quinta-feira, 8 de março de 2012

Texto interessante

Nota do blogue: Segue um texto antigo e muito educativo retirado do blogue do SPES.

Festa de Nossa Senhora Aparecida: 
A Pequena Imagem da Senhora da Conceição

Frederico de Castro


Adaptado. 1ª. Parte com excertos do livro A Senhora da Conceição Aparecida, 
do Pe. Júlio J. Brustoloni, C. SS. R. – 1979; 2ª. Parte autoria própria.

Nada mais justo que na Festa da Padroeira do Brasil seja revigorada a sua devoção com nada mais, nada menos que as circunstâncias que fazem com que Nossa Senhora seja a Mãe, Rainha e Protetora do Brasil e para sempre!

 
VIVA NOSSA SENHORA APARECIDA!
MÃE, RAINHA E PROTETORA DO BRASIL
 

1ª. PARTE
A Herança de uma Vocação: 
A Pequena Imagem da Senhora da Conceição

Os portugueses nos legaram uma especial devoção a Nossa Senhora da Conceição. Desde o descobrimento, numerosos foram os oratórios, ermidas e capelas, nos quais se venerava a Imaculada Virgem Maria, a Senhora da Conceição.

Esta devoção criou profundas raízes na religiosidade popular brasileira. Foi dotada com privilégios e festas oficiais desde 1646, quando D. João IV, Rei de Portugal, proclamou Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal e seus domínios. (Esse é um fato interessante que desabona o nacionalismo em desfavor do patriotismo: são coisas realmente distintas, embora muita gente não se dê conta, e sobre elas se escreverá mais adiante no blog do SPES.)

Além de caracterizar a nossa religiosidade, esta devoção inspirou as artes e as letras. Obras primorosas foram executadas, sobretudo na pintura e na cerâmica religiosa.

A mais popularmente célebre, não a mais rica ou artística, é a Imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Pequena e singela, medindo apenas 36cm de altura e 2,550kg, despida das cores originais e quebrada, ela se tornou objeto da devoção carinhosa de todo o povo brasileiro. Esta imagem, foi comprovado por peritos, trazia pintado no seu barro claro, um manto azul escuro forrado de vermelho granada, cores oficiais das imagens de Nossa Senhora da Conceição, conforme normas ditadas por Dom João IV. É um dos mais preciosos exemplares da escultura cerâmica religiosa do Brasil.

Diversos estudiosos da imaginária seiscentista estudaram a Imagem de Nossa Senhora Aparecida e concluíram que ela pertence ao acervo deste período. Entre eles cita-se o Dr. Pedro de Oliveira Ribeiro Neto, os beneditinos Dom Clemente Maria da Silva Nigra e Dom Paulo Lachenmayer e, finalmente, os artistas Dr. Pietro Maria Bardi, Maria Helena Chartuni e o Dr. João Marino, do Museu de Arte de São Paulo.

Sobre a Imagem em Sua Forma e Matéria: Moldada em Barro Paulista

A Imagem é de barro cozido. A primeira informação escrita, sobre a matéria de que foi feita, se encontra no inventário dos bens da Capela, realizado a 5 de janeiro de 1750.

Entre a relação das imagens existentes na mesma, encontra-se esta referência: “Uma imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida que tem de comprimento perto de dois palmos, a mesma dos milagres que apareceu no rio Paraíba, que é de barro”.

O Pe. Francisco da Silveira, do Colégio dos Jesuítas da Bahia, dá conta deste pormenor. Enviando, a 15 de janeiro de 1750 ao Superior Geral em Roma, o relatório da Missão pregada no Povoado de Aparecida em 1748 por dois missionários jesuítas, descreve a Imagem nestes termos: “Aquela Imagem foi moldada em barro, de cor azul escuro, conhecida pelos muitos milagres realizados”.

Além destas informações, não se teve outras até bem pouco tempo, pois a imagem nunca tinha sido objeto de estudo. Diversamente aconteceu com outras do mesmo material e da mesma época. Estas, tanto as de procedência europeia, como as nacionais, estudadas por colecionadores peritos, foram identificadas. A maioria delas tem seu etilo, material, procedência e autoria definidos.

O primeiro a estudar a imagem de Nossa Senhora Aparecida sob este aspecto foi o Sr. Pedro de Oliveira R. Neto. Conhecedor da imaginária brasileira do período seiscentista, ele teve a oportunidade de estuda-la e apresentar o resultado na sua conferência proferida no Ano Jubilar de 1967. “A Imagem, diz ele, encontrada pelos pescadores junto ao Porto de Itaguaçu, e que hoje se venera na Basílica, é de barro cinza claro, como constatei, barro que se vê claramente em recente esfoladura no cabelo”.

O barro paulista, depois de cozido, se torna cinza claro, às vezes rosado. É diferente do barro utilizado na Bahia ou em outras regiões; o da imagem é da região de São Paulo. O mesmo afirmaram, e com mais possibilidade de estudar o material, os artistas do Museu de Arte de São Paulo “Assis Chateaubriand”, em 1978. “Constatamos, pelos fragmentos da Imagem em terracota, que ela é da primeira metade do século XVII, de artista seguramente paulista, tanto pela cor como pela qualidade do barro empregado e, também, pela própria feitura da escultura”.

Tanto o primeiro como estes últimos artistas reconhecem, por vestígios encontrados na própria Imagem, que originariamente ela era policromada nas cores oficiais azul e vermelho. Pelo fato, porém, de ficar por muitos anos submersa no lodo das águas e, posteriormente, exposta ao lume e à fumaça dos candeeiros e velas, quando ainda se encontrava em oratório particular dos pescadores e no oratório de Itaguaçu, a imagem de Nossa Senhora Aparecida adquiriu a cor que hoje conserva: dita castanho brilhante.
Diz ainda o Sr. Pedro de Oliveira: “Sob a pátina morena da imagem, como verniz criado pelo uso e pelo tempo, fica escondido o barro paulista”.

