sexta-feira, 3 de setembro de 2010

II- A DOLOROSA PAIXÃO DE MARIA

AS DORES DE MARIA

II- A DOLOROSA PAIXÃO DE MARIA

Antes de considerarmos pormenorizadamente as imensas dores da Virgem-vítima, lancemos um olhar sobre o conjunto do Seu martírio, para compreendermos o Seu lado íntimo, que é, sem contradição, o mais penoso e o mais comovente.

O Filho de Deus Se fizera homem. A Virgem possuía o Desejado das colinas eternas. Ele Se tornara Seu Bem-Amado, o nosso Emanuel.

Haviam decorrido quarenta dias, dias de êxtase, quando Ela é obrigada a Se apresentar no templo de Jerusálem, para as cerimônias do resgate de Jesus, como o primogênito, para a Sua própria purificação. Era a lei.

O velho Simeão acabava de entrar no templo, ao mesmo tempo que a sagrada Família. Toma o Menino em seus braços, e, sob a inspiração do Espírito Santo que o animava, estava prestes a entoar um cântico de alegria. De repente, o seu rosto se perturba, os seus olhos cheios de lágrimas, fixam-se em Maria, e ele percebe, em uma visão profética, tudo o que esta Mãe terá que sofrer. Ele exclama, designando Jesus:

"Ele será o alvo de contradição". E em seguida, dirigindo-se a Sua Mãe: "Uma espada de dor trespassará a Vossa alma".

Maria escutara em silêncio esta terrível predição. Parece que Simeão não profetizou senão para Ela somente, ele, que é o profeta do gládio!

O lúgubre porvir apareceu-Lhe então: o Seu Jesus será imolado um dia, e Ela já Se imola com Ele.

Nobre filha de Israel, como o sofrimento já se torna, desde esse momento, a Vossa partilha! Desde esse dia ficais ciente da sorte que aguarda o Vosso Filho e Vosso Deus. E quem poderá descrever as Vossas apreensões? Elas eram ao mesmo tempo terríveis e delicadas. Terríveis pela sua intensidade, e delicadas na sua formação, pois, tinham, ao mesmo tempo, algo de Virgem e algo de Mãe.

Receios virginais que uma sombra é suficiente para aumentar, terrores de mãe que Lhe fazem apertar o Seu tesouro contra o seio, como para ocultá-lO aí. A nossa natureza, pecaminosa e endurecida, tem dificuldade em calcular semelhante inquietação. Ela Lhe provinha dos acontecimentos: o massacre dos inocentes, a fuga precipitada para o Egito, a perda de Jesus. Pobre Mãe, desde então Ela não viveu mais!

Um único pensamento deve ter ocupado a Sua alma: "Virão procurá-lO? Seria agora, quando me vejo separada daquele que é toda a minha vida?"

Ela Lhe sobrevinha no calmo retiro de Nazaré da leitura dos livros santos. "O Cristo será entregue à morte", dizia Daniel.

"Transpassaram minhas mãos e os meus pés, e contaram todos os meus ossos", Lhe explicava Davi. Que pressentimentos deviam dar-Lhe estas passagens! Que terror secreto!...

Inquietação que trazia, enfim, o pensamento do pecado, e que era o mais terrível. Ela sabia que o Seu divino Filho era o Redentor, o Salvador; que Ele vinha para resgatar os homens, e tomar sobre Si todas as suas iniquidades. Este pensamento enchia-A de admiração, mas também a mergulhava num terror horrível. A iniquidade de todos cair sobre o Meu Filho, ó céus, que cargo terrível!

Um violento combate, diz S.Tomás de Vilanova, devia se travar nela então. Dois amores gigantescos estavam em luta no Seu coração, como em uma arena: o amor de Seu Filho e o amor do gênero humano, que devia resgatar. - Pugnabant igitur in Virginis corde, ut in campo plano, duo illi gigantes amores, amor Filii et amor mundi, sesumque Virginis in diversa trahebant.

O primeiro Lhe fazia aborrecer a morte, e o segundo Lhe fazia aceitá-la. Ela era mãe, e o Seu coração, com toda a Sua energia, repelia a morte. Mas, como Mãe do Redentor, Ela dizia ao gládio do dia da apresentação: "Oh! trespassai-me, antes de trespassá-lO!"

