Capítulo I
O Martírio de Maria
A beleza de Jesus é inesgotável. Assim como a visão de Deus no Céu, ela é sempre variada e, todavia, sempre a mesma; sempre cara como uma jóia antiga e familiar e, no entanto, sempre um objeto de surpresa e refrigério para o espírito, como se fosse, na realidade, sempre nova. Jesus é belo sempre, belo em toda parte, tanto desfigurado pelos tormentos da Paixão, como entre os esplendores da Ressurreição; tanto nos horrores da Flagelação, como entre os encantos indescritíveis de Belém. Mas, sobretudo, Nosso Senhor é belo em Sua Mãe. Se nós amamos Jesus, devemos amar também Maria. É preciso que conheçamos a Mãe para conhecer o Filho. Assim como não há verdadeira devoção para com a Santa Humanidade do Salvador sem a fé em Sua Divindade , assim não teremos senão um amor insuficiente pelo Filho se O separamos de Sua Mãe, se deixamos Esta de lado, como se fosse um simples instrumento que Deus escolheu da mesma maneira que poderia escolher uma coisa inanimada, da qual não se olha nem a santidade nem a conveniência moral. Ora, amar a Jesus cada vez mais é a nossa tarefa de cada dia. Os anos seguem-se aos anos; a antiga sucessão das festas sempre se repete; as divisões bem conhecidas do ano cristão nos atingem, fazem sobre nós sua impressão e prosseguem seu curso. Quantas festas de Natal, Semana Santa, Pentecostes, nós já vimos passar, marcadas cada uma por algum acontecimento que as deixou marcadas em nosso espírito!
Estas festas, passamo-las uma num local, outra noutro; aquelas em certas circunstâncias, estas em outras. Algumas dentre elas, graças a Deus, distinguiram-se por marcantes efusões do coração, na vida interior, de maneira a modificar ou a fortificar nossa devoção e a influenciar notavelmente nossas relações pessoais com Deus. Os fundamentos de numerosos edifícios, que não se elevariam sob o sol senão muito mais tarde, eram então lançados, embora quase imperceptíveis. Todavia, quaisquer que tenham sido as mudanças vistas ou operadas por essas festas, elas sempre nos encontraram ocupados com uma só e mesma obra, a saber, com nos esforçarmos por amar a Jesus cada vez mais. E, através de todas essas mudanças e de toda essa perseverança em nossa obra única, nossa experiência nos diz, com razão, que nós nunca avançamos tão rapidamente em nosso amor pelo Filho como quando passamos pela Mãe, e que o que nós edificamos mais solidamente para Jesus é o que há sido edificado com Maria. Não perdemos tempo na busca por Jesus, se vamos junto a Maria, pois Ele está sempre com Ela, sempre em Sua casa. A obscuridade dos mistérios de nosso Salvador se muda em claridade quando nos aproximamos da luz de Maria – que é a mesma luz de Seu Filho. Maria é a rota abreviada para chegar a Jesus. Ela tem um extremo acesso junto a Ele. Ela é a Sua Ester, e suas respostas às petições apresentadas por Ela são prontas e completas.
Mas Maria é um mundo que nós não podemos abraçar com um único olhar. Devemos nos devotar a Seus mistérios particulares. Devemos pôr em destaque certas regiões deste mundo da graça e concentrar nossa atenção sobre elas. Devemos examiná-las e descrevê-las com exatidão antes de passar a outras, e então aprenderemos muito, ao passo que uma vista apenas geral nos impossibilitaria obter um conhecimento suficiente e encher nossas almas de riquezas espirituais, riquezas ao mesmo tempo de ciência e amor, capazes de nos aproximar eternamente de Nosso Senhor por uma união mais íntima com Ele. Como a Vontade bendita de Deus persevera em nos conservar a vida e nos reter, por Seus misericordiosos desígnios, em meio a este desalento e a esta angustiante possibilidade de pecar, determinemo-nos, ao menos, a não nos ocupar senão de Deus, pois, afinal, há muito que não temos uma outra ocupação que valha a pena. Há ainda, mesmo na extensa sombra dos tristes desertos do mundo, milhares de oásis, onde podemos trabalhar ao ruído de águas vivas e conversar com Ele nas horas frescas do dia; e podemos errar de um oásis a outro segundo a fraqueza ou a força do nosso amor nos levar. Quanto ao presente, vamos nos deter no jardim das dores de Maria. É um dos mais prezados jardins de Deus e não podemos aí trabalhar senão à sombra de Sua presença e com o amor de Jesus maravilhosamente tomando posse de nossa alma. Pois o amor de Jesus está no ar puro deste jardim, nas emanações de seu chão lavrado, no odor de suas flores, no burburinho de suas folhas, no canto de seus pássaros, no brilho de seu sol, no ruído tranqüilo das cascatas que jorram de suas rochas. Por amor ao Senhor é aí que nos prenderemos algum tempo como num claustro, e o mundo, para o qual somos de pouca importância, e que é, ele mesmo, de menos importância ainda para nós do que nós para ele, deixará durante uma temporada de nos encontrar em nosso posto.
