
Quando Rodolfo tinha 6 anos, já
passava pelas ruas de Bielsko com livro debaixo do braço e sacolinha
de "lanche" a tiracolo. Era tão novo e a matemática já lhe
insidiava a alegria de viver. O curso primário constava de 5 anos.
Na cidade predominava o elemento
alemão: 80 por cento! E era nessa língua que as aulas se ministravam.
Em casa se falava o polonês. Nas paróquias pregava-se nas duas línguas.
Havia na população um contingente de 25 por cento de protestantes, A
praça era forte na indústria têxtil, especialidade da região. Contava
cerca de 60 fábricas de tecelagem.
Por aquela altura,
conforme as aspirações do pai, os três primeiros filhos já estavam na
escola.
D. Inês, mãe infatigável e pia,
abriu uma sala de costura nos seus humildes aposentos, ao rés do chão;
no pátio também o ferreiro montara a sua tenda, e ali, moldava a sua
felicidade doméstica ao golpe estrídulo do martelo.
Com 11 anos Rodolfo começou a frequentar o
ginásio passando ao depois, para o Liceu clássico alemão de sua cidade
natal.
Dava um exemplo inédito de
piedade e aplicação. Madrugava para o estudo, em caminho para a escola,
entrava primeiro na igreja paroquial a fim de assistir à Santa Missa, lá
no fundo da nave, de joelhos, com edificante fervor.
Era, desde então, muito devoto da
Virgem levava no bolso, inseparável, o seu terço. Manifestou-se logo um
rapaz resoluto e coerente. Com uma seriedade precoce, quase taciturno.
Concentrado no seu dever, talvez já preocupado com o ideal elevado que
Deus lhe preparava.
Era de uma tenacidade invejável e
de grande força de vontade.
João seu irmãozinho mais novo,
tinha outro estilo. Malandro e traquinas, ia-se endereçando por um
caminho escorregadio.
Não valeram nem as súplicas dos
irmãos mais velhos nem as ameaças dos pais.
Certa vez, porém, o maroto, ao
levantar-se, rezou apressadamente as orações e com a toalha ao ombro
dirigiu-se à pia, Rodolfo já sentado à mesa, estudava, ali perto, o grego.
Tendo observado as preces mal feitas do mano, com acento fraterno,
inspirado em senso verdadeiramente cristão, admoestou-o dizendo: João, você
poderá tudo se realmente quer e reza como deve.
Querer e rezar, um conselho que
foi como um programa. Impressionado vivamente, o maninho começou,
daquele dia, a ser melhor.
Wanda nos dá o seguinte perfil
deste período da infância do mano extraordinário:
"Era humilde, falava pouco,
rezava e era muito diligente, pois estudava até tarde da noite. Muitas
vezes adormeceu por cima dos livros. Nunca fez mal a nenhum de nós, antes,
uma vez ou outra, tomou o castigo em nosso lugar. Seu boletim escolar
foi sempre o melhor de todos".
Era, pois natural que, em 1909,
terminado o curso secundário de 8 anos, em sua terra natal, passasse
nos exames de madureza com distinção.
III
Naquele mesmo ano Rodolfo entrou
para o Seminário em Weidenau, arquidiocese de Breslau, ali perto de
sua cidade natal.
Edificante a seriedade com que
iniciou a carreira eclesiástica. Tinha 19 anos. Apresentava-se alto e
impressionantemente magro.
O ardor de sua preparação ao
sacerdócio levou-o bem cedo a extraordinárias
mortificações, especialmente durante a quaresma, na qual somente por
obediência ao Diretor, resignava-se a comer carne.
O Seminário de Rodolfo era então
uma filial da Faculdade de Teologia da Universidade de Breslau, e o
arcebispo, cardeal Kopp, freqüentemente lá comparecia para presidir aos
exames.
Pelo Natal, pela Páscoa e nas
férias, os seminaristas retornavam ao convívio com os seus.
Causa admiração a todos os
conterrâneos, a atitude humilde e recatada do seminarista Komórek. Durante
a Santa Missa e as funções de Igreja, reparavam-no todos, imóvel em seu
lugar, dentro do presbitério, com as mãos juntas e as faces pálidas,
ainda mais pálidas pelo realce da cor negra da batina e a magreza ascética
do semblante compenetrado.
O currículo dos seus estudos
teológicos foi brilhante, conforme se pode verificar no boletim de
notas finais.
Segundo usança do Seminário, as
ordens sacras se recebiam todas no último ano de Teologia.
Para Rodolfo foi em 1913.
A 22 de julho daquele ano era
ordenado de sacerdote. A primeira Missa solene foi em Weidenau.
Compareceram os parentes, a chamado do Reitor, pois Rodolfo planejava para
aquele grande dia, sumo recolhimento, na solidão do Seminário.
Depois, a primeira Missa solene,
na paróquia de Bielsko, sua terra natal. A igreja, repleta de fiéis:
Nos primeiros bancos seus pais, irmãos, e amigos. Há ainda quem se recorda
da fisionomia devota e recolhida daquele neo-sacerdote irradiante de
íntimo regozijo, mas esmagado ao fardo de tanta responsabilidade: ministro
de Deus!
No domingo seguinte,
sua primeira pregação. Firme, com as mãos grudadas no púlpito. A
voz não muito forte; e parecia tímido. Mas o seu aspeto concentrado e
convicto era de uma eloquência inobjetável.
Dez dias depois da ordenação, o
Padre Rodolfo já estava no campo destinado ao exercício de
seu sagrado ministério.