Sobre a Autoria da Arte: Esculpida por um Monge Fluminense

Mais difícil, sem dúvida, é determinar o nome do escultor da pequenina imagem. Não traz data nem sigla que facilite o trabalho. Entretanto, o primeiro passo importante para identificá-lo foi dado quando os estudiosos, já referidos, determinaram a época e o estilo de sua feitura.

Todos eles afirmam que a Imagem é obra de um discípulo do mestre ceramista beneditino Frei Agostinho da Piedade e foi esculpida pelo ano de 1650. Nascido em Portugal, professou e viveu na Bahia. Virtuoso e hábil escultor teve seu período áureo entre 1630 e 1642. Não consta que tenha saído da Bahia. Suas imagens, esculpidas de barro, acham-se atualmente conservadas na Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

Fez escola e discípulos; entre os quais o mais célebre é seu irmão de hábito Frei Agostinho de Jesus. Este nasceu no Rio de Janeiro, provavelmente entre 1600 e 1610, professou na Bahia, onde conviveu com seu mestre. Ordenou-se sacerdote na Europa, voltando para Salvador em 1634 e faleceu a 11 de agosto de 1661.

Sobre ele escreveu seu conterrâneo Frei Paulo da Conceição Ferreira, na crônica do Mosteiro do Rido de Janeiro: “Para se ordenar de sacerdote foi ao Reino, e voltando a este mosteiro se ocupava na pintura, e em fazer imagens de barro para o que tinha especial graça, e direção”.

Trabalhou em São Paulo por volta de 1650 e seguramente também no Mosteiro de Parnaíba, onde foram encontradas diversas obras suas. Ao contrário de Frei Agostinho da Piedade, que gravava seu nome e data nas imagens por ele esculpidas, Frei Agostinho de Jesus não identificava as suas. Mas imprimiu nelas traços característicos que as distinguem das de seu mestre.

A respeito da feitura da imagem, Pedro de Oliveira afirma: “A Imagem de Nossa Senhora Aparecida, encontrada prodigiosamente no rio Paraíba em outubro de 1717, é paulista, de arte erudita, feita provavelmente na primeira metade de 1600, por discípulo, mas não pelo próprio mestre, do beneditino Frei Agostinho da Piedade”.

Esse autor analisa as obras de Frei Agostinho da Piedade e de seu discípulo Frei Agostinho de Jesus, sobretudo deste último, em terras de São Paulo e chega a reunir as linhas características de seu estilo. Os detalhes mais determinantes são: forma sorridente dos lábios, descobrindo os dentes da frente; forma do rosto, com queixo encastoado, no meio do qual há uma covinha; o penteado; as flores em relevo nos cabelos; o diadema na testa, como um broche com três pérolas pendentes e o porte empinado. “Notamos na imagem da Senhora Aparecida a perfeição das mãos postas, pequeninas e afiladas como as duma menina e as mangas simples e justas, de muito requinte, terminando no punho esquerdo dobrado à maneira dos mestres seiscentistas do barro paulista”.

Os peritos em cerâmica religiosa estão certos que a imagem foi moldada por um discípulo de Frei Agostinho da Piedade. E como a imagem de Nossa Senhora Aparecida traz alguns detalhes próprios das esculturas de Frei Agostinho de Jesus, discípulo do grande mestre Agostinho da Piedade, sua feitura lhe é atribuída. O primeiro a chegar a esta conclusão foi o Irmão Paulo Lachenmayer do Mosteiro de São Bento de Salvador na Bahia. Sua opinião foi posteriormente endossada pelo seu confrade Dom Clemente, que nas suas pesquisas havia identificado as obras de Frei Agostinho da Piedade e de Frei Agostinho de Jesus.

“Ao ver uma cópia da Imagem de Nossa Senhora Aparecida, diz o Irmão Paulo, fiquei como que hipnotizado; senti que estava diante duma obra de Frei Agostinho de Jesus, tal a evidência de seus traços e estilo. Há dezenove anos – desde 1960 – guardei para mim esta descoberta, que agora achei oportuno revelar. Se Frei Agostinho da Piedade não tivera mais tempo de modelar por ter sido nomeado administrador da fazenda de Itapoã em 1642 e depois administrador da igreja de Nossa Senhora das Graças, ficou compensado com seu discípulo, autor da Imagem da Rainha do Brasil, que tem depositada no seu semblante a herança do mestre”.

Na segunda metade do século dezessete, devotos da Senhora da Conceição que migravam de São Paulo, Santana do Parnaíba, disputavam a posse de suas imagens. Em muitas regiões, oratórios de famílias, fazendas e povoados as possuíam. “Todas estas imagens, diz Pedro de Oliveira, encontradas em lugares tão diferentes, puderam ter sido transportadas, e naturalmente o foram, por seus devotos de outros lugares onde foram feitas, e esse é o caso da Imagem de Nossa Senhora Aparecida, encontrada há duzentos e cinquenta anos”.

A Passagem pela Vila do Conde de Assumar*

A corrida do ouro nas Minas Gerais e na região do rio Paraíba passou a um longo período de mera subsistência, até meados do século dezoito, quando se implantou na região o ciclo da cana com seus engenhos e sua riqueza.

Desenvolve-se, pois, a policultura de natureza alimentar: milho, mandioca, arroz, feijão e criação de animais domésticos. Parte das grandes sesmarias desaparece. Nas atividades rurais os habitantes provêm as próprias necessidades e utilizam as sobras para o comércio de beira de estrada, mantido com as caravanas e tropas que que demandavam as Minas e os portos de Parati e Ubatuba. A procura do solo para as lavouras trouxe modificação no sistema fundiário; medias e pequenas propriedades começam a ser mencionadas nos documentos a partir de 1710. Mais proprietários radicam-se no Itaguaruçu, Ponte Alta, Ribeirão do Sá, Pitas e Aroeiras.

