domingo, 22 de agosto de 2010

O amor aos prazeres dos sentidos e o orgulho

O amor aos prazeres dos sentidos e o orgulho


O amor aos prazeres dos sentidos

O amor aos prazeres dos sentidos é uma paixão degradante que obscurece a inteligência e enfraquece os caracteres. Não se rebaixam ao nível dos animais aqueles que se entregam sem freio à sensualidade? Concentram todos os pensamentos, empregam todas as forças íntimas, sem saciar suas vis paixões; então, a razão desprezada e a inteligência, ou adormecida ou voltando sempre os olhos aos mesmos objetos indignos dela, estando o próprio corpo abatido pela paixão, o espírito perde a prudência, o juízo, a retidão; e os sentidos, em vez de obedecerem, ordenam; os instintos inferiores desenvolvem-se em excesso, sufocam as nobres aspirações do coração; e os afetos verdadeiros e puros desaparecem. É assim que vemos o vício tornar estúpidos homens de talento e valorosos soldados, fracos, quando já haviam afrontado rudes combates. Em outros, outrora afetuosos e respeitosos, produziu a dureza de coração e a mais negra ingratidão.

Além do mais, o viciado não guarda, em si mesmo, a corrupção de que se alimenta e que aspira por todos os poros; seu coração que se tornou qual reservatório, em que se acumulam as impurezas recolhidas pelos sentidos, transborda em torno de si; sua língua distila o logo envenenado, que, com demasiada freqüência, mancha aqueles que dele se aproximam.

Sem dúvida, se a sensualidade não causa sempre esses pavorosos estragos, nunca deixa, porém, de causar uma degradação, um enfraquecimento das potências superiores da alma naquele que domina, e de lançar os germes do mal em outras almas. O viciado exerce sempre, embora, talvez, inconscientemente, uma influência perniciosa.
O orgulho

Se a paixão da volúpia é a mais aviltante, não é a mais perigosa, nem a mais difícil de curar. As separações, e, sobretudo, as decepções, as traições das pessoas em cuja amizade confiava, podem reconduzir o homem idólatra das criaturas ao culto do verdadeiro Deus; a enfermidade pode obrigar o viciado a reprimir suas inclinações grosseiras; grandes infortúnios podem desapegar o avaro dos bens da terra.

Por vezes também o exemplo de homens virtuosos levará o libertino a refletir consigo mesmo; o ébrio, cujos excessos já lhe comprometeram a saúde, lamentará sua funesta tendência; uma salutar vergonha apoderar-se-á daqueles que têm a fraqueza de ceder a todos esses vícios e, ao menos de longe em longe, sentirão o desejo de sair de sua baixeza, mas o orgulho, essa vã adoração das próprias qualidades, essa idolatria do eu, quem poderá sanar tão grave enfermidade? O orgulhoso está contente consigo mesmo, não reconhece seus erros, não sente a necessidade de mudar de vida.

O orgulhoso encontra em si o seu próprio ídolo; e se prende muito mais a ele do que o avaro ao seu dinheiro, o sensual, às iguarias, o amante à pessoa amada na ligação pecaminosa. Quem queima incenso a outros ídolos, reconhece, por isso mesmo, que lhe falta algum bem, e vai procurá-lo fora de si; o orgulhoso, ao contrário, não confessa, de maneira alguma, sua pobreza, e nada quer dever a uma criatura; as penas, as contradições, que muitas vezes desconcertam os outros pecadores e os refreiam em sua revolta, irritam o soberbo e lhe atiçam o orgulho em vez de enfraquecê-lo; insurge-se contra a humilhação e tanto mais se envaidece quanto mais humilhado for.

Que terrível desregramento é o orgulho, quando, nunca combatido, se desenvolve ao ponto de merecer o nome de idolatria! É realmente idólatra de si mesmo, quem se constitui a si como centro de tudo, quem se compraz na contemplação de suas pretensas qualidades, quem julga severamente seus semelhantes, desprezando-os enquanto se considera superior a todos. Nada pode desiludi-lo; a sua arrogância, a sua néscia presunção inspiram horror a que dele se aproxima, mas não deixa por isso de comprazer-se em si mesmo.

