sexta-feira, 25 de junho de 2010

Educação do espírito

Educação do espírito


Mais cedo do que seria de esperar, chega o momento em que é preciso dar às crianças alguma resposta sobre o belo, o bem e a verdade, sobre os problemas de Deus, a alma, a morte e o além. Mécs conta que "a mãe pôs diretamente na sua boca infantil o nome de Deus". Mas também o mal desperta na criança antes do tempo.

O primeiro fulgor da inteligência, o primeiro balbuciar das palavras são o momento oportuno para fazer compreender alguma coisa acerca  de "Aquele que está mais alto que as estrelas". As crianças têm uma sensibilidade especial para o que é santo. É o momento de falar do Menino Jesus e as ensinar a rezar com as palavras e com o coração.

A mãe de São Clemente Hofbauer, pouco depois do falecimento do pai, colocou a criancinha diante de uma cruz e disse-lhe: "Desde agora, este será teu pai!" Ao longo da sua vida, nunca o santo esqueceu essas palavras.

Em qualquer época e para qualquer idade, os santos são os modelos eternos. São Francisco de Sales conta que, na infância, ouvia ler à sua mãe as vidas dos santos e Santa Teresa ficou tão impressionada ao conhecer as hagiografias que, sendo ainda uma criança, fugiu da casa paterna para ir a terra de infiéis e ser martirizada. Erna Haider (1916-1924) venerava com fervor o seu anjo da guarda e todas as noites lhe confessava as suas faltas.

As crianças compreendem com maior facilidade as vidas dos santos e fixam-nas melhor do que se se tratasse de uma doutrina profunda. Surge nelas o pensamento de que devem fazer como eles ou melhor: eu posso fazer como eles.

Hoje em dia, fala-se muito de educação e, no entanto, talvez nunca, como hoje, ela tenha sido estabelecida em bases tão deficientes. Constrói-se sobre a areia em vez de construir sobre rocha firme.

Eduquemos as crianças como filhos de Deus, como cristãos que o são de coração e não apenas de nome e conseguir-se-á o mais importante. Nada pode substituir a fé: e sobre esse fundamento poderão crescer harmonicamente as forças do corpo e da alma. Depois de ter ensinado a evitar o pecado, venerar a Deus e amar a virtude, pouco mais falta fazer.

Estas palavras, porém, tornaram-se tão vulgares que é preciso enchê-las de um sentido novo e profundo. Devemos aprender outra vez que é algo de verdadeiramente grande o conhecer a Deus, orar e orientar a vida segundo a vontade divina. Também aqui se aplicam as palavras do Senhor: "Buscai primeiro o reino de Deus e o resto vos será dado por acréscimo".

Eis o motivo por que a mãe deve pedir para si e para o seu filho o espírito de fortaleza a fim de não se curvar perante a fraqueza da criança e poder conduzi-la com pulso firme como um piloto através da tempestade. Eis o único fundamento necessário para o futuro e nunca o filho se esquecerá dele. De modo expressivo diz De Maistre:

"Se a mãe considerar como seu primeiro dever fazer o mais depressa possível o sinal da cruz na fronte do filho, poderá ter a certeza de que nunca esse sinal se apagará por obra do pecado".

(A Mãe, Cardeal Mindszenty)

PS: Grifos meus

quinta-feira, 24 de junho de 2010

"A mamã será sempre bela!"


Através das janelas ornadas de verde
penetram os raios de sol.
A avó está sentada e dorme durante todo o dia.
O seu cabelo é branco e no seu rosto
cavou o tempo sulcos profundos,
e a seus pés, ajoelhada, brinca uma criança.

"Porque dormes durante todo o dia?"
pergunta ingenuamente a pequena.
"O avó, tu não és bela!
Teus cabelos são feios e na fronte
tens umas rugas tão grandes!
A mamã é muito mais bela!
Que bela que é a ma!"

A avó fitou a pequena favorita:
"A beleza passa veloz e o tempo fez-me isto
mas também a mamã vai envelhecer".

Paira um hábito de tristeza.
"Oh, não! a mamã será sempre bela!"

(A mãe, pelo Cardeal Mindszenty)

O coração deve ser desinteressado

A importância da formação do coração
Parte V


O coração deve ser desinteressado

"Sem dúvida, quando Deus criou o coração do homem, diz Bossuet, pôs nele primeiramente a bondade, mas Satanás aproximou-se por sua vez, e nele insuflou o egoísmo."
(João Evangelista de Lima Vidal, Arcebispo de Ossirinco)

Qual é o grande perigo que corre o coração das crianças em relação aos afetos de que ele é o centro?
É o egoísmo.

O que é o egoísmo?
É esse monstro hediondo que habita no coração, quando nos amamos só a nós próprios, quando reportamos tudo a nós mesmos, pessoas e coisas, quando não amamos os outros senão por nós próprios.

"Enquanto estou na vida
eu desejo perfurmar-me,
e coroar-me de flores;
quero ser o meu próprio herdeiro
para gozar à vontade,
não quero viver para os outros.
É doido o pelicano que se mata
pelos filhos seus, é louco o que sofre amarguras
a trabalhar pelos seus."
(Ronsard, Canção)

O egoísmo é frequente?
"O egoísmo desponta mesmo nas pequeninas almas bem nascidas, que têm o seu eu desde o primeiro alvor da razão."
(R.P. Delaporte, As criancinhas de cinco anos..., p.125)

Quais são as causas do egoísmo?
É primeiramente esta maldade inata que temos como conseqüência do pecado original.

As crianças não estão mais isentas dela do que as pessoas grandes: é preciso, por conseguinte, crer a priori, que estão, pelo menos, expostas a cair no egoísmo.

É também o orgulho:

"Quando alguém se julga um pequeno ídolo é muito natural que se contente em receber o incenso e os serviços dos seus adoradores."
(Abade Knell)

Qual é, praticamente, a causa mais ordinária do egoísmo?
É a má educação.

- Que fazeis todo o dia? perguntavam a uma jovem mãe.
- Animo os meus filhos.

Alguns exemplos (retirados da obra de F.Nicolay , As crianças mal educadas, p.3-4)

- Sai-se, vai-se passear. É o bebê que diz aonde quer ir. A mamãe tinha voltas a dar, compras a fazer, determinados casos a tratar... que importa? Não é a crianças quem governa?

- Faz-se uma visita:
Vai em breve sentar-se, ou antes deixar-se cair desleixadamente sobre os joelhos maternos, ou encostar-se com indolência ao sofá.

E diz com ar aborrecido e num tom arrastado:
- Vamo-nos embora, mamãe.
E a mãe, num tom decidido, responde logo:
- Sim, meu queridinho! Vamos já, sê bonito...

- À mesa, a criança indica os bocados do seu agrado, aqueles que ela "quer"; o resto é, naturalmente, para a família.

- Deseja qualquer coisa?
- Muito bem, que se vá procurar!...

E, se se lhe objeta que nada se obtém sem dinheiro, responderá atrevidamente:
- O papai tem-no.

- Quanto aos criados, são, a seus olhos, pessoas nascidas para servir.

Quais são os meios de evitar o egoísmo?
"Desde muito cedo, antes que as crianças tenham perdido a primeira simplicidade dos impulsos próprios, é preciso fazer-lhes apreciar o prazer duma amizade cordial e recíproca."
(F.Nicolay, As crianças mal educadas, p.3-4)

Praticamente:

- Far-se-lhe-á repartir com os irmãos e irmãs os chocolates e os brinquedos que têm.

- Se alguma pessoa da família está doente, devem fazer-lhe uma carícia e dar-lhe um beijo; será para elas a maneira mais própria para suavizarem o sofrimento; farão uma prece ao Menino Jesus para obter ou apressar a cura.

- Obrigar-se-ão a dizer "obrigado", todas as vezes que receberem qualquer coisa; dar-se-lhes-á o exemplo do reconhecimento, quando tiverem prestado algum serviço.

"É preciso louvar as crianças por tudo o que a amizade as levou a fazer, contanto que não seja fora de propósito ou com demasiado transporte."
(Fénelon, A educação das filhas, cap. V)

- Habituem-nas a sorrir às carícias que lhes fazem, a serem serviçais, a sacrificarem-se pelos outros...

5º- "Suprimam-se, diante delas, a respeito dos amigos, cumprimentos supérfluos, fingidas demonstrações de amizade, e todos os falsos carinhos, pelos quais se lhes ensina a tratar com hipocrisia pessoas que elas devem amar." (Fénelon, A educação das filhas, cap. V)

- Eduquem-se no pensamento de ter sempre cuidado com os outros.

- Enfim, se se tratar de alguma criança doente, dever-se-á ter cautela em que esses cuidados de que é preciso rodeá-la se não convertam num alimento de egoísmo.

Quais são os meios de corrigir o egoísmo?
Para corrigir o egoísmo, "este impulso da vida que recai nela própria, é preciso o impulso da vida que se desentranha de si mesma e que se dá." (Abade Knell)

Não há, pois, senão um único remédio verdadeiramente específico contra o egoísmo: é o amor e a dedicação.

(Excertos do livro: Catecismo da educação, pelo Abade René de Bethléem, continua com o post: O coração deve ser entusiasta)

PS: Grifos meus.

O devotamento aos filhos, consolidação da harmonia conjugal

O devotamento aos filhos,
consolidação da harmonia conjugal


Para viver em perfeita harmonia, os esposos devem partilhar os múltiplos cuidados relativos à saúde dos filhos, à formação de seu caráter, à sua educação moral e religiosa e a seu futuro social. Estes cuidados aumentam com o número dos filhos. Mas, muito longe de constituir um obstáculo para a intimidade conjugal, eles contribuem para consolidar e estreitar a união dos corações numa mesma vontade de dedicação.

Os filhos se tornam, assim, uma ocasião de alegria para os pais, e tanto mais profunda quanto mais os pais tiverem consciência de ter cooperado juntamente para a sua formação moral. Que alegrias podem ser comparadas às alegrias dos pais que assistem ao desenvolvimento de suas faculdades? Chegados à idade madura como não haveriam de amar-se mais ainda ao recordar os esforços e devotamentos comuns que tiveram como resultado a formação da personalidade da qual legitimamente se orgulham?

***

O número dos filhos, uma vez que estes sejam bem-educados, longe de ser uma ocasião de empobrecimento da sociedade familiar, quase sempre é a fonte de uma grande prosperidade. Se a família numerosa conhece anos difíceis enquanto os filhos forem demasiadamente jovens para o trabalho, ela entra numa fase de grande atividade produtora quando os filhos começam a revelar o valor de suas energias de trabalho acumuladas no decurso da infância laboriosa.

É um fato que o gosto pelo trabalho, o sentimento da dedicação e da atividade, a aptidão em se adaptar às dificuldades da vida geralmente são muito mais desenvolvidas no filho de uma família numerosa do que no filho único. Preparar o filho para as lutas da vida é fazê-lo partilhar dos cuidados e das dificuldades de uma família numerosa. Até mesmo as privações servem para modelar as vontades e os caracteres.

O adolescente que sabe que seu futuro está assegurado graças à fortuna dos pais, é facilmente tentado a não fazer nada. Não é com o dinheiro que se fortalecem as energias.

Quanto mais os pais derem o exemplo de trabalho e devotamento, tanto mais os filhos serão levados a imitá-los e a segui-los. Trata-se de preparar homens e não rendeiros. O verdadeiro amor não consiste em entorpecer o filho pela perspectiva de uma bela situação financeira, mas em obrigá-lo a não ter confiança senão em seus esforços pessoais. Os sábios não são os que têm medo da vida, mas o que lhe aceitam corajosamente os riscos e os trabalhos.

É lamentável que a inviolabilidade das consciências não nos permita conhecer o número dos esposos que restringem o número de seus filhos por motivos de consciência, comparado ao dos esposos que o fizeram por amor aos prazeres e por medo das responsabilidades. O número destes últimos se elevaria certamente a proporções consideráveis em relação ao dos outros.

Contaram-me recentemente a seguinte anedota:

Uma senhora tomara-se de amores, num jardim público, por uma menina que brincava sempre sozinha e parecia não gostar muito. Tendo perguntado à criança se ela não seria feliz em ter um irmãozinho para dividir com ele os brinquedos, a criança, entusiasmada pela idéia e toda radiante de esperança, precipitou-se em direção à sua mãe e diz: "Mamãe, dê-me um irmãozinho". E a mãe responde com estas odiosas palavras: "Se eu te der um irmãozinho, serás menos feliz porque precisarás dividir com ele tudo o que eu te dou, doces, carícias e beijos". A infeliz não compreendia que ao falar assim ela matava em sua raiz os mais generosos sentimentos se sua filha. Mas a criança deu à mãe uma severa lição, afirmando que sua alegria seria precisamente dividir com o irmãozinho tudo o que ela possuía. Perturbada com estes argumentos, a mãe não encontrou senão uma resposta: "Muito bem! dar-te-ei um cãozinho!"

Eis como uma mãe, deformada pelo egoísmo, pode chegar a comparar o devotamento a um animal ao devotamento a um irmãozinho. Semelhantes histórias não merecem comentários. Elas dizem muito sobre os desvios sentimentais de alguns de nossos contemporâneos. Com efeito, vêem-se mulheres recusar filhos, enquanto que aceitam, por causa de seus animaizinhos, incômodos e fadigas consideráveis...

Disposições morais tão contrárias à lei divina e à generosidade do coração não podem senão prejudicar à evolução normal do amor, tanto conjugal como paterno e materno.

Os pais que tomam a decisão de não criar mais que um filho preparam os mais graves desvios da personalidade de tal filho. Por exemplo, como farão eles nascer na consciência dele a noção de justiça, se nunca tem algo a dividir com irmãos e irmãs? Como conhecerão suas paixões, que não se manifestam a não ser durante as brincadeiras e contatos cotidianos entre filhos de uma mesma família?

O filho único não se conhece e muito menos o conhecem seus pais. Eles são incapazes de prever quais serão as suas reações diante das tentações e das lutas do futuro. Numa família numerosa, a vida em comum dos filhos espontâneamente faz aparecer as boas e as más tendências de cada natureza.

Os pais do filho único dificilmente reagem contra seus caprichos. Para ter paz, satisfazem suas vontades sem se preocuparem com as conseqüências. O filho começa a impor a própria vontade e o consegue com grande facilidade, uma vez que não se acham presentes os irmãos e irmãs para protestarem e fazerem valer seus direitos. Não há ocasião de descobrir as deploráveis conseqüências de seus atos sobre os que o cercam...

Na família numerosa o filho é constantemente obrigado a pensar nos outros e a eles se dar. Sua personalidade insensivelmente é modelada para o devotamento. Estou persuadido de que um estudo aprofundado da mentalidade dos adultos teria como resultado provar que os homens mais egoístas, os mais preocupados com os próprios desejos, os mais indiferentes às injustiças sociais são, na maioria das vezes, filhos únicos.

Eles não tiveram, na sua infância, a ocasião de lutar contra seu egoísmo natural. Os cidadãos mais devotados e mais desinteressados, ao contrário, são recrutados entre os filhos de famílias numerosas. Não se habituaram eles, desde pequenos, a dividir com os outros suas alegrias, penas e trabalhos?

***

Poderíamos seguir o mesmo raciocínio com relação à maioria das qualidades humanas. Tomemos o exemplo da coragem em face do trabalho. No caso de uma família numerosa, os filhos, são testemunhas das lutas e das fadigas de seus pais. Vêem seu pai procurar melhorar de situação, não por ambição ou para proporcionar-se meios de diversão, mas unicamente por amor a seus filhos e para que não lhes falte o necessário.

São testemunhas dos sacrifícios que sua mãe constantemente faz para prover às necessidades do lar. Se ela mesma procura não fazer gastos inúteis, ao mesmo tempo está incitando os filhos a não descuidarem de seus negócios para ajudar ao bom equilíbrio do orçamento. Daí resulta uma atmosfera de economia, de trabalho que distingue cada um dos membros da família, preparando-o para os esforços do futuro.

***

O filho toma facilmente conhecimento da dedicação que os pais lhe prodigalizam. Se ele for o único a receber seus cuidados e atenções, deles aproveitará sem que seu coração desperte para o reconhecimento. Está de tal modo habituado com a dedicação materna, que se porta como um cego, que não vê nem a claridade do dia. Na família numerosa, ao contrário, cada filho é testemunha do que fazem os pais junto aos irmãozinhos, dos cuidados dispensados ao doente, das preocupações provocadas pela conduta de um ou de outro. O devotamento que o filho não teria descoberto se se tratasse de filho único, ele o constata todos os dias por causa de seus irmãos e irmãs.

A formação do caráter está ligada às múltiplas reações da vida cotidiana. Não é um adágio popular que as implicâncias formam o caráter? Mas o que começa quase sempre em disputas normalmente acaba, entre irmãos, em reconciliações. Graças à vida em comum o filho, aprende a melhor conhecer a si mesmo.

Um é obstinado, outro quase não conhece argumentos notáveis, um terceiro é sempre tentado a ceder e a deixar-se convencer. Se um dos filhos mentir, os outros logo cuidarão de o denunciar; se outro abusar de sua força, imediatamente será levado diante do tribunal paterno. Aquele que se recusar a um trabalho coletivo, logo será obrigado pelos outros a corrigir a preguiça.

Numa palavra, tão somente o jogo das forças coletivas da família em breve faz manifestar e corrigir os excessos e os egoísmos individuais. Nada de semelhante se dá quando o filho está sempre sozinho diante de si mesmo.

A explosão espontânea das paixões infantis desperta a atenção dos pais e leva-os a ver e a compreender o que certamente lhes teria escapado se se encontrassem diante de um filho úncio. Estas descobertas fazem com que eles exerçam uma autoridade cada dia mais esclarecida e façam uma idéia mais advertida e mais aprofundada de suas responsabilidades.

O pai e a mãe unidos numa mesma vontade de educação moral exercem sua autoridade em condições particularmente favoráveis e realizam, com relação a todos os filhos, o ideal de uma sociedade onde reinam a paz e a justiça. Exigem de cada um esforços proporcionais às suas capacidades e todos têm direito de esperar da autoridade deles os juízos que farão de cada um segundo seus direitos e necessidades.

O fato de melhor conhecer os filhos terá como resultado facilitar a união dos esposos. Tendo múltiplas ocasiões para se preocupar juntamente com a formação moral (e espiritual) dos filhos, sua intimidade somente se aprofundará. Nada mais favoráveis à harmonia do que estar obrigado a refletir em comum, a procurar junto os melhores métodos de educação, e preocupar-se dos dois com o futuro de cada um dos filhos.

Às preocupações comuns virão juntar-se as alegrias comuns. As alegrias que não repousam senão na união conjugal são precárias. tendem a diminuir e a restringir-se com o tempo. As que têm origem nos filhos são mais duráveis, pois são mais desinteressadas.

***

A alegria de uma família repousa, em grande parte, na presença de filhos pequenos. De certo modo o pequeno faz rejuvenecer a todos os que o cercam. Todos o amam porque é fraco e ainda não causou sofrimentos a ninguém. Traz ele consigo as promessas do futuro. Seu sorriso faz esquecer as penas e os sofrimentos da vida. É por isso que uma família que vê aparecer um novo filho conhece alegrias tão puras; essas contribuem poderosamente para a união e a boa vontade de todos os seus membros.

Até os avós, vendo-se rodeados de tantos netos, como que rejuvenescem. O enternecimento que experimentam em presença deles não ocasiona uma união mais íntima num mesmo sentimento de alegria e de reconhecimento a Deus?

A presença de crianças contribui para melhorar o caráter dos adolescentes e dos adultos. O adolescente é objeto de tentações particulares: da carne, do egoísmo sentimental e da independência. Quer viver sua vida e com dificuldade suporta as obrigações e os sacrifícios da vida em família. Discute e sempre quer ter razão. É levado a procurar fora da família as afeições de que seu coração necessita. Estas tentações encontram, de certo modo, um antídoto natural, na presença das crianças. A presença de um irmãozinho ou de uma irmãzinha contribui para conservar na família o coração dos adolescentes; é como que um derivativo para as suas tentações juvenis.

A criança rejuvenesce a atmosfera familiar e facilita, assim, a união e a intimidade de todos os membros. 

(Harmonia conjugal, pelo Cônego J. Viollet)

PS: grifos meus.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

ESPECIAL: Princípios da Vida de Intimidade com Maria Santíssima

Nota: No decorrer deste ano transcreveremos esta belíssima obra do Revmo. Pe. Júlio Maria.

Princípios da Vida de Intimidade com Maria Santíssima
segundo os Santos, os Doutores e os Teólogos
pelo Revmo. Pe. Júlio Maria,
missionário de N.ª S.ª do SS. Sacramento.


ÍNDICE

PRIMEIRA PARTE
O FIM DA VIDA DE INTIMIDADE COM MARIA SANTÍSSIMA

IV- Jesus Cristo
V - A alma de Jesus Cristo
VI - Jesus Cristo vivendo em nós
VII - Jesus Cristo crescendo em nós
VIII - Jesus Cristo agindo em nós
IX - Jesus no próximo
X - O ápice do amor

SEGUNDA PARTE
O CAMINHO DA VIDA DE INTIMIDADE COM MARIA

I - Maria no plano divino
II - A plenitude de Maria
III - A plenitude inicial de Maria
IV - A maternidade divina
V - A plenitude filial
VI - O crescimento pela virtude
VII - As virtudes de Maria
VIII - A proporção do crescimento da graça
IX - A plenitude da universalidade
X - Os conhecimentos de Maria
XI - As graças gratuitas de Maria

TERCEIRA PARTE
O MEIO DA VIDA DE INTIMIDADE COM MARIA

I - A união entre Jesus e Maria
II - Maria nos gerou com Jesus
III - Maria gera Jesus em nós
IV - Maria na aquisição da graça
V - Maria na distribuição da graça
VI - Tudo por Maria
VII - O ensino dos Santos
VIII - O corpo místico
IX - O pescoço místico
X - O culto da Santíssima Virgem
XI - Os membros do corpo místico
XII - A vida de intimidade
XIII - Os fundamentos da vida de intimidade
XIV - Prática da vida de intimidade
XV - Prática da vida de intimidade (continuação)
XVI - Síntese geral dos princípios 
_____________________________________

Dedicatória

A São João Evangelista o primeiro Doutor e o primeiro Santo da Vida de intimidade com a Santíssima Virgem Maria

Ex illa hora accepit eam discipulus in sua (Joan, XIX.27)

Introdução

Muitos livros já foram escritos sobre a Santíssima Virgem. A teologia mariana tomou em nossos dias um desenvolvimentos tão fecundo quão variado. Cinquenta anos atrás queixavam-se os autores, e não sem razão, da demasiada sentimentalidade e ausência de doutrina nos escritos acerca da Mãe de Jesus.

Hoje, porém, estas queixas não têm mais razão de ser. Atualmente não são somente as almas simplesmente piedosas, mas teólogos profundos, filósofos célebres, escritores de primeira ordem, que põem ao serviço da Virgem Sua ciência, seu gênio e o fruto de seus estudos.

Graças a esses esforços conjuntos possuímos sobre a Virgem Imaculada um monumento doutrinal, uma verdade dogmática, onde as almas podem haurir tesouros de doutrina, de anelos e de piedosas elevações sobre este augusto e inesgotável assunto.

Os Congressos marianos deram um novo enlevo e novo alimento à doutrina e à piedade.

A Associação dos Sacerdotes de Maria, em sua substancial Revista, estudando a grande maravilha divina, sob todos os aspectos, nos mostra os princípios da doutrina mariana, aplicáveis à nossa vida e à nossa santificação.

Sente-se um entusiasmo geral por Maria!
Oh! quanto isto é consolador, significativo e quão cheio de promessas para o futuro!...

Contribuir um pouco, segundo as nossas diminutas forças, para incentivar mais e mais este movimento; entrar simplesmente neste concurso de emulação já que não nos é dado fazer mais, fim de fazer amar a divina Rainha dos Corações, sem dúvida seria já uma excelente obra: - é o que queríamos fazer, mas ainda temos um outro fim mais preciso.

***

Esta pequenina obra não vem com a pretensão de substituir as obras existentes sobre a Santíssima Virgem; ela não vem com a ambição de fazer melhor; vem simplesmente, modestamente, convencida de suas imperfeições, indicar um ponto determinado da Teologia mariana, aplicado à nossa vida.

teologias da vida, da grandeza, do poder, do culto, das virtudes e das dores de Maria. Não tínhamos nós que fazer de novo nenhuma destas obras e, se o tivéssemos querido, teríamos sido incapazes; não existe porém ainda uma teologia da vida de intimidade com a Santíssima Virgem.

Ora, em nossos dias as almas se sentem poderosamente impelidas a se unirem a Maria, a viverem a vida de união com sua Mãe do céu. Esta vida de intimidade dimana admiravelmente da doutrina do beato de Montfort. E qual é a alma piedosa que não se inspira hoje nos escritos do grande Apóstolos de Maria? E mesmo qual o autor que não vai haurir ali as considerações e os princípios tão profundos quão práticos sobre a Mãe de Deus?

Já publicamos diversas obras sobre a vida de intimidade com Maria, mas todas elas sobretudo quanto ao aspecto prático. O que faltava ainda era um estudo seguido dos princípios teológicos desta vida de intimidade. A tarefa tinha suas dificuldades. Entretanto, desejoso de contribuir para a plena evolução desta vida fecunda em união com Maria, e esperando que uma mão mais hábil eleve um monumento menos indigno da Imaculada, encetamos esta obra e, como complemento, ou melhor como base doutrinal de nossas obras sobre o mesmo assunto, tentamos grupar, encadear e estudar "os Princípios teológicos" da vida de intimidade com Maria

***

Mas ao ver este título, não se espere encontrar aqui teses puramente teológicas ou filosóficas, expostas com todo o rigor de sua forma e de suas conclusões. Determinamos teologicamente os pontos de doutrina e tiramos as conclusões aplicáveis ao nosso assunto, mas era nos impossível impor silêncio ao nosso coração, em face das belezas acumuladas por Deus no seio desta inefável criatura.

Daí, ao lado dos princípios há desenvolvimentos, entramos muitas vezes no domínio da prática. Entretanto, permitam que o digamos: o dogma aqui ocupa a maior parte, sendo nosso fim sobretudo mostrar os fundamentos, alicerces e sustentáculos da vida de intimidade com a Mãe de Jesus.

Em termos claros e precisos colocamos no começo de cada capítulo o princípio a desenvolver. É que este modo pareceu-nos mais favorável para penetrar bem a doutrina, dar uma idéia geral dos desenvolvimentos e facilitar o encontro de um ponto determinado, quando se quiser revê-lo, depois de uma primeira leitura.


***

Para que se possa bem saborear e compreender, este obra exige uma leitura calma e recolhida. Toca as questões mais profundas e mais delicadas da nossa santa religião. Desejamos que ela possa sugerir aos leitores algumas percepções novas tornando-se assim para todos um raio de luz que, lançando-se docemente ao redor da fronte da Imaculada, faça-a brilhar com todo o esplendor de Sua beleza, de Sua bondade e de Sua misericórdia!

Isto seria ganhar-lhe muitas almas, pois ver e conhecer a Maria é amá-lA; vê-lA e conhecê-lA como Ela é em verdade... oh! meu Deus, isto seria morrer de amor!

Nossos olhos mortais seriam fracos demais e sobretudo muito terrestres, para aprender tanta glória e tanto amor... Só no céu, quando Deus não tiver mais que poupar nossas fraquezas, é que Ele poderá manifestar-nos Sua Bem-Amada, Sua Privilegiada, Seu Tesouro, e Sua e Nossa Mãe.

Mas enquanto esperamos esta hora bendita, elucidar um pouco esta grande maravilha, levantar um cantinho deste véu... deste véu... desde véu repito, que encobre o coração da Imaculada, afim de mostrar a todos as riquezas do Seu amor e o Seu desejo de nos ver junto a Ela, em Sua intimidade, tal é o único fim destas páginas.

***

Oh! clemente e piedosa e doce Virgem Maria!

É a Vosso pés e sob o Vosso olhar maternal, que esta obra foi composta, e é entre Vossos braços que a depositamos. Compete-Vos, pois, fazê-la produzir os frutos de graça, que tivemos em vista. Sob Vosso olhar e enriquecendo pela bênção que não lhe recusareis, que Ela vá levar às almas de Vossos filhos queridos a luz e a força, e que lhes avive ou lhes recorde o ideal de viver perto de Vós, conVosco, por Vós e para Vós, afim de assemelhar-se um pouco, por Vós, ao doce Salvador de nossas almas, e perpetuar um dia na glória esta vida de intimidade esboçada aqui nas sombras do exílio.

Pe. Júlio Maria. S. D. N.

A devoção à Sagrada Paixão (Santo Afonso Maria de Ligório)

A DEVOÇÃO À SAGRADA PAIXÃO
(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO)


§I. A meditação da Paixão de Cristo esclarece nosso entendimento

1. A Paixão de Cristo faz-nos conhecer
a Justiça e a Misericórdia de Deus
2. A Paixão de Cristo nos mostra o amor
do Eterno Pai para com os homens
3. Por Sua Paixão Jesus Cristo
dá a conhecer quanto Ele nos ama

§II. A meditação da Paixão de Cristo nos enche de consolação

1. Nas nossas angústias
2. Nas nossas tribulações
3. Nas nossas enfermidades
4. Na hora da nossa morte

§III. A meditação da Paixão de Cristo nos conduz à perfeição

1. A meditação da Paixão de Cristo constitui a ciência dos Santos
2. A meditação da Paixão de Cristo inflama-nos no fogo do amor divino
3. A meditação da Paixão de Cristo excita-nos à prática de todas as virtudes

§IV. Avisos práticos

§V. Ladainha da Paixão do Senhor

+ + +
§I. A meditação da Paixão de Cristo esclarece nosso entendimento

Sabendo os Santos quão agradável é a Jesus Cristo a recordação constante de Sua Paixão, estavam sempre ocupados em meditar continuamente nas dores e ultrajes que esse amável Salvador sofreu durante toda a Sua vida, mas, em especial, no fim da mesma. Oh! Quanta luz nos traz a meditação sobre um Deus a padecer por nós!

1. A Paixão de Cristo faz-nos conhecer a Justiça e a Misericórdia de Deus

Segundo São João Crisóstomo, não é tanto o inferno com o qual Deus castiga o pecador, mas sim a vista de Jesus Cristo na Cruz, que nos dá uma idéia do rigor da Justiça Divina, pois no inferno são as criaturas que são castigadas por seus pecados: na Cruz, porém, padece um Deus para expiar os pecados dos homens. Estava Jesus Cristo talvez obrigado a morrer por nós? De nenhuma forma, responde Isaías, mas “foi sacrificado porque Ele mesmo o quis” (Is 53, 7). Ele podia, com toda justiça, abandonar o homem à sua ruína livremente escolhida; Seu amor, porém, não Lhe permitiu entregar-nos à perdição eterna e, por isso, quis submeter-se a uma morte tão dolorosa para obter-nos a salvação. “Ele nos amou e se entregou a si mesmo por nós” (Ef 5, 2).

Deus amou o homem desde toda a eternidade. “Com amor eterno amei-te Eu” (Jer 31, 3). Vendo-se, porém, Sua Justiça obrigada a condenar o homem e a lançá-lo eternamente no inferno, sentiu-se levado por Sua Misericórdia a inventar um meio de o salvar. E que meio foi esse? Devia em pessoa satisfazer à Justiça Divina por meio de Sua Morte. O Senhor quis por isso que o decreto que condenava o homem à morte eterna fosse pregado na Cruz e apagado com Seu Sangue.

Por esse mesmo motivo Jesus Cristo, ao morrer na Cruz em satisfação de nossos pecados, só tinha palavras de compaixão para conosco. Ele pediu a Seu Pai que usasse de misericórdia não só com os judeus que desejavam a Sua Morte, como também com os verdugos que O executaram: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23, 34). Em vez de castigar os dois ladrões que blasfemavam, o Divino Salvador prometeu a um deles, que Lhe pedia misericórdia, no excesso de Sua compaixão, que lhe daria o paraíso naquele mesmo dia: “Em verdade, Eu te digo que hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43). Do alto da Cruz Jesus Cristo nos deu a todos, na pessoa de São João, a Santíssima Virgem por Mãe: “Ele disse ao discípulo: Eis aí tua Mãe” (Jo 19, 27). Na Cruz deu-se Ele por feliz por ter feito tudo o que exigia a nossa salvação e terminou o Seu Sacrifício dando Sua Vida por nós.

