sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Acerca da oração e da agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras


I. Considera o Meu divino Filho, Jesus, no Jardim das Oliveiras. Dirigindo a Seu Pai uma oração muito fervorosa, entra numa agonia mortal. Cai de face contra a terra. De todas as partes do Seu sagrado corpo corre um suor de sangue tão abundante que banha todo o solo em torno dEle. Prodígio estranho e inaudito até então.

Qual foi a causa ó Minha filha? A cruel catástrofe da Sua Paixão, que neste momento se Lhe apresentou completa ao Seu espírito; as bofetadas, os desprezos, as injúrias, que os ímpios Lhe deviam fazer sofrer; os açoites, os espinhos, os pregos e a cruz que se Lhe preparava, a lança que devia abrir-Lhe o lado, a traição de Judas, a renegação de Pedro, o abandono dos discípulos e dos apóstolos, o assassino que se Lhe devia preferir, o ódio e o furor que iam desenvolver contra Ele os homens a quem esperava salvar e remir: tudo concorria a assaltá-lO com tanta força, que O teve reduzido a uma agonia mortal.

Deixando a Sua humanidade gozar as consolações que manava para ela da sua união pessoal com a divindade, teria podido impedir para Si todo sofrimento. Mas então a maldade dos homens e a raiva do inferno não mais teriam sobre ela poder algum. Ora, o sacrifício deste Cordeiro sem mancha era necessário para abrandar a justiça de Deus irritado contra o homem pecador. Deixando a Sua humanidade sentir todas dores, esta Vítima divina foi tão aterrada por um acervo de males tão espantoso, que desfaleceu dele. Teria querido distanciar dos Seus lábios um cálice tão amargo. Mas a vontade de Seu Pai e o amor do homem que devia remir, triunfaram nEle toda a repugnância e submeteu-Se dirigindo a Seu Pai estas humildes palavras “Que a Vossa vontade seja feita e não a Minha”. Assim, Aquele que devia pelo tempo adiante conceder aos mártires tão prodigiosas consolações para aliviar seus sofrimentos, obrou prodígios para aumentar os Seus.

Que dizes tu agora, Minha filha, imitas esta resignação, tu que não podes sofrer a menor dor? Confunda-te a tua extrema repugnância em sofrer enquanto tanto o mereces por causa dos teus pecados.

II. Mas esta agonia, ó Minha filha, nada era a par da angústia opressiva em que O lançaram os teus pecados. Neste momento todas as iniqüidades passadas e futuras, que a Sua presciência divina Lhe tornava presentes, pesaram sobre Ele com tanto peso e força que, oprimido sob esse peso, suou um suor de sangue e água, e a Sua alma foi contristada até se sentir morrer. Pensa, ó Minha filha, na confusão que sentirias se te visses de súbito coberta em público das manchas e infâmias de outrem, e compreenderás qual foi a confusão do Meu divino Filho. Ele que conhecia perfeitamente toda a torpeza do pecado, que, como Deus de santidade, como santidade por essência, tinha por eles um horror-infinito, comparecer coberto de pecados em presença dos anjos e do Seu divino Pai! Quem pode conceber o horror e a vergonha que o Seu coração devia sentir!

Mas demais conhecia Ele a maldade infinita do pecado e concebeu dela uma dor proporcionada para compensar a ofensa feita à majestade infinita de Deus.

A dor dos pecados compreendida no momento por Meu divino Filho, excede, pois muito o arrependimento que têm se tido todos os penitentes, e os Seus sofrimentos ultrapassaram dum modo indizível todos os sofrimentos padecidos pelos mártires nos seus suplícios. Calcula agora Minha filha, se podes, o imenso peso de dores, tormentos e angústias que Ele suportou. Oh! que grande parte têm tido as tuas impiedades nesta dolorosa agonia. Enquanto uma compaixão natural leva a aliviar as dores dos que sofrem, tu não te tens aplicado até ao presente senão aumentar as de Jesus por teus contínuos pecados. Sejam-te eles confusão e vergonha, ó Minha filha, e chora a Seus pés tua crueldade.

III. Estes amargos sofrimentos teriam sido mitigados pela previsão da sua utilidade para homens reconhecidos. Mas Ele previa, sabia claramente que o Seu sangue correria sem fruto para uma infinidade de pessoas, que não serviria mais que selar a sua eterna condenação, que a sua maldade transformaria em remédio divino em veneno mortal. Quem pode exprimir, ó Minha filha, quem pode imaginar a dor que este conhecimento Lhe ajuntou a todos os outros sofrimentos?

Ingratidão humana, como tu és monstruosa! Um Deus feito homem, que morre pelos homens Seus inimigos, a fim de conciliá-los com Deus; que paga pelo derramamento do Seu sangue um preço infinito, capaz de remi-los completamente, e que se vê desprezado, calcado aos pés por homens que persistem em serem Seus inimigos para sempre, ah! Eis aí, sobretudo, Minha filha, o que Lhe deu a beber a amargura: eis aí o que Lhe roubou toda a força e vigor, e que o faz cair por terra nessa inexprimível agonia, o que O fez lamentar-se assim: a Minha alma está triste até á morte. Teve necessidade da Sua onipotência para não expirar. Uma mãe que, depois de cruéis dores, dá ao mundo um belo menino cheio de vida anima-se e olvida todos os seus sofrimentos passados com a consolação que lhe faz sentir o nascimento desse filho. Mas que horrível dor, se, depois de ter sofrido tanto, apenas dá á luz uma criança morta!

Esta comparação não pode dar-te uma fraca idéia das angústias experimentadas pelo Meu divino Filho, que previa a morte, não duma alma, mas de milhões delas, que fazem por morrer eternamente. Minha filha, que previu Ele a teu respeito? Tens mitigado os Seus sofrimentos? Tens diminuído as suas penas fazendo-Lhe prever o teu arrependimento e a tua salvação eterna, ou tens-los aumentado sem medida, fazendo-Lhe prever a tua obstinação e condenação eterna?

Afetos. Ó Mãe compassiva, o meu coração comove-se de piedade quando penso acerca dos sofrimentos de meu Redentor agonizante no Jardim das Oliveiras. Mas estorce-se de dor quando medito que os meus pecados foram a causa disso.

Não posso deixar de me voltar para Ele e dizer-Lhe: - Ó meu Salvador agonizante, eis diante de Vós a mais indigna criatura, que até ao presente não tem feito mais que derramar o mais amargo fel no cálice da Vossa dolorosa Paixão. Por minha resistência às Vossas graças, por minhas traições e ingratidões, cujas Vós bem tínheis previsto, quanto não tenho aumentado o peso cruel dos Vossos sofrimentos?

Ó Salvador amorosíssimo, já que tanto tendes feito por uma ingrata que Vos não orava, e aumentava a Vossa cólera fazendo-Vos antever os crimes que devia cometer, escutai agora as súplicas que Vos dirige com um coração traspassado pela dor, e os olhos banhados pelas amargas lágrimas do arrependimento.

Perdoai-me todas as iniqüidades pelos merecimentos da Vossa agonia e desse sangue que derramastes para a minha redenção. Senhor, até ao presente não tenho sido senão muito cega e insensata. Mudarei de vida e de proceder para não mais afligir o Vosso amor, farei penitência dos meus erros passados.

Ó boa e terna Mãe que me assistis e instruis com tanta caridade, juntai às minhas lágrimas a Vossa intercessão e serei seguramente atendida.

(Maria falando ao coração das donzelas pelo Abade A.Bayle, 1917)