E, depois desta hora, decorriam os dias, cheios de alegria que Lhe causava a presença do Seu Jesus. Mas também cheios de amargura e dos sofrimentos, que trazia ao Seu coração este pensamento constante: um dia Ele será imolado!

Apertando nas Suas as mães tão ternas de Jesus, parecia sentir já os pregos que deveriam atravessá-las. Abaixando a Sua fronte tão pura, Ela já sentia a coroa de espinhos. Estreitando-o ao coração, Ela já O contemplava, em espírito, coberto de sangue e de feridas, com o lado aberto e derramando por sobre os homens, até à última gota, o Seu sangue divino.

Ó dor e angústia da ternura materna!

Como em liras perfeitamente acordes, que ressoam uníssonas, a oblação de Jesus era a oblação de Maria. Seus corações estavam inebriados juntamente, com o pensamento de sacrifício. Depois, veio a hora da separação.

Jesus começa a Sua vida pública. Novos temores para Maria! Sem dúvida, o dia do sacrifício se aproxima a grandes passos! Ela o prevê e o espera. O ódio dos fariseus já Lhe é conhecido. Perseguem o Seu Jesus. Querem apoderar-se dele. Depois, numa tarde, vêm-Lhe dizer: Jesus está preso. Gente armada de bastões, cordas e gládios, prendeu-O no Getsêmani, guiada por um traidor, e O conduziu a Caifás.

Oh! que nos reserva o dia de amanhã?...
Que terrores não sentiu esta desolada Mãe!...

Jesus esta preso! e Ela é impotente para libertá-lO, para aliviá-lO. Jesus, longe dEla, nas mãos de Seus mais implacáveis inimigos! Que tristeza, que dor!... estar separada de um Filho tão amado, já condenado infalivelmente, de antemão, e nada poder fazer para unir-Se a Ele.

É o supremo sofrimento!

Que terror, quando Lhe dizem: Quem o julga é Caifás, é Pilatos, é Herodes.
Pobre Mãe! Quantas dores!...

E quando Ela reencontrou o Seu Filho na encosta que conduz ao Calvário, Ele havia sofrido de tal modo, desde a Sua separação que Lhe apareceu como não tendo mais algo de humano! Isaías Lho havia feito compreender. E o Seu coração não A enganara.

Que momento, quando os Seus olhares se encontraram!
"Meu Filho!"
"Minha Mãe!"

E Jesus subia até ao lugar de execução; e Maria, acompanhada de algumas piedosas mulheres, seguia o "Homem das dores".

Enfim, eis que o Cordeiro de Deus chegou até o cume do Gólgota. Maria bem sabia que Ele devia ser o Homem das Dores. Mas, quando a realidade veio e apareceu aos Seus olhos, quando Ela percebeu o corpo de Seu Filho dilacerado e triturado pelos azorragues da flagelação da manhã, quando Ela viu o Seu rosto, extenuado e irreconhecível, jorrando sangue, inundado do suor da morte, a cabeça encerrada num feixe de espinhos, o brado de Sua alma foi: "Oh! como os profetas o haviam dito bem! e como são sobrepujados os meus receios! Em que estado, pois, puseram o meu Bem-Amado!"

De fato, as Suas suspeitas e Sua previsões eram excedidas. As profecias estavam realizadas ao pé da letra. Agora compreendia melhor o sentido da palavra de Isaías; o Seu coração de Mãe se esforçava por compreender toda a extensão do "Ele será o Homem das Dores!" Seu espírito e Seu coração procuravam penetrar a fundo o sentido destas outras palavras: "Transpassaram minhas mãos e meus pés e contaram todos os meus ossos".

Pobre Mãe, Ela havia interpretado que eles contariam os Seus ossos, depois que Ele estivesse morto, ao passo que Ela mesma poderia contá-los, no corpo hirto do Seu Filho.

Chegou o momento supremo do holocausto!