No ano de 1717, a situação política em São Paulo era de relativa calma, o que já não se podia afirmar da região mineradora de Minas Gerais, que desde 1710 pertencia à Capitania de São Paulo. Na região das Minas, três levantes já tinham acontecido e, por ocasião da chegada do novo governador da Capitania, a situação era tensa. Esta era a razão por que o governador da Capitania de São Paulo residia em Ribeirão do Carmo e governava de Vila Rica. Antes de findar o quadriênio de Dom Braz Baltazar da Silveira, foi nomeado em seu lugar, em 22 de dezembro de 1716, Dom Pedro de Almeida Portugal, Conde de Assumar; governou a Capitania até 4 de setembro de 1721.

Conforme consta do “Diário da Jornada”, Dom Pedro de Almeida Portugal chegou ao Rio de Janeiro em julho de 1717, e, no dia 24 do mesmo mês, partiu pelo mar, via Santos, até São Paulo, onde chegou a 31 de agosto. Tomou posse do governo da Capitania a 4 de setembro na igreja do Carmo. Na posse, a Patente de nomeação foi lida por Domingos da Silva, secretário do governador demissionário, Dom Braz Baltazar. O povo de Vila Rica havia pedido a ele que não se retirasse de Minas antes da chegada do Conde de Assumar, seu sucessor.

Dom Pedro, saiu de São Paulo a 27 de setembro e depois de percorrer o caminho do Vale, detendo-se nas vilas, chegou a Pindamonhangaba no dia 13 de outubro. Prosseguiu viagem no dia 16, pernoitando no sítio de Antônio Cabral. E, finalmente, a 17 de outubro, domingo, depois de participar da Missa pela manhã no mesmo sítio, seguiu viagem chegando à Vila de Guaratinguetá.

Na chegada do Conde, houve recepção festiva. Duas companhias de infantaria, composta uma de portugueses e outra de filhos da terra, lhe prestaram as devidas honras. No dia seguinte, proveu ofícios e alguns postos confirmando a patente a outros. Na ocasião, governava a Vila o Capitão-Mor Domingos Antunes Fialho.

Nas Vilas por onde passou organizou os quadros administrativos com muito rigor e foi severo com funcionários faltosos. Em Guaratinguetá, mandou prender e castigou rebeldes e criminosos. Com efeito, o ambiente refletia as lutas e rivalidades na região mineradora que se tornara reduto de criminosos e marginais. O cronista da Jornada retrata a realidade com palavras nada lisonjeiras: “Os naturais são tão violentos e assassinos, que raro é o que não tenha feito morte, alguns sete e oito, e no ano de mil setecentos e dezesseis, se mataram dezessete pessoas”.

O Conde permaneceu na Vila até o dia 30 de outubro, enquanto aguardava a chegada de sua bagagem que seu ajudante Payo Veloso fora buscar em Parati. A crônica da Jornada não cita os nomes das autoridades civis e religiosas do lugar. Estranha-se que o padre jesuíta que o acompanhava, tão minucioso em relatar fatos relacionados com as diversas igrejas, silencie totalmente durante os 15 dias que a comitiva permaneceu em Guaratinguetá, nada mencionando sobre a paróquia e o vigário.

Sua visita, porém, ficou na história (e como!). Para a alimentação da comitiva composta de índios e negros, chefiados por Payo Veloso e aqueles por João Ferreira, o Senado da Câmara havia convocado os pescadores para apanharem boa quantidade de peixes.

Numa destas pescarias a imagenzinha de Nossa Senhora da Conceição foi pescada prodigiosamente no rio Paraíba (vem do Tupi “para’iwa” e significa rio imprestável).



A Aparição Segundo a Narrativa do Livro do Tombo

Com o título “Notícia da Aparição da Imagem da Senhora”, o Pe. João de Morais e Aguiar inicia a descrição do encontro da Imagem. É singela e curta, em estilo saboroso e fluente. Consta de duas partes: a primeira fala do encontro, e a segunda dos prodígios e da devoção que já existia em 1757.

A narrativa determina a época do achado, mencionando também a ordem da Câmara que ocasionou o encontro da imagem. Houve um erro de dois anos, pois o Conde esteve em Guaratinguetá em 1717 e não em 1719. “No ano de 1719, pouco mais ou menos, passando por esta Vila para as Minas, o Governador delas e de São Paulo, o Conde de Assumar Dom Pedro de Almeida Portugal, foram notificados pela Câmara os pescadores para apresentarem todo o peixe que pudessem haver para o dito Governador.” E os pescadores foram identificados: “Entre muitos foram a pescar Domingos Martins Garcia, João Alves e Filipe Pedroso com suas canoas”.

Iniciaram a pescaria no Porto de José Correa Leite, distante de Itaguaçu cerca de seis quilômetros rio acima. E destaca que naquela longa distância a pescaria foi infrutífera. “E principiando a lançar suas redes no porto de José Correa Leite, continuaram até o porto de Itaguaçu, distância bastante, sem tirar peixe algum”. 

Naquela região, o rio Paraíba era todo sinuoso e suas margens cobertas de vegetação com muitas passagens alagadiças, próprias para a proliferação de peixes. (mas como o próprio nome acusa era um rio sem peixes)

No Porto de Itaguaçu, porém, deu-se o fato notável. João Alves apanha na sua rede de rasto o corpo duma pequena imagem. Repetindo os lanços, retira a pouca distância a cabeça. “E lançando neste porto, tirou o corpo da Senhora, sem cabeça; lançando mais abaixo outra vez a rede tirou a cabeça da mesma Senhora”.

É interessante observar como o autor já se preocupava com a origem da imagem e supõe que alguém a lançara naquele lugar. “Não se sabendo nunca quem alia a lançara”. Em seguida narra o desfecho da pescaria e do achado da imagem que o pescador, reverente, guardou em sua canoa.“Guardou o inventor esta Imagem em um tal ou qual pano, e continuando a pescaria, não tendo até então tomado peixe algum, dali por diante foi tão copiosa a pescaria em poucos lanços, que receoso, e os companheiros de naufragarem pelo muito peixe que tinham nas canoas, se retiraram a suas vivendas, admirados deste sucesso.”