A lei da Encarnação é uma lei de sofrimento. Nosso Senhor foi o Homem das Dores, e por Seus sofrimentos é que Ele resgatou o mundo. Sua Paixão não foi um mistério isolado do resto de Sua Vida; ela foi simplesmente o fim e o desenlace que mais convinha. O Calvário não difere de Belém ou Nazaré: ele lhes sobrepassa em intensidade, mas sem diferir em natureza. Os 33 anos da Vida de Nosso Senhor foram passados num sofrimento contínuo, embora variado em espécie e intensidade. Esta mesma lei de sofrimento, que diz respeito a Jesus, atinge também todos aqueles que d’Ele se aproximam; ela os envolve na proporção mesma da santidade deles, e reclamando uma posse completa. Os Santos Inocentes não eram, nos conselhos de Deus, mais que os contemporâneos de Nosso Senhor, e esta proximidade bastou para os mergulhar num mar de sofrimentos. É pela lei que mencionamos que eles perecem duramente, nos braços de suas mães desesperadas, para receber em recompensa as coroas e as palmas eternas; feliz troca, magnífica fortuna tão rapidamente achada e tão maravilhosamente assegurada! A mesma lei envolverá cada um dos Apóstolos sobre os quais tombar a inefável escolha do Verbo Encarnado. Será uma cruz para Pedro e seu irmão André, uma espada para Paulo, uma espada para Tiago; será a faca que arrancará toda a pele de Bartolomeu, e para João o óleo fervente e os longos anos duma dolorosa espera. Qualquer que seja a forma exterior, há sempre o sofrimento interior. Este os seguiu em todas as suas contrariedades, os cobriu com sua sombra em todas as suas vicissitudes. Marchava com eles pelas estradas romanas, como se fôra um anjo guardião. Acompanhava-os nas galés sobre as águas perigosas do Mediterrâneo. Como Apóstolos, eles tinham de ser semelhantes ao seu Mestre, tinham, pois, de passar pela escuridão do Calvário, fosse em Roma ou em Bactres, na Espanha ou em outros lados. A mesma lei há envolvido os Mártires de todos os tempos. Suas “paixões” eram reflexos vivos da grande Paixão, e o sangue que eles derramavam mesclava seus fluxos ao Preciosíssimo Sangue do Redentor, o Rei dos Mártires. E o mesmo se diga dos Santos todos, quer tenham sido bispos ou doutores, virgens ou matronas, leigos ou religiosos; um amor extraordinário, uma graça extraordinária sempre lhes chegava sob a forma duma provação extraordinária e dum extraordinário sofrimento. Eles também deviam ser mergulhados na escuridão do Calvário, para que pudessem ver, e ver de perto, a Face do Crucificado. E assim tem sido para todos os eleitos, cada um segundo a sua medida. É preciso que eles estejam compreendidos pelo menos nas bordas da escura nuvem que deve, ao passar, cobri-los com sua sombra, talvez mais de uma vez, para assegurar-lhes a salvação de suas almas, em lhes proporcionando uma semelhança suficiente com seu Mestre. Que deveríamos pensar, portanto, da Mãe de Jesus, que, de todas as criaturas, é a que mais perto se encontra a Ele?
Não há como nos surpreendermos, pois, se Maria sofre mais do que qualquer pessoa, depois de Jesus. A imensidade de Suas dores não será para nós um escândalo, nem uma surpresa; será antes a conclusão natural de tudo o que sabemos do grande mistério da Encarnação. A amplidão de Seus sofrimentos serve como medida da magnificência do amor de Seu Filho por Ela. E a profundeza de Suas penas será o mais seguro meio de sondar o abismo de Seu amor por Seu Filho. O imenso oceano de Suas dores dará a medida da grandeza de Sua santidade. É a altura de Sua divina Maternidade que elevará Seus sofrimentos às alturas da divina Paixão. Isenta do pecado, Ela parecerá quase submetida à mesma lei vivificante de expiação [que os pecadores]. A união da Mãe com o Filho torna inseparáveis a Compaixão de Maria e a Paixão de Jesus, apesar das muitas razões pelas quais manifestamente se distinguem uma da outra.
A Mulher revestida do sol será envolvida de todos os lados pela brilhante escuridão deste terrível destino que Jesus se digna fixar e, em seguida, aceitar como a grande lei de Sua Encarnação. Devemos assim estar preparados, pois, para o fato de que as dores de Maria sobrepassam a capacidade de nossa imaginação, indo além de toda descrição. Nós podemos somente contemplá-las com os instrumentos que nos fornecem a fé e o amor, e observar a beleza e a estranheza de tantos fenômenos que não podemos compreender senão imperfeitamente. É nos possível, assim, particularmente, aumentar nossa devoção à Paixão, da qual várias regiões desconhecidas são momentaneamente esclarecidas para nós pelo contato das dores de Maria, do mesmo modo que, no eclipse de Júpiter, este luminoso planeta, ao atingir com seu raio a porção obscura da Lua, projeta, como uma revelação, uma linha momentânea de luz ao longo do lado invisível do astro da noite, provando, assim, a realidade do que não se vê.
