Nota do blogue: Segue alguns trechos que tratam sobre a ira legítima e conselhos de como bem utilizá-la.
A ira legítima usada com sabedoria
(Sedes Sapientiae ora pro nobis)
“Vossas palavras e respostas, hão-de ir sempre cheias
do sal da graça e da suavidade,
que isto me agrada e contenta muito.”
Sermo vester sempre in gratia sale sit conditus,
ut sciatis quomodo oporteat
vos unicuique respondere.
(Coloss. IV, 6)
ü A vida Espiritual explicada e comentada por Adolph Tanquerey, sacerdote sulpiciano, professor de Teologia Dogmática e de Direito Canônico. Segue trecho que aborda o tema da ira legítima e logo abaixo coloco fotos da parte do livro para aqueles que quiserem ler o capítulo inteiro.
854. 2.º A ira, considerada como sentimento, é um desejo ardente de repelir e castigar um agressor.
A) Há uma ira legítima, uma santa indignação, que não é senão o desejo ardente, mas radical, de infligir aos criminosos o justo castigo. Foi assim que Cristo Senhor Nosso entrou em justa cólera contra os vendilhões que com o seu tráfico contaminavam a casa de Seu Pai (Jo 2,13-17); o sumo sacerdote Heli, pelo contrário, foi severamente censurado por não ter reprimido o mau procedimento de seus filhos.
Para ser legítima, a cólera tem que ser:
a) justa no seu objeto, não tendo em vista senão castigar a quem o merece e na medida em que o merece.
b) Moderada no seu exercício, não indo mais longe do que reclama a ofensa cometida seguindo a ordem que demanda a justiça;
c) Caritativa na sua intenção, não se deixando arrastar a sentimentos de ódio, não procurando senão a restauração da ordem e a emenda do culpado. Qualquer destas condições que falte, haverá excesso repreensível. – É sobretudo nos superiores e pais que a cólera é legítima, mas os simples cidadãos têm por vezes direito e dever de se deixarem inflamar de cólera santa, para defenderem os interesses da cidade e impedirem o triunfo dos maus; é que, efetivamente, há homens que a doçura deixa insensíveis, e nada temem senão o castigo.
855. B) Mas a cólera, que é vício capital, é um desejo violento e imoderado de castigar o próximo, sem atender às três condições indicadas. Muitas vezes é a cólera acompanhada de ódio, que procura não somente repelir a agressão, mas ainda tirar dela vingança; é um sentimento mais refletido, mais duradouro, e que por isso mesmo tem mais graves conseqüências. Grifos meus.
Fotos
(clique nelas para ampliá-las)
ü Catecismo Romano, III parte: Dos mandamentos, páginas 438 e 439. Segue trecho que aborda o tema proposto:
É proibido irar-se: Pois a ninguém é lícito nem sequer irar-se contra o próximo, como ensina o Evangelho, porquanto Nosso Senhor declarou: “Eu, porém, vos digo: Todo aquele que se enraivecer contra seu irmão, será réu perante o juízo. Quem chamar seu irmão de “raça”, será réu diante do conselho. Quem chamar seu irmão de “louco”, será réu do fogo do inferno” (Mt. 5,22).
a) sem razão... [12] Dessas palavras se deduz, com evidência, que não está livre de pecado quem se zanga com seu irmão, ainda que reprima a cólera dentro de si mesmo. Todavia, muito mais grave é a falta de quem não receia tratar duramente seu irmão e dirigir-lhe palavras injuriosas. (Thom. II-II q. 158 art. 3.)
Este pecado, porém, só se verifica, quanto não há o que possa justificar nossa indignação. Perante Deus e Suas Leis (Sl. 4,5; Ef. 4,26), temos razão de alternar-nos, todas as vezes que corrigirmos nossos subordinados, por causa de suas faltas.
b) por motivos carnais. A cólera do cristão não deve proceder dos sentidos carnais, mas da ação do Espírito Santo, já que nos compete a dignidade de “templos do Espírito Santo” (I Cor. 6,19), nos quais habita Jesus Cristo. ( Ef. 3,17). Grifos meus.
ü O Cristão no tribunal da Penitência – Padre. Fr. Frutuoso Hockenmaier, O.F.M
Indignar-se quando há razão para isso, não ultrapassando as regras da moderação, não é ira pecaminosa. Assim , não cometem pecado de ira os pais e superiores que se mostram zangados com as faltas dos filhos e súditos, nem os mestres quando verberam a preguiça dos alunos e até com prudência os castigam. Em casos como este a ira é justa e um movimento razoável e natural.
Pode, pois, dizer-se que não é pecaminosa a ira quando:
a) é fundada e procedente de motivo justo e razoável,
b) e se contém dentro dos limites da moderação e prudência.