O sabor literário e a simplicidade desta passagem são dignos de nota; em poucas palavras transmite um fato que irá repercutir, em pouco tempo, por toda a parte.

Na segunda parte do documento são relacionados os fatos acontecidos em torno da imagem. Primeiramente a devoção familiar e depois o culto popular que lhe foi prestado. Filipe Pedroso, talvez o mais velho dos pescadores, conservou-a em sua casa junto do ribeirão do Sá e Ponte Alta por espaço de cerca de 15 anos. Mudou-se depois para o Itaguaçu, entregando-a a seu filho Atanásio.

Junto do porto onde foi encontrada, deram-se os fatos decisivos para o culto daquela imagem. Atanásio Pedroso constrói um pequeno oratório e, junto dele, as famílias vizinhas se reuniam para o culto semanal: cumpriam de modo especial aos sábados, suas devoções marianas, com reza do terço e canto das ladainhas.

Em uma dessas rezas, Nossa Senhora manifestou seu agrado com um sinal muito significativo. Aquelas famílias tomaram-no como um sinal de Deus que as impressionou profundamente. O autor menciona então o fato como o primeiro prodígio. “Em uma destas ocasiões se apagaram as luzes de cera da terra repentinamente, que alumiavam a Senhora, estando a noite serena, e querendo logo Silvana da Rocha acender as luzes apagadas, também se viram logo de repente acesas, sem intervir diligência alguma; foi este o primeiro prodígio.”

Este acontecimento, bem como outros que se seguiram, modificou a história daquela pequenina imagem de Nossa Senhora da Conceição. Uma capelinha foi construída, e o povo sente-se atraído por uma força do alto, correspondendo com muita fé e devoção.

A Imagem deixou de ser propriedade de uma família e passou a pertencer a todos. E os seus devotos a chamavam “Senhora da Conceição Aparecida”. O documento diz expressamente que a capelinha foi construída pelo Pe. Vilella com a ajuda do povo.

O último período da descrição do encontro refere-se ao culto que já estava sendo oficialmente prestado à imagem na Capela do “Morro dos Coqueiros”, em 1757. O então vigário Pe. Dr. João Morais e Aguiar se interessa em deixar bem claro que as graças concedidas por Nossa Senhora Aparecida foram investigadas e estudadas e afirma que os depoimentos das pessoas agraciadas foram catalogados num Sumário. Conclui anotando o fenômeno que se verificava na época: “E ainda continua a Senhora com seus prodígios, acudindo à sua Santa Casa, romeiros de partes muito distantes a gratificar os benefícios recebidos desta Senhora.”

A Notícia pelos Missionários jesuítas


O mais antigo documento escrito sobre o encontro da Imagem, que atualmente se conhece, é o que está contido na Ânua da Província Brasileira de 1748 e 1749, dos padres jesuítas.

O relatório foi escrito pelo Pe. Francisco da Silveira a 15 de janeiro de 1750, sendo enviado à Cúria Generalícia da Companhia de Jesus, em Roma. O relatório menciona, entre outros assuntos, as missões populares pregadas por dois missionários jesuítas em doze paróquias e em outras capelas de povoados. O resumo anota de uma maneira global o resultado obtido, descrevendo com pormenores a missão pregada na Vila de São Paulo e no povoado de Aparecida.

Os missionários chegaram ao conhecimento da realidade de Aparecida durante a missão e a transmitiram ao cronista. Mesmo sendo um resumo, o documento é de inestimável valor para a história da imagem e da Capela, porque foi escrito somente 32 anos depois do seu encontro. Escrito em latim, é conciso e descreve o achado e o material de que foi feita a imagem. Como mestre em teologia, seu autor apresenta também a razão da grande afluência de peregrinos à Capela para venerar a Imagem. O texto em vernáculo é este:

“Aqueles dois sacerdotes dos nossos, chegaram a doze paróquias, além de outas capelas particulares dos povoados, nos quais permaneceram por alguns dias, a fim de atenderem o mais possível o bem espiritual dos participantes.

Chegaram finalmente à Capela da Virgem da Conceição, situada na Vila de Guaratinguetá, que os moradores chamam de “Aparecida” porque, tendo os pescadores lançado as suas redes no rio, recolheram primeiro o corpo, depois, em lugar distante, a cabeça. Aquela Imagem foi moldada em argila, de cor azulada, famosa pelos muitos milagres realizados. Muitos afluem de lugares afastados, pedindo ajuda para as próprias necessidades.”

Deve-se este tesouro à incansável pesquisa do historiador Pe. Serafim Leite SJ que o encontrou em 1945.

2ª. PARTE
Sobre o 12 de Outubro


O dia 12 de outubro tem especial significado para esta Terra de Santa Cruz, hoje Brasil. Além de ser a festa da Padroeira, ela tem outros significados importantes, como já deixamos escrito em outro texto de nossa lavra: “Profanações Patrióticas: o 7 de Setembro” 

Nesse sentido, a data só pode significar algum desejo da Providência no que diz respeito aos acontecimentos que levaram a história da Pátria de Santa Cruz à nação chamada Brasil; ou seja, de sua vocação espiritual ao atrelamento a um madeiro que não traz a lembrança do Senhor; um madeiro cujo “fruto” é a seiva cor de sangue – talvez símbolo do sofrimento inútil e meramente comercial.

É preciso entender que a data do 12 de outubro é preciosíssima! De notar, por exemplo, que Cristóvão Colombo – figura católica extremamente vilipendiada pela historiografia oficial – zarpou para o descobrimento da América no dia 2 de agosto, festa de Nossa Senhora dos Anjos, e que, já havendo navegado muito sem encontrar um sinal de terra qualquer, deixou consignado em seu diário de bordo que em outubro, se acaso não encontrasse terra por ocasião da festa de Nossa Senhora do Pilar, dia 12 de outubro, ele daria a volta e regressaria à Espanha.