Mas, antes de pedir a São João Evangelista que nos tome pela mão e desça conosco às profundezas deste Coração sofrido, que ele, o santo do Sagrado Coração, conhece melhor que os outros, iremos lançar uma vista geral sobre as dores da Santa Virgem, como quando nos familiarizamos primeiro com o plano geral da geografia de um país antes de lhe conhecer os detalhes. Há sete pontos sobre os quais nos é necessário alguma explicação antes de podermos estudar com proveito os mistérios distintos de Suas eminentes dores. Explicaremos, pois, como nos for possível, a imensidão das dores de Maria, o porquê Deus as permitiu, quais as suas causas, suas características, como Maria podia se alegrar em meio a elas, como a Igreja no-las apresenta, e qual deve ser o espírito de nossa devoção para com elas. São estas as questões que buscaremos responder, e as respostas, ainda que imperfeitas, serão para nós uma espécie de introdução ao tema.
I.
Imensidade das dores da Santa Virgem
Quando pensamos nas maneiras de descrever, o melhor possível, as dores de Maria, chegamos à conclusão de que elas são, em realidade, indescritíveis. Não vemos mais do a aparência exterior, e não mais do que os sinais através dos quais esta se manifesta. Aquele que olha para o vasto oceano Atlântico, vê uma quantidade imensa de água formando, de todas as partes, um branco horizonte; mas aquela vasta extensão de água não diz nada, nem da vida e formas variadas e numerosas de seres que ela abriga em seu seio; nem dos encantadores jardins marítimos, cheios de ervas das mais vivas cores, dos bosques de púrpura, das densas moitas dum verde dourado, das grutas cavadas dentro de fantásticas rochas e cobertas de árvores amarelas, semelhantes a palmeiras frondosas, banhadas pelas ondas azuis, nem das ervas brilhantes, malhadas, de grandeza próxima da das árvores, que formam ali como que um parque; nem das milhas e milhas de florestas tingidas de rosa, onde formiga a vida sob aspectos estranhos, magníficos e até inimagináveis. Assim também o oceano de dores que recobre as profundezas secretas do Coração Imaculado da Mãe de Deus. O que vemos já é capaz de nos estontear e, todavia, ainda é apenas a superfície. A que, portanto, recorreremos para expressar as dores da Santa Virgem? Santos homens hão tentado fazê-lo e, para tanto, chamaram-na de Corredentora do mundo; eles dizem que Suas dores misturam-se ao Preciosíssimo Sangue, constituindo com este um só e mesmo Sacrifício pelos pecados do mundo. Há uma verdade profunda e sólida oculta sob essas grandes palavras, e é preciso compreendê-las num sentido que lhes garanta seu caráter de verdade. Elas são a expressão duma devoção excelente, que se esforça por fornecer à fraqueza de nossa inteligência uma idéia verdadeira das grandezas de Maria. Elas são exatas, sem nenhum exagero, embora precisem ser enunciadas com prudência e explicadas bem. Examiná-las-emos no nono capítulo, avançando agora para a nossa meta por outra rota, mais conforme aos nossos hábitos e predileções. É que dada a altura do nosso assunto, preferimos ir devagar de preferência a correr e acabar embaraçando a vista das coisas por uma luz demasiado forte. Chegaremos, assim, ao nosso fim, duma maneira não apenas mais conforme a nossa fraqueza, como também mais própria a ganhar a confiança de nossos leitores.
A primeira coisa, portanto, que nos cabe dizer sobre as dores da Santa Virgem, é que a sua imensidade não deve ser entendida senão no sentido que ordinariamente se atribui a esse termo quando aplicado às coisas criadas. É às dores de Maria que a Igreja aplica as palavras de Jeremias: “Vós todos que passais, olhai e considerai se existe dor semelhante à minha dor. (...) Quem compararei contigo, ó filha de Jerusalém? E que alegarei eu para te consolar, ó filha de Sião? Pois tua dor é grande como o mar. Quem poderá curar-te?” (Lm I e II). Representa-se também o amor de Maria como um fogo que as grandes águas não podem apagar (Ct VIII), e esta maneira figurativa de falar é a mesma empregada pelos Santos para tratar das dores da Mãe Santíssima. Santo Anselmo diz: “Toda a crueldade exercida nos corpos dos Mártires é leve, ou antes, é um nada, se comparada à crueldade da paixão de Maria” (De Excell. Virg., cap. V). São Bernardino de Siena diz que a dor da Santa Virgem foi tão grande que, se houvesse sido repartida entre todas as criaturas capazes de sofrer, todas elas teriam perecido imediatamente (Ap. Novatum, I, 359). Um Anjo revelou à Santa Brígida que se Nosso Senhor não houvesse sustentado milagrosamente Sua Mãe, Ela não teria tido como sobreviver a Seu martírio (Rev. S. Birgittae, t. XVII). E seria fácil multiplicar passagens semelhantes, tiradas tanto das revelações dos Santos quanto dos escritos dos Doutores da Igreja.
