Nota do blogue: Agradeço a gentileza de uma amiga pelo envio do texto abaixo escrito pelo reconhecido Mons. Álvaro Negromonte.
A Formação Geral
Dos grandes erros dos educadores naturalistas é pensarem que basta a iniciação para a educação sexual. Convenceram-se de que a desordem dos costumes vem da falta de conhecimento do instinto e dos seus segredos. Entregam-se ao ensino da questão sexual, como se fosse a solução do complexo problema. Daí, o tom meramente doutrinário que dão aos seus esforços, dignos de uma causa mais bem visionada.
Para eles, a noção do dever evitaria os estragos morais. Se déssemos aos jovens uma clara visão de seus deveres, eles se decidiriam a cumpri-los.
Esquecem-se de que a questão não se resolve pela inteligência só, mas principalmente pela vontade. O delírio sexual deste século não vem da falta de conhecimento, mas da indisciplina da vontade. Antigamente era maior a ignorância, e os costumes mais puros. Importa, sem dúvida, uma iniciação intelectual nos moldes já estudados, porém muito mais importa uma sólida formação da vontade que enrijeça os homens para todas as resistências.
A verdadeira causa da desordem moral é a fome de gozos, o domínio do homem pelos sentidos, a ausência de formação moral, que possibilite a prática do bem pelo primado do espírito. O homem deslocou as vistas do dever para o prazer, e fez do prazer o seu interesse quase único. E a vontade enfraquecida não pode resistir às solicitações dos sentidos desatados. Nem o conhecimento da questão, nem a clara noção do dever, nem o temor do contágio sustarão o instinto, excitado pelos mil ardis do mundo moderno. Só uma vontade forte e disciplinada conterá os impulsos inferiores.
É preciso preparar uma vontade capaz de conduzir virtuosamente o corpo. A atitude sexual depende das atitudes gerais. A educação sexual é uma partícula apenas da educação geral. Tem razão Foerster quando diz que “a melhor educação sexual é uma educação geral”. Foi a falta de formação da vontade que nos levou a este miserável estado de indisciplina dos costumes. Os educadores naturalistas deviam meditar mais nesta falência dos seus métodos. Fizeram pouco caso da formação interior, desprezaram a vontade, e os costumes se perderam.
O insuspeito Michelet disse que, para ser forte, é preciso ser puro. Digamos que é preciso ser puro para ser forte. O homem forte deve ser, portanto, a preocupação do educador. Se olhamos em torno, o que logo vemos é a fraqueza do caráter. Uma vontade fraca à mercê das paixões; uma sensibilidade exagerada em procura de conforto; - eis os jovens de nossos dias. Precisamos reagir.
Tomemos um dos nossos meninos. Examinemos como está sendo educado. A sensibilidade brasileira não tolera nem que a criança chore: - corre a acalentá-la. Não pode ver a criança em dificuldade: - corre a ajudá-la. Não sabe contrariar os pequenos. Se antigamente se fazia isso por mal-orientado amor, hoje se faz por comodismo, para não ter trabalho com as crianças. Ainda pior.
Os ricos vão criando os filhos em um ambiente horrível de facilidades, de satisfações, de requinte, em que a preocupação é o luxo, o gozo da vida, sob o nome menos vergonhoso de conforto. As acelerações do progresso contribuem para enfraquecer a formação do homem. Temos tudo à mão. Desde pequenos, nada fazem de difícil os homens modernos. Não se cansam em caminhadas. Não se preocupam com os estudos, porque as escolas lhes facilitam em demasia a aprendizagem. Não padecem o frio. Não suportam o calor. Nem mesmo as dores quase os afligem. Aquecedores, ventiladores e analgésicos se multiplicam, proporcionando confortos, mas enfraquecendo paulatinamente a vontade.
Tudo o que custa é posposto. Os próprios pais fazem assim. Custa-lhes manter uma ordem: - relaxam-na. Custa-lhes exercer a vigilância: - abandonam o filho a si mesmo. O menino faz um pedido: negam, mas se insiste, deixam, para se verem livres.
Seríamos tidos como retrógrados, se aconselhássemos as crianças a comerem do que se põe à mesa e não do que gostam. Seríamos desumanos, se não déssemos o que os pequenos pedem, chorando ou insistindo. Perguntar-nos-iam para que as empregadas, se mandássemos os próprios meninos fazerem a cama e arrumarem o quarto. Censurar-nos-iam, se deixássemos a criança esperar o almoço, que tardou um pouco. Seríamos impiedosos, se não déssemos ao filho um presente de aniversário, se não o felicitássemos por um triunfo escolar, se não o elogiássemos porque teve o primeiro lugar num torneio esportivo, se o privássemos de um passeio ou jogo ou divertimento, sem motivos, apenas para exercitar sua vontade, se o mandássemos a uma caminhada maior a pé, se o deixássemos passar um pouco de frio, e coisas semelhantes.
