“Antes morrer que pecar”

“É à volta de um problema quase único, o da infância infeliz e abandonada, que Dom Bosco concentra o essencial da sua atividade. Mas a importância desse problema, soube ele compreendê-la tão profundamente, e levar os seus contemporâneos a medi-la, que sobre essa base vai edificar uma obra grandiosa”.[1] O encontro e a influência de dois santos, Dom José Cottolengo e Dom José Cafasso, fizeram-no conhecer a fundo a miséria humana, e com eles aprendeu que “a caridade tem exigências sem limites e que, quando nos pomos ao seu serviço, temos de aceitar ser devorados por ela”.[2]
Dom Bosco pôs-se a serviço da caridade, procurando dar um abrigo fixo àquela mocidade abandonada nas ruas. Mesmo repelido por toda a parte, e mesmo quando os meninos que abrigava fugiam, levando os cobertores, ia achando meios de se instalar, e assim nasceu o primeiro Oratório de São Francisco de Sales, em memória de São Filipe Néri, que o alegre Dom Bosco admirava, e de São Francisco de Sales, “que ensinara os católicos a trazer a religião para a vida, a praticar diariamente as virtudes e a usar de suavidade na ação apostólica”.[3]
E eis que, “entre todos aqueles que as mãos potentes de Dom Bosco formaram, surge um santo com todas as letras, o pequeno Domingos Sávio (1842-57), modelo de fé, de devotamento, de graça, que a Igreja elevará aos altares”[4]. Magro e frágil, compensava a falta de força física com a sua fortaleza de coração. Devorado, já aos cinco anos, pelo amor de Deus, era humilde, e sabia ouvir e respeitar. Buscava e aceitava a vontade de Deus, fosse qual fosse.
Domingos Sávio, também de origem muito humilde, foi o primeiro fruto que se destacou da obra de Dom Bosco. Nasceu no dia 2 de abril de 1842, em um vilarejo chamado Riva, vila de Castelnuovo de Asti, próximo de Turim, ao norte da Itália. Seus pais, Carlos Sávio e Brígida Agagliate, de quem aprendeu o amor a Deus, eram humildes e devotos, e tinham a fé simples de um ferreiro e de uma costureira. Segundo Dom Bosco, Domingos era dotado “de uma índole doce e de um coração formado para a piedade, aprendeu com extraordinária facilidade as orações da manhã e da noite, que rezava já quando tinha apenas quatro anos de idade”.
Aos cinco anos, era já notado por sua devoção. Sabe-se que, por esta época, quando a família recebeu um visitante para um almoço, Domingos retirou-se com seu prato da mesa para comer sozinho em um canto. Depois, quando seu pai indagou a razão deste comportamento, respondeu: “Não me atrevo a pôr-me à mesa com uma pessoa que começa a comer como o fazem os bichos”.
Em 1847, quando a família mudou-se para Murialdo, perto de Castelnuovo, Domingos começou a assistir à catequese da paróquia. Chegava sempre adiantado para a santa missa, mesmo que por isso tivesse que esperar rezando, no frio e nas escadas, enquanto não abrissem a igreja. Logo aprendeu a ajudar na missa e tornou-se coroinha.
Domingos ardia no desejo de receber a Santa Eucaristia, e muito cedo, aos sete anos (1849), por sua maturidade e seu discernimento, obteve permissão para fazer a sua primeira comunhão, que naquela época era feita apenas aos doze anos. Considerava a confissão e a comunhão como os dois grandes remédios para os males de sua alma, para qualquer dúvida que surgisse, e tomou, nesta ocasião, propósitos que nos impressionam em um menino de sete anos:
“Propósitos que eu, Domingos Sávio, me propus no ano de 1849, quando fiz a Primeira Comunhão, aos 7 anos de idade:
1º. Confessar-me-ei com frequência e receberei a Sagrada Comunhão sempre que o confessor me permitir;
2º. Quero santificar os dias de festa;
3º. Meus amigos serão Jesus e Maria;
4º. Antes morrer que pecar”.
Desejava tornar-se sacerdote, e por isso, aos dez anos de idade, percorria quase vinte quilômetros todos os dias para a escola de Castelnuovo. Como impressiona, nesta época, ver o menino interpondo-se entre brigas, fazendo pequenos sacrifícios diários, e tomando para si a culpa de seus colegas na escola para livrá-los da punição. Certo dia, seus colegas puseram pedras na estufa da classe e acusaram Domingos, que aceitou a culpa em silêncio quando o mestre sacerdote mandou que se ajoelhasse na frente de todos para censurar-lhe a conduta. No dia seguinte, no entanto, o bom sacerdote descobriu a verdade, e quando perguntou a Domingos por que não havia se defendido, ele respondeu que queria imitar Cristo, que sofreu por nossos pecados e não se justificou quando foi acusado injustamente. Além disso, sabia que os verdadeiros culpados seriam expulsos se fossem acusados, mas ele seria perdoado por não ter ainda nenhuma outra falta.
O talento e a virtude do pequeno Domingos começaram a chamar a atenção de D. Cugliero, seu professor, que em 1854 procurou por Dom Bosco para contar-lhe que havia encontrado um “outro São Luís Gonzaga”. Ao conhecer o pequeno santo, quando este contava apenas doze anos, Dom Bosco o descreve dizendo que “era débil e delicado de compleição, de aspecto grave e ao mesmo tempo doce, com um não sei que de agradável seriedade”.
Como a situação da família de Domingos era precária, Dom Bosco decidiu levá-lo para o Oratório de Valdocco, em Turim, onde ele permaneceu cerca de três anos. Cumpria seriamente todos os deveres, e manifestava sempre uma boa conduta e um dom natural para acalmar as discussões entre seus companheiros. Cuidava acima de tudo para que todos servissem melhor a Deus, inspirando-se sempre em seu pai espiritual.
O grande ideal de Dom Bosco, “dai-me almas, Senhor, e ficai com tudo o mais”, refletiu-se no jovem santo. Certo dia, em um de seus sermões, Dom Bosco incentivou todos a alcançar a santidade, sem considerá-la como algo distante. Quando o pequeno Domingos, que desejava ardentemente tornar-se santo, perguntou-lhe o que deveria fazer, Dom Bosco ensinou-lhe que o caminho mais rápido seria ganhar almas para Deus, pois Jesus derramou por elas até a última gota de seu preciosíssimo sangue.
Quando, no dia 8 de dezembro de 1854, o Bem-aventurado Papa Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição, Domingos decidiu consagrar-se a Nossa Senhora, renovando seus votos de primeira comunhão: “Maria, eu vos dou meu coração; fazei com que seja vosso. Jesus e Maria, sede sempre meus amigos; mas, por vosso amor, fazei que eu morra mil vezes antes que tenha a desgraça de cometer um só pecado”. Fundou também a Companhia da Imaculada, destinada à ação apostólica, manifestando que “gostaria de fazer algo em honra de Maria, mas que fosse logo”, porque temia que não lhe restasse muito tempo. Nesta Companhia, seus membros comprometiam-se a ser obedientes e a vigiar os que se comportavam mal.
Domingos preocupava-se muito com a salvação das almas. Manifestava o desejo de ensinar o catecismo às crianças, por imaginar que muitas poderiam se condenar apenas por nunca receberem instrução. E suas aspirações iam ainda mais longe. Dom Bosco relata que ele desejava também ir à Inglaterra para converter as almas, afirmando que “sua oração predileta era a coroa ao Sagrado Coração de Jesus para reparar as injúrias que recebe dos hereges, infiéis e maus cristãos”.
Mas a vida deste pequeno santo, que prometia grandes obras, seria breve. Domingos tinha um pressentimento de que não conseguiria tornar-se sacerdote como gostaria. Quando ficou doente, com tuberculose, e foi mandado de volta do oratório para casa, despediu-se de seus amigos definitivamente. E no dia 9 de março de 1857, morreu com uma santidade sublime, contemplando uma linda visão, segundo suas próprias palavras.
Foi um exemplo comovedor da “força sobre-humana da humana fraqueza”.[5] O papa Pio XII, quando o canonizou em 1954, afirmou que era “pequeno, porém um grande gigante de alma”. Tornou-se padroeiro dos cantores infantis, e suas relíquias encontram-se hoje em Torino (Itália), na basílica de Nossa Senhora Auxiliadora. O próprio Dom Bosco escreveu a primeira biografia deste grande pequeno santo, incentivando os jovens a perguntar: “Se Domingos, com tão pouca idade, pôde santificar-se, porque não poderei também eu?”. Sua história suscitou muitas vocações, entre elas a do futuro Papa Bento XVI.[6]
Tabernáculo do Senhor, exemplo de amor a Deus e ao próximo, foi um verdadeiro apóstolo e missionário de Jesus. São João Paulo II, em sua Homilia do dia 7 de dezembro de 1997, exortou todos para que seguissem seu exemplo, dizendo:
“Como São Domingos Sávio, que todos sejam missionários do bom exemplo, da boa palavra, da boa ação em família, com os vizinhos e com os colegas de trabalho! Com efeito, em todas as idades pode-se e deve-se dar o testemunho de Cristo! O compromisso do testemunho cristão é permanente e quotidiano!”.
[1] Daniel-Rops, A Igreja das revoluções I: diante de novos destinos. Tradução de Henrique Ruas. São Paulo: Editora Quadrante, 2003, p766.
[2] Idem, página 768.
[3] Idem, página 769
[4] Idem, página 771.
[5] Idem, página 771 nota 76.