segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Poesia ao Cristo Crucificado


A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa Cruz sacrossanta descobertos:
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, olhos divinos eclipsados,
De tanto sangue e lágrimas cobertos,
Que, para perdoar-me, estais despertos
E, por não devassar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não fugir-me;
A vós, cabeça baixa, por chamar-me;
A vós, sangue vertido, para ungir-me;

A vós, lado patente, quero unir-me;
A vós, cravos preciosos, quero atar-me;
Para ficar unido, atado e firme.

(Do doutor, Manuel da Nóbrega, extraído do livro: Nova Floresta, Terceiro Tomo, pelo Pe. Manuel Bernardes, Livraria Lello & Irmão, ano de 1949)

domingo, 12 de dezembro de 2010

O Presépio

O Presépio


Não menos do que a cruz, o presépio é a escola da vida interior. Começamos pelo presépio e acabamos pela cruz: um contém elementos dessa vida, e outra encerra a sua consumação. E como, em todas as ciências, os elementos são o que há de mais importante e necessário, estudemos o presépio e esforcemo-nos por traduzir em nosso procedimento o que ele nos ensina. Contemplemos o Verbo feito carne, o Filho de Deus tornado criancinha. Vejamos quais eram as Suas disposições ao nascer; consideremos as circunstâncias exteriores do Seu nascimento e quais foram as pessoas por Ele chamadas ao presépio.

Foi atraído à terra pelo amor que dedicava a Seu Pai e aos homens. O sentimento que Lhe enchia o coração era o de oferecer-Se em holocausto ao Pai para reparar a Sua glória e salvar o gênero humano. São Paulo, após David, no-lo ensina. Diz o apóstolo: ao entrar no mundo exclamou: "Os sacrifícios e as vítimas da antiga lei não Vos agradaram, mas me destes um corpo. Então disse: Eis-me aqui, para cumprir, ó meu Deus, a Vossa vontade". E qual era essa vontade?

Vontade infinitamente rigorosa, segundo a qual devia Ele sobrecarregar-Se de todos os nossos pecados e suportar o peso da justiça divina. Tem, pois, essa vontade ao nascer, a ele submete-se com amor. Desde o berço visa a Cruz, suspira pela cruz e o Seu primeiro desejo é morrer nela pregado para apaziguar o Pai e nos reunir.

Aprendamos por aí que a cruz é o grande objeto da vida interior; a primeira coisa que, ao ingressarmos nesta, Deus nos apresenta e a sua aceitação o primeiro sentimento do coração entregue inteiramente a Deus. Ora a cruz significa esquecimento, perda completa de nós mesmos em Deus, sacrifício perfeito de todos os interesses para só pensarmos nos interesses de Deus. Só Ele que no-lo propõe, nos inspira a coragem de aceitá-lo e nos dá a força para realizá-lo. Mas, da nossa parte, não devemos arrastá-lo constantemente e suspirar pela sua realização como fez Jesus Cristo.

Mas por que nasceu Ele criancinha? Por que não veio ao mundo, como Adão, em estado de homem feito? Dependia, certamente, d'Ele vir assim, mas teve razões para preferir o estado de infância. E a principal de todas foi o desejo de nos ensinar que, uma vez entregues a Deus, é preciso depositarmos a Seus pés o nosso discernimento, a nossa vontade e força; volvermos inteiramente à pequenez, à fraqueza e à falta de juízo da criança; em suma, aniquilarmos todo o passado, ficarmos em novo estado, iniciarmos vida nova, cujo princípio é Deus.

E que vida é essa? Dependência perfeita da graça, simplicidade e obediência. Contemplemos o nascimento de Jesus Cristo: Ele adora ao Pai tão perfeitamente no berço, quanto na cruz. Toda a Sua admiração, porém, está contida no coração: nada diz, nada faz, está como que aniquilado: e nesse próprio aniquilamento consiste a perfeição da Sua homenagem.

Compreendamo-lo bem, nós que nos queixamos diante de Deus como animais, sem pensamento, sem palavra, sem ação. Este estado, que é a morte do amor próprio, é incomparavelmente mais agradável a Deus, do que tudo quanto o nosso espírito, o nosso coração, e a nossa boca pudessem exprimir de mais sublime.

Calarmo-nos diante de Deus, humilharmo-nos, aniquilarmos, como se aí não estivéssemos, é a adoração perfeita em espírito e verdade. Que necessidade tem Deus das nossas luzes e dos nossos sentimentos que só servem para alimentar secreto orgulho e vã complacência em nós mesmos? Quanto mais se aproximar a nossa oração da de Jesus Menino, quanto mais humilde e desprezível ela nos parecer, tanto mais elevada será aos olhos de Deus.

Passemos as circunstâncias exteriores do nascimento de Jesus.

A Virgem Maria, repelida de todas as hospedarias, vê-Se obrigada a procurar abrigo em um estábulo.

Aí nasce o Filho de Deus: no seio da pobreza, humilhação e sofrimento. Uma manjedoura, na qual há um pouco de palha, serve-Lhe de berço; são pobres os paninhos que O envolvem; no meio da noite, na mais rude estação do ano, em lugar exposto a todos os ventos, o Seu tenro e delicado corpo é sujeito a todas as intempéries do ar. Ninguém assiste ao Seu nascimento; nenhum socorro ou alívio Lhe é prestado.

Que entrada no mundo para o Filho de Deus! Para Aquele que vem resgatar o mundo e fora anunciado desde o começo do mundo aos nossos primeiros pais como o libertador do gênero humano! Quem jamais acreditaria que Ele escolhesse nascimento tão pobre, tão obscuro, tão amargurado!

Mas como esse nascimento é instrutivo para aqueles que o Espírito Santo faz nascer para a vida interior!

No Menino divino encontram modelo perfeito das três virtudes que devem dali em diante ser as Suas companheiras inseparáveis: Completo desapego dos bens da terra, até abraçar a mais rigorosa penitência, se assim aprouver a Deus. Soberano desprezo de todas as honras mundanas até desejar ser não só ignorado, mas também ridicularizado e menosprezado. Renúncia absoluta de todos os prazeres do mundo, até entregar o corpo a todo gênero de mortificações. Eis a lição que Jesus, ao nascer, deu às almas interiores. Durante toda Sua vida Ele amou e praticou o que escolhera no presépio. Foi sempre pobre, vivendo do trabalho manual, não tendo nem sequer onde repousar a cabeça. Foi sempre desconhecido pelo mundo, ou vítima dos seus desprezos, das suas calúnias e perseguições. Absteve-Se de todos os prazeres, e sofreu, na Sua vida particular e pública, todas as privações e dores imagináveis. Na Sua morte demonstrou no mais elevado grau a prática dessas três virtudes.

Abracemo-las também ao entrarmos na vida espiritual, e jamais delas nos separemos.

