sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Acerca das dores de Maria

Acerca das dores de Maria


Maria falando ao Coração das Donzelas
por Abade A. Bayle
1917 

I. Tu, Minha filha, tens considerado até ao presente as dores do Meu divino Filho, mas não deixes de lançar um olhar para aquelas que Eu tive de sofrer nesses terríveis momentos. Só uma mãe pode apreciar a grandeza delas e dizer se não eram infinitamente cruéis. Era Mãe desse Filho que, concebido pela operação do Espírito Santo, era todo o Meu amor, a Minha vida, em quem tudo era amável, afetuoso, imaculado. O Seu olhar, a Sua esperança, eram a Minha felicidade. 

Era Mãe, e Mãe dum Filho que era Deus, que Se tinha encarnado em Meu seio virginal para salvar todos os homens da escravidão do inferno, dum Filho consubstancial ao Pai, que criou juntamente com Ele, que rege e governa com Ele o mundo inteiro, dum Filho que tinha realizado as esperanças dos patriarcas e as predições dos profetas. Mas este Filho adorado pelos anjos, saudado pelos astros, obedecido por todas as coisas visíveis e invisíveis, devia Eu vê-lO, vítima dos mais afrontosos tormentos e dos mais vergonhosos ultrajes. Como Ele não tinha querido encarnar-Se em Mim sem o Meu consentimento também não quis sofrer sem o Meu consentimento a Sua dolorosa paixão.

A Minha hora é chegada, ó Minha Mãe, Me disse Ele: a traição de Judas, as cordas, as cadeias, os escarros, as bofetadas, a flagelação, a coroa de espinhos, a cruz, o Calvário, esperam-Me. Devo cumprir a obra da Redenção. Podes tu imaginar um momento mais terrível! Bem sabia Eu que uma espada devia atravessar-Me o coração; disse-Me Simeão, quando apresentei no templo o Meu divino Filho; mas quando vi chegar esse momento, não teria podido suportar a Minha dor, se a força divina Me não tivesse amparado. Eu, Mãe dum Filho, vê-lO ser submetido aos mais horríveis tormentos que a barbaridade humana tinha podido inventar! Quem podia consolar-Me? 

II. Não te narrarei quanto o Meu coração foi despedaçado sabendo e vendo Jesus atado, arrastado por cordas de um tribunal ao outro, espancado por milhares de vezes, exposto ao povo como objeto: de desprezo, a cabeça magoada por uma coroa de Espinhos, vestido com um farrapo de púrpura, uma cana na mão à maneira de cetro, para entregá-lO ao escárnio da populaça! Não te contarei as Minhas dores quando O vi carregado com a cruz subir ao Calvário sem que me fosse permitido ajudá-lO. Pára unicamente coMigo aos pés da cruz. 

Muitas mães têm tido seus filhos cruelmente assassinados, mas não tiveram a dor de assistir ao seu suplício; esta dor suprema estava reservada para o Meu amor. Jesus devia beber o cálice de amargura, e Eu mesma bebi dele uma parte. 

Houve dois sacrifícios, um do Filho, outro da Mãe. Tive de assistir a esse terrível espetáculo, ver os membros puríssimos do Meu divino Filho pregados sobre Cruz. Vi Meu filho sobre a Cruz pedindo socorro a Seu Pai, que não Lhe dava atenção, e não poder Eu mesma socorrê-lO. Pedia de beber, queria saciar-Lhe a sede, mas não podia: tinha de vê-lO beber fel e vinagre.

Ah! Minha filha, posso apenas exprimir-te quanto o Meu coração foi despedaçado nesse momento. Dois altares foram erigidos sobre o Calvário, e dois sacrifícios de dor foram aí oferecidos: um sobre a Cruz; outro em Meu coração. Jesus não carecia dos Meus merecimentos para resgatar o mundo; Eu mesma devia pertencer ao número das remidas, devia ser a primeira. Mas não tinha sido só o homem a perder o mundo pelo pecado, a mulher tinha tido nisso grande parte, por isso o Deus Todo-Poderoso quis que não fosse só Jesus o único a remir o mundo e que unisse os Meus merecimentos aos do Meu Filho, tudo o que alcançavam os Meus merecimentos de conveniências a tudo o que obtinham os merecimentos absolutos e perfeitos da Sua paixão e da Sua morte.