Assim, pela Morte de Jesus Cristo, o homem foi libertado do pecado e do poder do demônio; foi reintegrado na Graça de Deus e, mesmo, em maior Graça do que a que perdera pela queda de Adão. “Quando abundou o pecado, superabundou a Graça” (Rom 5, 20).

2. A Paixão de Cristo nos mostra o amor do Eterno Pai para com os homens

“Assim amou Deus ao mundo, diz Nosso Senhor, que lhe deu Seu Filho Unigênito” (Jo 3, 16).

Devemos considerar, nessa dádiva, primeiramente, quem é que no-la faz; segundo, o que nos é dado e, terceiro, com que amor é ela feita.

1. Quanto mais nobre é aquele que nos presenteia, tanto mais valiosa é a dádiva. Se alguém recebe uma flor da mão de um rei, ele a preza mais do que um presente valioso recebido de outra pessoa. Em que consideração, pois, não devemos ter uma dádiva que nos vem das mãos do próprio Deus?!

2. E qual é o presente que Deus nos fez? É o Seu próprio Filho. Para o amor que Deus nos tinha parecia pouco todos os outros bens que Ele nos tinha dado; queria dar-nos a si mesmo na Pessoa de Seu Filho Humanado. “Ele não nos deu nenhum servo, nenhum anjo, mas Seu próprio Filho Unigênito”, diz São João Crisóstomo.

3. E por que fez Ele isso? Por nenhum outro motivo senão por amor. Pilatos entregou Jesus aos judeus por temor; o Padre Eterno, porém, deu-nos Seu Filho Unigênito por amor. Se alguém nos dá alguma coisa, o primeiro benefício que recebemos, segundo São Tomás de Aquino (I, q. 38, a. 2), consiste no amor que o doador patenteia pelo presente, pois que a causa única de um verdadeiro presente é o amor; o presente perde o caráter de um verdadeiro presente, quando é dado por um outro motivo fora do amor.

O presente, porém, que o Padre Eterno nos fez de Seu Divino Filho, foi um verdadeiro presente que Ele nos deu sem que tivéssemos o mínimo direito a ele. E por isso foi que a Encarnação, como nota o mesmo Santo Doutor, foi operada pelo Espírito Santo, isto é, pelo Amor (III, q. 32, a. 1).

Deus, porém, não só nos deu Seu único Filho por puro amor; Ele no-lo deu também com amor infinito. Foi justamente isso o que Nosso Senhor queria significar quando disse: “Tanto assim amou Deus ao mundo”. A palavra “Tanto assim”, diz São João Crisóstomo, significa a grandeza do amor com Deus nos fez esse inefável presente. Que maior amor poderia Deus nos mostrar do que condenar à morte Seu Filho inocente para nos remir a nós, miseráveis pecadores? “Não poupou a Seu próprio Filho, mas entregou-O por todos nós” (Rom 8, 32).

Que dor não deveria sentir o Padre Eterno, se Ele estivesse sujeito à dor, vendo-se obrigado, de certo modo, por Sua Justiça, a condenar a uma morte tão cruel e degradante esse Seu Filho, que Ele amava tanto como a si mesmo! O Senhor queria vê-lO consumido pelas dores (Is 53, 10).

À vista da grandeza desse amor de Deus para conosco, exclamava São Paulo: “Deus, que é rico em misericórdia, pela extremada caridade com que nos amou, ainda quando estávamos mortos pelo pecado, nos deu vida justamente em Cristo” (Ef 2, 4). O Apóstolo diz: Pelo excessivo amor com que nos amou. Mas como poderá existir em Deus um excesso? O Apóstolo assim se exprime para nos mostrar que Deus fez pelo homem coisas que não seriam acreditadas por ninguém, se a fé não nos convencesse delas. Por isso a Igreja exclama, fora de si de admiração: Ó admirável condescendência de Vosso amor para conosco! Ó infinito amor de nosso Deus que, para libertar o servo, entregou Seu próprio Filho!

3. Por Sua Paixão Jesus Cristo dá a conhecer quanto Ele nos ama

(Crucifixo pintado por Santo Afonso)

É um dogma que Jesus Cristo nos amou e que, por nosso amor, se entregou à morte. Quem poderia matar um Deus onipotente, se Ele mesmo, por livre vontade, não quisesse morrer por nós? “Eu dou a minha vida; e ninguém a tira de mim, mas Eu mesmo a entrego” (Jo 10, 17), diz o Salvador. É por isso, diz São João, que Jesus Cristo com Sua Morte, nos deu a prova mais evidente possível de Seu Amor. Com Sua Morte Jesus Cristo nos deu uma prova tão clara de Seu Amor, nota um piedoso escritor, que não Lhe ficou mais nada para nos convencer da grandeza de Seu Amor.

Na consideração da palavra: “Tenho sede”, pronunciada por Jesus agonizante na Cruz, diz São Lourenço Justiniano que essa sede não provinha da necessidade de beber, mas da ardente chama de Seu Amor para conosco. Com essas palavras o divino Salvador não queria tanto dar a conhecer Sua sede corporal, como Seu desejo de sofrer por nós, do mesmo modo como quis Ele mostrar por Suas dores todas o Seu Amor para conosco e o ardente desejo de ser amado por nós. São Basílio de Seleucia acrescenta que Jesus disse que tinha sede para nos dar a conhecer que Ele morria por amor de nós de tal modo que esse Seu desejo foi [ainda] maior que todos os sofrimentos que padeceu realmente.

Quem compreenderá jamais o amor que o Verbo Divino tem a cada um de nós? Pergunta São Lourenço Justiniano. Ele sobrepuja imensamente o amor de um filho para com sua mãe e o de uma mãe para com seu filho. Ele é tão grande que Nosso Senhor revelou a Santa Brígida (Ver. 1. 7, c. 14) que Ele estaria pronto a padecer tantas vezes quantas são as almas que se acham no inferno, se elas ainda fossem capazes de redenção. Segundo São Tomás (III, q. 47, a. 4), o divino Redentor, justamente para nos mostrar Seu Amor imenso, pediu a Deus perdão para Seus algozes (Lc 23, 34). Ele pediu o perdão e foi atendido, de forma que eles, depois de O verem morto, se arrependeram de seus pecados.

“E que Vos importava, ó bom Jesus, digo eu com São Bernardo, que Vos importava se nos perdêssemos e fossemos castigados como merecíamos? Por que quisestes sofrer em Vosso corpo inocente os castigos devidos a nossos pecados? Por que quisestes morrer, ó Divino Mestre, para nos livrar da morte? Oh! Maravilha que jamais se deu igual e nunca mais se repetirá! Oh! Graça que nunca poderíamos merecer! Oh! Amor que jamais poderemos compreender!

Oh! Meu amadíssimo Salvador! Exclama, suspirando, São Bernardo, que crime cometestes para que fosseis condenado à morte e à morte de cruz? Ah! Bem sei, continua o Santo, conheço a causa de Vossa morte; sei que pecados cometestes: Vosso crime é Vosso excessivo Amor pelos homens; foi ele e não Pilatos que Vos condenou à morte. Não, eu não vejo outra causa de Vossa morte do que Vosso excessivo Amor por nós, exclama São Boaventura. Em verdade, conclui São Bernardo, um tal excesso de Amor obriga-nos a consagrar-Vos, ó amável Redentor, todos os afetos de nosso coração” (Serm. 20, in Cant.).

Além disso, devemos pensar em que o Divino Salvador padeceu em especial por cada um de nós tudo o que Ele sofreu durante a Sua Paixão: “Vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim”, diz São Paulo (Gal 2, 20). O que diz o Apóstolo deve também dizer cada um de nós. Por isso escreve Santo Agostinho (De dilig. D., c. 6) que o homem foi resgatado por um tão grande preço que parece valer muito mais do que o próprio Deus. E o Santo ousa até acrescentar: Senhor, Vós não só me amastes como a Vós mesmo, mas até mais que a Vós, porque quisestes sofrer a morte para dela me livrardes.

§II. A meditação da Paixão de Cristo nos enche de consolação

1. Nas nossas angústias

Quem nos poderá consolar tão eficazmente neste vale de lágrimas como o nosso Salvador Crucificado? Quem nos poderá tranqüilizar quando nos sentirmos atormentados pelos remorsos de nossos pecados? O que mais, senão o pensamento de que Jesus Cristo se deu a si mesmo pelos nossos pecados? (Gal 1, 4). “Meus filhinhos, eu vos escrevo isto para que não pequeis, diz São João na sua primeira epístola (1 Jo 2, 1). Se alguém, porém, pecar, temos junto do Pai a Jesus Cristo por nosso Advogado, e este é a propiciação pelos nossos pecados”.