Lágrimas e gemidos dos mártires nunca se podem igualar, mesmo em conjunto, à vivacidade e à imensidade das dores que a divina Mãe sofreu no Seu peito oprimido! Tão cruel era ao Seu coração o espetáculo do deicídio, que se desenrolava ante Seus olhos. Os algozes lançam Jesus sobre a Cruz. Ela percebe então os cravos com que vão pregá-lO; Ela ouve os golpes do martelo; Ela vê a crueldade do suplício, que jamais fora aplicado ás vítimas imoladas no templo, ou aos criminosos executados fora dos muros.

Os buracos preparados na madeira da Cruz, estão demais afastados; e eles empregam cordas, para puxarem violentamente os membros, que neles devem ser pregados. Ela ouve o estalar dos ossos,vê os músculos torcerem-se e percebe os suspiros de sofrimentos e os gemidos do Seu Filho. Ergue-se, enfim, a Cruz, e com que sofrimento balança-se um instante no ar, por cima dos assistentes, e fixa-se no solo.

Sobre a Cruz o corpo suspenso do Filho de Suas entranhas... E a Mãe das dores, em face do Homem de dores, pôde dizer, a nós e aos pecadores de todos os séculos: "Ó vós que passais por este caminho, considerai e vede se há uma dor semelhante à minha dor!"

E todos os séculos Lhe responderam: "A quem comparar-Vos, ó Virgem, filha de Sião? O excesso dos Vossos males é semelhante à extensão dos mares".

Sim, o profeta procurara em toda a natureza a quem poderia comparar a imensidade desta dor, que o Espírito Santo Lhe mostrava numa visão longínqua, e não encontrou senão o mar, cuja extensão, profundidade e largura puderam figurá-la.

E esta dor, cuja amargura tinha o infinito, o horroriza, pois é o preço da salvação da humanidade; a Santíssima Virgem vem colocar-Se, heróica e sublime, ao lado da Cruz.

"Stabat"! Ela estava em pé! Esta única palavra basta para narrar o prodígio de Sua intrepidez, assim como as palavras: "Faça-se a luz", fiat lux, haviam sido suficientes para dizer, desde a origem, que milhares de focos foram acesos no firmamento.

Jesus está abandonado por todos na terra, mas a sua Mãe está de pé ao Seu lado. Ela reconhecia, através de todas as Suas humilhações e de todos os Seus sofrimentos, o Cristo Redentor, o Homem das dores, vítima de Seu amor, o Homem-Deus.

Ela fica aí, de pé! E esta Virgem, seguramente a mais delicada e a mais tímida de todas as virgens, afronta os fariseus, os carrascos, a multidão, e até o inferno desencadeado contra o Seu Filho. Ela contempla as Suas chagas lívidas, os cravos que O contundem, o sangue que O cobre, todos estes sofrimentos e todas estas dores que O esmagam em um como lagar. E, esmagada Ela mesma, sucumbe a estas chagas, a estes cravos, a este esmagamento, a este esgotamento.

É a paixão e a compaixão ao mesmo tempo.

Seus olhos se encontram, Seus olhares se confundem, Seus corações comunicam entre si os Seus pensamentos, por uma linguagem secreta e cheia de ternura.

Ele Se oferece, e Ela O oferece pelos nossos pecados.

Jesus diz: "Perdoai-lhes". E Maria pede com Ele este perdão.

Jesus diz: "Tenho sede". E, com Ele Maria, tem sede, sede de almas.

Jesus diz: "Tudo está consumado". Ele deu tudo, e Ela também deu tudo, não poupando sequer o Seu próprio Filho, nem a Si mesma.

Ele dá um alto grito e expira. Ela não pode expirar, mas o Seu coração entra nos transes da morte.
(Jos. Lémann)

E quando O despregaram da Cruz e O puseram nos braços de Sua Mãe, Ela pôde, então, contemplar à vontade este corpo desfigurado e lívido, coberto de chagas e de sangue; Ela pôde sondar as chagas das mãos e dos pés, a chaga do lado, sobretudo, que dava entrada ao Seu coração. Um último brado escapava-se do Seu coração de Mãe:

"Meu Filho!"

Ó terna Mãe! dai-nos a graça de compreender este oceano de angústias e de torturas que fizeram de Vós a "Mãe das dores", para que participemos um dia das Vossas dores por nós e Vos consolemos pelo nosso amor e nossa fidelidade!

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria)

PS: Grifos meus.