Mas o que mostra sobretudo a imensidade das dores de Maria, é que elas ultrapassaram as de todos os Mártires. Não somente jamais há existido um Mártir que, por prolongadas e complicadas que tenham sido suas torturas, igualasse Maria em sofrimento, como mesmo as agonias de todos os Mártires juntos, com toda a sua variedade e intensidade, seriam incapazes de sequer aproximar-se das angústias da paixão de Maria. Nenhum homem ousaria pensar ou falar dos sofrimentos corporais como de coisa leve; se o quisesse, sua própria experiência o convenceria do contrário. Foi em grande em parte pelo sofrimento corporal que o mundo foi resgatado; e não é por este mesmo meio, principalmente, que somos agora aperfeiçoados? Por isso é que a Justiça infalível de Deus se agrada tanto de pôr sobre a fronte dos Mártires uma coroa particular, reservada àqueles que, com paciência heróica, hão suportado tormentos físicos e até sacrificado a vida por Cristo. Mas, mesmo no que diz respeito aos sofrimentos corporais, Maria superou os Mártires. Seu ser inteiro foi envolvido de amargura; os gládios que transpassaram Sua alma atingiram também todos os nervos e todas as fibras de Seu corpo, e podemos mesmo pensar que o Seu corpo, isento de pecado e singularmente perfeito, há sido cuidadosamente preparado para sofrer mais que todos os outros, à exceção de Seu Filho. Os Mártires já tinham a carne como inimiga há muito tempo, e a viam como um obstáculo no caminho do Céu, a que era preciso punir, mortificar, subjugar, olhando-a com uma espécie de piedoso ódio. Já o corpo de Maria era sem pecado. Era uma mina maravilhosa, a substância mais pura, mais sublime, que o mundo conheceu, donde se formou a Carne Sagrada e o Sangue Preciosíssimo de Nosso Senhor. Ela não podia conhecer, pois, aquela vingança plena de delícias com que a santidade heróica triunfa sobre os sofrimentos da carne. Mas qual é a situação dos Mártires em suas torturas? Seus espíritos estão cheios de luz e de claridade; seus olhos estão fixos, interiormente, em Jesus, cuja beleza e glória os fortalecem. Isso é o que torna-lhes o fogo tão agradável quanto um vento de primavera; isso é o que torna-lhes as varas macias e doces, e que faz com que os golpes de açoite alegrem-lhes o coração como vinho; isso é o que lhes ameniza as lâminas de aço sobre suas carnes separadas e suas fibras ensangüentadas. O que os Mártires desfrutavam dentro de si era mais forte do que o que padeciam do lado de fora. Isso não quer dizer que a agonia deles não era real, mas apenas que era temperada, contrabalançada, quase metamorfoseada pelos socorros que recebiam na alma, pela infusão da graça e do amor que o seu generoso Mestre lhes concedia naquele momento. O olhar interior de Maria, no entanto, onde encontraria alguma consolação? Seu olhar interior lançava suas vistas bem onde o olhar exterior já estava fixo. Dirigia-se a Jesus, e esta visão mesma é que constituía Sua tortura. Ela via o estado da Natureza Humana do Cristo, e Ela era a Sua Mãe, a Mãe acima de todas as mães, amando como jamais uma mãe há amado, como todas as mães juntas não seriam capazes de amar se pudessem unir todo o seu amor num só ato. E Ele era o Seu Filho. E que Filho! E de que maneira maravilhosa concebido! Ele era o Seu tesouro, o Seu tudo. Daí as Suas dores agudas, vivas, mortais, incomparáveis, além de toda contemplação. Entretanto, Ela via bem mais que isso: via a Natureza Divina do Salvador.
Sabemos de mães que fazem de seus filhos os seus ídolos, ao ponto de preferi-los, por assim dizer, ao próprio Criador, e fazer deles o seu fim, a sua felicidade. Maria jamais poderia fazer isso, mas Ela o pôde, em outro sentido. Jesus não podia ser adorado como um ídolo: Ele devia ser adorado como o Deus Eternal. Ninguém o compreendia melhor do que Maria. Nenhum Anjo jamais rendeu a Jesus um culto tão sublimemente humilde como Maria o fez. Nenhum Santo, nem mesmo a terna Madalena, jamais há se prostrado aos pés de Jesus com uma angústia tão mortal, com um amor tão compadecente. Sim, Ele é Deus, e Maria o vê claramente em meio à escuridão do eclipse. Mas, então, o Sangue, os escarros, as manchas de lama, as Chagas asquerosas, as machucaduras lívidas e rasgadas – que significa tudo isso sobre uma Pessoa realmente e eternamente divina? É inútil esforçar-se por dar um nome a um padecimento tal qual o da alma de Maria. Jesus, a alegria dos Mártires, é como que o carrasco de Sua Mãe. Três vezes foi Ela crucificada: uma vez pela Natureza Divina, e mais duas vezes pela Natureza Humana, dividida em Corpo e Alma. Nenhum martírio jamais há igualado esse, perto do qual os outros nem merecem o nome de martírio. Foi uma soma de dores, além do que as penas materiais, indefinidamente ajuntadas e multiplicadas umas pelas outras, poderiam formar. Uma questão antes de gênero, todavia, do que de grau. As dores de Maria foram de um gênero que, embora guardando alguma afinidade com outros gêneros de dores, simplesmente não tem nome, a não ser aquele mesmo que lhe deram os filhos fiéis da Igreja: as Dores de Maria.