O mesmo se diga do que chamamos “indisposições contra o próximo”. Não é pecado mostrar descontentamento quando para isso há motivo razoável, e não se ultrapassam os justos limites. A ira desde que não haja conseqüências, de ordinário é pecado leve. Mas cuidado com ela, pois facilmente arrasta a pecado grave. Se com a ira andam desejos de vingança, então o pecado será tanto maior quanto mais grave for a falta contra a caridade.
Em outro trecho diz o padre:
Toma a resolução de não falar enquanto estás irado. A princípio custar-te-á; mas o que não te será fácil da primeira vez, consegui-lo-ás de outra vez se teimares no bom propósito... São Francisco de Sales era de temperamento fogoso. Soube, porém, combater sua paixão de tal modo que veio a ser exemplo luminoso de mansidão e doçura. Perguntando certa vez como podia conservar-se manso falando com pessoas irritadas, respondeu:
“Fiz pacto com a minha língua de não pronunciar palavra enquanto o coração não estiver calmo”.
Imita o exemplo deste santo, e evitarás grandes inquietações, desarmonias, mágoas e dissabores. Grifos meus.
ü Filotéia de São Francisco de Sales. Seguem alguns trechos onde o santo aborda o tema: A mansidão no trato com o próximo e os remédios contra a cólera. (páginas 211 a 217).
“A humildade aperfeiçoa o homem em seus deveres para com Deus; e a mansidão, em seus deveres para com a sociedade humana.”
“Deve-se resistir ao mal e corrigir aos maus costumes dos seus subalternos com santo ânimo e muita firmeza, mas sempre com uma inalterável mansidão e tranqüilidade; nada pode aplacar tão facilmente um elefante irritado com a vista dum cordeirinho, e o que mais diminui o ímpeto duma bala de canhão é a lã. A correção feita só com a razão recebe-se sempre melhor do que aquela que encerra também a paixão, porque o homem se deixa levar com facilidade pela razão, a que naturalmente é sujeito, ao passo que não pode suportar que o dominem pela paixão. Por isso, quando a razão quer fortificar-se pela paixão, faz-se ociosa e perde ou ao menos atenua a sua autoridade, por chamar em seu apoio a tirania e a paixão... se a razão procura com mansidão seus direitos os de autoridade por meio de algumas correções e castigos, todos aprovarão e a estimarão, ainda que seja com exatidão e rigor: mas, se a razão mostra indignação, despeito e cólera, que Santo Agostinho chama os seus soldados, ela mais faz-se temer que amar e perturba e oprime a si mesma. É melhor, diz Santo Agostinho, escrevendo a Profuturo, fechar inteiramente a entrada do coração à cólera, por mais justa que seja, porque ela lança raízes tão profundas que é muito difícil arrancá-las; assemelha-se a uma plantazinha que se transforma em uma árvore enorme. Não é sem razão que o apóstolo proíbe que deixemos pôr-se o sol sobre a nossa cólera, porque durante a noite ela se converterá em ódio, torna-se quase implacável e nutre-se, no coração, de mil arrazoamentos, falsos; pois ninguém teve jamais a sua cólera por injusta.”
“A ciência de viver sem cólera é muito melhor do que a de servir-se dela com sabedoria e moderação; e, se, por qualquer imperfeição ou fraqueza, esta paixão surpreender o nosso coração, é melhor reprimi-la imediatamente que procurar regrá-la, torna-se senhora da graça e faz como a serpente que, por qualquer buraco por onde mete a cabeça, passa facilmente com todo o corpo.”
“Demais, quando estás com o ânimo calmo e sem motivo algum de irritar-se, faze um grande movimento de brandura e benignidade, acostumando-te a falar e a agir sempre com este espírito, tanto em coisas grandes como pequenas; lembra-te que a Esposa dos cantares não só tem o mel nos lábios e na língua, mas o tem também debaixo da língua, isto é, no peito, onde com o mel possui também o leite. Isto nos mostra que a brandura com o próximo deve residir no coração e não só nos lábios, e que não é bastante ter a doçura do mel, que exala um cheiro agradável, isto é, a suavidade duma conversa honesta com pessoas estranhas, mas devemos ter também a doçura do leite no lar doméstico, para com os parentes e vizinhos. É o que falta a muitas pessoas, que fora de casa parecem anjos e em casa vivem como verdadeiros demônios.” Grifos meus.