Finalmente, quais foram às pessoas admitidas no presépio de Jesus? É coisa bem notável terem aí comparecido apenas as que foram chamadas por uma voz celeste ou por sinal milagroso. Isto nos ensina que para adotarmos a vida interior, cujo começo o presépio simboliza, precisamos ter vocação divina e que, portanto, ninguém de motu proprio pode nela entrar. Podemos, no entanto, contribuir para a vocação mediante algum preparo nosso, isto é, procurando ter as mesmas disposições e, que estavam os pastores e os magos.

Devemos, pois, a exemplo dos pastores, ser simples, pobres de espírito e pequenos; como eles ter grande retidão de coração, viver na inocência ou romper absolutamente com o pecado. Geralmente são ainda as pessoas de condição comum, de vida humilde e obscura, ignoradas e desprezadas pelo mundo, as que Deus chama à vida interior.

Ao demais, os pastores, mesmo durante a noite, velavam pelos seus rebanhos - o que demonstra constituírem preparo para a vocação do céu a vigilância e atenção para nós mesmos, o temor de Deus, a delicadeza da consciência - a fuga das ocasiões. Os pastores prestaram ouvidos às palavras dos anjos, acreditaram sem refletir ou raciocinar, e, abandonando tudo, partiram imediatamente para ver o Menino recém-nascido. Assim também a alma deve escutar com atenção o que Deus lhe diz ao coração, crer na Sua palavra com fé humilde e cega, largando tudo para seguir pronta e fielmente o instinto da graça.

Nas pessoas dos magos, os grandes e sábios são também chamados ao presépio, porém, grandes humildes, desapegados de tudo, prontos a sacrificar tudo para acudir ao chamado de Deus, sábios sem arrogância, sem presunção, dóceis à luz divina, ante a qual fazem calar todos os raciocínios. Tais foram um São Luiz, um Santo Agostinho, tantos santos de ambos os sexos, distintos pelo brilho do seu nascimento e dos seus cargos, ou pela extensão de seu gênio e dos seus conhecimentos.

O caráter de Herodes, dos fariseus, dos sacerdotes e doutores da lei dá-nos a conhecer aqueles que Jesus rejeita e que a seu turno não aproveitam os meios ordinários fornecidos pela graça para o conhecimento e a prática da vida interior.

(Manual das almas interiores - Compêndio de Opúsculos inéditos do Pe. Grou, da Companhia de Jesus, 1932, Vozes de Petrópolis)

PS: Grifos meus

sábado, 11 de dezembro de 2010

Efeitos de uma boa educação

EFEITOS DE UMA BOA EDUCAÇÃO


A boa educação facilita a resistência às tentações.

E como?
Os filhos educados têm de Deus, do mundo, e de si mesmos um conhecimento suficiente para prever o mal e fugir dele, para manter vivo e ativo aquele temor de Deus que é o começo da sabedoria:

a) Aprenderam de seus pais a conhecer a Deus. Sabem, e desta ciência eminentemente prática fazem uso a cada passo, que foi Deus quem, por sua palavra omnipotente, estendeu sobre nossas cabeças o céu e desdobrou a nossos pés a terra fecunda que pisamos; sabem que a inteligência,  vida e até o ar que respiramos são outros tantos de Sua liberalidade e como que uma centelha divina; sabem que é ainda aquele mesmo Deus quem, todos os dias, por um benefício de cada instante, lhes conserva a vida.

Estão bem convencidos de que não há lugar, por escondido ou afastado que pareça, onde possa alguém escapar à vista de Deus, porque está em toda parte; que Seus olhos perscrutadores penetram as trevas da noite, conhecem todas as dobras do coração humano e não Lhe escapam os pensamentos mais ocultos da alma.

Têm certeza de que um dia deverão comparecer perante o seu incorruptível tribunal e passar pela balança inflexível da Sua justiça.

Estes preciosos ensinamentos gravam de modo indelével na criança as verdades salutares e preservativas da presença, da justiça e do amor de Deus e é com elas que a mãe cristã deverá ir educando seus filhos.

b) Os filhos aprenderam de seus pais a conhecer o mundo.

Longe de verem neste mundo apenas um triste degredo, onde o homem passa a vida entre lágrimas, dores e sofrimentos, aprenderam a contemplá-lo, antes de tudo, como um monumento perene de onipotência, da sabedoria e do amor de Deus que prevê, com extremos de solicitude, às necessidades do corpo e dos sentidos; aprenderam a interpretar a linguagem muda e eloqüente de todas as criaturas que dizem ao homem: Gozai felizes e reconhecidos de tudo o que Deus criou para vosso uso.

Os pais não esqueceram, porém, de lhes inculcar quanto seria irrazoável e ingrato o homem que se apegasse a este mundo, considerando-o domicílio permanente e pátria definitiva, ou abusando das criaturas e perdendo de vista o céu que deve ser o alvo de todos os nossos esforços, de todos os nossos desejos e aspirações. Puseram-nos em guarda contra os outros homens, inculcando-lhes não só uma salutar desconfiança para com as pessoas de procedimento duvidoso, mas habituando-os a um espírito de observação que os habitasse a julgar dos homens por seu valor real, para entrarem depois em relação mais íntima com os que lhes merecem toda a confiança. Uma prudente reserva para com o mundo é o resultado de uma educação séria e previdente. Quantos males se podem evitar e quantos escolhos descobrir em tempo, graças a um conhecimento prático dos perigos e da fragilidade das coisas humanas.

c) Os filhos aprenderam enfim a se conhecerem a si mesmos.

Os pais repetiram-lhes muitas vezes que, apesar dos conhecimentos adquiridos com relativa facilidade, e inteligência ainda não lhe chegou à maturidade e, faltando-lhes a experiência, ainda não sabem avaliar as conseqüências de um ato; que, portanto, devem sempre dirigir ao Pai das misericórdias fervorosas preces para que os dirija sempre pelo bom caminho e, guiando-lhes os passos, os conserve na virtude.

Estes ensinamentos bem inculcados na infância facilitam a reabilitação depois da queda e tornam a criança dócil no remorso.

a) Se, por desgraça, tiverem sido arrastados ou seduzidos pelas más companhias, se o crime os houver iludido por um momento com suas enganadoras aparências, se as paixões ou a leviandade os houverem desviado do caminho da virtude, o temor e o remorso os farão cair em si; a lembrança de um pai, de uma mãe, bastará para desperta-lhes na alma aquelas máximas que tão profundamente lhes foram gravadas e essas máximas agarrá-los-ão pelos cabelos, se assim me posso expressar, para arrancá-los ao abismo a que os arrastará um momento de irreflexão. A consciência, que não dorme, apresentar-se-lhes-á como um gênio protetor a bradar-lhes: Como? Em um só momentos vos atreveis a derrubar o edifício que vossos pais, com tanto trabalho, levantaram, a paralisar as sábias lições de um pai, a esquecer os conselhos tão piedosos de uma mãe? A luta manifestar-se-á. Um olhar para o céu e este pensamento: "Como ousaria eu pecar à face de Deus?" lhes farão vencer a tentação e conservar a inocência.

b) A boa educação torna mais difícil a obstinação no vício.

