quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Poesia franciscana

Pedro Vergara
Conferências Franciscanas, 1927



A terra queimava de sede e com as bocas abertas das sangas profundas pedia, pedia, pedia um bocado de seiva, uma gota qualquer de clorofila.
E as nuvens, pesadas e tristes, abaixando até quase as montanhas, num beijo, começaram longamente a chorar sobre a terra o seu pranto calado e copioso e tanto choraram as nuvens na terra queimada do sol, que afinal se extinguiram na última gota de chuva, que ainda pode pedir:
- Senhor! Refazei-nos de novo, elevai-nos de novo às alturas, bem grandes e fortes, afim de que nós, outra vez, desmanchemos as formas, estranhas, morramos, de novo, num pranto bem longo e bem fresco,
- que a nossa irmã terra tem sede!
O homem com as suas pás, com os seus arados, com as suas enxadas, rasgou sem piedade as entranhas da terra, e a terra submissa, calada, igual a um gigante curvado, deixou-o com os braços abertos, semeando, subir pelas suas montanhas, como se o homem fosse a sua cruz, e depois de rasgada, ferida e semeada, exclamou:
- Senhor! enviai-me um sol claro e uma brisa tranqüila, afim de que brotem, floresçam, deem fruto as sementes semeadas, sem conta, em meu seio,
- que o meu irmão homem tem fome!
As sementes brotaram, cresceram, floriram e deram seus frutos de todas as cores e de todas as formas e era uma doce alegria no estio, ao nascer da alvorada, a enorme fraternidade das plantas em fila, tão verdes e tão cheias ainda de pequenos fragmentos de sol, que parecia que tinham naquele momento descido do céu. Então o homem com as foices recurvas de fios cortantes, alçou com violência no espaço o seu braço seguro e cortou um por um, os caules delgados e as hastes flexíveis. E as plantas, já mortas, chorando nos troncos molhados de seiva, bradaram:
- Senhor! nós queremos nascer outra vez, novamente brotar, florir e dar fruto outra vez, para sermos cortadas de novo,
- que o nosso irmão homem tem fome de ouro.
Os tenros carneiros encheram-se todos de lã e os grandes rebanhos, bem brancos, unidos, nos campos, iguais a esses grupos de nuvens que indicam bonança, caíram sem luta nas bárbaras mãos que, movendo pesadas e largas tesouras de ferro, cortantes e frias, cortaram-lhes rentes as lãs, e as ovelhas, já nuas, com o couro sangrando dos talhos, baliram:
- Senhor! Curai-nos as chagas e enchei-nos de novo de lã.
- que o nosso irmão homem tem frio.
Então o homem, que matara a sua sêde de água e de ouro, que matara a sua fome e extinguira o seu frio, ao poente ao nascente do sol, numa grande alegria, em nome das suas humildes irmãs, a terra e as nuvens, as árvores e as plantas e as doces ovelhas, ergueu muito alto o seu canto de glória em louvor do Senhor.