segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Consciência e Educação (Papa Pio XII)


Escopo da educação na ordem natural é o desenvolvimento da criança para se tornar um homem completo: escopo da educação cristã é a formação do novo ser humano, renascido no batismo, até o perfeito cristão. 

Propomo-nos agora a sublinhar um elemento, que embora estando à base e como fulcro da educação, especialmente da cristã, parece, entretanto, a alguns, em primeira vista, quase estranho a ela. Queremos falar daquilo que há de mais profundo e intrínseco no homem: a sua consciência. A isto somos levados pelo fato de que algumas correntes do pensamento moderno começam a alterar-lhe o conceito e a impugnar-lhe o valor. Trataremos portanto da consciência enquanto objeto da educação. 

A consciência é como o núcleo mais íntimo e secreto do homem. Ali ele se refugia com suas faculdades espirituais em absoluta solidão; só consigo mesmo, ou melhor, só com Deus - de cuja voz a consciência é eco - e consigo mesmo. Ali ele se determina para o bem ou para o mal; ali escolhe entre a estrada da vitória e a da derrota. Ainda que quisesse, o homem não conseguiria jamais arrancá-la de si; com ela, aprovando ou condenando, percorrerá todo o caminho da vida, e igualmente com ela, testemunha veraz e incorrutível, apresentar-se-á perante o juízo de Deus. A consciência é, portanto, para dizer com uma imagem tão antiga quanto digna, um santuário, do qual o próprio Deus quer que se guarde o segredo com o sigilo do mais sagrado silêncio. 

Em que sentido portanto pode-se falar da educação da consciência? 

Ocorre chegar a alguns conceitos fundamentais da doutrina católica para bem compreender que a consciência pode e deve ser educada. 

O divino Salvador trouxe ao homem ignaro e débil a sua verdade e a sua graça; a verdade, para indicar-lhe a via que conduz à sua meta; a graça, para conferir-lhe a força de poder consegui-la. 

Percorrer aquele caminho significa, na prática, aceitar o querer e os mandamentos de Cristo e com eles conformar a vida, isto é, cada ato, interno e externo, que a livre vontade humana escolhe e fixa. Ora que faculdade espiritual, senão a consciência, nos casos particulares mostra à vontade mesma, a fim de que escolha e determine os atos que são conforme à vontade divina? 

Ela é portanto eco fiel, nítido reflexo da norma divina das ações humanas. De modo que as expressões, qual o "juízo da consciência cristã", ou outra "julgar segundo a consciência cristã", têm este significado: a norma da decisão última e pessoal para uma ação moral seja tomada da palavra e da vontade de Cristo. Ele é realmente caminho, verdade e vida, não somente para todos os homens tomados em conjunto, mas para cada indivíduo em particular; é tal para o homem maduro, e para a criança ou para jovem. 

Disto procede que formar a consciência cristã de uma criança ou de um jovem consiste, antes de tudo, em iluminar suas mentes acerca da vontade de Cristo, sua lei, sua via, e ainda mais em agir sobre seus ânimos, quanto isto possa ser feito de fora, a fim de induzi-lo à livre e constante execução da divina vontade. Este é o mais alto empenho da educação. 

Onde porém encontrarão educador e educando, em concreto e com facilidade e certeza, a lei moral cristã? Na lei do Criador impressa no coração de cada um e na Revelação, no complexo, isto é, das verdades e dos preceitos ensinados pelo divino Mestre. Ambos, seja a lei escrita no coração, ou seja a lei natural, sejam as verdades e os preceitos da revelação sobrenatural o Redentor Jesus deixou como tesouro moral da humanidade, nas mãos de sua Igreja, a fim de que ela os pregue a todas as criaturas, os ilustres; e intatos, defendidos de toda contaminação e erro, os transmita de uma a outra geração. 

Contra esta doutrina, por longos séculos inatacada, emergem agora dificuldades e objeções que necessário é esclarecer. 

Como da doutrina dogmática, assim também da estrutura moral católica querer-se-ia instituir quase uma radical revisão para deduzir uma valorização nova. 

O passo primário, ou, para dizer melhor, o primeiro golpe no edifício das normas morais cristãs, deveria ser aquele de desvencilhá-lo - como se pretende - da observância augusta e oprimente da autoridade da Igreja, de modo que, livre das sutilezas sofísticas do método casuístico, a moral seja reconduzida à sua forma originária e recolocada simplesmente à inteligência e à determinação da consciência individual. 

Cada qual vê a que funestas conseqüências conduziria tal abalo dos próprios fundamentos da educação. 

Omitindo relevar a manifesta imperícia e imaturidade de juízo de quem sustenta semelhantes opiniões, ajudará colocar em evidência o vício central desta "nova moral". Ela, colocando todo critério ético na consciência individual, fechada ciumentamente em si e tornada árbitra absoluta de suas determinações, longe de tornar expedito o caminho, afastá-lo-ia da via mestra que é Cristo. 

O divino Redentor consignou sua Revelação, da qual fazem parte essencial as obrigações morais, não aos indivíduos em particular, mas a sua Igreja, à qual deu a missão de conduzi-los a abraçar fielmente o sagrado depósito. 

Igualmente a divina assistência, ordenada a preservar a Revelação dos erros e das deformações, foi prometida à Igreja, e não aos indivíduos. Sábia providência também esta, porque a Igreja, organismo vivente, pode assim, com segurança e agilidade, quer iluminar e aprofundar as verdades, também morais, quer aplicá-las mantendo intata a substância, às condições variáveis dos lugares e dos tempos. 

Como é portanto possível conciliar as próvidas disposições do Salvador, que confiou à Igreja a tutela do patrimônio moral cristão, com uma espécie de autonomia individualista da consciência? 

Esta, subtraída ao seu clima natural, não pode produzir senão benéficos frutos os quais se reconhecerão somente comparando-os com algumas características da tradicional conduta e perfeição cristãs, cuja excelência está provada pelas obras incomparáveis dos santos. 

A "moral nova" afirma que a Igreja, antes que fomentar a lei da liberdade humana e do amor e de nisto insistir como dinâmica digna da vida moral, faz entretanto pressão, quase exclusivamente e com excessiva rigidez, sobre a firmeza e a intransigência da lei moral cristã, recorrendo muitas vezes a estes "sois obrigados", "não é lícito", que têm muito sabor de um aviltante pedantismo. 

Ora, pelo contrário a Igreja quer - e o coloca em luz expressamente quando se trata de formar as consciências - que os cristãos sejam introduzidos nas infinitas riquezas da fé e da graça, de modo persuasivo de modo que se sintam inclinados a penetrá-las profundamente. 

A Igreja porém não pode deixar de avisar os fiéis que estas riquezas não podem ser conseguidas e conservadas senão a preço de preciosas obrigações morais. Uma conduta diversa terminaria fazendo esquecer um princípio dominante, sob o qual sempre insistiu Jesus, seu Senhor e Mestre. Ele de fato ensinou que para entrar no reino dos céus não basta dizer "Senhor, Senhor", mas deve-se fazer a vontade do Pai Celeste. Ele falou da "porta estreita" e da "augusta via" que conduz à vida e adicionou: "Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque muitos, eu vos digo, procurarão entrar e não conseguirão". Colocou como comparação e sinal distintivo do amor para Consigo, Cristo, a observância dos mandamentos. Igualmente ao jovem rico, que o interroga, Ele diz: "Se queres entrar na vida, observa os mandamentos" e à nova pergunta "Quais?", responde: "Não matar! Não cometer adultério! Não roubar! Não dar falso testemunho! Honrar pai e mãe! e ama o próximo como a ti mesmo!" Colocou como condição a quem quer imitá-lo, renunciar a si mesmo e tomar cada dia sua cruz. Exige que o homem esteja pronto a deixar por Ele e por sua causa quanto tem de mais caro, como o pai, a mãe, os próprios filhos, e até o último bem, a própria vida. Pois que adiciona: "A vós digo, amigos; não temais aqueles que matam o corpo, e depois não podem nada mais fazer. Eu vos mostrarei quem deveis temer: temei Aquele, que depois de ter tirado a vida, pode ainda mandar para o Inferno". 

Assim falava Jesus, o divino Pedagogo, que sabe certamente, melhor do que os homens, penetrar nas almas e atraí-las ao seu amor com infinitas perfeições do seu Coração, "bonitate et amore plenum". 

Tomando portanto como estrita norma as palavras de Cristo, não devereis talvez dizer que a Igreja de hoje está inclinada mais à condescendência do que à severidade? De modo que a acusação de dureza oprimente, da "nova moral", movida contra a Igreja em realidade vai ferir em primeiro lugar a mesma adorável Pessoa de Cristo. 

Cientes portanto do direito e do dever da Sede Apostólica de intervir, quando há necessidade, autorizadamente nestas questões morais, Nós declaramos aos educadores e à própria juventude: o mandamento divino da pureza da alma e do corpo vale sem diminuição alguma, também para a juventude hodierna. Também ela tem a obrigação moral, e com a ajuda da graça, tem a possibilidade de conservar-se pura. Repelimos portanto como errônea a afirmação daqueles que consideram inevitável a queda nos anos da puberdade, a qual assim não mereceria que se tornasse em grande consideração, quase como se não fosse culpa grave, porque ordinariamente, dizem ainda, as paixões tiram a liberdade necessária, a fim de que um ato seja moralmente imputável. 

Ao contrário, é norma importante e sábia que o educador, embora não descurando apresentar aos jovens os nobres dons da pureza para impeli-los a amá-la, e desejá-la por si mesma, inculque entretanto claramente o mandamento como tal em toda a sua gravidade e seriedade de mandamento divino. Assim levará os jovens a evitar as ocasiões próximas, confortá-los-á na luta, cuja dureza não lhes esconderá, induzi-los-á a abraçar corajosamente os sacrifícios que a virtude exige, e exortá-los-á a perseverar e a não cair no perigo de depor as armas desde o princípio e de sucumbir sem resistência aos perversos hábitos. 

Mais do que no campo da conduta privada, existem hoje muitos que quereriam excluir o domínio da lei moral da vida pública, econômica e social, da ação dos poderes públicos, no interno e no externo, na paz e na guerra, como se aqui Deus nada tivesse a dizer, ao menos de modo definitivo. 

A emancipação da atividade humana externa, como as ciências, a política, a arte da moral vem às vezes motivada em filosofia, pela autonomia que a elas compete, em seus campos, de se governarem exclusivamente e segundo leis próprias, ainda que se admita que estas colimam de ordinário com as morais. E trazem por exemplo a arte, para a qual se nega não somente toda dependência, mas também qualquer relação com a moral, dizendo: a arte é só arte, e não moral, nem outra coisa; deve ser regida portanto, somente pelas leis da estética, a arte se é verdadeiramente tal, não se dobrará a servir a concupiscência. Deste modo fala-se da política e da economia que não têm necessidade de tomar conselho com outras ciências, e nem portanto da ética, mas guiadas por suas leis verdadeiras, são por isto mesmo boas e justas. 

É, como se vê, um sutil modo de subtrair a consciência ao império das leis morais. Em verdade, não se pode negar que tal autonomia seja justa, enquanto exprime o método próprio de cada atividade e limites que separam suas diversas formas em teoria; mas a separação de métodos não deve significar que o cientista, o artista, o político estejam livres da solicitude moral no exercício de suas atividades, especialmente se estas têm imediatos reflexos no campo moral, como a arte, a política, a economia. A separação nítida e teórica não tem sentido na vida, que é sempre uma síntese, pois que o sujeito único de cada espécie de atividade é o mesmo homem, cujos atos livres e conscientes não podem fugir à valorização moral. Continuando a observar o problema com o olhar amplo e prático, que por vezes falta a filósofos até insignes, tais distinções e autonomias são dirigidas pela natureza humana decaída a representar como leis da arte, da política ou da economia, o que é realmente cômodo à concupiscência, ao egoísmo e à cupidez. Assim a autonomia teórica da moral torna-se em prática rebelião amoral, e esfacela-se assim aquela harmonia ínsita às ciências e às artes, que os filósofos daquela escola perspicazmente encontram, mas dizem casual, enquanto é essencial, se tal harmonia é considerada da parte do sujeito que é o homem, e da parte de seu Criador, que é Deus. 

Nós não cessamos de insistir sobre o princípio de que a ordem querida por Deus abraça a vida inteira, não excluída a vida pública em cada uma de suas manifestações, persuadidos de que isto não é restrição alguma da verdadeira liberdade humana, nem intromissão na competência do Estado, mas uma asseguração contra os erros e abusos, dos quais a moral cristã, se retamente aplicada, pode proteger. Estas verdades devem ser ensinadas aos jovens e inculcadas em suas consciências por quem, na família ou na escola, tem a obrigação de olhar a educação deles, colocando assim a semente de um futuro melhor (1). 

(1) Rádio-mensagem para a "Jornada da Família", 24 de março, 1952.


Fonte: Pio XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José Marins, 2.ª Edição, edições Melhoramentos.