Os filhos bem educados dificilmente se obstinarão no crime. Quando, por qualquer um desses incidentes de que se serve a graça, despertarem do letargo momentâneo, não sentirão eles uma dor pungente pelo que houverem feito? Aquele olhar perscrutador dos pais não lhes entrará como uma espada pela alma a dentro? Ou, se os pais já não vivem, a sua imagem não lhes parecerá sair do sepulcro para repreendê-los, até que voltem ao bom caminho? se quiserdes um exemplo frisante, ali  o tendes em Santo Agostinho, o qual, entregue a muitos excessos na mocidade, sempre pensava estar ouvindo a voz de sua piedosa e santa mãe.

Santa Mônica tivera o cuidado de gravar profundamente no coração do filho ainda pequeno, as máximas das virtude, para que Agostinho não as pudesse esquecer tão depressa. É verdade que o hábito contraído parecia ter insensibilizado aquela alma; mas não há tal; as lições de tão santa mãe retomavam sempre o seu legítimo império sobre o seu coração e o penetravam de tal nodo que acabou enfim por abandonar aquela vida e converteu-se para sempre.

Ó mães, educai cristãmente vossos filhos; isso equivale a assegurar-lhes o futuro. Educai-os no temor e amor de Deus, em uma prudente desconfiança do mundo e de si mesmos. Assim procedendo, se não lhes assegurais definitivamente a salvação da alma, quando menos, forneceis-lhes o meio poderoso de fugir ao mal e facilitais-lhes  a volta ao bom caminho.

***

Contam os historiadores de Branca de Castela, da França, que, aquela rainha, ao intuito de inspirar ao filhinho, o futuro São Luís, um grande horror ao pecado, costumava repetir-lhe muitas vezes: "Meu filho, se soubesses quanto te amo! Entretanto, prefiro ver-te morto a meus pés, do que ofenderes a Deus gravemente!". Depois, juntando-lhe as mãozinhas, fazia-o rezar esta oração que vem atravessando os séculos como um monumento da religião de tal mãe e da piedade daquele filho: "Antes morrer, meu Deus, que ofender-Vos com um pecado mortal".

O conde de Maistre escrevia à filha que acabava de lhe dar o primeiro neto: "É no regaço materno que se forma o que há de mais excelente no mundo".

Como é edificante e sublime o exemplo dessas mães que deram à Igreja tantos santos!

"Quero fazer do meu filho um santo", dizia a mãe de Santo Atanásio.

"Obrigado, meu Deus, obrigado por me terdes dado por mãe uma santa", exclamava, na hora da morte de Santa Emília, os seus dois filhos São Basílio e Santo Gregório de Nissa.

"Sim, meu Deus, em tudo devo à minha mãe", dizia Santo Agostinho.

São Gregório Magno deixou-nos um monumento do que cria dever à sua piedosa mãe, Silvia: Fê-la pintar assentada a seu lado, ornada de um vestido branco, tendo sobre a fronte o distintivo dos doutores da Igreja, com os dois dedos da mãe direita estendidos em atitude de quem abençoa, e sustentando com a mão esquerda o livro dos santos Evangelhos que apresenta ao Filho.

Um dia, o cura d'Ars, relembrando com profunda saudade o tempo de sua infância, ouviu alguém dizer-lhe: "Fostes muito feliz por terdes saboreado desde os mais tenros anos, as doçuras da piedade". - "Depois de Deus, retorquiu o santo, a minha mãe o devo: era tão piedosa! 'Meu filho, dizia ela, muitas vezes, seria para mim uma grande mágoa se te visse ofender a Deus". E pensado nisso, costumava dizer o santo sacerdote que um filho não deveria encarar nunca sua mãe sem lágrimas de ternura.

"Não há nada que tanto nos aproxime de Deus, dizia Ozanam, como a lembrança de uma mãe piedosa". Aí está Agostinho, o filho de Santa Mônica, para o demonstrar àqueles que o duvidarem. "Se a mãe, diz J. de Maistre, tiver deveras gravado profundamente no coração do filho o caráter divino, pode-se quase ter a certeza de que o vício jamais conseguirá apagá-lo de todo".

Uma educação assim, reverte aliás em benefício dos próprios pais e é mais um motivo que os deve animar no cumprimento do dever. Este ponto não se refere diretamente ao assunto que trazemos entre mãos, mas não nos podemos furtar ao desejo de apresentar ao leitor algumas considerações a respeito.

(As desavenças no lar, causas e remédios, por J.Nysten, Centro da Boa Imprensa, Porto Alegre, 1927, com imprimatur, continua com o post: Proveito que os pais podem tirar da boa educação que houverem dado a seus filhos)

PS: Grifos meus.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A GRAÇA

A GRAÇA

(Linda gravura, clique nela para ampliá-la)

EXPLICAÇÃO DA GRAVURA 


A alma e o convívio social

A ALMA E O CONVÍVIO SOCIAL

A alma abandonada a Deus deve viver no meio a que pertence, de maneira humana. Não lhe foi dada uma natureza angélica, unicamente ocupada  em pensar e amar a Deus. Vive no seio de uma família, de um ambiente de trabalho, de uma sociedade.

Mil relações de amizade, de interesses, de conveniências, de parentescos, ligam-na e solicitam-lhe a atenção. Entre estas muitas são boas e gratas, oferecendo-lhe ocasiões de servir, de dar-se, de distrair-se e cultivar-se. Outras são cordiais e íntimas, e outras ainda não são apenas pessoais, mas meio de expansão e convívio da família com outras famílias.

Ora essas relações agradam e encantam a alma, ora a perturbam, agitando-a, embaraçando-a, roubando-lhe o tempo e sossego; ou ainda a contrariam e descontentam, pois podem ser fonte de invejas e ódios e levar-lhe o pensamento para longe do Deus da paz.

É preciso, pois, escolher as relações com critério, eliminar as supérfluas, reduzir as que são apenas úteis e regular as necessárias. A alma verdadeiramente interior nunca se escraviza a criatura alguma, por mais agradável que seja. Nunca se abandona a não ser a Jesus. No fundo do coração, reserva um lugar onde nunca penetra nenhuma amizade terrena, por mais íntima que seja. A porta permanece fechada, pois só o Senhor a transpõe. É a morada de Deus.

O coração que pertence a Deus está completamente ocupado por Ele, até transbordar. É esta superabundância que derrama depois sobre as criaturas que o rodeiam.

Ninguém tão terno como a alma simples, ninguém ama tão puramente e com tanta constância a família, os amigos e mesmo os simples conhecidos. O seu amor é isento de egoísmo, pois é da mesma natureza que o amor que consagra ao Senhor; não está sujeito a variações, ao capricho, ao humor do momento; não se regula pelas qualidades, beleza, mérito, bondade, porque tem o seu único fundamento em Deus. A infidelidade, a ingratidão, a traição, as críticas podem supreendê-la, mas não desanimá-la.