Os sofrimentos de Maria podem também ser chamados imensos por causa das proporções que eles assumem com Suas outras qualidades. Pois mesmo a imensidade deve, à sua maneira, ter proporções. Se Maria deve sentir a dor segundo Sua perfeição; se, após Jesus e por causa de Jesus, Ela deve ter a preeminência da dor, então Seus sofrimentos ser proporcionais à Sua grandeza. Mas Ela é a Mãe de Deus! Quem compreenderá a altura dessa grandeza? São Tomás tentou fazê-lo, e disse que mesmo o Onipotente não poderia conceber uma grandeza mais elevada. A Onipotência chegou aos limites do que Lhe era possível, ao imaginar e estabelecer a dignidade da Divina Maternidade. Que somos nós comparados a um Santo, ou um Santo comparado a um dos Anjos mais elevados, ou o mais elevado dos Anjos comparado à Maria? E, todavia, pode ser que a distância entre nós e Miguel ou Rafael seja menor que a distância entre esses mesmos anjos e Maria. Entretanto, mesmo para uma alma forte é difícil conceber o quanto nós estamos longe destas temíveis inteligências [angélicas], destas santidades incompreensíveis para nós. Uma dor proporcional às nossas forças, às nossas graças, mesmo mensurada com indulgência, pode ser qualquer coisa tão terrível, que temos vertigens ao pensar o que Deus pode exigir de nós. Que podem, então, sofrer, esses espíritos que deixaram o mundo duma maneira culpável, que estão já mortos para sempre, envolvidos pelas raízes da eternidade? Agora mesmo, em sua morada, morada do desespero, eles estão a sofrer, mas não além de suas forças. E quem pode pensar nos sofrimentos deles sem refugiar seus pensamentos em Deus, no temor de alguma desgraça desconhecida? No entanto, a alma de Maria é também imortal, também indestrutível, tanto quanto esses espíritos, e ainda mais forte; e Seu corpo foi sustentado milagrosamente por esta mesma Onipotência que confere uma ressurreição imperecível. Isso pode ser mesmo efeito do augusto Sacramento, não consumido nEla, e que em todos nós é semente duma ressurreição gloriosa, e cuja virtude Lhe conserva em pé e viva ao pé da Cruz ensangüentada. Qual deve ser, portanto, a dor proporcionada à grandeza da Mãe de Deus, à Sua força imensa e à Sua assustadora capacidade de sofrer? Se pararmos para refletir veremos quanto nossos pensamentos são impotentes aqui.
Mas era necessário que os sofrimentos da Santa Virgem fossem proporcionais também à Sua santidade. As provações dos Santos são sempre análogas aos seus méritos, que elas igualam em grau, e aos quais conferem uma feição particular. Se as dores de Maria foram obra direta de Deus; se elas foram as mais meritórias e semelhantes àquelas de Nosso Senhor; se as dores de Maria estão unidas àquelas de Seu Filho duma maneira inseparável, embora subordinada; se elas estão cheias de ações sobrenaturais e hão multiplicado as graças de Maria, elas devem ser, então, conformes à excelência de Seu amor e proporcionadas à Sua santidade. Mas esse cálculo dos méritos de Maria é desde sempre uma questão insolúvel, não porque alguma sombra de dúvida se insinua, mas porque a falta de cifras para escrever, de elementos para fazer essas gigantescas multiplicações, constitui um obstáculo insuperável. A santidade da Mãe de Deus não é absolutamente ilimitada [embora incogitavelmente gigantesca] – essa é a menor coisa que se pode dizer neste assunto. Se, portanto, lançamos rapidamente um olhar sobre o nome, grau e espécie de Suas graças; se, começando da Imaculada Conceição, nós fazemos, por assim dizer, um cálculo destas, até à Encarnação, nos servindo dos algarismos dos anjos, porque os dos homens nos faltariam já há muito, nossas reflexões mostrariam esses números caindo perto do infinito, no momento da Encarnação. Se contemplamos, com estupor e confusão, como somos obrigados a fazer, a rapidez da indefinível graça que, durante trinta e três anos, foi semeada de grande número de mistérios sublimes, poderemos nos formar uma idéia, não do total de Sua santidade, prestes a suportar uma soma proporcional de dores ao pé da Cruz, mas da impossibilidade de conceber claramente uma tal santidade. De sorte que nos afastamos com a impressão a mais esmagadora, mas é esta uma impressão como que sobrenatural, semelhante a uma crença, à vista do enorme fardo de sofrimento que exigia uma tal santidade, a fim de atingir o seu nível, para assim a fecundar, a amadurecer, a completar, a coroar e lhe acrescentar uma outra infinidade.
