Grande virtude é a devoção, salvaguarda de todas as demais virtudes! Mas seu ato mais belo e ordinário é a oração, que para o homem, que é corpo e espírito, é o alimento cotidiano do espírito, como o pão material é o nutrimento cotidiano do corpo.
Certamente, Nós bem sabemos que conversar com Deus na contemplação das criaturas não está ao alcance de todos os homens. Por isto foi dado outro meio, fácil e familiar, para apresentar-lhe as suas súplicas e escutar suas palavras. Esta audiência divina é a simples oração.
A oração pessoal e íntima, antes de tudo. Orar é, em primeiro lugar, recolher-se diante do Senhor. Para procurar a Deus, para encontrá-lo, basta entrardes em vós mesmos, de manhã, à tarde, ou em qualquer momento do dia. No íntimo de vossa alma se estais felizmente em estado de graça, vereis, com os olhos da fé, Deus sempre presente como um Pai imensamente bom, pronto para acolher os vossos pedidos e a vos dar também aquilo que espera de vós. Se tiverdes pelo contrário, desventuradamente perdido a graça, entrai então lealmente em vós mesmo, aí encontrareis Deus presente como um juiz, mas juiz misericordioso e pronto para perdoar; ou, melhor ainda, como o pai do filho pródigo, que vos abrirá os braços e o coração, contanto que vos prosterneis arrependidos, confessando: "Pai, pequei contra o céu e contra ti". Quantas almas se salvaram da obstinação no pecado do endurecimento e da eterna perdição com um breve exame de consciência cada tarde! Quantas devem a sua salvação à oração cotidiana!
O Apostolado da Oração dá o meio, com a oferta da manhã. Como a varinha mágica nas histórias de fadas, que muda em ouro tudo quanto toca, assim esta oferta feita entre os cristãos em estado de graça com a qual endereça a Deus todas suas obras para as grandes necessidades da Igreja e das almas, pode levantar a atos sobrenaturais de apostolado também as menores e mais modestas ações. O camponês com o seu arado, o empregado do comércio, no seu escritório, o comerciante no seu balcão, a dona de casa em sua cozinha podem tornar-se, já o dissemos, os colaboradores de Deus.
E quando cai a noite, e termina a dura tarefa diária, finalmente vos reunis entre as paredes domésticas na alegria de gozar um pouco um a presença do outro e comunicar mutuamente os acontecimentos da jornada: naqueles momentos de intimidade e de repouso tão doces e preciosos, dai o lugar devido a Deus. Não temais: Deus não virá importunar e perturbar o vosso confiante e delicioso colóquio; ao contrário, Ele, que já vos escuta e no seu coração vos preparou e conseguiu aqueles instantes, torná-los-á, sob o seu olhar de Pai mais suaves e confortáveis. Procurai conservar intata esta bela tradição das famílias cristãs, a oração da noite, em comum, que recolhe no fim de cada dia, para implorar a bênção de Deus e honra: a Virgem Imaculada com o Rosário de suas laudes, todos aqueles que irão adormecer sob o mesmo teto.
Tal exercício de devoção cristã não é transformar a casa em uma igreja ou em um oratório; é um sagrado impulso de almas que sentem em si força e a vida da fé. Mesmo na antiga Roma paga a habitação familiar tinha a edícula e a ara dedicada aos seus deuses Lares, que, especialmente nos dias festivos eram adornados com guirlandas de flores e onde se ofereciam súplicas e sacrifícios. Era um culto maculado pelo erro politeísta; mas em cuja recordação, quantos e quantos cristãos deveriam envergonhar-se, cristãos que com o batismo na fronte, não encontram nem lugar em seus lares para aí colocar a imagem do verdadeiro Deus, nem tempo entre as vinte e quatro horas do dia para se recolherem ao redor dela e prestar-lhe a homenagem da família!
Nada ajuda tanto a oração com confiança quanto a experiência pessoalmente feita da eficácia da oração, a que a amorosa Providência correspondeu, dando largamente, plenamente, aquilo que se pedia.
E a alguns, que desde muito oram, as divinas graças parecem tardar demasiadamente. Aquilo que pedem parece para eles útil, bom, necessário, e bom não somente para o corpo, mas também para suas almas, para as almas daqueles que lhes são caros; oram com fervor por semanas, por meses, e ainda nada obtiveram. A saúde necessária para aquela mãe. Aquele filho, aquela filha, cuja conduta coloca em perigo a salvação eterna dos mesmos, infelizmente ainda não começaram a sentir diversamente. Aquela dificuldade material, em meio à qual os pais se agitam e se afanam para assegurar um pedaço de pão aos filhos, não se suavizam, mas, pelo contrário, tornam-se mais duras e ameaçadoras. A Igreja toda, com todos os povos, multiplica as suas orações para obter o fim das calamidades que magoam a grande família humana; e pelo contrário tarda ainda em avizinhar-se aquela paz segundo a justiça, augurada, invocada, suspirada com tão viva instância, que parece tão necessária para o bem de todos e para o próprio bem das almas.