Não procura também assenhorear-se em exclusiva do afeto e da estima de outra criatura. Sabe não ter esse direito, por ser Jesus o único Senhor das almas, o único Soberano a quem são devidos todo o amor e toda a glória.

Vive assim desapegada e livre no meio de um mundo de relações. Domina-as, governa-as, regula-lhe a natureza, o tempo e o modo. É uma maravilha contemplar um alma assim, que vive serena num ambiente agitado e atormentado! Dir-se-ia uma grande árvore que sobressai no bosque. O vento apenas consegue agitar-lhe os ramos. Quando ao redor tudo se turva e despedaça, a alma interior permanece  imperturbável e tranquila; quando o turbilhão das mil relações sociais por mera conveniência ou interesse arrasta as almas vulgares e as lança na dissipação e no desassossego, essa alma permanece inabalável, com a fronte erguida para o céu e o coração enraizado em Cristo. Ninguém é capaz deste domínio sobre si mesmo a não ser aquele que encara todo o seu relacionamento humano à luz dos interesses de Deus, e não dos próprios.

Senhor, ensinai-me este segredo divino. Uni-me tão fortemente a Vós que nenhuma criatura consiga separar-nos. Sinto ser a fraqueza personificada, pois tudo me condiciona: o olhar de um amigo, o gesto de um inimigo, uma palavra mordaz, um sorriso, tudo atua em mim e me perturba. A adversidade abate-me, a contrariedade desanima-me, o sofrimento enerva-me, a contradição exaspera-me; um gesto afetuoso cativa-me, a sua ausência desgosta-me, uma boa palavra conforta-me, um louvor lisonjeia-me, uma aprovação estimula-me; ando à mercê das minhas impressões. O meu espírito e o meu coração não me pertencem.

Senhor! Restituí-me a independência de filho de Deus que viestes implantar na terra. Que não dependa dos juízos e das atitudes de ninguém senão de Vós e daqueles que Vos representam, que o respeito humano não tenha influência sobre mim, que seja insensível à aprovação ou à critica, que a multiplicidade das relações necessárias não me distraia de Vós, e as encare e cultive todas como Vós a encarastes quando vivíeis entre nós.

(O dom de si, vida de abandono em Deus, pelo Pe. Joseph Schrijvers, Quadrante, 1993)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

ORAÇÃO DE SANTO AFONSO À SENHORA IMACULADA

ORAÇÃO DE SANTO AFONSO À SENHORA IMACULADA


Ó minha Senhora, minha Imaculada, alegro-me conVosco por ver-Vos enriquecida de tanta pureza. Agradeço e proponho agradecer sempre o nosso comum Criador por ter-Vos Ele preservado de toda mancha de culpa. Disso tenho plena convicção, e para defender este Vosso tão grande e singular privilégio da Imaculada Conceição, juro dar até a minha vida. Estou pronto a fazê-lo, se preciso for. Desejaria que o mundo universo Vos reconhecesse e confessasse como aquela formosa aurora, sempre adornada da divina luz; como aquela arca eleita de salvação, livre do comum naufrágio do pecado; como aquela perfeita e imaculada pomba, qual Vos declarou Vosso divino Esposo; como aquele jardim fechado, que foi as delícias de Deus; como aquela fonte selada, na qual o inimigo jamais pode entrar para turvá-la; como aquele cândido lírio, finalmente, que, brotando entre os espinhos dos filhos de Adão, enquanto todos nascem manchados da culpa e inimigos de Deus, Vós nascentes pura e imaculada, amiga de Vosso Criador.

Consenti, pois, que ainda Vos louve, como Vos louvou Vosso próprio Deus: Toda Sois formosa e em Vós não há mancha. Ó pomba puríssima, toda cândida, toda bela, sempre amiga de Deus! Dulcíssima, amabilíssima, imaculada Maria, Vós que sois tão bela aos olhos do Senhor, não recuseis olhar com Vossos piedosíssimos olhos as chagas tão asquerosas de minha alma.

Olhai-me, compadecei-Vos de mim, e curai-me. Ó belo ímã dos corações, atraí para Vós também este meu miserável coração. Tende piedade de mim, que não só nasci em pecado, mais ainda depois do batismo manchei minha alma com novas culpas, ó senhora, que desde o primeiro instante de Vossa vida aparecestes bela e pura aos olhos de Deus. Que graça Vos poderá negar o Deus que Vos escolheu para Sua Filha, Sua Mãe e Sua esposa, e por essa razão Vos preservou de toda mancha? Virgem Imaculada, a Vós compete salvar-me, dir-Vos-ei com S. Filipe Néri. Fazei que me lembre de Vós; e não Vos esqueçais de mim. Parece tardar mil anos o momento de ir contemplar Vossa beleza no Paraíso, para melhor louvar-Vos e amar-Vos, minha Mãe, minha Rainha, minha Amada, belíssima, dulcíssima, puríssima, imaculada Maria. Amém.

Nota do livro: Santo Afonso escreveu o presente livro em 1750, portanto 104 anos antes da promulgação do dogma da Imaculada Conceição. Com este seu trabalho, e com outros escritos ascéticos, contribuiu muitíssimo para mais este triunfo de nossa Senhora.

(Glórias de Maria, Santo Afonso Maria de Ligório, editora Santuário, 18ª edição)

A MEU ANJO DA GUARDA

A MEU ANJO DA GUARDA


(Música de: Par les chants les plus magnifiques)

Glorioso Guardião de minh'alma,
Tu que brilhas lá no céu,
Como pura e doce chama
Ao lado do trono do Eterno,
Tu, por mim desces à terra
E com tua luz me iluminas,
Tornando-te meu irmão,
amigo e consolador.

Conhecendo-me a fraqueza,
Tu me diriges pela mão.
E te vejo, com ternura,
tirar pedras do caminho.
Tua doce voz me convida
A sempre olhar para o céu;
Mais me vês pequena e humilde,
Mais esplendor tens na fronte.

Ó tu que cruzas o espaço
Mais veloz do que os relâmpagos,
Peço-te, em meu lugar,
Voa até aqueles que amo!
Com as asas seca seu pranto,
Canta que Jesus é bom
E que a dor tem seus encantos
E sussurra-lhes meu nome...

Quero, nesta curta vida,
Salvar irmãos pecadores;
Ó meu belo anjo do céu,
Dá-me teus santos ardores.
Só tenho meus sacrifícios
E minha austera pobreza:
Com os teus gozos celestes
Oferece-os à Trindade.

A ti o Reino e sua Glória
Com os dons do Rei dos reis.
A mim o cibório e sua hóstia,
A mim o tesouro da cruz.
Sim, a mim só cruz com Hóstia.
Com tua ajuda celeste,
Espero em paz a outra vida,
E as alegrias eternas.