A verdade é que assim estaríamos preparando um homem forte. Serão sempre uns vencidos na vida esses meninos que fazem tudo o que querem, coléricos que pedem chorando e esperneando, que nada fazem porque têm que lhes dê tudo nas mãos, que comem a toda hora e comem tudo o que querem e tudo o que têm, esses “maricas”, que não podem suportar um pouco de frio ou de fome, de sede ou de cansaço, incapazes de fazer meia hora de silêncio, que não levam adiante empresa alguma que requer constância ou sacrifício. Os que agem por capricho serão fatalmente vítimas dele um dia.
Isto é fatal para a moralidade, e particularmente para a questão sexual. Só serão castos os que se tiverem acostumado às vitórias sobre si. É do grande De Maistre este pensamento que deve dar o que pensar aos pais, principalmente às mães: “Muitos resistirão aos 30 anos diante de uma mulher formosa, porque lhes ensinaram, aos 5 ou 6 anos, a privar-se voluntariamente dum brinquedo ou dum doce”. Quem educa com condescendências, educa para a impureza. Os que se acostumaram a não resistir, não saberão também resistir aos impulsos sexuais. Tanto mais quanto, se o fim é mais difícil, a vontade deve estar mais adestrada e forte.
A criança é a semente, o homem é o fruto. “A vida depende da infância, como a colheita do grão que se semeia” disse Le Play. Quando a criança só tem como atrativos os brinquedos e os doces, acostumemo-la a privar-se deles, para que depois, crescendo os atrativos, tenha crescido também a resistência.
Esta ginástica da vontade começa de muito cedo. Com uma semana de nascidas, estão as crianças viciadas a só dormir nos braços... O cuidado deve ser maior do que muitos pensam. O exercício há de ser prolongado. Muito mais para a vontade do que se exige para o corpo. Será talvez duro, severo, exigente, mas é necessário. Ensinemos a resistência. Façamos a cultura da energia. Excitaremos a vontade em todos os domínios. Ponhamos a formação do caráter no centro de nossa pedagogia, se quisermos formar homens castos.
Quando falamos de mortificação, os ímpios zombam. Não entendem. Julgam que queremos extinguir a vida, quando desejamos firmá-la nas suas verdadeiras bases. Pensam que queremos sufocar a natureza, quando apenas desejamos hierarquizá-la. Dizem que pretendemos matar as paixões, quando o nosso escopo é canalizá-las. Não compreendem a necessidade da mortificação como uma preparação para as lutas indefectíveis da vida. Dos nossos santos que faziam pesados jejuns, longas abstinências, terríveis penitências, eles falam com uma linguagem que não se repete. Acham doentios os rigores das mortificações feitas sobre coisas lícitas.
Desprezaram os educadores naturalistas os caminhos formadores da vontade. Não se saberá privar do ilícito quem não se acostumou a privar-se do permitido. No plano moral não basta a defensiva. Temos de tomar a ofensiva. Em lugar de citar mil palavras dos santos, darei uma só de Stuart Mill, sobremodo insuspeito: - “De quem nunca se absteve de alguma coisa permitida não podemos esperar que se abstenha com segurança do que lhe é proibido. Não duvidamos que se volte um dia a exortar sistematicamente a juventude à ascese, e que se lhe ensine de novo, como antigamente, a vencer os seus desejos, a superar os perigos e a suportar sofrimentos voluntários. E tudo isto como simples exercício educativo” (111).
A isto se opõe uma pedagogia ligeira, em nome da liberdade. No entanto, é em nome da liberdade que falamos. Pois ser livre não é fazer o que querem os caprichos, mas o que manda o dever. A verdadeira liberdade consiste em o homem domar-se. É livre o homem que faz o que é de sua vontade, e não o que lhe ordenam as paixões. Porque somente este é o homem forte, somente este pode ser um homem casto. Os que zombam das mortificações desconhecem a natureza humana, os segredos da educação e os trâmites da formação da vontade.
Exercitado em dominar os impulsos inferiores pelos ditames superiores da vontade, o homem não sentirá dificuldades quando a moral exigir contenções contrárias às paixões. E mesmo que sinta, saberá triunfar dessas dificuldades. É como o soldado que se exercita na paz, para saber vencer na guerra. Só por uma formação assim, conseguiremos formar jovens castos.
Não podemos dizer aqui como se faz esta formação geral. O assunto é versado em livros de boa pedagogia (112). A boa educação supõe preocupação de formar uma alma forte num corpo forte. E como a maior despreocupação hoje em dia é com a alma, faz-se necessário encaminhar os esforços particularmente para a formação da vontade.