Também não podemos duvidar de que as dores de Maria tenham sido proporcionais às Suas luzes. A consciência aguça sempre a dor; a sensibilidade aumenta-lhe a violência. Na maioria das vezes, quando sofremos, não temos senão um conhecimento parcial da desgraça que nos aflige. E isso já basta, em geral, para ficarmos como que fora de nós pela dor. Uma parte de nós mesmos permanece, todavia, como que privada de sentimento sob o golpe que nos atinge, e esta parte de nossa alma é em nós um refúgio para a sensibilidade e o estado de vigília da outra parte. Uma criança chora a morte de sua mãe; mas, ah!, que de tempo seria necessário para ensinar à criança, e mesmo a um homem, o que significa a morte de uma mãe! Ora, o ser inteiro da Santa Virgem estava repleto de luz; não somente uma razão e uma inteligência de extrema perfeição esclareciam todas as Suas faculdades, das quais o exercício demonstrava a excelência; como Sua vida interior se passava em meio a uma atmosfera sobrenatural de ar e de luz. Em Suas dores, essa luz devia ser para Ela uma tortura. Temos o direito de supor que ninguém, exceto Nosso Salvador mesmo, há compreendido jamais a Paixão, abrangendo todos os horrores e tudo o que ela comportou de hediondo e de terrível. A inteligência de Maria foi a única a aproximar-se da de Seu Filho, por uma conseqüência natural do excesso de luz celeste que brilhava sobre Sua alma isenta de pecado. Se não temos senão idéias estreitas sobre a luz que Deus pode espalhar sobre as vastas inteligências dos Anjos, compreendemos menos ainda tudo o que Ele pode derramar na alma tão grande e tão pura de Sua Santa Mãe. Daí também as dificuldades singulares que encontramos na teologia da Visão Beatífica. O que a cegueira é para os cegos, e a surdez para os surdos, a ignorância o é para nós. Não podemos compreender o oposto. Tentamos adivinhar, e não nos formamos senão as imagens mais falsas. Marchamos através das trevas, e a luz do crepúsculo é tudo o que podemos suportar. A luz nos é penosa, nos embaraça, atrapalha nossos pensamentos e nos faz correr ao acaso. Nos Santos mesmos, uma luz muito repentina tinha o mesmo efeito que em nós; ela os cegava precisamente para fazê-los suportar as operações penetrantes e extáticas da graça. Eis aqui o que um piedoso escritor, provavelmente após uma revelação, há dito de Nosso Senhor: à noite, depois de ter sido ferido violentamente pela mão de um soldado armado duma luva de ferro, Seus olhos ficaram tão machucados que não podiam suportar a luz, a tal ponto que a claridade do sol Lhe causava os mais vivos sofrimentos, e assim Ele caminhava através das ruas de opróbrio em opróbrio, como um homem cegado e que não pode ver seu caminho senão imperfeitamente. A ignorância é a tal ponto a nossa atmosfera natural, que não há nada mais difícil de concebermos do que um excesso de luz espiritual e esplendores da inteligência. Assim, portanto, ainda aqui o entendimento das dores da Santa Virgem nos escapa, porque não temos meios de mensurar a extensão das luzes sobrenaturais a que elas deviam estar proporcionadas e com as quais elas cresciam, talvez simultaneamente.
