“In hoc Signo vinces.”
Por este Sinal vencerás.
(Euseb. vit. Const., 1,22)
Nota preliminar
(da primeira edição francesa)
No mês de novembro deste ano, chegou a Paris, para seguir os cursos de um colégio de França, um jovem católico, pessoa de grande distinção. Fiel ao uso tradicional de fazer o Sinal da Cruz antes e depois de comer, foi, desde o primeiro dia, objeto de espanto para os condiscípulos pensionistas.
O dia seguinte, em virtude da – liberdade dos cultos – o objeto das zombarias era ele.
Vindo-me visitar, pediu-me que algo lhe eu dissesse a respeito do Sinal da Cruz; pois os condiscípulos pretendiam fazê-lo envergonhar-se de o fazer.
Respondem àquele pedido as cartas seguintes.(Nota do blogue: total de 23 cartas)
Paris, 1862 – Monsenhor Gaume.
Sétima carta
Paris, 2 de dezembro de 1862.
Meu caro Frederico,
Os que desprezam o Sinal da Cruz ou dele desdenham não podem ter dúvida nenhuma com relação ao lugar que o Sagrado Sinal ocupa no mundo.
Tais indivíduos pertencem a uma classe hoje muito numerosa: é a classe dos que de nada duvidam porque ignoram tudo.
Tu, porém, deixa por um instante a sede de Juiz e, dando-me tua mão, em rápida viagem, percorre comigo os mundos – antigo e moderno.
Visitemos primeiro a brilhante antiguidade.
Peregrinos da verdade; entremos no oriente e no ocidente.
Memphis, Athenas, Roma.
São três grandes centros de luzes, que nos convidam a visitar as escolas de seus sábios. Vejamos que dizem estes mestres ilustres sobre os pontos cujo conhecimento mais nos interessa.
O mundo é eterno, ou foi criado?
Se foi criado, quem foi o seu criador?
É corpo ou espírito, o autor da natureza?
É ou não é eterno?
É livre, independente?
É um só ou são muitos?
As respostas são – hesitações, incertezas, flagrantes contradições.
Que é o bem?
Que é o mal?
Qual a origem do bem e do mal?
Como o bem e o mal se acham no homem e no mundo?
Há um remédio para o mal ou é incurável?
Se tem remédio, qual é ele?
Quem o possui?
Como se pode obter?
De que modo se aplica?
Hesitações, incertezas, fragrantes contradições, são as respostas.
Que é o homem?
Entra na sua essência uma coisa chamada – Alma?
É um fogo?
É matéria aeriforme?
Morre com o corpo?
Sobrevive ao corpo?
É espírito?
Qual é o seu destino?
Qual a finalidade de sua existência?
E as respostas a estas e mil outras questões, não passam de hesitações, incertezas, flagrantes contradições.
Ah! Meus grandes povos, meus grandes homens!
Apesar de tão pretensiosos, vós não sabeis nem a primeira palavra de uma resposta a estas questões fundamentais!
Não sois mais do que – notáveis ignorantes!
Que importa saber fabricar sistemas, compor sofismas, inundar de eloqüência as escolas, os senados, os areópagos?
Que importa saber guiar carros no circo, edificar cidades, dar batalhas, conquistar províncias, tornar a terra e os mares tributários de vossa avareza?
Ignorais o que sois, donde vindes, e para onde ides?
No dizer de um de vós mesmos não passais de uns suínos mais ou menos gordo, lá no rebanho d’Epicuro!... – “Epicuri de grege porci.” – Eis o mundo antigo.
Com a divulgação deste Sinal eloqüente que é o Sinal da Cruz essas vergonhosas trevas se dissiparam.
Aprendendo a fazer o Sinal da Cruz, o homem, ilustrado ou não, aprende a ciência de Deus, do mundo, e de si mesmo.
Repetindo-o constantemente, grava-se-lhe no fundo da alma esta doutrina a ponto de jamais esquecê-la.
Digam o que disserem: graças ao uso tão freqüente do Sinal da Cruz em todas as classes da sociedade, tanto nas cidades e como nas aldeias o mundo católico dos primeiros séculos e da idade média conservou em grau até então desconhecido, o conhecimento da ciência divina, mãe de todas as ciências e mestra da vida.
Poderia acontecer o contrário disto?
Se durante anos, certo homem repete um erro dez vezes por dia, dele fica plenamente compenetrado e com ele, para assim dizer, se identifica.