(A minha querida Irmã Maria Filomena lembrança do Menino Jesus da Sagrada Face, Rel. Carm. Ind. - Obras Completas - Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, edições Loyola)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

MINHA ALEGRIA

MINHA ALEGRIA


Há almas na terra
Quem em vão procuram a felicidade;
Entretanto, comigo dá-se o contrário:
Trago no coração sempre a alegria
E não é uma alegria passageira;
Eu a trago comigo a todo instante!
Como uma rosa em plena primavera,
Ela sorri para mim dia após dia.

Sim, sou feliz, sou feliz demais,
Pois faço sempre aquilo que bem quero...
Como deixar, então, de ser alegre
Ou deixar de mostrar minha alegria?...
Minha felicidade é amar a dor
E sorrir, mesmo enquanto o pranto escorre;
Aceito, com a mesma gratidão,
Flores entrelaçadas com espinhos.

Quando meu céu azul se torna escuro,
Quando tudo parece abandonar-me,
Minha alegria é ficar na sombra,
Esconder-me e rebaixar-me.
Minha alegria é a vontade sagrada
De Jesus Cristo, meu único amor.
Assim vivo sem nenhum temor
E amo igualmente o dia como a noite.

Minha alegria é sempre ser pequena.
E assim, se às vezes caio no caminho,
Posso me levantar bem depressa.
Jesus Cristo me pega pela mão.
Cobrindo-O, então, todo de carícias,
Digo que Ele é tudo para mim.
Se acaso Ele Se esconde de minha fé,
Aí é que redobro meus carinhos.

Se, às vezes, derramo algumas lágrimas,
O meu prazer consiste em escondê-las.
Ah! como o sofrimento tem encantos,
Quando, com flor, se sabe disfarçá-lo!
Desejo sofrer sem dizer nada
Para consolar Jesus desta maneira.
Minha alegria é ver seu sorriso,
Enquanto o coração tenho no exílio...

Minha alegria é viver lutando,
Gerando assim, eleitos para o céu
E, coração ardendo de ternuras,
Repetir a Jesus continuamente:
"Por Vós, meu Irmãozinho divinal,
Eu me sinto feliz no sofrimento
E minha única alegria neste mundo
É só poder sempre alegrar-Vos.

Quero viver ainda muito tempo,
Meu Senhor, se esta for Vossa vontade,
E quisera, depois, seguir-Vos ao céu,
Se isto também Vos causa algum prazer.
Esta chama de amor que vem da Pátria
Não deixa nunca de me consumir!
Pouco me importa a morte ou mesmo a vida:
Jesus, minha alegria é Vos amar"!

(Obras completas, Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, editora Loyola)

domingo, 5 de dezembro de 2010

A boa educação

A BOA EDUCAÇÃO


Educar filhos! missão sublime, mas, ai, como é mal compreendida e, sobretudo, mal estudada! Educar (do latim educere) significa elevar, fazer subir a uma altura que fica pouco abaixo dos anjos, aqueles pequeninos entes que Deus confiou aos pais como um depósito sagrado. Ora, isso representa um trabalho de todos os dias, de todos os momentos, um trabalho por vezes aborrecido, enfadonho, extenuante; requer mais: um tino muito especial, sacrifícios e abnegações bem difíceis e uma vigilância de todos os dias, de todas as horas.

Nosso Senhor tem ameaças terríveis para qualquer que dê escândalo; que se há de dizer dos pais que dão maus exemplos aos filhos? Desgraçados deles! Não esqueçam nunca que aqueles pequeninos olhos e ouvidos estão sempre se atalaia. Evitem, portanto, qualquer palavra ou conversação, qualquer coisa enfim que lhes venha empanar a candura da alma inocente.

Quem poderá avaliar, diz um autor, a influência que podem ter, na perdição de uma moça de vinte e cinco anos, as conversações que ela surpreendeu quando pequenina, de vestidinho curto! Costuma-se dizer que as conversações entram por um ouvido e saem pelo outro, mas não se repara que, entre um e outro ouvido, está o coração alerta. É lei da natureza, escreve um pagão: os maus exemplos domésticos corrompem mais depressa e são mais eficazes que quaisquer outros, pela grande autoridade de que se revestem. Grave-se bem na memória e nunca se perca de vista, que aos filhos se lhes deve um grande respeito. Pai de família se cavilais alguma desonestidade, lembrai-vos dos vossos filhos, tão pequeninos ainda e, na tentação, detende-vos ante a lembrança desses anjinhos. Miserável, receais que o amigo que vos vem visitar encontre a casa desasseada e em desordem e esqueceis que vossos filhos não devem respirar senão um ambiente puro, em um lar sem mancha nem vícios!

Admiravelmente dito por certo; a graça, porém, fala ainda mais alto e melhor que a sabedoria humana aos corações dos pais cristãos que se respeitem; para eles o filho é muito mais do que um simples herdeiro das qualidades e do sangue que lhes transmitiram; é, antes de tudo, o herdeiro do céu, onde não entra nada manchado, e co-herdeiro dos anjos que vêm a Deus face a face e denunciam à justiça divina os corruptores da inocência; é um ser por tal forma sagrado que nenhum mal se pode praticar em sua presença, sem incorrer na maldição divina. "Ai de vós, exclama Jesus Cristo, o eterno amigo das crianças, ai, dos que escandalizam um destes pequeninos; melhor lhes fora atarem uma pedra ao pescoço e precipitarem-se no fundo do mar."

Alguém já disse, com muito acerto, referindo-se a educação das crianças: "Vigiai-lhes o despontar da vida porque aqui tudo depende do começo; será um mau dia, se for sombria a aurora e amargo o fruto da flor contaminada; turva-se a água de um arroio em lhe remexendo a fonte; enfim, toda a vida do homem se ressentirá do berço".

É verdade que a Igreja elevou à criança a sublime altura de filho de Deus pelo batismo; mas, a chaga purulenta da concupiscência não cicatriza nunca, e lá fica no fundo dessa alminha, apesar de purificada pelo sacramento. A concupsciência desenvolver-se-á nela com a idade, procurando sempre subtraí-la ao benefício influxo da graça, tentando arrastá-la para o lodo. As conseqüências do pecado original lá estão e lá ficam como germe de decomposição e de morte, sempre em luta com aquele outro princípio de divina beleza e vigor; sempre a advogar a usurpação do corpo e da matéria contra os direitos sagrados da razão iluminada pela fé; sempre em brecha na defesa de um moral independente, a provocar a revolta contra qualquer autoridade, por legítima e sagrada que seja. A concupiscência revolta-se contra tudo quanto lhe venha contrariar as aspirações criminosas e não descansará nem será vencida definitivamente, senão com a morte dos que ela atormenta. Enquanto isso, preciso será educar e elevar continuamente a alma e libertá-la, quanto possível da tirania da carne.