A multidão das dores de Maria é igualmente impossível de medir. Cada olhar de Jesus cravava mais profundamente a lâmina na alma de Sua Mãe. Cada som de Sua voz amada, elevando-se bem alto sob as asas do amor maternal, era, ao mesmo tempo, tão cheia de amargura, que penetrava em Maria tão profunda e tão dolorosamente quanto era a alegria que trazia. Cada ação de Jesus causava a Maria uma multidão de penas nas quais o passado e o futuro se misturavam numa previsão única e terrível, sempre presente à Sua alma. Cada ato sobrenatural que se produzia em Seu Coração , e tais atos se produziam sem cessar, era uma nova dor. Com efeito, seja que o Seu espírito compreendesse qualquer coisa nova sobre Jesus, seja que respondesse a qualquer novo testemunho de amor de Seu Filho, ou que um novo amor se elevasse nEla, que Sua união com Jesus se tornasse mais estreita, que Seu espírito se iluminasse, que Ela sentisse um reavivamento de Suas afeições, ou enfim que Sua piedade adquirisse um novo ardor, em todas estas operações mais Nosso Senhor se Lhe tornava caro e precioso, mais Ela sentia o Coração despedaçado pelas dores inexprimíveis da cruel e ignominiosa Paixão. Sua vida era cheia de grandes acontecimentos, que se sucediam rapidamente; assim também a multidão de Suas dores aumentava a cada instante, simplesmente pela vida da graça que animava Seu Coração. Suas penas se acumulavam como as ondas do povo quando, numa grande cidade, a multidão vem selvagem de todos os lados e toma conta de tudo. Elas eram independentes dos acontecimentos exteriores, dos quais o encadeamento retém dentro de certos limites a dolorosa plenitude da vida humana. Podem ser comparadas a uma criação perpétua. Elas se criavam por si mesmas, mas não se criavam do nada. Originavam-se da eminente santidade de Maria, e mais ainda, da infinita beleza de Seu Filho. Ser-nos-á possível mensurar as aflições da Santa Virgem, qual a sua violência, quando elas se concentrarem como um peso único sobre Suas afeições e se expandirem a cada momento de todos os lados sobre Sua alma, com uma estonteante diversidade de sofrimentos, que não podemos nem imaginar adequadamente? Não precisamos, todavia, recear por Ela. Aquela que estava tão calma no momento da Encarnação que nem parecia uma criatura, não pode perder a paz por coisa mais alguma; mas quanto esta paz Lhe é amarga! In pace amaritudo mea amarissima!
Há ainda outra via porque se pode ver quanto as dores de Maria foram imensas, e é a consideração do que a força humana pode suportar. Elas ultrapassaram a medida da força natural da vida. É a opinião unânime dos piedosos escritores que escreveram sobre a Santa Virgem, opinião apoiada pelas revelações dos Santos, que por milagre é que Maria foi conservada viva sob a pressão de Seus intoleráveis sofrimentos. Nisto, como em tantas outras coisas, Ela participa dos dons de Nosso Senhor durante Sua Paixão. Esta foi a via da Santa Virgem, não somente nos horrores do Calvário, mas durante toda a Sua vida. A previsão que Ela tinha de Suas dores, pelo menos a partir do momento da profecia de Simeão, era tão viva e tão real que, sem um socorro particular da Onipotência de Deus, Sua alma teria sido separada do corpo. Ela não poderia sobreviver sob uma sombra tão intensa. Ela não poderia respirar nessas trevas tão densas. Ela teria sido afogada pelas águas profundas onde Sua alma estava continuamente mergulhada. Todavia era impossível que a razão duma criatura tão perfeita fosse turvada; nem poderia jamais cessar a paz num Coração tão estreitamente unido a Deus. Sua bela vida teria sido certamente extinta pelo excesso da dor se Deus não operasse um milagre perpétuo para a conservar; da mesma forma que Ela esteve sempre ao ponto de morrer por excesso de amor, do qual morreu, com efeito, no momento fixado por Seu Filho, quando Ele retirou o socorro extraordinário que a impedia de morrer. Qual terá sido, pois, o tamanho desta dor que reclamava um milagre constante para impedir o corpo de se separar da alma, desta alma sem pecado, onde o remorso não podia entrar, onde a dúvida não vinha jamais turvar o juízo, à exceção dos três dias de ausência de Jesus [aos doze anos], desta alma onde reinava uma paz contínua, em meio à tranqüilidade e à subordinação de todas as paixões?
Sob o testemunho de sua realidade, as dores da Santa Virgem excedem a medida de todas as realidades humanas, tanto da razão quanto do sentimento. Em nossas dores há, ordinariamente, muita exageração. A imaginação as duplica quase sempre. Se nossos sofrimentos vêm de outrem, nós lhe atribuímos uma malvadez que jamais existiu. Imaginamos motivos que sequer lhes passaram pelo espírito. Projetamos, sem razão, uma luz e desproporcionada sobre pequenos incidentes que são, provavelmente, de todo estranhos ao mal que sofremos. Ou então, se provamos algum incidente, nos representamos bem além da simples verdade; lhes conferimos proporções tão reais quanto as de uma sombra que um menino projeta num muro com uma lanterna contra um objeto. A fraqueza e a atividade combinadas de nossa imaginação envolvem nossa dor numa nuvem de erro, e esta nuvem é ainda engrossada por uma tola inclinação que nos leva a rejeitar as consolações [verdadeiras], a recusar dar ouvidos à razão, a nos entregar