FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA CRISTÃ
Depois da Igreja, a esposa santa e amada de Deus e a Deus estreitamente unida pelo vínculo de um amor único e indissolúvel, nada há, neste mundo, que tanto agrade ao Soberano Senhor, como a Sua criação privilegiada a Família Cristã.
"É ela, diz o Padre Félix, a mais formosa criação de quantas contemplamos nesta terra, quando, sob o céu pátrio, se nos ostenta ornada daquela auréola divina de beleza e fecundidade... Há ali um Pai firme e afetuosa majestade, que manda, com o duplo ascendente da autoridade e do amor, o qual, obedecendo a Deus, é, por sua vez, obedecido, sem que para isso lhe seja preciso dar ordens; uma Mãe formosa e delicada visão do céu, a qual, como o sacerdote no templo exercendo o seu augusto ministério, transforma o lar em santuário, conservando viva a chama do sacrifício perpétuo, e, como a força do seu Cristo e de seu coração, tira do devotamento a honra de uma estirpe generosa, de uma posteridade abençoada; ali vivem Filhos de família que, do temor e do amor de Deus, vão auferindo o culto, duplamente sagrado, da paternidade e da maternidade e, em cujas almas penetradas da unção do Cristo, entrelaçam-se graciosamente estes três sublimes penhores, que são o sinal autêntico de uma primorosa educação: amor, respeito, obediência; ali crescem Irmãos, unidos pelos laços de um amor respeitoso e, entre as mais francas comunicações, trocam entre si aquelas encantadoras finezas e, sobretudo, aqueles protestos que constitui a força dos irmãos e a alegria da paternidade"
Tal é a família cristã, qual Deu a concebeu e instituiu.
Da simples leitura dos dois primeiros capítulos do Gênesis, ressalta, a primeira vista, o lugar de honra que o homem estava destinado a ocupar entre as criaturas, segundo os planos divinos.
Enquanto os demais seres iam sendo chamados à existência com um simples fiat, a Santíssima Trindade parece entrar em deliberação, quando se trata de dar um rei ao universo: "Façamos o homem a nossa imagem e semelhança, o qual presida aos peixes do mar, as aves do céu, as bestas e a todos os répteis... e domine a terra. E criou Deus o homem a Sua imagem".
Ali está pois o rei do universo, de pé, em toda a sua majestade, em toda a grandeza de que o dotou o Criador.
Mas, Adão estava só e, por mais que se lhe procurasse um semelhante entre todas as criaturas, não se encontrava; apesar da magnificência divina, alguma coisa faltava a sua felicidade. Assim o reconheceu a Trindade Augusta, quando sentenciou:
"Non est bonum esse hominem solum; faciamus ei adjutorium simile sibi- Não é bom que o homem esteja só; façamos-lhe um adjutório semelhante a ele".
E como se vai haver o Criador, na execução do Seu projeto? Ouvi o Padre Lacordaire:
"A fronte do homem, onde, a par de uma inteligência lúcida, resplandece a sua dignidade, ali estava como que oferecendo-se muito naturalmente a mão criadora e parecia chamar sobre si as bênçãos com que Deus ia enriquecer a nossa espécie. Pois não escolheu Deus a fronte. Por preciosa que seja a inteligência humana, ela não é o termo da nossa perfeição; serena como a luz, mas fria como a mesma, não havia se ser o lugar que lhe corresponde na arquitetura exterior do homem, que Deus iria escolher para suscitar o milagre da nossa pluralidade substancial.
Outro melhor se lhe oferecia e para lá se dirigiu a mão do Criador; pô-la sobre o peito do homem onde o coração, em seu interrupto palpitar, vai marcando o curso da vida, onde fielmente repercutem todos os afetos da alma. Pôs-se Deus a auscultar aquele coração puro que acabara de criar e, arracando-lhe uma parte da defesa natural que o cobre, formou a mulher da carne do homem e deu-lhe uma alma do mesmo sopro divino que animara a Adão".
Quando Adão acordou do sono profundo em que Deus o prostrara, não pode conte o sue entusiasmo e, interpretando a mente divina, inspirado, proclamou e promulgou, em nome do Supremo Legislador, a lei fundamental da família:
"Eis aqui agora o osso dos meus ossos e a carne da minha carne... por isso deixará o homem pai e mãe e viverá unido a sua mulher (e não a suas mulheres) e serão dois em uma só carne".