Trata-se, portanto, de combater as más inclinações que se manifestam na criança, de empregar meios eficazes de armar estas pequeninas almas para a luta renhida e prolongada que vai começar; é questão que os pais devem tomar muito a peito se tiverem em alguma conta a felicidade temporal e eterna dos filhos. Quer eles abracem mais tarde a vida religiosa ou o sacerdócio, quer se destinem ao matrimônio, se não estiverem suficientemente adestrados para vencer as dificuldades e tropeços que o demônio e a carne lhes preparam, serão sempre infelizes e não corresponderão ao que Deus espera deles.

Na vida conjugal, sobretudo, para viverem felizes ou, quando menos, resignados, são indispensáveis caracteres temperados nos sofrimentos e contrariedade de toda espécie, caracteres capazes de enfrentar todos os trabalhos, todos os contratempos, todos os infortúnios que possam aparecer; é necessário que disponham de uma energia a toda prova, no cumprimento do dever.

Ora, uma educação em que os caprichos se vêm sempre satisfeitos em lugar de reprimidos, uma educação em que predomina sempre a vontade da criança, a quem não se nega nenhum prazer e se transige sempre com as pequenas paixões em revolta, nunca dará homens de boa têmpera, de caráter firme, austeros, nunca dará mais que homens sem vontade para coisa alguma, incapazes de qualquer sacrifício nobre, vítimas desgraçadas do amor próprio.

É as mães que cabe, em primeira linha, este importante papel da educação religiosa e moral dos filhos, pois estes serão que fatalmente o que elas quiserem, mas quiserem verdadeiramente; e se algum dia vierem a se extraviar, a lembrança daquela mãe piedosa que os guiou com tanto amor, fá-los-á voltar ao bom caminho.

Como se hão de haver, pois, para premunir os filhos contra as más inclinações que se manifestam desde a primeira idade e se desenvolvem com o andar dos anos? Que fazer para educar essas alminhas e elevá-las de modo a fazê-las pairar sempre bem acima do lodaçal deste mundo, de seus encantos frívolos e passageiros?

Dar-lhe uma boa educação.

"Ah! como a educação cristã é grande e sublime, exclama Lamennais, e a que altura sabe elevar uma criança! É ela quem depõe naquela pequenina inteligência as verdades que fecundaram o gênio de Bossuet, a alma de Fenelon e produziram - oh! não o esqueçais, por favor! - as virtudes de um São Vicente de Paulo. Mas, que digo? Foi ela quem comunicou a estes homens admiráveis, espírito e força, é ela quem há de preparar uma sociedade mais perfeita para o dia de amanhã".

(As desavenças no lar, causas e remédios, J. Nysten, Centro da boa imprensa, 1927, com imprimatur)

PS: Grifos meus.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Dez mais do que cem...

Dez mais do que cem...


Achei graça na velhinha que teimava em convencer-me de que dez pessoas, falando, fazem mais barulho do que cem caladas. Refleti porém e encontrei uma filosofia no caso. Na vida temos disso. Pelo mundo e pela sociedade poderão dez vozes falar contra a fé, o pudor, contra a obediência à Igreja e aos pais. E certamente farão mais impressão do que cem vozes, que se calam.

Família (leitora), justamente isso acontece no mundo no qual vosso filho estuda, move-se, diverte-se. Não podemos dizer sejam bons os tempos para a fé e a moral. Há uma aberta e atrevida conspiração contra a virtude, ousada afirmação do direito de pecar e errar. Carne e corpo tornaram-se deuses e seus apetites são tolerados e imitados em vários casos.

Além dos fatos, andam por aí princípios, justificando erros, pondo a ridículo a virtude. Saint-Beuve, que não era lá de muitos escrúpulos, disse dos livros de Balzac: "Depois de os ler, sinto precisão de lavar as mãos..." Pois bem. Vosso filho, família que nos (lê), caminha neste ambiente. O dia todo vê e ouve o que dez vozes falam. Mas onde estão as cem vozes que deviam falar? Estão caladas. Caladas nas famílias que não corrige, não previne, não desfaz impressões más, que não vigia.

Quando estoura uma epidemia, todo mundo toma conhecimento das medidas preventivas e aplica-as com diligência. Atitude louvável, sem dúvida. E por que não admitir o mesmo processo, em se tratando de contágios piores e crônicos, como são de ordem moral? Hoje o mundo entra nos lares e aplica-lhes - na frase de Pio XII - uma injeção endovenosa pelo rádio e pela televisão. Poderá ficar sem vigilância tal acontecimento? Ficará ao critério das crianças e dos adolescentes o botão dos aparelhos? Ou terão de dobrar-se os pais perante as preferências dos filhos neste assunto?

Enrolado em folhas de livros, de revistas e jornais o mundo invade os lares. Como explicar o zelo de famílias que não admitem visitas de conversas inconvenientes, mas toleram abertas as portas para entrada de visitantes mudos, que são as publicações? Isso mesmo. Cem bocas caladas perdem de dez bocas que falam. O silêncio de cem dá coragem ao atrevimento de dez. Eu previno que nesse silêncio há um pecado. Há um sério prejuízo causado à alma dos filhos. Lembro o louvor do Sábio à mulher que, de luz acesas, percorre sua casa observando e vigiando se tudo está em ordem. Fragilidade, idade e época má - eis os motivos da vigilância.

(Mundos entre berços, pelo Pe. Geraldo Pires de Souza, C.SS.R, editora Vozes, 1965)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Educação sobrenatural - XIII - Os frutos da vida sobrenatural

A EDUCAÇÃO SOBRENATURAL
XIII- OS FRUTOS DA VIDA SOBRENATURAL


"Aquele que permanece em mim e em quem eu permanecer,
produzirá muito fruto."
(Joan., XV, 5)

Quais são os principais frutos da vida sobrenatural?
São: a fé (art. I); a esperança (art. II); o amor de Deus (art. III); o amor a Igreja (art. IV).

Artigo I -A fé

"A nossa fé é um candelabro espiritual que ilumina e aquece a alma."
(São Tomás de Aquino)

Donde vem a fé para a criança?
A criança recebeu, no batismo, a fé infusa, uma virtude secreta, uma disposição íntima que a inclina a crer, um gérmen abençoado que só espera desenvolver-se e engrandecer. As criancinhas batizadas têm afinidades sobrenaturais com as verdades cristãs, que ainda não conhecem. Esta fé virtual, esta crença implícita é quanto lhes basta por agora; crêem pelo coração da Igreja e pelo coração de sua mãe.

Que se deve fazer quando a criança atinge a idade da razão?
Quando a criança atinge a idade da razão, é obrigada a fazer um ato de fé explícito e formal.

A mãe deve vigiar o primeiro despertar da sua inteligência para a colocar, imediatamente, em relação com as verdades reveladas, com a ordem sobrenatural.