Está de tal forma enamorado de sua pessoa, menospreza de tal maneira tudo quanto não lhe diz respeito, que ao próprio Deus pouco considera. Não sente necessidade do auxílio divino, tal é a confiança em seu próprio engenho, em seu talento; pretende, aparentemente, viver sem Deus, aspira a usurpar-Lhe o lugar e a dirigir os negócios deste mundo. Se lhe for observado que os desígnios de Deus podem ser contrários aos seus e inutilizar-se os esforços, revolta-se; nele existe, como um germe, a pretensão de Lúcifer: Subirei além das nuvens e serei igual ao Altíssimo (Is 14,14).

Adora-se e quer se adorado. Saber que os outros pensam nele, que se preocupam com ele, é-lhe uma espécie de volúpia. Ao ver-se admirado, prezado, sua alegria aumenta, sem, todavia, ficar ainda satisfeito. Quer que todos se submetam a ele; tem sede de domínio, e, para sentir-se contente, deverá impor as leis de sua vontade e os decretos de sua sapiência.

Que meios não empregará para conquistar a admiração? Em presença dos intelectuais, procura passar por inteligente, faz alarde de sua veia, de seu saber, de sua habilidade; com as pessoas virtuosas, mostra-se partidário da virtude, afeta a linguagem da honestidade, da lealdade, levanta-se com energia contra o vício. A preocupação de se fazer admirar nunca o abandona e faz-lhe compor o semblante, preparar frases, disfarçar os pensamentos, preparar frases, disfarçar os pensamentos, ignorando por completo a amável simplicidade.

Que pensará de mim meu intelecutor?” – eis seu único cuidado. Em caso de necessidade saberá renunciar às suas idéias, contrariar seus gostos, pronto a tudo sacrificar ante seus méritos, por outro desculpa suas faltas, dissimula suas fraquezas. Toma a máscara das virtudes que lhe faltam; por vezes mesmo, reprime outras paixões para satisfazer ao orgulho; preguiçoso, sacudirá a moleza, realizará obras difíceis na esperança de elevar-se aos próprios olhos e aos do próximo.

Tais eram os fariseus soberbos que mereceram a censura de nosso Senhor porque praticavam a virtude para serem vistos pelos homens. O orgulhoso não somente é capaz de fazer esmolas e de jejuar, como esses pérfidos inimigos do Senhor, mas é tão ávido de provocar a admiração que por vezes recorrerá a atos que, inspirados em outros motivos, seriam chamados heróicos!

Quantos gladiadores, e outros personagens sequiosos de glória, ostentaram calma e impassibilidade diante da morte, não pensando, em tão grave momento, senão em legar à posteridade um bom conceito de sua pessoa.
Quanta cegueira não causa o orgulho?

O humilde é leal, sincero; convicto de sua miséria, confessa-a a Deus e não procura ocultá-la aos homens e assim vive na verdade; é simples e reto em toda sua conduta, ante grandes e pequenos, sábios e ignorantes. Permanece em paz, não lhe perturbando a preocupação do que for pensado ou dito a seu respeito; desconhece as angústias do orgulhoso, tão numerosas quanto as pessoas com as quais tem relação.

O soberbo não procura a verdade, mas sim iludir o próximo com aparências sedutoras, tão preocupado está em agradar ou causar admiração. Procura também iludir-se a sim mesmo, querendo, a todo custo, crescer em sua própria estima, e chegando, de fato, a julgar-se inteiramente diferente do que é.

Só descobre a verdade quem sinceramente deseja conhecê-la. Ora, o orgulhoso teme a verdade, que lhe manifestaria seus defeitos e assim foge dela para precipitar-se no erro oposto.

Será necessário acrescentar que o demônio, pai da mentira, favorece esta funesta tendência, circunda em suas dobras o soberbo e o envolve numa qualidade de erros e de idéias falsas, obscurecendo-lhe a inteligência e cobrindo-a com densas trevas? Dentro em breve, esses erros aceitos, desejados, procurados, tornam-se, por assim dizer, invencíveis, e o orgulhoso chega a convencer-se de que ninguém pode divergir do seu modo de pensar. Se tivesse receio de enganar-se, talvez rezasse, pedisse a Deus a luz que Ele sempre concede aos humildes; mas, comprazendo-se em seu erro, continua a admirar-se. A idolatra-se.

Daí, quantas conseqüências deploráveis! Inveja, em relação a quem o poderia eclipsar; antipatia, ódio mesmo, contra quem não o admira, ou recusa submeter-se; cólera, se for contestado ou contrariado.