Pois bem, na noite de 11 de outubro, o Almirante Colombo havia decidido cantar o Salve-Rainha com a tripulação, e às 2:00h da manhã, já no dia 12 de outubro, enquanto rezava sozinho em sua cabine, avistou-se terra: as Baamas!
Quão fantástico é o dia 12 de outubro, pois; Festa de Nossa Senhora Aparecida, Mãe, Rainha e Protetora do Brasil; data também em que se celebra a hispanidade (termo costumeiramente mal compreendido, sobre o qual se escreverá oportunamente). Com efeito, o Papa Pio XII determinou que o 12 de outubro fosse também dedicado a Nossa Senhora pelas aparições em Guadalupe na qualidade de Padroeira de toda a América. Eis aí mais um reconhecimento contrarrevolucionário da hispanidade, da vocação dos povos ibéricos e seus descendentes americanos.

É chegado, pois, mais um momento de darmos vivas à Santa Mãe de Deus; dia de vivas à vocação católica da Terra de Santa Cruz; dia de vivas à tradição de nossos antepassados. Dia de relembrarmos D. Pelayo e todos os cruzados ibéricos, dia de relembramos Da. Isabel de Espanha, com justiça chamada de A Católica; dia de relembrarmos os Carlistas de Espanha e os Cristeros do México; dia, enfim, de relembrarmos os antigos Jesuítas do Brasil, os Missionários da Ordem de Cristo, e muitos outros, como D. Vital, D. Cândido Mendes, Monsenhor Lefebvre e D. Castro Mayer.

Deixamos, pois, como presente, um texto do Papa Leão XIII sobre o descobrimento da América (está em espanhol, mas é bastante fácil de ler):

León XIII sobre el descubrimiento de América

ISABEL A CATÓLICA


Carta “Quarto abeunte saeculo”
de S.S. León XIII

a los Arzobispos y Obispos de España, de Italia
y de América sobre Cristóbal Colón

Al cumplirse cuatrocientos años desde que un hombre ligur, con el auspicio de Dios, llegó por primera vez a las ignotas costas que se encuentran al otro lado del Océano Atlántico, los hombres desean con ansias celebrar la memoria de este evento de grato recuerdo, así como ensalzar a su autor. Y ciertamente no se encontrará fácilmente causa más digna de mover los ánimos e inflamar las voluntades. En efecto, este evento es por sí mismo el más grande y hermoso de todos los que tiempo alguno haya visto jamás; y aquél que lo realizó es comparable con pocos hombres por la magnitud de su valor e ingenio. Por obra suya emergió de la inexplorada profundidad del océano un nuevo mundo: cientos de miles de mortales fueron restituidos del olvido y las tinieblas a la comunidad del género humano, fueron trasladados de un culto salvaje a la mansedumbre y a la humanidad, y lo que es muchísimo más, fueron llamados nuevamente de la muerte a la vida eterna por la participación en los bienes que nos trajo Jesucristo.

Europa, atónita por el milagro y la novedad de este súbito suceso, ha conocido después, poco a poco, cuánto le debe a Colón, cuando debido al establecimiento de colonias en América, los asiduos viajes, los intercambios comerciales, los negocios marítimos, se abrió increíblemente el acceso al conocimiento de la naturaleza, y al bien común, y creció con ello de modo admirable el prestigio del nombre de Europa.

Así pues, en tan grandiosa manifestación de honor, y entre tal sinfonía de voces agradecidas, la Iglesia ciertamente no ha de permanecer en silencio, sobre todo cuando ha tenido por costumbre e institución suya aprobar gustosamente y tratar de fomentar todo cuanto haya visto de honesto y laudable. Ésta conserva los singulares y mayores honores a las virtudes más destacadas y que conducen a la salvación eterna del alma. 

No por ello, sin embargo, desdeña o estima en poco a las demás; más aún, con gran voluntad ha solido siempre promover y honrar de modo especial los méritos obtenidos por la sociedad civil de los hombres, también si han alcanzado la inmortalidad en la historia. Admirable, en efecto, es Dios sobre todo en sus santos; no obstante, su divino poder deja también huellas en aquellos en quienes brilla una fuerza extraordinaria en el alma y en la mente, pues no de otro lugar viene a los hombres la luz del ingenio y la grandeza del alma, sino tan sólo de Dios, su Creador.

Hay además otra causa, ciertamente singular, por la que creemos que se ha de recordar con grata memoria este hecho inmortal: Colón es de los nuestros. Si por un momento se examina cuál habría sido la causa principal que lo llevó a decidir conquistar el mar tenebroso, y por qué motivo se esforzó en obtenerlo, no se puede poner en duda la gran importancia de la fe católica en el inicio y realización de este evento, al punto que también por esto es no poco lo que debe a la Iglesia el género humano.

En efecto, no son pocos los hombres fuertes y experimentados que tanto antes como después de Colón buscaron con esfuerzo pertinaz tales tierras ignotas y tales aún más ignotos mares. Su memoria es y será justamente predicada por su fama y el recuerdo de sus beneficios, ya que propagaron los fines de las ciencias y de la humanidad, e incrementaron la común prosperidad, no fácilmente, sino con gran esfuerzo, y no raramente a través de inmensos peligros.

Ocurre, sin embargo, que hay una gran diferencia entre aquéllos y aquel de quien hablamos en esta ocasión. Una característica distingue principalmente a Colón: al recorrer una y otra vez los inmensos espacios del océano iba tras algo mucho más grande y elevado que todos los demás. Esto no quiere decir que no lo moviese en nada el honestísimo deseo de conocer o de ser bien apreciado por la sociedad humana, o que desdeñase la gloria, cuyas penas más ásperas suelen estar en los hombres más valerosos, o que despreciase del todo la esperanza de obtener riquezas. No obstante, mucho más decisiva que todas estas razones humanas fue para él la religión de sus padres, que ciertamente le dio mente y voluntad indubitables, y lo proveyó a menudo de constancia y solaz en las mayores dificultades. Consta, pues, que esta idea y este propósito residían en su ánimo: acercar y hacer patente el Evangelio en nuevas tierras y mares.

Esto podrá parecer poco verosímil para quien reduzca su pensamiento y sus intereses a esta naturaleza que se percibe con los sentidos, y se niegue a mirar realidades más altas. Por el contrario, suele suceder que los más grandes ingenios desean elevarse cada vez más, y así están preparados mejor que nadie para acoger el influjo y la inspiración de la fe divina. Ciertamente Colón unió el estudio de la naturaleza al de la religión, y conformó su mente a los preceptos que emanan de la íntima fe católica. Por ello, al descubrir por medio de la astronomía y el estudio de los antiguos la existencia hacia el occidente de un gran espacio de tierra más allá de los límites del orbe conocido, pensaba en la inmensa multitud que estaría aún confusa en miserables tinieblas, crueles ritos y supersticiones de dioses vanos. Triste es vivir un culto agreste y costumbres salvajes; más triste es carecer de noticia de mayores realidades, y permanecer en la ignorancia del único Dios verdadero. Así pues, agitándose esto en su ánimo, fue el primero en emprender la tarea de extender al occidente el nombre cristiano y los beneficios de la caridad cristiana. Y esto se puede comprobar en la entera historia de su proeza.

Cuando se dirigió por primera vez a Fernando e Isabel, reyes de España, por miedo a que rechazasen emprender esta tarea, les expuso con claridad su objetivo: para que creciera su gloria hasta la inmortalidad, si determinasen llevar el nombre y la doctrina de Jesucristo a regiones tan lejanas. Y habiendo alcanzado no mucho después sus deseos, dio testimonio de que pidió a Dios que con su gracia y auxilios quieran los reyes continuar en su deseo de imbuir estas nuevas costas con el Evangelio.

Se apresuró entonces a dirigir una carta al Sumo Pontífice Alejandro VI pidiéndole hombres apostólicos. Allí le dice: confío, con la ayuda de Dios, en poder algún día propagar lo más ampliamente posible el sacrosanto nombre de Jesucristo y su Evangelio. Juzgamos que también debe haberse visto transportado por el gozo cuando al retornar por primera vez de la India escribió desde Lisboa a Rafael Sánchez que había dado inmortales gracias a Dios por haberle concedido benignamente tan prósperos éxitos, y que había que alegrarse y vitorear a Jesucristo en la tierra y en el cielo por estar la salvación ya próxima a innumerables gentes que estaban antes perdidas en la muerte.

Y para mover a Fernando e Isabel para que sólo dejasen que cristianos católicos llegaran hasta el Nuevo Mundo e iniciaran las relaciones con los indígenas, les dio como motivo el que no buscaba nada más que el incremento y la honra de la religión cristiana. Esto fue comprendido excelentemente por Isabel, que entendió mejor que nadie el propósito de este gran varón. Más aún, se sabe que esta piadosísima mujer, de viril ingenio y gran alma, no tuvo sino el mismo propósito. De Colón afirmó que con gusto se dirigiría al vasto océano para realizar esta empresa tan insigne para gloria de Dios. Y cuando retornó por segunda vez escribió a Colón que habían sido óptimamente empleados los aportes que había dado a las expediciones a las Indias, y que habría de mantenerlos, pues con ellos habría de conseguir la difusión del catolicismo.

De otro modo, si no hubiese sido por esta causa mayor que toda causa humana, ¿de dónde podría haber obtenido la constancia y la fortaleza de ánimo para soportar, incluso hasta el extremo, cuando tuvo que soportar y sufrir? Sabemos que le eran contrarias las opiniones de los eruditos, los rechazos de los hombres más importantes, las tempestades del furioso océano, las continuas vigilias, por las que más de una vez perdió el uso de la vista. Experimentó guerras con los bárbaros, la infidelidad de sus amigos y compañeros, infames conspiraciones, la perfidia de los envidiosos, las calumnias de sus detractores, los grillos que le impusieron siendo inocente. Por necesidad tendría que haber sucumbido ante tan grandes sufrimientos y ataques, si no lo hubiese sostenido la conciencia de la hermosísima tarea, gloriosa para el nombre cristiano y saludable para una infinita multitud, que sabía que iba a realizar.

Que esto sucedió así lo ilustra admirablemente cuanto sucedió en aquel tiempo, pues Colón abrió el camino a América en un momento en que estaba cercana a iniciarse una gran tempestad en la Iglesia. Por eso, en cuanto sea lícito considerar los caminos de la Providencia a partir de los eventos acontecidos, parece que este adorno de la Liguria nació por un designio verdaderamente singular de Dios, para reparar los daños que en Europa se infligirían al nombre católico.

Llamar al género de los Indios a la vida cristiana era ciertamente tarea y misión de la Iglesia. Y ciertamente la emprendió en seguida desde el inicio, y sigue haciéndolo, habiendo llegado recientemente hasta la más lejana Patagonia. Por su parte, Colón orientó todo su esfuerzo con su pensamiento profundamente arraigado en la tarea de preparar y disponer los caminos al Evangelio, y no hizo casi nada sin tener como guía a la religión y a la piedad como compañera. Conmemoramos realidades muy conocidas, pero que han de ser declaradas por ser insignes en la mente y el ánimo de aquél hombre. A saber, obligado por los portugueses y por los genoveses a partir sin ver cumplida su tarea, se dirigió a España y maduró al interior de las paredes de una casa religiosa su gran decisión de meditada exploración, teniendo como compañero y confesor a un religioso discípulo de San Francisco de Asís. Siete años después, cuando iba a partir al océano, atendió a cuanto era preciso para la expiación de su alma. Rezó a la Reina del Cielo para que esté presente en los inicios y dirija su recorrido. Y ordenó que no se soltase vela alguna antes de ser implorado el nombre de la Trinidad. Luego, estando en aguas profundas, ante un cruel mar y las vociferaciones de la tripulación, era amparado por una tranquila constancia de ánimo, pues Dios era su apoyo.

El propósito de este hombre se ve también en los nombres mismos que puso a las nuevas islas. Al llegar a cada una, adoraba suplicante a Dios omnipotente, y tomaba posesión siempre en el nombre de Jesucristo. Al pisar cada orilla, lo primero que hizo fue fijar en la costa el sacrosanto estandarte de la Cruz; y fue el primero en pronunciar en las nuevas islas el divino nombre del Redentor, que a menudo había cantado en mar abierto ante el sonido de las murmurantes olas. También por esta causa empezó a edificar en la Española sobre las ruinas del templo, y hacía preceder las celebraciones populares por las santísimas ceremonias.

He aquí, pues, adónde miraba y qué hizo Colón al explorar tan grandes extensiones de mar y tierra, inaccesibles e incultas hasta esa fecha, pero cuya humanidad, nombre y riqueza habría luego de crecer rápidamente a tanta amplitud como vemos hoy. Por todo ello, la magnitud del hecho, así como la importancia y la variedad de los beneficios que le siguieron, demandan ciertamente que sea celebrada con grato recuerdo y todo honor; pero ante todo habrá que reconocer y venerar de modo singular la voluntad y el designio de la Eterna Sabiduría, a quien abiertamente obedeció y sirvió el descubridor del Nuevo Mundo.

Así pues, para que el aniversario de Colón se realice dignamente y de acuerdo a la verdad, ha de añadirse la santidad al decoro de las celebraciones civiles. Y por ello, tal como cuando se recibió la noticia del descubrimiento se dio públicamente gracias a Dios inmortal y providentísimo por indicación del Sumo Pontífice, así también ahora consideramos que se haga lo mismo para renovar la memoria de este feliz evento. Decretamos por ello que el día 12 de octubre, o el siguiente día domingo, si así lo juzga apropiado el Ordinario del lugar, se celebre después del Oficio del día el solemne rito de la Misa de la Santísima Trinidad en las iglesias Catedrales y conventuales de España, Italia y de ambas Américas. Confiamos asimismo en que, además de las naciones arriba mencionadas, las demás realicen lo mismo por consejo sus Obispos, pues cuanto fue un bien para todos conviene que sea piadosa y gratamente celebrado por todos.

Entre tanto, deseándoles los bienes divinos y como testimonio de Nuestra paternal benevolencia, os impartimos de corazón, a vosotros Venerables Hermanos, lo mismo que a vuestro clero y pueblo, la bendición apostólica en el Señor.

Dado en Roma, en San Pedro, el día 16 de julio del año 1892, decimoquinto de Nuestro Pontificado.
León PP. XIII
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* Sobre o Conde de Assumar, cuja biografia é bastante controversa, deixaremos para publicar novo texto oportunamente.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Do bom aproveitamento da dor - Primeira Parte


Si commortul sumus et convivemus,
si sustinebimus, et conregnabimus.

Se morrermos com Cristo, com Ele viveremos,
se com Ele sofrermos, com Ele também reinaremos.
(2 Tm 2, 11)

I. Como praticar a resignação em nossos sofrimentos

A dor só produz efeitos providenciais na alma que sabe governar esta paixão e tirar proveito de seus sofrimentos. Há, na dor, um germe de vida e um germe de morte, que servirá quer ao nosso progresso, quer à nossa perdição, segundo o uso que dela fizermos.

O mal que nos atinge pode provocar a nossa cólera, ou exercitar a nossa paciência. Já dissemos que o Senhor colocou na alma, e também nos seres inferiores dotados de sensibilidade, como que um impulso possante, que se movimenta quando surge um obstáculo à aquisição de um bem que nos atrai, ou quando um mal nos ameaça. E o apetite irascível, força instintiva e cega, que não espera, para agir, o juízo da razão, afasta com violência o mal ou o obstáculo ao bem cobiçado.

Esta forma de grande utilidade existia em nossos primeiros pais antes de sua queda. Era, porém, inteiramente submissa à razão, cuja justa sentença aguardava para se exercer e cuja auxiliar dedicada e serva obediente era. Já não é assim depois do pecado; e se esforços generosos e perseverantes, se principalmente uma graça poderosa, alcançada por ardentes preces, não dominarem essa força irascível, a mínima contrariedade produzirá um movimento de impaciência ou de cólera, que é uma desordem, sempre prejudicial à alma.

Na criança, a quem a razão não ilumina e a educação ainda não formou, podemos estudar esses impulsos instintivos de impaciência e de cólera; ver o quanto são desordenados e indignos de uma criatura racional e submissa a Deus. Retirai da criança o seu brinquedo e por-se-á a chorar, a sapatear fitando avidamente os olhos no objeto que lhe foi retirado; parece sair de si mesma e passar-se toda para essa bagatela, esse nada que a cativava; se não lho devolverdes, parece-lhe que lhe retirais a vida.

Ai de nós! Seremos mais razoáveis em nossas impaciências? Quando nos é retirado algum objeto ao qual estávamos apegados; saúde, bens de fortuna, estima dos homens, não patenteiam, com freqüência, as impaciências, a cólera contida, ou a dor e, o abatimento, que nossa alma estava unida a esse objeto, sem o qual não podemos viver?

Caia doente uma pessoa que não sabe governar e moderar seus sofrimentos, e pensará constantemente na saúde perdida, representando as alegrias de que poderia ainda gozar; as satisfações que se poderia conceder, enumerando minuciosamente os inconvenientes, os dissabores, as tribulações da enfermidade. E esses cálculos vãos, essas queixas estéreis, a preocupação a tal ponto que perderá de vista coisas muito mais úteis, chegando mesmo, tão absorvida está pela dor, a negligenciar seus deveres. Se essa desordem se prolongar, será uma vida perdida, talvez uma alma desesperada para sempre.