ü Exercício de perfeição e virtudes cristãs pelo V.P. Afonso Rodrigues da Companhia de Jesus, versão do castelhano por Fr. Pedro de Santa Clara, podemos ler:
“Em primeiro lugar havemos de acautelar-nos muito de dizer palavras picantes. Há algumas palavrinhas que costumam picar e ferir a quem se dizem, porque dissimuladamente lhe põem nota na condição ou no entendimento ou no engenho, não tão agudo, ou em alguma outra falta natural ou moral. Estas palavras são muito prejudiciais e muito contrárias à caridade; e algumas vezes se costumam dizer em tom de graça ou por galantaria, e então são piores e mais prejudiciais, e tanto mais quanto com mais graça se dizem, porque ficam mais impressas nos ouvintes e se lembram mais delas. E o pior é que algumas vezes sucede ficar muito contente quem as diz, parecendo-lhe ter dito alguma agudeza e mostrado bom entendimento, mas engana-se muito: pois nesse seu falar só mostra ter mau entendimento e pior vontade, empregando o entendimento que Deus lhe deu para O servir, em dizer ditos agudos que ofendem e escandalizam a seus irmãos e perturbam a paz e a caridade…” (página 305)
“De S. Tomás de Aquino se diz que nas disputas escolásticas não contradizia nunca a ninguém porfiadamente, senão que manifestava o que sentia com incrível mansidão e temperança de palavras, sem desprezar a ninguém, antes com estima de todos, porque não pretendia sair da disputa vitorioso, mas só que a verdade fosse conhecida…”(página 310)
“Conta Cassiano que altercando uma vez o abade Moisés com o abade Macário, lhe chegou a dizer uma palavra mortificativa e algum tanto descomposta, e logo no mesmo ponto o castigou Deus, permitindo que entrasse nele um demônio tão feio e sujo, que lhe fazia meter na boca imundícies, até que, fazendo oração o abade Macário, foi livre dele (Cassian. Collat. 7. c. 27). Veja-se quanto aborrece Deus esta falta, pois assim a castiga com um tão grande servo Seu e de tão aprovada santidade, qual sabemos que foi o abade Moisés.
À imitação deste castigo, lemos nas Crônicas da Ordem de São Francisco, que um frade velho diante de um homem nobre de Assis disse a outro frade umas palavras ásperas e desabridas com alguma cólera, porém em as dizendo caiu logo em si, e vendo a seu irmão perturbado por aquelas palavras e aquele secular mal edificado, ardendo em vingança contra si mesmo, tomou um pouco de logo, meteu-o na boca, e mastigando-o dizia: Mastigue terra e lodo a língua que contra seu irmão lançou veneno de raiva. E ali se diz que fora aquele homem nobre muito edificado e como fora de si, vendo o zelo e fervor com que aquele satisfez a sua culpa, e ficou com maior devoção aos frades, oferecendo-se a si e a todas as suas coisas para servir a Ordem.” (Hist. Minor., P., 1. 2, C . 25.) [ página 313 e 314]
“Diz S.Boaventura que nos havemos de envergonhar de dizer palavra áspera e desabrida que possa ofender ou desgostar ao nosso irmão, ainda que seja repentinamente e por primeiro movimento e ainda que a palavra seja muito leve. E se alguma vez suceder que nesta matéria nos descuidemos, logo havemos de procurar confundir-nos, humilhar-nos e satisfazer a nosso irmão, pedindo-lhe perdão.” (Páginas 315 e 316).
“Quando uma coisa dura se encontra com outra também rija e dura, soa e faz estrondo; porém se o duro dá em brando, nem se ouve nem se sente. Uma bala de uma peça colubrina vemos que desfaz uma torre de muito boa cantaria, e faz grande estrondo; e dando em umas sacas de lã, se amortece com aquela brandura e perde a sua força. Assim cá, diz Salomão, a resposta branda e suave quebra e atalha a ira; e pelo contrário a resposta áspera e desabrida a desperta e acende mais – responsio mollis frangit iram, srmo durus suscitat furorem. Prov. XV, 1. -, porque é lançar lenha no fogo, contra o que diz o Sábio: Não lances lenha no fogo do homem desbocado – Non struas in ignem illius ligna. Eccl. VIII, 4. -. Não haveis de avivar ou aumentar o fogo com vossas respostas, mas antes há-de haver brandura e virtude em vós, que ainda que alguma vez vos digam alguma palavra dura e áspera, não faça estrondo nem se sinta, nem se chegue a conhecer, mas aí mesmo se esconde e se apague.” (página 319). Grifos meus.
ü Nova Floresta, volume V do Padre Manuel Bernardes, seguem trechos:
XLVII
Do santo abade Isaac
Perguntando este santo por que razão os demônios o temiam tanto, respondeu: “Porque, depois que entrei a ser monge, procurei que nunca a ira me saísse da boca.”
Sentenças
Santo Ambrósio: Si irascimur, quia affectus naturae est, non potestatis, malum sermonem non proseramus ne in culpam ruamus: Se nos iramos, porque a paixão da natureza rompe os freios da razão, ao menos não profiramos palavras de enojo ou injúria, para que nos não precipitamos no pecado. (Lib. I “Ofic.”, c. 3) São João Clímaco: Mansuetudo est invitatio Christi, Angelorum proprietas, daemonum nexus: A mansidão convida, a Cristo, assemelha-se aos Anjos, aprisiona aos demônios. (Gradu 24, in principio.) Grifos meus.