Mas Deus está no alto; ultrapassa de tal forma as nossas fracas concepções, que poucos são aqueles que se impressionam com Suas grandezas e possuem o conhecimento de Seus atributos. É graça insigne fazer da Divindade uma idéia que arrebata e esmaga, enquanto consola e reconforta. Aqueles que não recebem vivas luzes de fé não se comovem com as perfeições divinas, ou pouco e de passagem; não compreendem senão imperfeitamente as exigências de Sua justiça e de Sua santidade; como poderiam então encontrar no pensamento das grandezas de Deus um alívio aos próprios males? Não haverá um meio ao alcance da fraqueza humana para atingir esse Deus tão elevado? Um caminho seguro e fácil que leve a Ele? Ego sum via. "Eu sou o caminho", responde nosso Senhor, e ninguém chega a meu Pai senão por mim. Qui videt me videt et Patrem. "Aquele que me vê, vê o meu Pai". Consideremos, por conseguinte, a Jesus, aprendamos a conhecê-lO, a fazer uma idéia exata de Suas disposições íntimas, de Sua ciência, de Sua admirável sabedoria, do poder imenso de amor que está em Seu Coração. Contemplemo-lO , sigamo-lO com carinho em Seus mistérios, em Seu nascimento tão pobre, em Sua juventude, nas fadigas de Suas excursões evangélicas, em Sua paixão, em Sua Eucaristia , onde é tão desconhecido e ultrajado. Vejamos o que Ele, o Filho do Deus todo poderoso, o Verbo eterno feito homem por nós, suportou, e a disposição de alma com que sofreu. Então, nossas tribulações não nos surpreenderão e compreenderemos a glória que podem proporcionar a Deus e a vantagem que nos podem trazer a nós.
Quando nos sobrevier uma provação, saibamos dizer: "É uma ligeira picada da coroa de espinhos, um leve roçar da vara da flagelação. Nossas mais penosas humilhações não passam de uma pequena participação às afrontas e ignomínias de Jesus".
Que doutor de paciência foi o meigo Jesus e que ciência de sublime resignação podemos adquirir em Sua escola! "Bem-aventurados os que sofrem, disse Ele, bem-aventurados os que choram... Em verdade, vos digo, chorareis e gemereis, mas vossa tristeza se há de converter em gáudio e essa alegria ninguém vo-la tirará. Sereis felizes quando vos carregarem de injúrias, por causa do Filho do homem: regozijai-vos e exultai de alegria, pois grande e vossa recompensa!"
Palavras consoladoras. Menos, porém que Seus exemplos. Quem aprendeu com Ele a suportar valorosamente os sofrimentos, vê em cada provação a mão benfazeja de Deus. Contenta-se em assemelhar-se a Jesus.
Sabe que, "tornado conforme a imagem do Filho unigênito" tornou-se tambem, com Ele, objeto das complacências do Pai eterno, tanto mais caro ao Coração de Deus quanto mais se assemelhar ao Filho.
A tal tende a ação do Espírito Santo em nossas almas, a tornar-nos, segundo a palavra de São Paulo, semelhantes ao Cristo, modelo perfeito, exemplar sublime, que devemos reproduzir conforme depender de nós. Ele é o cepo, nós os ramos; Suas perfeições, Suas qualidade devem viver em nós. Ele praticou a adoração, a satisfação, a conformidade à vontade do Pai em grau supereminente; essas virtudes, nosso divino Chefe as quer ver reproduzidas, de algum modo, em nossas almas.
Manifestaram-se nas tribulações do Homem-Deus; devem manifestar-se agora, em nós, pela provação.
Devemos, portanto, estudar a Jesus, procurar em que O podemos imitar. Vendo-Lhe as mãos pregadas na cruz, devo perguntar-me que pregos atravessarão as minhas mãos, onde estará a cruz que as firmará. Minha cruz é o dever, o dever de estado ao qual a vontade divina me quer manter unido. Os pregos que me atravessarão as mãos, os golpes que me hão de ferir são as dificuldades que encontrarei na prática de meus deveres e que precisarei dominar redobrando os esforços; são os incidentes que se apresentarem impedindo-me o repouso; são as obrigações que me retiverem quando o prazer me chamar alhures. Ou então, pelo contrário, minha cruz e a inação; os pregos são a enfermidade, a incapacidade, é a perseguição, que me proíbe as obras ativas.
Quando Deus quiser que eu me dedique, que me entregue a fadigas penosas, poderei considerar Jesus em Seu trabalho de Nazaré ou em Suas caminhadas evangélicas, perseguindo com Seu amor as ovelhas desgarradas. Quando me suspender o trabalho, poderei contemplá-lO em oração, enquanto Seus apóstolos pregavam e operavam milagres em Seu nome. Em meus reveses, poderei pensar em Jesus agonizante, abandonado, renegado pelos discípulos e deixando aos apóstolos a honra de fundar a Igreja, de propagá-la por toda a terra. Morto Ele, Sua obra estava, aparentemente, perdida, a derrota não podia parecer mais completa. Humilhando-Se, porém, aceitando todos os opróbrios da Paixão, os sarcasmos dos inimigos que se regozijavam do triunfo alcançado, merecia e preparava o futuro êxito dos apóstolos.
Jesus quis passar por toda sorte de provações, a fim de que, em todas as nossas dificuldades, encontrássemos as graças particulares que nos mereceu e fôssemos sustentados pelos exemplos que nos deu.
A alma que passa por numerosos sofrimentos, caminhando sempre nos passos de Jesus, merece ser purificada de suas manchas e enriquecida com todas as virtudes. Assemelha-se ao modelo divino; Jesus desce em sua alma, une-se intimamente a ela e ela pode exclamar em toda sinceridade: "Já não vivo eu, mas Jesus é quem vive em mim".
(O Caminho que leva a Deus - Cônego Augusto Saudreau)