Sob o peso de tais pensamentos, muitos olham surpresos para os altares sagrados, diante dos quais se ora, e talvez permanecem escandalizados e perplexos ouvindo a liturgia sagrada incessantemente recordar e proclamar as promessas do Salvador divino: "Tudo aquilo que pedirdes na oração, crendo, obtereis". "Pedi e recebereis ... Todo aquele que pede, recebe". "Tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, eu o farei". "Em verdade, em verdade eu vos digo, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo concederá". As promessas do Salvador deveriam talvez ser mais explícitas, mais claras, mais solenes? Não serão alguns porventura tentados ver quase que uma amarga irrisão, diante do silêncio de Deus para com os seus pedidos?
Mas Deus não mente nem pode mentir; aquilo que prometeu, manterá; aquilo que disse, fará.
(1) Discurso aos esposos, 2 de fevereiro, 1941 e 17 de abril, 1942.
Nosso Senhor em nenhum lugar prometeu tornar-nos infalivelmente felizes neste mundo; Ele nos prometeu, leiamos o Evangelho, de escutar-nos como o pai que ao seu filho não dará, ainda que lhe pedisse, por alimento uma pedra, nem uma serpente, nem um escorpião, mas o pão, o peixe, os ovos, que o nutrirão e o farão viver e crescer. Aquilo que Jesus, nosso Salvador, se empenhou de nos dar infalivelmente como fruto de nossa oração, não são aqueles favores que os homens pedem muitas vezes por ignorância daquilo que realmente serve para a sua salvação, mas aquele "bom espírito", aquele pão dos dons sobrenaturais necessários ou úteis para a nossa alma; aquele peixe por ele preparado que, futuro símbolo, Cristo ressurgido deu em alimento aos apóstolos sobre as praias do Lago de Tiberíades; aqueles ovos, alimento para os pequenos da piedade e devoção, que os homens muitas vezes não distinguem das pedras danosíssimas para a saúde espiritual, a eles oferecidas por Satanás tentador.
Os homens muitas vezes são como crianças ignaras daquilo que é bom para elas e lhes convém pedir; ineptas são muitas vezes as orações que dirigem ao Pai Celeste. Mas o Espírito Santo, o qual com a sua graça age em nossas almas e inspira os nossos gemidos, sabe muito bem dar a elas um verdadeiro sentido e um valor real; e o Pai, que lê no fundo dos corações, à luz do sol vê aquilo que através de nossas orações e de nossos desejos, o seu divino Espírito para nós e em nós pede, e tais pedidos do Espírito, profundamente íntimos em nós, Ele, fora de qualquer dúvida, ouve.
A oração, portanto, quer ser um pedido daquilo que é bom para a alma, um pedido com perseverança, mas também pedido piedoso.
A oração piedosa! Qual é? Não é a oração do som de palavras somente, com a mente e o coração vagando, com os olhos desviando para todos os lados; mas é a oração recolhida que diante de Deus se anima de confiança filial, ilumina-se de viva fé, impregna-se de amor para com Ele e para com os irmãos; é a oração sempre feita na graça de Deus, sempre meritória de vida eterna, sempre humilde em sua própria confiança; é a oração que, quando vós vos ajoelhais diante do altar ou diante da imagem do Crucifixo, da Virgem Santíssima em vossa casa, não conhece a arrogância do fariseu, que se vangloria achando-se melhor do que os demais homens, mas, semelhante ao pobre publicano, vos faz sentir no coração que tudo o que recebestes não é senão pura misericórdia de Deus para convosco.
O pão da divina doutrina é verdadeiramente um pão cotidiano, é o pão da oração.
Se volvemos um olhar para a história dos séculos passados, Roma, já nos albores da fé, nos aparece como uma cidade orando, não nos templos dos falsos deuses do gentilismo, mas ao único verdadeiro Deus, nas casas particulares dos primeiros seguidores de Cristo, ou em momentos de maior perigo nas catacumbas, pois, desde o terceiro século, em edifícios ao aberto, verdadeiras igrejas, como as nossas, e finalmente na magnífica e dourada basílica, porque a oração foi desde então para ela potentíssima arma de vitória e de triunfo para permanecer nas perseguições, para manter-se forte nos tribunais e nos suplícios, a morrer mártir de Cristo sob o ferro dos carnífices. Arma de sua defesa e de sua esperança era a oração: baluarte e rocha de fé as suas basílicas e os seus altares de elevação a Deus; as aras dos mártires, santuários e tumbas, onde a piedade chamava, desde distantes regiões e além dos mares também, devotos e coroados príncipes para se inclinarem na oração e escolherem para si, naqueles lugares venerandos, o repouso de seus despojos mortais. Que se não são de se atenuar as deficiências da vida religiosa através da Idade Média, e as idades seguintes, toda a vida pública porém, em toda classe social, era acompanhada, animada e nobilitada pela oração; poder-se-ia antes dizer que o cristão era educado, crescia e mantinha-se na oração da própria sociedade.
A oração é um bem, que não humilha e abaixa, mas exalta e faz grande homem. Os mais excelentes artistas, estes mestres da Psicologia figurada, não criaram nada que mais subjugue o ânimo quanto a representação do homem em oração. Nesta atitude de orante ele demonstra a sua mais alta nobreza, tal que se afirmou plasticamente que o "homem é grande, somente quando está de joelhos" (2).
(2) Discurso em Audiência Geral , 2 de julho, 1941.