A falta de ideais tem sido a grande desgraça destes tempos. Perderam-se os grandes amores que enchiam outrora o coração da mocidade. O entusiasmo é hoje distribuído para os esportistas e os astros de cinema. As idéias nobres e belas não arrebatam mais os ânimos da juventude.
Precisamos fazer circular de novo nas veias da mocidade o amor do belo e do bem, da família e da Pátria, o amor do próximo, principalmente dos pobres e das crianças, o amor do trabalho e do dever. Todos estes elevados amores, que se estão perdendo, precisamos ressuscitar no coração dos jovens.
Ao lado desta elevação dos corações, a elevação da vontade. Uma vontade rija e inflexível, que corrija e desconheça as irresoluções, uma vontade que só veja diante de si o dever a cumprir e não conheça outras conveniências senão as do dever, uma vontade que governe os sentidos e lhe oriente as forças cegas, uma vontade que saiba querer, para se poder conduzir ao fim – eis o fito dos verdadeiros educadores. Mais que de tudo, estamos precisados dela.
E para formá-la, a criação dos bons hábitos. O grande mal dos nossos tempos é a deficiência do caráter. “Não há maior penúria do que a penúria de homens”, dizia J. J. Rousseau, a quem citamos sem entusiasmo, principalmente neste assunto. Mas a verdade vale, dita seja por quem for. Desenvolvamos os hábitos que firmam o caráter. Somos um povo sem disciplina. Falta-nos o gosto da ordem, da obediência, da pontualidade, da perseverança, da profundeza, das coisas difíceis e interiores.
Fomos vítimas das idéias anárquicas dos tempos. Éramos um povo criança e nos alimentaram com caldos de cultura da dissolução social. Os povos que nos mandavam os seus erros têm virtude; mas é a doença que é contagiosa e não a saúde.
De todas as nossas necessidades, é talvez a autoridade a mais sensível. Ora, a autoridade não é apenas um direito, ou um dever. É condição essencial da existência social. Grave erro da nova educação foi começar por um enorme desprestígio da autoridade. Esta, que já estava fraca, cedeu com maior rapidez ainda. Estamos corrigindo o erro, mas é necessário darmos mais energia ao trabalho. Ensinar a criança a dominar-se e obedecer. Quem não sabe obedecer aos outros não saberá obedecer a si mesmo.
Os pais, infelizmente, abriram mão da sua autoridade. E a anarquia invadiu os lares. Apoiando a autoridade em Deus e na razão, e começando cedo, procedendo com dignidade e justiça, sendo discretos e moderados, mandando pouco, mas exigindo o que mandam, sendo espelho dos filhos, os pais triunfarão das correntes anárquicas que ameaçam subverter o mundo.
Paul Bureau, ao terminar o seu magistral trabalho sobre a indisciplina os costumes, declara, consciente do plano que traçou, estar exigindo nada menos que uma revolução: - “la tâche à accomplir n’est rien moins qu’une revolution” (113). É o que estamos exigindo com a simples declaração das nossas necessidades educacionais. Muitos nos reputarão um ingênuo. Não importa. Outros julgarão fazer a educação sexual, sem a formação geral. Estão errados. A alma, uma e indivisível, não se educa por seções. Educa-se integralmente. Os que não quiserem levantá-la inteira, hão de vê-la rastejar na lama, a contragosto, embora.
Outros dirão que pensamos em formar santos. Estes não se enganaram, se deram à palavra o seu verdadeiro sentido. O mais intolerável erro da educação é satisfazer-se com mediocridades. Monsenhor Dupanloup, dos mais notáveis educadores franceses do século passado, disse que nada deve infundir maior repugnância ao educador do que a formação de tipos vulgares. E Pio XI disse que, em nossos tempos, mais do que em quaisquer outros, ninguém tem o direito de ser medíocre.
Demos aos homens a coragem de ficar sozinhos, sem os outros, ou contra os outros, sempre que a consciência o exigir. Com este domínio de si mesmo, ele será um forte, superando as tendências inferiores, as idéias em voga e os companheiros impuros, com que a vida o obriga a conviver.
Como se vê, a castidade dos moços de amanhã está nas mãos dos pais dos pequeninos de agora.
(“A Educação Sexual”, por Mons. Álvaro Negromonte, 1961, 11ª edição refundida, pgs. 196 a 202 – A Formação Geral).
PS.: Grifos meus.
PS.2: O livro Corrija o seu Filho está disponível em arquivo PDF no blogue.[111] Apud Foerster, Morale Sexuelle et Pédagogie Sexuelle.
[112] Para ajudar os pais na formação integral dos filhos, escrevi A Educação dos Filhos e Corrija o seu Filho CLIQUE NO TÍTULO PARA BAIXÁ-LO (Edições Rumo S.A.).
[113] Paul Bureau, L’Indiscipline des Moeurs.