Mas não se deve assustar; a criança não as admira de nada, está preparada para tudo. Ser-lhe-á impossível, durante muito tempo ainda, sem dúvida, dizer por que é preciso crer; mas crê sem hesitar. A sua adesão é franca, inteira; nenhuma dúvida a assalta; e isto não é somente o resultado da credulidade, natural da sua idade, é também o fruto do Espírito Santo que a ilumina e lhe faz dizer: "Eu creio". Pode-se afirmar que, depois do batismo, a criança é naturalmente cristã.

Como se deve então apresentar à criança os ensinamentos da fé?
É preciso apresentar-lhe os ensinamentos da fé com uma clareza proporcionada à sua inteligência; pô-los ao seu alcance; servir-se de exemplos, de comparações, de lembranças; é preciso descrever-lhe a religião. A verdade há-de penetrar tal qual é na sua alma, infiltrar-se-á nela, porque, quando a verdade não é contrariada por paixões ou preconceitos, basta mostrar-se para triunfar.

"Nada é tão tocante como a fé simples e ingênua duma verdadeira mãe, nas relações com seus filhos, sobretudo quanto está razoavelmente esclarecida; dir-se-iam pequenos anjos que escutam as predicas dum arcanjo ou dum querubim."
(Mgr. Pichenot)

Deve contentar-se como  ensinamento pela palavra?
É preciso ajuntar-lhe o exemplo.

"O coração e as mãos devem estar de acordo com os lábios."
 (Mgr. Pichenot)

Uma mãe deve viver da fé, como o justo da Escritura, e isto a fim de criar em volta de seu filho uma atmosfera impregnada de espírito cristão, para lhe infundir a religião no sangue, alimentar com ela a sua alma para a vida.

Artigo II - A esperança

Que é o objetivo da esperança?
É tríplice, no dizer de São Bernardo, a saber:

- A esperança do perdão: spes veniae;
- a esperança da graça: spes gratiae;
3º- a esperança da glória: spes gloriae.

É importante criar nas crianças a esperança do perdão?
Sim, porque:

1º- As crianças pecam e por vezes mortalmente.

"Sacramentei e enterrei uma pobre criança que morrera vítima de pecados; não tinha mais de onze anos."
 (Mgr. Pichenot)

2º- As crianças são culpadas, pelo menos de pecados veniais. E o pecado venial, é já um grande mal; arrefece o amor de Deus; impede o aumento interior da vida sobrenatural; expõe às chamas do purgatório.

Qual é o melhor meio de fortalecer nas crianças esta esperança do perdão?
É habituá-las a repararem prontamente os pecados que cometem.

É preciso dizer-lhes que Deus é bom como um pai, terno como uma mãe, e mais que uma mãe, segundo a linguagem da Sagrada Escrituras.

É preciso  ensinar-lhes que nem sempre têm necessidade de confissão para obter o perdão dos pecados veniais: um Pater bem dito, um sinal da cruz bem feito, um bocado de pão bento comido com fé, a bênção dum bispo ou dum padre, e com mais forte razão a do Santíssimo Sacramento, com o ato de contrição ou de caridade, o Confiteor dito do fundo do coração, e podem ficar purificadas.

Não há a temer alguma presunção no desenvolvimento desta esperança?
Pode ser.

Mesmo assim é preciso ensiná-la: a confiança na misericórdia honra Deus e fortalece o coração.

"Mais vale que as crianças caiam um dia no purgatório por um pouco de presunção do que possam cair por desesperança no inferno. Porque foi maldito Caim? Porque matou seu irmão? Não. Por que se perdeu Judas? Por causa da sua traição? Não. Por causa da sua primeira Comunhão sacrílega? Não; foi porque não tiveram confiança. A desesperação é um pecado contra o Espírito Santo, um pecado que não pode ser perdoado."
(Mgr. Pichenot)
Por que é preciso formar nas crianças a esperança da graça?

- Porque a presunção é o fundo do seu caráter; de nada duvidam e imaginam não ter necessidade de ninguém. É preciso, portanto, ensinar-lhes que, sem a graça, não podemos nada, nem evitar o mal, nem fazer o bem, nem salvar-nos: isto é um caso de fé.

- Porque as crianças, jovens presunçosas, não tardam a experimentar a sua fraqueza, e são tanto mais tentadas a desanimar quanto maior era a confiança que tinham em si próprias. É preciso dize-lhes então que se pode tudo com a graça de Deus, humildemente solicitada, generosamente seguida.

Como se pode excitar nas crianças a esperança da glória?
- Dizendo-lhes que a recompensa do céu é segura, abundante, eterna;

- amparando-as no cumprimento dos seus deveres, pela perspectiva, sobrenaturalmente aberta a seus olhos, da eternidade bem-aventurada;

- recordando-lhes alguns traços da vida dos santos mais especialmente instrutivos na matéria.

A mãe de São Sinforiano dizia-lhe, no momento em que o conduziam ao suplício:

- Meu filho, meu filho: lembra-te da vida eterna; olha os céus; não tenhas pena desta vida, pois vais trocá-la por uma melhor.

Santa Felicidade de Roma, a mãe dos Macabeus, sustinha a fé e a coragem dos seus sete filhos com o pensamento da Ressureição gloriosa, quando eles estavam nas mãos do carrasco.

Artigo III - O amor de Deus

"Ah! quem não ama a Deus é louco".
(Vida do bem-aventurado Crispim, p.109)

Qual é a importância do amor de Deus?
É imensa.

"A maior desgraça neste mundo, a origem de todos os erros e de todos os vícios, é não se amar a Deus."
(Mgr. Pichenot)


Como se deve fazer para excitar, no coração da criança, um verdadeiro amor a Deus?
É preciso persuadi-la de que ela mesma é objeto dum grande amor da parte de Deus.

Se não se ama Deus, ordinariamente pelo menos, é porque não se crê que se é amado por Ele. Se se tivesse a convicção, a persuação íntima desta verdade: que Deus nos ama desde toda a eternidade, que nos ama apesar das nossas faltas e fraquezas, que nos quer amar sempre, ser-nos-ia impossível não nos ligarmos a Ele, porque o amor chama o amor, como o fogo chama o fogo: é uma lei da natureza, é uma lei do coração.

Quais são as verdades que convencerão mais facilmente a criança do amor de Deus pra com ela?
1º- É primeiramente a criação com as múltiplos benefícios de Deus espalhados na ordem da natureza; a primavera e o perfume das suas flores, dessas flores que nasceram, dizem os poetas, do sorriso de Deus, que arrebatavam os santos em êxtases de reconhecimento; o estío e as suas messes douradas, com as quais Deus nutre o corpo e a alma de cada um de nós; o outono e os seus frutos variados e saborosos, que fizeram dizer a Bernardim de Saint-Pierre que as plantas trazem consigo a sua teologia; o inverno, enfim, e a bênção do seu fogo, das suas águas e das suas longas noites reparadoras.