O orgulhoso é um instrumento dócil nas mãos de Satanás, e o inimigo das almas o prefere ao avaro, ao sensual e mesmo ao impudico, para ajudá-lo em sua obra de perversão; o orgulhoso, com efeito, contanto que saiba esconder sua desprezível audácia e não inspirar horror domina os fracos, forçando-os a aceitar-lhes os erros, ou então, insinua-se pelas adulações.

Todos os meios lhe convêm, contanto que faça partilhar suas falsas idéias, contanto que seja considerado como um doutor que merece ser ouvido, como um homem hábil, cujos conselhos devem ser seguidos. Desse modo arrasta em seus desvarios muita pobre gente que se deixa fascinar por ele.

Os heresiarcas foram sempre grandes orgulhosos. Em todos os tempos, os fundadores de escolas de erro, os mestres ou mero propagadores de falsas doutrinas, que perturbaram ou destruíram a fé de muitos de seus irmãos, foram levados a essas novidades pela confiança exagerada que tinham em suas próprias luzes. Constituíram-se em ídolo da própria ciência e do próprio talento. Tinham, inconscientemente a princípio, e conscientemente depois, afastado a Deus de seu coração, renegando o ensinamento divino; tais homens são legítimos agentes de Satanás...

São menos raros do que parecem esses exemplos de insano orgulho que torna o homem idólatra de sua própria pessoa. O leitor pensará talvez: “Estou longe de cair em tão deploráveis loucuras; não me iludo a tal ponto; não sacrifico tudo ao desejo de agradar ou brilhar, tenho pouca humildade, convenho, mas não encontro em mim esse orgulho néscio”. É verdade. Quem lê essas páginas, não chegou, graças a Deus, aos excessos que acabamos de descrever; mas para avaliar uma árvore é mister examiná-la ao brotar da terra a primeira haste.

A serpente que acaba de nascer não pode matar pela mordedura; a planta venenosa que começa a elevar-se acima do solo não pode causar dano; mas, se a serpente for agasalhada, alimentada, se a planta for cultivada, um dia virá em que ambas poderão tirar a vida ao homem imprudente que lhes dispensou cuidados.

A volúpia que nasce, o orgulho que aponta, contêm em si um princípio de perdição que, se não matam ainda, todavia paralisam, aniquilam as forças e o vigor espiritual. Quem combate molemente estes vícios e lhes faz concessões, quem sem se deixar arrastar pelas paixões a excessos de uma gravidade evidente, é por elas atingido, quem cede de livre propósito, e, sobretudo de modo habitual, ao amor do bem-estar, aos gozos sensuais, a sentimentos de complacência própria, faz à sua alma um caminho da verdadeira virtude e priva-se, por toda a eternidade, da superabundância de alegria e de glória que o Senhor reserva, no céu, aos que na terra foram seus fiéis amigos. Quem, ao contrário, avalia a monstruosidade destes dois vícios e sabe quanto desagradam ao Senhor, quem os guerreia sem dó, se faz jus aos favores divinos.

Piedosos leitores, embora não tenhais sequer a censurar-vos qualquer fraqueza para com esses piores inimigos de vossa salvação, embora vossa alma generosa não esteja manchada senão por faltas ligeiras que escapam à fragilidade humana e não provêm se um consentimento refletido e deliberado; cabe-nos, entretanto instruir-vos sobre as desordens graves em que caem tantos irmãos vossos: vossa compaixão para com os pecadores se dilatará, e compreendereis melhor quantas orações, quantos sacrifícios são necessários para lhes obter a conversão e a salvação.

Compreendereis também quantas expiações reclamam tais desregramentos. Foi a uma alma inocente que a Virgem Imaculada repetiu em Lourdes as palavras – penitência - penitência, penitência! – Maria desejava que este apelo, dirigido a Bernadete, fosse ouvido, não só pelos justos, como também pelos pecadores. E foi por acaso obedecida? – Não será porque os bons não souberam expiar pelos culpados, que a justiça de Deus hoje nos fere?

As expiações dos amigos de Deus têm, a Seus olhos, grande valor e são necessárias para aplacar-Lhe a justiça. E, se não forem feitas voluntariamente, não as exigirá Ele de uma maneira muito mais terrível?

(Excertos do livro: O caminho que leva a Deus, do Cônego Augusto Saudreau, edição 1944)

PS: Grifos meus.

Ver também: