quinta-feira, 19 de maio de 2016

Blogue amigo!

Nota do blogue: Divulgo com alegria um blogue que chega com "peso". Blog do [cultor], recomendo vivamente.



O que é a Verdade?

Por Pedro Cerruti, “O caminho da verdade suprema”, p. 5-12.
Nunca talvez como em nossos dias sentiram os homens uma necessidade tão urgente da verdade. Não destas verdades que a Ciência nos fornece, arrancando cada dia à natureza novos segredos e forças espantosas. Nada mais perigoso do que a ciência em mão de uma consciência desorientada e a serviço de uma vontade esquecida do seu destino. Eis por que treme a humanidade e procura mais para o alto a verdade salvadora e a doutrina segura.
Comumente atribuímos o predicado de “verdadeiro” às coisas, aos conhecimentos e às palavras; e dizemos que:
  • uma coisa é verdadeira, quando possui a sua própria natureza; ouro verdadeiro é aquele que tem realmente a essência do ouro; 
  • um conhecimento é verdadeiro, quando representa o objeto como realmente é, quando diz do objeto o que ele é e não o que ele não é; 
  • as palavras são verdadeiras quando manifestam o que realmente pensamos.


 verdade das coisas, chamada verdade ontológica, depende da conformidade delas com as ideias da Inteligência divina que a concebeu e criou.
verdade do conhecimento, chamada verdade lógica ou formal, depende da conformidade da nossa inteligência com as coisas. De fato, todo o nosso esforço ao procurar conhecer uma coisa consiste em nos “adequar” à coisa, à realidade. Quando, por ex., olhando pela janela, não distinguimos se chove ou não, abstemo-nos de julgar. Quando, porém, nos certificamos de ter atingido a realidade, afirmamos ou negamos; e se vemos que está chovendo, a impossibilidade de negá-lo não é uma impossibilidade puramente subjetiva de pensar o contrário, mas uma impossibilidade imposta pela realidade e independente de nós, pois não é a nossa inteligência que faz com que as coisas (naturais, não-artificiais) sejam e sejam o que são.
Donde para conhecer uma coisa e falar dela com verdade é necessário que a nossa inteligência se conforme com aquilo que a coisa é. E isso vale também para as afirmações de ordem universal como “o homem é animal racional”, “o todo é maior do que uma de suas partes”.
Mesmo quando erramos, o esforço feito foi de nos adequar à realidade, e a nossa afirmação provém ainda da persuasão (precipitada, no caso) de nos estar conformando com o que é.
Reconhecer que o nosso esforço no conhecer é para saber e dizer o que é e não o que não é, é reconhecer que as nossas faculdades cognoscitivas são feitas para conhecer o que é, a realidade; que a natureza delas é de tender para a realidade: a verdade; que são aptas para atingir a realidade, a verdade. Senão, não se poderia dizer de quem afirma, por ex., 2 + 2 = 5, que usa mal das suas faculdades.[1]
A verdade das palavras consiste na sua conformidade com o que a inteligência pensa e julga.

Estas três espécies de verdades supõem sempre como elemento comum uma conformidade, uma adequação entre estes dois termos: inteligência e realidade. Daí a definição da verdade: “adaequatio intellectus et rei” [adequação do intelecto e da coisa].
Quem se conforma dá o nome à verdade:


  • conformidade da realidade da coisa à Inteligência divina = verdade da coisa, é verdade essencial (provém da sua essência) transcendental (compete a todas as coisas, porque todas têm entidade e precisamente aquela que Deus pensou e quis, pois nunca Deus se engana no realizar suas idéias). — Todas as coisas, enquanto — pelo fato de terem alguma entidade — são aptas para serem conhecidas pela inteligência humana cujo objeto é o ser, possuem também uma verdade transcendental acidental: é a inteligibilidade da realidade.
  • conformidade da inteligência humana à realidade, às coisas = verdade da inteligência, isto é, verdade do conhecimento, verdade lógica e formal.
  • conformidade das palavras com o conhecimento da inteligência = verdade das palavras, chamada veracidade, que se opõe à mentira e de que trata a Ética.
Trataremos da verdade lógica, do conhecimento, que se define: “adaequatio intellectus ad rem” [adequação do intelecto à coisa], conformidade da inteligência à coisa, ao objeto, isto é, à realidade. Explicação:

            a) relação de conformidade: donde deve haver dois termos distintos: o ato do conhecimento e o objeto conhecido. Suprimir um dos termos é suprimir a verdade. Não pode haver conhecimento sem objeto conhecido, nem objeto conhecido sem conhecimento. Isto vale mesmo quando pela reflexão tomamos por objeto de um conhecimento um conhecimento anterior. Sempre o objeto conhecido é distinto do ato com o qual é conhecido, como melhor veremos na refutação do Idealismo.
            b) conformidade, adequação da inteligência de ordem não física, mas intencional e cognitiva: a inteligência, ao conhecer o que é “pedra”, não se torna pedra fisicamente, mas só representativamente (= intencionalmente, intendere). — Como se dá, será exposto infra, no processo psicológico do conhecimento.
            c) à coisa, isto é, qualquer ser, qualquer entidade real ou possível, abstrata ou concreta, interna ou externa. — Não é necessário que esta conformidade seja total ou perfeita e represente tudo o que o objeto é, pois os nossos conhecimentos de um objeto podem ser verdadeiros, sem serem completos, perfeitos, exaustivos ou compreensivos. Basta que a qualidade ou tipo de ser que a inteligência concebeu e atribui ao objeto esteja de fato neste objeto.
Donde o conhecimento é essencialmente representativo e intencional, isto é, essencialmente relacionado com o objeto conhecido. Conhecer é necessariamente conhecer algo; e algo é tudo o que não é o puro nada, por conseguinte é tudo o que de qualquer modo é ente, ser. Logo, conhecer é essencialmente conhecer o sera realidade: sempre e para todos afirmar uma verdade é dizer o que é.

Esta definição da verdade deve ser admitida por todos; e de fato ela é pressuposta em qualquer sistema filosófico. Que valor pretende ter um sistema filosófico, senão o de ter “colhido” (= apreendido) a realidade, de se ter conformado a ela e de apresentá-la como ela é? Não fosse assim, seria um sistema afirmado por vontade caprichosa, sem fundamento nem motivo na realidade, portanto, sem valor. Negar esta definição seria, pois, o suicídio do sistema.


[1] C. Giacon S. J., La Verità Cattolica, 3.ª edição., Vol. I, p. 21-23, Marzorati, Como, 1945.