- O benefício da sua própria existência, que lhe vem de Deus.
A mãe dos Macabeus dizia aos seus sete filhos no dia do seu martírio:

- Não sei como aparecestes no meu seio; porque não fui eu que vos dei o espírito, a alma e a vida nem mesmo fui eu que organizei os vossos corpos e reuni os vossos membros, mas foi o Criador do mundo que fez tudo.

A criança recebeu esta existência de preferência a uma infinidade de outras que teriam sido melhores do que ela. Deus, em seu lugar, poderia ter feito um anjo ou uma estrela. Porque a criou a ela? Amor, amor. E essa existência nunca lhe será arrebatada: é indestrutível. Esta existência traz consigo uma multidão doutros benéficos, que a criança compreenderá quando seu pai ou sua mãe compararem o seu estado com o estado daqueles que sofrem: ou enfermos, os deserdados da vida.

- Os mistérios da Encarnação, da Redenção, da Eucaristia, da eternidade bem-aventurada.

Artigo IV - O amor da Igreja

"Não há melhor mãe neste mundo"
(Provérbio cristão da idade média)

Por que se deve inspirar às crianças o amor da Igreja?
Porque a Igreja é nossa mãe.

"Deus deu-no-la para dirigir os nossos passos para o céu, para curar os nossos males, pensar as nossas chagas, ressuscitar-nos, se tivermos a desgraça de perder a vida da alma, levar-nos nos Seus braços do berço à tumba, até à vida que não acabará jamais."

Não é preciso inspirar-lhes também o amor pelo Sumo Pontífice?

Sim.

O Sumo Pontífice foi eleito por Jesus Cristo como Seu vigário sobre a Terra e chefe supremo de toda a Igreja. É preciso convencer as crianças a tirarem do seu pequeno mealheiro a parte do Papa, generosamente lançada no Dinheiro de São Pedro.
 
"Outrora, diz o Pe. Charruau, criancinha caíram doentes com a dor causada pela notícia de que o pequeno exército de Pio XI tinha sido derrotado pelos Piemonteses."
(Charruau, Os nossos filhos, p. 135)
 
Este amor parece que tende a diminuir: é preciso reanimá-lo por todos os meios. Não zombemos do generoso ardor desse homenzinho de sete anos que queria ser zuavo e que fazia todos os dias exercícios, a fim de se preparar para expulsar de Roma o rei da Itália e tirar aos alemães a Alsácia Lorena.
 
"Num homem de sete anos há muito do que ele será aos trinta."
(P.Charruau, Às mães)
 
É suficiente inspirar crianças o amor da Igreja e do Sumo Pontífice?
É preciso ainda fazer-lhes compreender, amar e sustentar as obras católicas: o Dinheiro do clero; a propagação da Fé, a Santa Infância, a Obra de São Francisco de Sales, as escolas católicas de todos os graus e mais especialmente os seminários, as obras post-escolares, as obras sociais católicas, as obras de propaganda, etc.
 
Alguns pensam assim:
 
- No colégio. - "Dantes, nos bons tempos de antanho, contava o P.Charruau (Os nossos filhos, p. 146), quando um missionário nos visitava no colégio e nos falava dos milhares de almas que tinha a converter, e da fraqueza dos seus recursos, abríamos com entusiasmo as nossas bolsinhas e quase sempre dávamos tudo sem contar. Não nos ralhavam por esta falta de economia. Pelo contrário, quando chegava a noite e contávamos o que se passara durante o dia, as nossas mães apertavam-nos nos braços e, beijando-nos na fronte, diziam-nos:
 
- Meu filho, fizestes bem.
 
E deixavam-nos muito dias sem dinheiro para não diminuirmos o nosso mérito.
 
Hoje encontrareis poucas crianças capazes desta generosidade. É esta falta de coragem provém, sobretudo, ficai certos disto, da moleza com que, atualmente, se educam as meninas e os rapazes."
 
- Na vida. - As crianças poucas vezes ficam tão boas como os pais e as mães; e, quando desaparece algum nobre velho que era a providência dum bairro, duma cidade, duma diocese, algumas vezes dum país inteiro, não é geralmente substituído. Nós mesmos temos observado, e julgamos poder emitir uma opinião fundamentada, que em certos meios a generosidade dos pais, comparada com a dos filhos, está na proporção de dez para um.
 
De que provém?
1º- Da moleza da educação;
 
2º- do luxo que faz estabelecer o lar que começa no mesmo pé de igualdade que aquele em que os pais acabaram após uma vida de trabalho;
 
3º- desse erro deformante que leva os pais a tomarem para si, até ao fim da sua vida, todas as obrigações de seus filhos. Necessariamente, diminuem assim a ação pessoal, e habituam os seus descendentes a nada fazerem.
 
(Catecismo da educação, pelo abade René de Betléem, continua com o post: A extensão da vida sobrenatural)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Humildade

Humildade


1 - Não dizer palavras que possam redundar em meu louvor, ou em minha estimação.

2- Não me alegrar, quando outrem me louva e diz bem de mim; antes desse mesmo louvor tomar ocasião para me  humilhar e confundir mais, vendo que não sou qual os outros imaginam nem qual devo ser; e com isto se pode ajuntar o alegrar-me quando ouço louvar e dizer bem dos outros, e quando disto tiver algum sentimento ou pena, apontá-lo por falta, como também quando tiver alguma complacência ou vão contentamento por dizerem bem de mim.

3- Não fazer coisa alguma por humano respeito, por ser visto ou estimado dos homens, senão puramente por amor de Deus.

4- Não me desculpar, e muito menos lançar a culpa a outrem, nem interior nem exteriormente.

5- Cortar e cercear logo de princípio os pensamentos vãos, altivos e soberbos que me vierem de coisas que toquem à minha honra e estimação.

6- Ter a todos por superiores não só interiormente, mas também na prática e no exercício, havendo-me com todos com aquela humildade e respeito com que os trataria, se fossem meus superiores.

7- Levar com bom ânimo todas as ocasiões que se me oferecem de humildade. Nisto hei-de ir crescendo e juntamente subindo por três graus: primeiro, levando-as com paciência; segundo, com prontidão e facilidade; terceiro, com gosto e alegria; e não hei-de descansar enquanto não tiver este gosto e prazer de ser desprezado e estimado em pouco, por imitar a Cristo, que por amor de mim quis ser abatido e desprezado.

8- Nesta matéria e noutras semelhantes também se pode ter exame de fazer atos e exercícios de humildade ou de outra virtude, assim atos exteriores como interiores, atuando-se nisto umas tantas vezes pela manhã e tantas à tarde, principiando com poucas e continuando cada dia com mais, até ir ganhando hábito e costume daquela virtude.

(Exercício de perfeição e virtudes cristãs pelo V.P.Afonso Rodrigues da Companhia de Jesus, versão do castelhano por Fr. Pedro de Santa Clara, 4ª Edição, Tomo II, primeira parte, união gráfica Lisboa)