(Gen. 11,24).
Os judeus nem sempre observaram este preceito: Moisés, o Legislador de Israel e seu representante junto a Deus, havia permitido, "pela dureza de seus corações", darem às esposas o libelo do repúdio, o que importava na liberdade de passar a novas núpcias.
Nosso Senhor Jesus Cristo, lembrando aquele ato de tolerância, teve o cuidado de acrescentar: Sed ab initio non fuit sic; mas no principio não era assim.
O Divino Mestre não quis tocar na legislação matrimonial do Gênesis, senão para dar ao contrato um valor sobrenatural, assegurando-lhe, através dos séculos, e de modo a não deixar dúvida a sua primitiva unidade e indissolubilidade. Elevado pois a altura do sacramento, a que o Apóstolo chama "grande sacramento", o matrimônio confere aos esposos as graças necessárias para que possam guardar inviolável o vínculo que contraíram, perante os altares do Senhor. Eis o que nos legou a Verdade e a Santidade infinita. Nosso Senhor Jesus Cristo, a luz do mundo, com respeito ao matrimônio:
"Por isso deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua esposa e serão dois em uma só carne!". E conclui Nosso Senhor com estas palavras, que valem por um decreto divino e irrevogável: Quod Deus conjunxit homo non separet - o que Deus uniu, o homem não se atreva a separar".
É a condenação expressa do casamento civil e do divórcio, sob qualquer que se queira disfarçar.
Poucas linhas abaixo, lê-se ainda:
"Aquele que repudiar sua mulher para casar-se com outra, tornar-se-á réu de adultério; e quem desposar a repudiada cometerá igual crime. Se a esposa deixar o marido para se unir a outro, será tida como adultera".
Está, pois, claramente expresso e não há tergiversar: quem repudia como quem é repudiado, não pode contrair novas núpcias, enquanto viver o outro cônjuge.
Em abanono desta divina sentença, o Apóstolo São Paulo acrescenta, em sua primeira epístola aos Coríntios:
"A mulher está ligada à lei (da indissolubilidade), enquanto o marido viver; mas, se o marido dormir (o sono da morte), ficará ela em liberdade; que se case novamente, se quiser, contanto que o faça no Senhor, (pois vai receber um sacramento do qual só Deus é o autor e a Igreja a única depositaria e dispensadora). Aqueles que estão unidos em matrimônio, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher se não separe do marido; e se ela se separar, que não se case ou que faça as pazes. E o marido tão pouco deixe a mulher".
A doutrina da Igreja é bem conhecida e constante neste particular. Os Santos Padres, os Doutores e Concílios sustentam e sustentam sempre unânimes a unidade e indissolubilidade do matrimônio cristão.
A história fala bem alto e eloquentemente das cruéis perseguições e sofrimentos que a Santa Igreja de Deus, a Esposa Imaculada de Jesus Cristo, teve de suportar para defender a lei do Divino Mestre entregara a sua guarda, contra as heresias e prepotências da corrupção.
O non possumus, não podemos, iria provocar cismas terrivelmente dolorosos, cujas tristíssimas consequências se fariam sentir séculos em fora, arrastando milhares de almas ao inferno; mas, o decreto divino é irrevogável e a Igreja recebeu o sagrado encargo de defendê-lo e conservá-lo intacto, contra a fúria das paixões irresistíveis. As heresias aparecem e desaparecem, mas, nesse vai e vem contínuo, só a Igreja de Cristo, firme e incorruptível guarda zelosa a verdade.
Negar a unidade e indissolubilidade do matrimônio é negar a palavra de Jesus Cristo, a doutrina infalível da Igreja, punica depositária da revelação; é separar-se, excluir-se do número de seus filhos, sempre unidos pela mesma fé, pela mesma obediência submissa e respeitosa; é desertar do campo dos soldados fiéis a Religião Católica, para as fileiras do inimigo, tentando destruir-lhe a benéfica e santificadora influência na família e na sociedade.
Anathema sit; seja anátema quem assim proceder, diz o Concílio de Trento, recolhendo o eixo dos séculos cristãos. Contra a Igreja Católica intransigente na defesa do matrimônio cristão, formam e cerram fileiras os liberais, os maçons, os livre-pensadores, todos eles filhos naturais da Reforma protestante, instigados por um espírito de insubordinação e impelidos por inconfessáveis paixões. Com uma intrepidez bem digna de melhor causa, saem em campo, sobraçando um verdadeiro arsenal de sofismas contra a estabilidade do matrimônio, que a Igreja defende a todo transe.