Jesus Cristo não cessa de pedir por nós ao Eterno Pai, apesar de Sua Morte; ainda agora é Ele nosso Intercessor e, segundo São Paulo, parece que Ele nada mais tem a fazer no Céu senão pedir ao Pai misericórdia para nós. O Apóstolo chega até a dizer que Jesus Cristo subiu ao Céu justamente “para interceder continuamente por nós diante do Pai” (Heb 9, 24). Assim como os rebeldes são expulsos da presença de seu rei, deveríamos também nós, como pecadores, ser repelidos da presença de Deus e nem sequer ser admitidos para pedir perdão; Jesus, porém, se colocou como nosso Salvador diante de Deus e alcançou-nos novamente a Graça que tínhamos perdido.

Muito mais fortemente clama por misericórdia em nosso favor o Sangue de nosso Divino Salvador do que o sangue de Abel por vingança contra Caim. “Depois que Eu me vinguei no corpo inocente de Jesus Cristo, disse um dia o Pai Eterno a Santa Maria Madalena de Pazzi, minha justiça transformou-se em benignidade. O Sangue de meu Filho não pede vingança, como o sangue de Abel, mas misericórdia e compaixão; e, a tal brado, minha justiça fica apaziguada”.

Esse Sangue prende, de certo modo, as mãos do Senhor, de forma que Ele não as pode mais levantar para castigar os pecadores. “Que tens a temer, ó pecador, pergunta São Tomás de Villanova, se pretendes deixar o pecado? Como poderá te condenar esse amante Salvador, que morreu para te não condenar? Como poderá repelir-te quando te voltas para Ele, se Ele, quando fugias de Sua presença, desceu do Céu em busca de ti?”

2. Nas nossas tribulações

Onde encontraremos força para suportar com paciência e resignação todas as perseguições, calúnias, humilhações, perda de bens e honras, senão na meditação de nosso Salvador pobre, desprezado e caluniado, que morre despido e abandonado por todos em uma Cruz? Quando vemos as grandes tribulações de nosso Salvador Crucificado, diz São Bernardo, devemos menosprezar as nossas. “Que coisa não te parecerá doce, pergunta o mesmo Santo, se pensares na amargura de teu Salvador?” Perguntado uma vez São Elzeário por sua esposa Delfina sobre como podia suportar tantas injúrias com tão grande calma, respondeu: Quando me injuriam, penso no que sofreu o Salvador Crucificado, e retenho esse pensamento até que volte por inteiro a calma.

Quando, pois, nos sentimos interiormente abandonados e privados da presença sensível de Deus, unamos o nosso desamparo ao que Jesus Cristo sofreu na Sua Morte. Às vezes o Salvador se esconde às Suas almas mais queridas; nunca, porém, se afasta de seus corações, e continua a auxiliá-las internamente com Sua Graça. Não se dá Ele por ofendido quando, em circunstâncias tais, Lhe dizemos o que Ele disse a Seu Eterno Pai, no Jardim das Oliveiras: “Meu Pai, se for possível, afastai de mim este cálice” (Mat 26, 39). Mas devemos também ajuntar imediatamente: “Não se faça como eu quero, mas como Vós quereis”. E se o desamparo continua, devemos também prosseguir na repetição desse ato de resignação, como o fez Jesus Cristo nas três horas de Sua agonia.

À Irmã Madalena Orsini, que por muito tempo se achava em grandes tribulações, apareceu uma vez o Salvador Crucificado e exortou-a a sofrer com paciência. A serva de Deus respondeu-Lhe: Mas, Senhor, Vós padecestes só três horas na Cruz, ao passo que eu já sofro este tormento há vários anos. Jesus repreendeu-a então, dizendo: Ó ignorante, que dizes? Desde o primeiro instante de minha existência no ventre de minha Mãe experimentei em meu Coração tudo o que sofri mais tarde na Cruz.

III. Nas nossas enfermidades

Que coisa nos poderá consolar mais em nossas doenças do que a vista de Jesus Crucificado? Quando estamos doentes, temos ao menos um leito: Jesus, porém, em Sua Morte dolorosíssima, em vez de um leito, tinha o duro madeiro da Cruz ao qual estava pregado com três cravos; em vez de um travesseiro, tinha, para repousar Sua dolorida cabeça, aquela coroa de espinhos que O atormentou até o Seu último suspiro.

Como quisessem atar com cordas ao santo capuchinho José de Leonissa, para sujeitá-lo a uma dolorosa operação, tomou ele o seu crucifixo e exclamou: Para que cordas? Eis aqui as minhas cordas; meu Senhor e Salvador, que foi pregado na Cruz por amor de mim, é Quem me ata; por Suas dores Ele me obriga a suportar pacientemente, por amor dEle, toda e qualquer dor. E, à vista de Jesus, que na Sua Paixão “não abriu a boca, como um cordeiro diante do que o tosquia”, sofreu ele a operação sem proferir uma só palavra de queixa.

Quando estamos doentes, amigos compassivos e parentes estão ao redor de nós, procurando minorar as nossas penas; Jesus, porém, morreu no meio de Seus inimigos, que não cessaram, mesmo na Sua agonia e até ao Seu último suspiro, de O injuriar e de tratá-lO como um criminoso e sedutor do povo. Certamente nada é tão próprio para consolar a um doente, especialmente se ele se vê abandonado pelos homens, do que a vista de Jesus Crucificado. Oh! Sim, a maior consolação que o doente pode então sentir consiste em poder ele unir seus sofrimentos com os de Jesus Cristo.

IV. Na hora da nossa morte

Quando começa o último combate de um moribundo e os ataques do inferno, a lembrança dos pecados cometidos e das contas que brevemente terá de prestar diante do tribunal de Deus, lhe ocasionam agonias mortais, a única consolação que lhe fica é abraçar a Cruz e dizer: Ó meu Jesus e meu Salvador, Vós sois o meu amor e a minha esperança.

Achando-se uma vez enfermo, São Bernardo foi transportado, em uma visão, diante do tribunal de Deus e, aí, acusado de seus pecados pelo demônio, que lhe afirmava que ele não merecia o Céu. Respondeu então o Santo: Sim, eu não mereço o Céu, mas Jesus tem um duplo direito a ele: primeiro, porque Ele é o verdadeiro Filho de Deus; segundo, porque adquiriu o Céu por Sua Morte. Ele contenta-se com o primeiro título e deixa-me o segundo; por isso peço o Céu e espero alcançá-lo.

Assim podemos também falar, pois São Paulo diz que Jesus Cristo quis morrer consumido pelas dores para abrir o Céu a todos os pecadores arrependidos, que estão decididos a não pecar mais. A vista do Salvador morrendo na Cruz dava aos Mártires a coragem e força de suportar com paciência os mais horrendos tormentos que a crueldade dos tiranos podia imaginar; e isso os fazia não só suportar com paciência, mas até com alegria e com o desejo de sofrer ainda mais por amor de Jesus Cristo.

Eis a célebre carta que Santo Inácio de Antioquia escreveu aos cristãos, quando ele foi condenado a ser lançado aos animais bravios: “Meus filhos, eu sou o trigo de Deus; deixai que eu seja moído pelos dentes dos animais bravios, para que eu me torne um pão delicioso a meu Salvador. Eu procuro somente Aquele que morreu por nós. Deixai-me imitar a Paixão de meu Salvador. Ele, que é o único objeto de meu amor, e o amor que Lhe tenho excita em mim o desejo se ser também crucificado por Ele”.

§III. A meditação da Paixão de Cristo nos conduz à perfeição

1. A meditação da Paixão de Cristo constitui a ciência dos Santos

O Apóstolo dizia que não queria saber outra coisa “senão Jesus Cristo, e este crucificado” (I Cor 2, 2). E, realmente, em que livros poderíamos aprender melhor a ciência dos Santos, que consiste em saber amar a Deus, do que em Jesus Crucificado? Os confrades do Beato Bernardo de Corleone, irmão capuchinho, queriam ensinar-lhe a ler, visto que não o sabia. Ele se aconselhou com seu Crucifixo e Jesus respondeu-lhe da Cruz: Para que livros? Para que aprender a ler? Eu sou o teu livro, no qual poderás constantemente ler o amor que te votei”. Oh! Que importante objeto de meditação para a vida inteira e para a eternidade não é este: um Deus morreu por amor de nós... um Deus morto por amor de nós...