a uma indolência e a um abatimento culpáveis, e a interromper o curso ordinário de nossas ocupações e deveres. Nesta inclinação e nesta fraqueza nós encontramos uma espécie de prazer, que nos ajuda grandemente a suportar nossos males. Mas, nos sofrimentos da Santa Virgem, tudo era inteiramente verdade. Suas dores se elevaram de regiões tão altas, que delas não podemos formar mais que vagas idéias. Elas penetraram-Lhe até os mais profundos abismos da alma, os quais não podemos explorar, porque nada de semelhante encontramos em nós mesmos. Eram aguçadas pela perfeição inapreciável da natureza de Maria, por Sua graça superabundante, pela beleza perfeita e sobretudo pela Divindade de Jesus. Cada uma dessas causas, que aguçavam as dores de Maria, lhes conferia uma tal grandeza, que nossa vista limitada não pode abranger. Mas, para Maria, que possuía o recolhimento, a calma mais perfeita, cada um de Seus sofrimentos era completamente real, perfeitamente percebido em todos os seus efeitos, heroicamente aceitado com plena consciência, seja em sua atualidade, seja em sua extensão. Sua natureza física, isenta das devastações da doença e da desorganização que seguiu ao pecado, estava cheia da mais enérgica vitalidade, distinguindo-se pelas mais delicadas susceptibilidades, pela mais terna e mais viva sensibilidade – e isso tudo Lhe dava a mais esquisita e estonteante capacidade para sofrer. E não havia nada nEla, seja na razão, seja nos sentimentos, que pudesse amortecer um só dos golpes que recebia. O hábito não tornava Suas dores mais suportáveis, nem elas se tornavam menos distintas por ser continuadas. Nenhuma delas eram apenas locais; faziam-se, sim, sentir por todo o Seu ser. Elas estavam dotadas, por assim dizer, duma circulação rápida e duma agudeza ardente, cuja aflição penetrante atingia duma só vez todas as partes de Seu corpo e de Sua alma, sem afetar, em particular, mesmo por um instante, tal ou qual faculdade. Em meio à quietude inefável que lhes era própria, Suas dores não Lhe concediam trégua nenhuma. Não A deixavam jamais, nunca adormeciam nem afrouxavam. Noite e dia seus rugidos se faziam ouvir ao redor dos muros da cidade de Sua alma. Noite e dia seus dardos inflamados caíam como chuva nesse Coração sagrado. Nenhuma dor há de cuja crueldade Ela tenha sido poupada, ou da qual a amargura Lhe seja desconhecida. Ela conhece-lhes perfeitamente o preço, e não experimenta jamais alguma destas surpresas que, às vezes, nos jogam rapidamente, e sem que nos demos conta, em meio às mais grandes provas. Não havia uma sucessão nas dores de Maria, porque elas estavam todas fixas nEla, como as flechas de São Sebastião, e suas pontas envenenadas se faziam sentir todas ao mesmo tempo. Esta realidade das dores de Maria é assustadora. É um dos caracteres que não devemos esquecer em nossas próximas meditações, senão não conseguiremos compreendê-las direito. Seguramente esta é uma realidade imensa, e tal que não a poderemos encontrar fora de Jesus e Maria. É uma outra participação nos abismos da Paixão.
As dores de Maria tiveram parte na redenção do mundo, e isso lhes confere também um caráter próprio de imensidão. Porém, este é um assunto que examinaremos mais tarde, duma maneira extensa. Bastar-nos-á dizer agora que, em virtude dos desígnios de Deus, Maria foi associada à Paixão, a fim de que Suas dores se ajuntassem aos sofrimentos de Nosso Senhor. Isso foi assim, não sem motivo, mas, como ocorre em todas as coisas divinas, segundo um desígnio real e misterioso. Acrescentemos ainda que, como a Mãe e o Filho não puderam separar-se de modo algum durante os trinta e três anos da vida do Salvador, menos ainda poderiam estar separados no Calvário, onde Deus os uniu duma maneira tão impressionante, tão surpreendente.
Não temos necessidade de falar da beleza verdadeiramente artística e ideal das dores de Maria. Esta é uma característica essencial de todas as obras divinas. A Compaixão forma uma parte da grande epopéia da criação; o caráter dramático e as tristezas desta Compaixão não devem ser separados dos terrores sublimes e sagrados da Paixão do Verbo Encarnado. Mas não é uma poesia tocante que nós vamos apresentar aqui; é antes uma piedade simples e um crescimento direto de amor para com Maria e devoção para com Seu Filho. Se não pudéssemos pronunciar mais que uma sentença de banimento contra o sentimentalismo na religião, essa seria no que concerne à Santa Virgem Maria. Maria é uma grande realidade de Deus, e o sentimento tende a nos afastar da realidade das coisas, porque ele transforma a substância em imaginação, a solidez em elegância, e pára tanto no exterior que vimos a duvidar se existe mesmo um interior. A excelente beleza do martírio de Maria pode, portanto, se apresentar a nós, nos transportar pelos ares, nos arrancar doces lágrimas, e acalmar a agitação de nossos corações; mas, não será para obter semelhantes efeitos que nos afastaremos do caminho de doutrina e devoção que nos temos traçado. Entretanto, se as coisas artísticas podem de qualquer forma aumentar o puro amor que temos por Deus, que sejam bem-vindas.
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(Próximo subtítulo a ser traduzido: “Por que Deus permitiu os sofrimentos de Maria”)
PS: Grifos meus.