Ora, se isto acontece com o erro, porque não há de acontecer com a verdade?
Desejas a contra-prova?
Continuemos nossa viagem e entremos no mundo moderno.
Abandonou ele o Sinal da Cruz e desde esse tempo, não mais teve a seu lado um monitor que lhe avivasse a cada instante os três grandes dogmas indispensáveis à vida moral.
Por isso que olvidou o Sinal da Cruz, Criação, Redenção e Glorificação, essas três verdades fundamentais são para ele como se não existissem.
Não vês o que ele está sendo em matéria de ciências? Semelhante ao mundo de outrora, tu ouves o mundo de agora gaguejar vergonhosamente sobre os princípios mais elementares da religião, do direito, da família e da propriedade.
Que fundo de verdades alimenta suas conversas?
Que contêm seus livros de política e de filosofia?
À luz de que fachos anda ele com sua vida política e particular?
E que pensas tu dos jornais?
Na torrente de palavras que despejam diariamente na sociedade, quantas idéias sãs poderás apontar, com relação a Deus, ao homem, e ao mundo?
Qual é a sabedoria deste mundo, deste século de luzes, que não sabes fazer o Sinal da Cruz?
Igual ao mundo pagão que lhe serve de mestre e de modelo.
O mundo de hoje só conhece e adora
o deus-eu,
o deus-comércio,
o deus-dinheiro,
o deus-ventre,
o deus-prazer.
Conhece e adora
a deusa-indústria,
a deusa-politicagem,
a deusa-volúpia.
Por serem meios de satisfazer a todos os seus maus desejos, ele conhece e adora as ciências da matéria: - a química, a física, a mecânica, a dinâmica; as essências, os sulfatos, os nitratos, os carbonatos.
Eis aqui destes séculos as suas divindades e o seu culto.
Eis aqui a teologia, a filosofia, a política, a moral, a vida do mundo moderno: - O egoísmo com seus vícios. – Progredindo assim, breve estará ele bem a par dos contemporâneos de Noé, destinados a morrer nas águas do dilúvio.
Para aqueles também consistia-lhes toda a ciência em conhecer e adorar os deuses do mundo moderno.
Consistia em comer, beber, edificar, comprar, vender e casar cada um, a si e aos outros na depravação.
O homem tinha concentrado sua vida na matéria.
Havia-se ele mesmo tornado carne: ignorante como as carnes e manchado como as carnes. (1)
De todas estas más tendências, qual é a que falta ao mundo atual?
De resto, nada de melhor o mundo hoje exige de sua própria essência.
Não sabendo fazer e não fazendo o Sinal da Cruz, ele se materializa.
Em virtudes, pois da lei de gravitação moral, o gênero humano tem forçosamente de recair no estado em que estava antes de amar a este Sinal salvador.
Digamos a este mundo ignorante de hoje:
O Sinal da Cruz é um livro que nos educa e nos eleva.
Sob tal ponto de vista, podes agora julgar se era sem razão que nossos pais constantemente faziam o Sinal da Cruz.
Agora vais ver que, há uma ignorância mui deplorável do mundo atual é que se deve imputar, em grande parte, o abandono do Sinal da Cruz.
Que é a ignorância?
É a indigência do espírito.
Em matéria de religião, ela acusa sempre a indigência do coração. E tal indigência procede da fraqueza em – praticar a virtude e repelir o mal.
E porque existe tal fraqueza? É porque o homem despreza os meios de obter a graça e de torná-la eficaz.
O primeiro, o mais pronto, o mais vulgar, o mais fácil destes meios, é, como sabes, a oração. E de todas as orações, a mais fácil, a mais pronta, a mais vulgar, e, talvez, a mais poderosa, é o Sinal da Cruz...
Nota:
1 – Sicut autem in diebus Noe ita erit et adventus filis hominis. Sicut enim in diebus ante diluvium comedentes nubentes, et nuptui tradentes… donec venit diluvium et tulit omnes. (Math., XXIV, 37,38,39.)
- Edebant et bibebant; emebant et vendebant; plantabant, et oedificabant. (Luc., XVII, 28.)
- Omnis quipe caro corruperat vitam suam super terram. (Gen., VI, 12)
- Quia caro est. (Ibid., 3.)
(Excertos do livro: O Sinal da Cruz por Monsenhor Gaume, Protonotário Apostólico, livro que de Pio IX mereceu um “Breve” especial, primeira tradução brasileira cuidadosamente calcada sobre a 4ª edição francesa, 1950)