Visitando um dia São Tomás de Aquino a São Boaventura, perguntou-lhe de que livro mais se servia para escrever tão belas coisas em suas obras. São Boaventura mostrou-lhe o seu Crucifixo, que já estava enegrecido pelos muitos ósculos, e disse-lhe: Este é o livro do qual tiro tudo o que escrevo; nele aprendi o pouco que sei.

2. A meditação da Paixão de Cristo inflama-nos no fogo do amor divino

Quem poderá amar outra coisa fora de Jesus, vendo como Ele morre com tantas dores e tão desprezado, para alcançar o nosso amor? Um devoto eremita pediu certa vez ao Senhor que lhe dissesse o que deveria fazer para amá-lO perfeitamente. O Senhor revelou-Lhe então que, para se chegar ao amor perfeito de Deus, nada há mais próprio do que a meditação freqüente de Sua Paixão. Oh! Se todos os homens meditassem na Paixão e Morte de Jesus Cristo, não existiria mais nem um só que não amasse esse Deus amoroso. “Cristo morreu por todos para que os que vivem não vivam mais para si, mas para Aquele que morreu por eles”, diz São Paulo (II Cor 5, 15).

A maior parte dos homens, porém, vive só para o pecado e para o demônio, e não para Jesus Cristo, apesar de um Deus ter morrido por eles. [entretanto, já] Platão dizia que o amor inspira amor, e Sêneca repetia amiúdo: “Se quiseres ser amado, ama”.

Ora, Jesus Cristo, morrendo por nós, nos amou quase que até à loucura, como nota São Gregório (Hom. 6 in evang.). Como é, pois, possível que, apesar de tantas provas de amor, não pôde ganhar os nossos corações? Como é possível que Ele não consiga ser correspondido por nós, depois de tanto nos ter amado? Todos os Santos aprenderam a arte de amar a Deus através da meditação do Crucificado.

Todas as vezes que São João do Alverne contemplava o Seu Salvador coberto de Chagas, não podia reprimir suas lágrimas. Jacopone de Todi, ao ouvir ler a Paixão de Cristo, não só derramava lágrimas, mas também rompia em altos soluços, subjugado pelo amor que lhe acendia a recordação de seu amado Salvador. Numa palavra, que cristão, meditando amiúdo a Paixão de Jesus Cristo, poderá viver sem amar a seu Salvador?

As Chagas de Jesus Cristo, diz São Boaventura, são outras tantas Chagas de Amor, são setas e chamas, que ferem os corações mais duros e as almas mais frias. O Beato Henrique Suso, para imprimir mais profundamente em seu coração o amor a seu Salvador Crucificado, tomou certa vez um ferro cortante e com ele feriu-se no peito, escrevendo ali o Santíssimo Nome de seu amado Senhor e, escorrendo sangue, dirigiu-se à igreja, prostrou-se aos pés do Crucifixo e disse-Lhe: Senhor, ó único amor de meu coração, eu quereria imprimir-Vos mais profundamente ainda em meu coração; mas isso me é impossível; Vós, porém, que tudo podeis, supri o que me falta em forças e imprimi Vosso adorável Nome tão profundamente em meu coração, que nem Vosso Nome, nem Vosso Amor possa jamais ser nele apagado.

Imitemos a esposa dos Cânticos, que diz: “Assentei-me à sombra daquele a quem eu desejava” (Cant 2, 3). Detenhamo-nos muitas vezes aos pés de nosso amável Redentor; imaginemo-lo morrendo na Cruz; meditemos Sua Paixão e o amor que nos mostrou lutando com a morte nesse leito de dores. Oh! Pudéssemos todos dizer de nós mesmos: Descansaremos sempre à sombra da Cruz.

Que doce paz não desfrutam as almas que amam a Deus no meio do reboliço do mundo, das tentações do demônio, do temor dos juízos de Deus, quando a sós, aos pés de seu amante Salvador, meditam em silêncio como Ele luta na Cruz com a morte e como Seu Sangue divino corre de todos os Seus membros rasgados pelos açoites, espinhos e cravos.

Em verdade, à vista de Jesus Crucificado, desaparecem de nossa alma todos os desejos de honras mundanas e bens terrenos. Então sopra da Cruz uma aragem suave e celestial, que nos desprende brandamente das coisas terrenas e acende em nós um santo desejo de padecer e morrer por amor dAquele que quis padecer, por amor de nós, tantos tormentos e a mesma morte.

3. A meditação da Paixão de Cristo excita-nos à prática de todas as virtudes

Isaías prometeu (Is 30, 20) aos homens que haviam de ver a seu divino Mestre com seus próprios olhos para poderem imitá-lO. A vida inteira de Jesus foi um exemplo permanente para nós e uma escola de perfeição; em nenhum outro lugar, porém, nos deu Ele uma lição mais perfeita e prática das virtudes do que na cátedra da Cruz. Com que perfeição não nos ensina daí a paciência, principalmente nas enfermidades, visto que suportou na Cruz, com a maior paciência, as dores de Sua dolorosa Paixão.

Do alto da Cruz nos ensina, com Seu exemplo, a mais perfeita obediência aos preceitos de Deus, a inteira submissão à Sua santa Vontade e, acima de tudo, a maneira de como devemos amar a Deus. O padre Paulo Ségneri, o Jovem, aconselhou a um penitente seu que escrevesse as seguintes palavras aos pés de seu Crucifixo: Vede aqui como se ama. Parece que o Salvador nos dirige as mesmas palavras do alto da Cruz, quando nós, para não termos de suportar um pequenos incômodo, deixamos a prática da virtude e até renunciamos à Sua Graça e ao Seu Amor. Ele nos amou até à morte, e não desceu da Cruz antes de dar Sua vida por nós.

Nessa escola do Salvador Crucificado aprenderam os Santos a praticar todas as virtudes. Fortificados pela vista de Jesus desprezado na Cruz, amam o desprezo mais do que os mundanos as honras do mundo. Eles vêem a Jesus morrer nu na Cruz e procuram privar-se de todos os bens da terra. Eles O vêem todo coberto de Chagas e derramando Sangue de todos os membros, e uma profunda aversão a todos os prazeres sensuais se apodera deles; só pensam então em martirizar, de todo modo possível, a sua carne, para se unirem, por meio de suas dores, a seu Salvador Crucificado.

Eles, vendo Jesus obediente em todos os passos e conformado à Vontade de Deus, e esforçam em subjugar todas as suas inclinações que não são conformes à Vontade de Deus. Eles vêem a paciência com que Jesus se submeteu, por amor de nós, a tantas penas e ultrajes, e suportam com resignação e até com alegria as injúrias, doenças, perseguições e maus tratos dos tiranos. Eles vêem, finalmente, o amor que Jesus Cristo nos mostra, sacrificando na Cruz Sua vida por nós, e oferecem a Deus em sacrifício tudo o que possuem: bens, satisfações, honras e a própria vida.

Donde, porém, provém que, apesar de tantos outros cristãos saberem e crerem que Jesus Cristo morreu por eles, em vez de se consagrarem inteiramente ao Seu serviço e Seu amor, parece que só cuidam em ofendê-lO e desprezá-lO por miseráveis e transitórias satisfações? Donde provém uma tal ingratidão? Do esquecimento da Paixão e Morte de Jesus Cristo. Horríveis, porém, serão, no dia do Juízo, o remorso e a vergonha dos pecadores, quando o Senhor lhes lançar em rosto tudo o que fez e padeceu por eles.

§IV. Avisos práticos

1. Não deixemos passar um só dia sem refletir na Paixão de Jesus Cristo, tomando-A por objeto de nossa meditação, ou então rezando a Via-Sacra. Segundo Santo Agostinho, nada existe que, com maior eficácia, nos possa auxiliar na aquisição da perfeição, do que a recordação cotidiana dos sofrimentos que Jesus Cristo suportou por nosso amor. Por isso dizia o padre Baltazar Álvarez que a perdição de tantos cristãos provém da sua ignorância a respeito dos tesouros espirituais que encontramos em nosso Salvador Crucificado.