III. Mas não acabaram ali as Minhas dores, ó Minha filha. Todo o ódio e toda a crueldade para os condenados, culpados dos maiores crimes, acaba logo que morrem. Mesmo eles tornavam-se então objeto duma compaixão involuntária. Mas ai! não houve piedade alguma para com Meu divino Filho. Tinha exalado o último suspiro depois de ter pedido a Seu Pai que perdoasse aos Seus algozes, mas a Sua cólera contra este inocente não estava inteiramente satisfeita; vem um soldado furioso que envia uma lançada a Jesus rasga-Lhe o lado e atravessa-Lhe o coração. Fui ainda testemunha dessa ferida, e esse golpe terrível penetrou no Meu Coração ao mesmo tempo que no Seu; que digo Eu? - toda a violência da dor recaiu sobre Mim, porque Jesus estava morto. Uma única coisa podia consolar-Me, era o pensamento de que tudo se cumpriu para salvação do mundo.

Era para a salvação do mundo que o Meu divino Filho devia morrer e verter até á ultima gota do Seu sangue. Mas essa consolação trocava-se em dor, locupletava-a mesmo. Pensava que para muitas almas esse sangue se derramava em vão que seria para muitos uma causa de condenação mais terrível em lugar de ser uma causa de salvação.

O dor! se tens um coração sensível, Minha filha, compreende a Minha situação.

Resignei-Me ao desejo do Eterno que Me pedia Meu Filho para holocausto e vítima de expiação

Não havia outro meio. Ou o mundo devia ser eternamente desgraçado ou Jesus devia morrer. - Que a Vossa vontade seja feita, disse Eu ao Pai celeste e curvei a cabeça diante dos decretos eternos do céu. Assisti à dolorosa Paixão, vi derramar todo esse sangue que para muitos devia correr inutilmente conforme o compreendi no Calvário mesmo. Alguns rasgavam o peito e pediam perdão, outros obstinavam-se na sua cegueira. E Eu, desgraçada Mãe, via o Meu Filho morto para todos os homens e não os salvando a todos! Ouvia a Sua voz que dizia: - Salvei-os, tudo está consumado, - e Eu via muitos sem cuidado algum na Sua redenção. Esta dor, ó Minha querida filha, tortura o Meu coração mais que todas as dores as mais amargas

Ora, este desprezo que Me magoou excessivamente, quantos agora são dele culpados! Quantos por vãos prazeres e para seguir as suas paixões tornam inútil o sangue vertido para a sua salvação! E tu, Minha filha, quererás também desprezar um tão grande beneficio! quererás infligir-Me a dor de te ver eternamente perdida! tem piedade da tua alma e de Mim. 

Afetos. Ó minha Mãe das dores, ó Mãe de misericórdia, ó Maria, tenho aumentado os meus sofrimentos multiplicando os meus pecados. Ao pé da cruz sentíeis uma dor mais viva pensando que muitos desprezariam esse sangue que víeis correr com tanta abundância das chagas do Vosso divino Filho. E eu, ah! bem o compreendo, até ao presente tenho tido a desgraça de ser do número desses infelizes! Tenho sido até ao presente um desses cruéis algozes que não tem sentido arrependimento algum pela morte de Jesus. 

Mas Vós tendes tocado o meu coração, ó querida Mãe. Um raio de luz desceu sobre mim. Quero ser do número daqueles que desciam do Calvário despedaçando o peito e pedindo misericórdia. Tende piedade de mim, Vossa miserável filha, que tenho ficado tão cruelmente insensível às Vossas dores, que não tenho feito senão aumentá-las. Ao pé da cruz Vós chorastes por mim também. Mas de que me serviriam os Vossos choros se ficasse imóvel nos mesmos desvarios? Sou feliz por ter podido, graças a Vós, conhecer a minha cegueira e a necessidade que tenho de chorar as minhas culpas e corrigir-me delas! Chorá-las-ei até ao fim da vida e acautelar-me-ei de cometê-las ainda de futuro. 

Vós tendes-me ensinado a aproveitar-me do beneficio da redenção, e com o Vosso auxilio, enquanto viver, não mais o desprezarei. 

PS.: Grifos meus.