Inicialmente desenvolveu um
apostolado meio nômade pois dentro do espaço de um ano esteve em três
paróquias diversas, pequenos aglomerados urbanos nos arredores de Bielsko.
Já desde esse tempo aparecia aos
olhos dos paroquianos como um perfeito homem de Deus. Inteiramente e
heroicamente dedicado às almas confiadas à sua solicitude apostólica.
Contam que era paupérrimo. Dava
tudo aos pobres. Vivia como um ermitão, na oração, na penitência, nas
obras de caridade, sobretudo para com os pobres que mereciam dele um
carinho singular.
Moço e mortificado,
chamavam-no um "S. Luís".
Tratava rapidamente com senhoras
e só em força de seu sagrado ministério.
Dormia no duro chão, coberto
apenas com o próprio sobretudo.
Por algum tempo teve consigo sua
mãe, colaborando com ele.
Mas eis que os clarins da guerra
de 1914, com o perfilar sinistro das mobilizações, marcaram para os
destinos do Pe. Rodolfo outro rumo de áspero caminhar.
IV
"Falava alemão e polaco e
era alto um metro e setenta e seis!"
Eis os primeiros e mais
importantes dados que a informação militar nos pôde fornecer da vida
do Pe. Rodolfo, quando entrou para a guerra. Sabia, pois, duas línguas;
quem sabe prestaria seus serviços como intérprete; e tinha
estatura para arrostar com os embates nas marchas forçadas das grandes
jornadas de refrega. Ali estavam aos olhos do exército as suas
habilidades: possuía duas línguas, avantajado no físico!
É que em fevereiro de 1914 chegou
ao Ministério da Guerra da Áustria uma carta assinada pelo sacerdote Komórek,
escrita de próprio punho e endereçada ao imperial e real ministro.
Quando terminara o ginásio, como
era candidato ao estado eclesiástico, fora registrado na reserva, por 12
anos, segundo a lei e elencado então no Regimento, de Infantaria n.º 100.
Agora arregimentado no começo do
conflito solicitava a nomeação como capelão do exército: Foi deferido
o seu requerimento, por um decreto que, traz a firma do próprio Imperador
Francisco Jose I, nomeando-o efetivamente capelão da Reserva em grau de
oficial.
Até 1916 exerceu o sagrado
ministério no Hospital da Fortaleza n.º 3 da guarnição nº 15
de Cracóvia.
Nesta data o zeloso capelão Komórek
dirigiu-se novamente ao Ministério da Guerra pedindo que o agregassem na
marcha para o "front". Queria o sacrifício até o heroísmo.
Queria amparar nos braços os soldados feridos ou consolá-los
no supremo instante do qual depende a eternidade. E foi atendido.
Arrolaram-no numa companhia
mobilizada de Roziatow. Desta fase em diante o Ministério da Guerra
austríaco não possui ulteriores documentações. Mas nos adverte que há nos
arquivos, diários do Regimento "Von Steimberg" nº 100, ao
qual pertencia o Pe. Rodolfo; e, se os incêndios de Cracóvia nesta última
guerra não atingiram a documentação do hospital da Fortaleza nº 3, não é
difícil que se encontre a narração dos feitos desse famoso capelão
que tão profundamente participou das vicissitudes espirituais do exército
naquela contingência angustiosa da pátria polonesa.
Porém, o irmão, Roberto Komórek,
que também fora chamado às armas na primeira conflagração mundial, completa
sucintamente os informes sobre a carreira militar do mano, e
escreve:
"Visitei-o uma vez no
hospital de Cracóvia, quando do meu licenciamento do "front". Os
doentes o amavam muito. Estava sempre no meio deles, procurando lenir-lhes
os sofrimentos. Nos meados de 1918, partiu ele com um destacamento destinado ao
"front" italiano no Tirol. No fim da guerra ficou prisioneiro da
Itália. E da Itália retornou à sua mãe".
Não é difícil imaginar os gestos
espetaculares que o humilde capelão terá desenvolvido nos campos de luta,
em prol dos soldados que tombaram.
A autoridade eclesiástica, pelo
vigário apostólico militar de Viena, Paulinowski, resume neste elogio,
toda a atividade daquele extraordínário sacerdote-soldado: "Satisfez
perfeitamente aos seus deveres de capelão militar".
Mas a oficialidade do exército
que viu mais de perto a dedicação inaudita daquele companheiro de batalha,
humilde e grande ao mesmo tempo, condecorou-o em 1916, com a cruz
espiritual de mérito; e propondo-o para esta honraria, deu a seguinte
motivação, que vale por um perfil brilhantemente traçado com eloquente
laconismo: "Excelente e sacrificado serviço diante do inimigo. Desde
o início da guerra, como capelão do Hospital de guarnição, desempenhou ele
os seus deveres com zelo verdadeiramente fora do comum, pronto dia e
noite para dispensar aos feridos e doentes o conforto espiritual. Raro
exemplo de sacerdote que se consume de modo ideal pelos compromissos da própria
vocação. Merece ser condecorado pela suprema Autoridade". Assinados:
Carlo Kuk, chefe da provisão. Francisco Kanik, Marechal.
Além disso foi agraciado com a
medalha de mérito pela Cruz Vermelha.
É bom notar que, enquanto viveu,
ninguém soube jamais destes triunfos diante dos olhos dos homens.
Ficaram todos sepultados no escrínio delicado de sua impermeável modéstia.