Costumava, por esse motivo, dizer a seus penitentes que não deviam crer ter feito algum progresso na vida espiritual, enquanto não tivessem conseguido trazer constantemente em seus corações a Jesus Crucificado. Já Orígenes dizia que o pecado não pode reinar em uma alma que reflete muitas vezes na morte de Jesus Cristo. Além disso, diz Santo Agostinho que uma única lágrima que se derrame por causa da Paixão de Cristo vale mais do que uma peregrinação a Jerusalém e um ano de jejum a pão e água.

O divino Salvador quis padecer tanto para que nos lembrássemos sempre de Sua Paixão, visto ser impossível refletir nela e não se abrasar em amor de Deus, pois “o amor de Cristo nos constrange”, diz São Paulo (2 Cor 5, 14). Jesus é amado por poucos, porque só poucos meditam nos sofrimentos a que Ele quis se sujeitar por nossa causa; quem os medita amiúdo, não pode viver sem O amar, porque se sentirá constrangido por Seu amor de tal forma, que se lhe tornará impossível não retribuir o amor de um Deus tão amoroso, que padeceu tanto para ser amado por nós.

2. Veneremos também devotamente a imagem de Jesus Crucificado. Santa Gertrudes viu, em uma visão, como escreve Blósio, que Jesus contempla amorosamente todo aquele que olha devotamente um Crucifixo. Muitos cristãos têm em casa um belo Crucifixo, mas infelizmente só como ornato. Admiram sua perfeição, assim como a expressão de dor que reproduz; seus corações, porém, não se comovem ou só muito pouco, como se não fosse a imagem do Filho de Deus Humanado, mas sim de um homem que lhes é inteiramente desconhecido.

3. Consideremo-nos como propriedade absoluta de Jesus Cristo, pois não nos pertencemos mais depois de termos sido comprados pelo Sangue de Jesus Cristo, como escreve o Apóstolo: “Ou vivamos ou morramos, somos do Senhor” (Rom 14, 8). São João Crisóstomo dá uma bela explicação destas palavras de São Paulo: “Deus se ocupa mais de nós, do que nós mesmos; Ele considera nossa vida como um bem Seu e nossa morte como um mal próprio; se, pois, morremos espiritualmente, nossa morte não é unicamente uma perda para nós, mas também para Deus. Que honra, que consolação para nós podermos dizer neste vale de lágrimas, no meio de tantos inimigos e perigos que nos cercam: nós somos do Senhor; pertencemos a Jesus Cristo; somos bem Seu, Ele cuidará em nos conservar aqui em Sua Graça e em unir-nos eternamente consigo na outra vida”.

4. Pensemos também na Paixão de Jesus Cristo quando visitamos o Santíssimo Sacramento ou recebemos a santa Comunhão, pois Jesus Cristo instituiu o Ss. Sacramento para que a recordação do amor que nos mostrou por Sua morte na Cruz, ficasse sempre viva no meio de nós. Sabemos que nos deu este Sacramento de Amor na noite anterior à Sua morte e que, depois de dar a Comunhão aos discípulos, disse-lhes e, por meio deles, a nós também, que ao receber a Sagrada Comunhão deveríamos nos lembrar de quanto Ele padeceu por nós [e isto significam aquelas palavras: “Fazei isto em memória de mim”]. “Para conservar sempre viva no meio de nós a lembrança do grande benefício da Redenção, diz São Tomás, deixou-nos Jesus Cristo Seu Corpo por comida”.

5. Mais: quando assistimos à Santa Missa, devemos também pensar na Paixão de Cristo, pois que ela nada mais é senão a renovação do Sacrifício da Cruz, pelo que diz Santo Agostinho que a Santa Missa não é menos eficaz, hoje em dia, diante de Deus, do que o Sangue e Água que saíram outrora de Seu lado aberto.

6. Finalmente, tenhamos um grande zelo pela salvação das almas, que custaram tanto ao divino Salvador. O bispo São Carpo teve um dia uma visão, na qual pareceu-lhe ver diante de si um certo homem que, por causa de um mal exemplo, seduzira um inocente ao pecado. O Santo deixou-se levar por seu zelo e queria precipitar aquele sedutor em um abismo, a cuja borda se achava. Mas, eis que Jesus Cristo lhe aparece e, segurando o pecador com Sua mão, lhe diz: “Dirigi a mim o vosso ataque, pois estou pronto a morrer novamente pelos pecadores”. Parecia querer, com isso, dizer: Alto lá: volta antes tua mão contra mim; já dei a minha vida uma vez por esse pecador, e estou novamente pronto a morrer segunda vez por ele, para que não se perca.

§V. Ladainha da Paixão do Senhor


No centro do Brasão da Congregação Redentorista,
Santo Afonso fez questão de gravar os instrumentos da Paixão
 
Dulcíssimo Jesus, no Horto das Oliveiras triste até a morte, profundamente angustiado, oprimido de agonia, coberto de suor de Sangue,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, pelo ósculo traidor entregue às mãos dos Vossos inimigos, maltratado, atado e preso com cordas, abandonado pelos discípulos,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, pelo injusto Conselho dos judeus julgado réu de morte, entregue a Pilatos, desprezado e escarnecido pelo ímpio Herodes,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, despido, preso a uma coluna e acoitado cruelmente,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, coroado de penetrantes espinhos, ferido na sagrada Cabeça com uma cana, vestido, por escárnio, de um manto de púrpura, saciado de opróbrios,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, mais odiado que um ladrão e assassino, reprovado pelos judeus, condenado à morte da Cruz,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, carregado com a pesada Cruz, caído em terra, levado ao Calvário como o Cordeiro ao matadouro,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, Homem das dores, despojado de Vossas pobres vestiduras, contado entre os criminosos, imolado em sacrifício pelos nossos pecados,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, cravado cruelmente na Cruz, ferido dolorosamente por causa das nossas iniqüidades, quebrantado por causa das nossas culpas,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, escarnecido ainda na Cruz, atormentado e oprimido de dores indizíveis, consumido de sede, abandonado na mais dolorosa agonia pelo próprio Pai Celestial,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, morto na Cruz, traspassado por uma lança à vista de Vossa dolorosa Mãe,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, descido da Cruz, depositado nos braços de Vossa Santíssima Mãe e banhado em Suas lágrimas,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

Dulcíssimo Jesus, ungido e embalsamado pelos discípulos amantes com preciosos aromas, envolvido em lençóis limpos e depositado no santo sepulcro,

Tende piedade de nós, Senhor, tende piedade de nós.

V: Ele verdadeiramente tomou sobre Si as nossas iniqüidades.
R: E as nossas dores Ele as suportou.

Oração:

Ó Jesus, Filho Unigênito de Deus e da Virgem Imaculada, que pela salvação do mundo quisestes ser reprovado pelos judeus, atado com cordas, conduzido ao matadouro como um cordeiro, apresentado injustamente aos juízes Anás, Caifas, Pilatos e Herodes, acusado por falsas testemunhas, ferido com pancadas, saciado de opróbrios e injúrias, cuspido no Rosto, açoitado barbaramente, coroado de espinhos, condenado à morte, despojado dos vestidos, pregado com toda a crueldade na Cruz, suspenso entre dois ladrões, vexado com fel e vinagre, abandonado em tormentosa agonia e, finalmente, traspassado por uma lança: por estes tormentos, Senhor, dos quais nós, indignos filhos Vossos, agora com devoção, gratidão e amor nos lembramos, e pela Vossa Santíssima Morte na Cruz, livrai-nos das penas do inferno, e dignai-Vos conduzir-nos ao Paraíso, aonde levastes convosco o Bom Ladrão. Tende piedade de nós, ó Jesus, que com o Pai e o Espírito Santo viveis e reinais, por todos os séculos dos séculos. Amém.

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(Texto extraído da obra “ESCOLA DA PERFEIÇÃO CRISTÔ – compilação dos escritos de Santo Afonso Maria de Ligório, pelo Padre Saint-Omer, CSSR, tradução do Padre Paulo Leick, Editora Vozes, Petrópolis: 1955, 4ª edição. Imprimatur de vários bispos. Grifos nossos. A Ladainha da Paixão do Senhor acrescentamo-la, tendo-a extraído da obra “AS MAIS BELAS ORAÇÕES DE SANTO AFONSO”, uma compilação da CSSR, publicada pela editora Vozes em 1961)