Uns, fingindo mal um respeito que não têm para com o casamento religioso, proclamam-se partidários do divórcio; outros, querem apenas a ingerência da lei civil e outros ainda, deitando máscaras abaixo, defendem a igualdade e liberdade... dos irracionais, ou seja, o amor livre e sem peias civis ou eclesiásticas.
A Igreja Católica é inimiga declarada de todas essas aberrações, de todas essas falsidades antinaturais e antisociais. Diante da prepotência das leis iníquas e da corrupção avassaladoras, ela impõe intrépida e heróica, até o martírio, aquele protesto que ninguém lhe conseguirá abalar: Non licet; não é permitido!
Não admite tão pouco a separação de corpos e habitação, a não ser em circunstâncias muito especiais, por ela determinadas, ficando, porém, sempre o vínculo indissolúvel, porque: quod Deus conjunxit homo nom separet!
Mas, dirá alguém, a Igreja Católica não tem, às vezes, anulado o matrimônio?
Assim o pretendem os inimigos da Religião, propalando que a Igreja tem anulado já casamentos. Puro engano e miserável sofisma; não distinguem porque não querem, o casamento real do aparente.
Acontece ou pode acontecer, que duas pessoas, por ignorância ou má fé, atentem matrimônio, com um ou mais impedimentos dirimentes, impedimentos que não manifestaram durante o processo canônico dos quais não obtiveram a devida e necessária dispensa. (1) Todos sabem, ou deviam saber, que tais casamentos são, de pleno direito, nulos, perante Deus e a consciência. Mais tarde, os interessados, sobrevindo desavenças entre eles, manifestam a sua verdadeira situação e introduzem, perante os tribunais de Roma, uma causa de divórcio.
Esses tribunais, estritamente falando, nada têm de anular, porquanto não existe casamento; limitam-se apenas a declarar que não houve matrimônio e que os pretendidos esposos estão livres de qualquer vínculo e podem, se assim lhes convier, contrair novas nupcias, perante a Igreja. Aliás, o processo não é tão simples como poderia parecer. A existência de um impedimento dirimente, no ato do casamento, é uma questão de fato, sobre o qual os tribunais romanos não se pronunciam senão em presença de muitas provas e de testemunhas insuspeitas.
Mas, como qualquer outro tribunal, podem ser induzidos em erro, por pessoas sem escrúpulo e sem consciência. Se os requerentes alegaram algum impedimento fictício e conseguiram fraudulentamente enganar os juízes, cometeram um crime pelo qual são responsáveis; isso, porém, em nada afeta a doutrina da Igreja e, se o matrimônio tiver sido válido e consumido, permanece válido antes como depois da sentença, e nenhum poder humano poderá rompê-lo: "O que Deus uniu, não se atrevam os homens a separar", ainda que esses homens sejam dignitários da Igreja.
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(1 - Nota de rodapé) - A Pastotal Coletiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias Eclesiásticas Meridionais do Brasil, em seu número 371, prescreve, muito prudentemente, o seguinte: "Para evitar abusos e remover pretextos e quaisquer dificuldades, é de toda necessidade que os Revmos. Párocos se encarreguem por si de preparar todos os papéis relativos aos casamentos que se celebrarem em suas paróquias, ou, ao menos, fiscalizem imediatamente a preparação desses papéis, de que encarregarão pessoa de sua íntima confiança, e não a deixem ao cuidado dos preparadores interessados".
Isto aliás entender-se-á sem prejuízo do número 368 da mesma Pastoral Coletiva, que impõe aos nubentes ou a seus pais e tutores a obrigação de procurarem pessoalmente o Pároco de sua freguesia, afim de que este os examine e providencie sobre os papéis necessários. Todas estas precauções têm por fim acautelar os interesses da família e evitar os casamentos nulos. Estas providências devem ser tomadas com bastante antecedência, três ou quatro semanas antes do dia designado para o matrimônio; evitam-se assim muitas despesas e contra-tempos.
(As desavenças no lar, causas e remédios, por J. Nysten, edição de 1927)
PS: Grifos meus.
PS: Grifos meus.