Deus poderia sem dúvida dissipar essas idéias sombrias e fazer reinar a paz na alma, acalmando-lhe os desejos e, por conseguinte, diminuindo-lhe os sofrimentos que lhe causam as decepções. Quem nada deseja, com nada se aflige. Deus já concedeu semelhante graça a almas heróicas, a fim de recompensá-las de longos e penosos sacrifícios. As almas generosas, que combateram por largo tempo, embora sem obter um completo apaziguamento, vêem diminuir as atrações inferiores e, conseqüentemente, os sofrimentos.

Quando as aflições provêm de apegos naturais e imperfeitos, é mister renunciar sinceramente a esses apegos e agradecer ao Senhor que nos ajuda na obra tão necessária quão difícil do despojamento.

Mas nossos sofrimentos podem nada ter de repreensível. Às próprias almas perfeitas sobram ocasiões de dor; pessoas legitimamente amadas lhes serão arrebatadas, bens de grande utilidade lhes serão retirados, verdadeiras desgraças virão feri-las. E como os impulsos do coração para o ente querido que desapareceu nascem de uma afeição permitida por Deus, a dor que provocam é lícita; não deixa, todavia, de entrar, nos planos divinos, como punição ao pecado e meio de progresso.

Como então governar a dor, moderá-la e impedir que se torne nociva? Por um ato de resignação, de submissão à vontade divina, que deve substituir em nosso coração a tristeza causada pela provação. Tal ato não será sincero e perfeito se não procuramos afastar da memória, tanto quanto possível, a lembrança daquilo que nos causa pesar. Se largarmos as rédeas aos nossos pensamentos, permitindo que se entreguem livremente ao objeto querido de que estamos privados, ou ao mal que ora nos aflige, nossa dor aumentará cada vez mais e oprimirá pesadamente nosso pobre coração, que ficará como que esmagado. Cada olhar dirigido ao objeto amado excita a afeição; o atrativo sempre vivo que move o coração torna-se irresistível; a tristeza, que resulta da perda dos objetos, não sendo senão essa atração invertida, torna-se dominante e irresistível como a própria atração. Quem se presta a essa ação invasora da tristeza, quem se deixa dominar por ela, perde, por culpa própria, parte de sua liberdade; ver-se-á dentro em pouco como que acorrentado, paralisado pela dor, não dispondo, para agir, da força de outrora.

Esse entorpecimento da alma se produz naqueles que pensam demasiadamente em seus defeitos e pecados, ou antes, que neles pensam sem acrescentar, como de dever, a lembrança das bondades e das misericórdias divinas. Ocupando-se muito mais de si e pouco de Deus, traz, em constantemente presente o triste espetáculo de, suas misérias; assemelham-se às pessoas vaidosas que, tendo no rosto uma ferida, se desolam com sua fealdade; e miram-se constantemente no espelho para verificar se o mal já cicatrizou.

Será então necessário procurar um derivativo à dor, entregar-se a novos atrativos que substituam as satisfações perdidas, recorrer a consolações humanas, dando a outros objetos, ou pessoas, o lugar daqueles que nos tornam arrebatados?

Essa maneira de acalmar a dor não é por certo a melhor e vai, com freqüência, de encontro aos planos de Deus. Que se propõe, com efeito, o Senhor quando nos retira os bens deste mundo, ou nos separa dos entes queridos? Quer desprender-nos das criaturas para unir-nos mais intimamente a Si. Se, portanto, à medida que rompe os laços que nos tolhem o vôo, forjamos outras correntes, não faremos nós mesmos a nossa desgraça?

Há sempre um desígnio misericordioso da Providência nas provações que nos ferem. O saber humano, tão limitado, vê na provação um obstáculo aos bens, aos ditosos efeitos por que suspirava. Assim a enfermidade, obrigando-nos a guardar o leito, afigura-se-nos como a ruína dos belos projetos que havíamos formado. Mas os desígnios de Deus não são os nossos e Ele visa santificar-nos por meio da moléstia que, bem aceita, produzirá frutos maravilhosos. Se, ao contrário, o doente lamentar a saúde perdida, se procurar consolar-se com ilusões fomentadas cuidadosamente, se se obstinar, mesmo, a continuar uma vida ativa informando-se avidamente de tudo quanto lhe diz respeito, entregando-se a toda sorte de cálculos, de previsões, de críticas, levando, portanto, uma vida toda exterior e deixando de tirar proveito, para sua santificação, da solidão à qual o condena a enfermidade, obsta aos planos divinos. Deus pretende destruir o ardor demasiado humano desse cristão fiel, a atividade ultra-natural que lhe prejudicou as melhores obras, enquanto gozou saúde. Deus quer fazê-la morrer a tudo quanto é imperfeito e pessoal; quer que esse servo dedicado se esqueça de si mesmo e trabalhe, com uma intenção muito pura, para a glória de seu divino Mestre. Se souber renunciar com generosidade aos seus próprios gostos, aceitando amorosamente esse estado de inutilidade, e de aniquilamento, que é a, moléstia, chegará a não agir senão em virtude da vontade de Deus, tudo fazendo na medida e segundo o querer divino.

Quando a vontade do cristão está assim purificada pela resignação absoluta, tudo quanto empreender será abençoado por Deus. Então, mesmo que suas obras não aparentem êxito, seus esforços produzirão efeitos que, embora ocultos, serão ótimos; mais ainda, seus próprios sofrimentos não são menos fecundos que suas obras, e do seu leito de dor, talvez seja tão útil à Igreja quanto os operários mais ativos, os apóstolos mais zelosos.

(O Caminho que leva a Deus pelo Cônego Augusto Saudreau)

P.S: Continuará com o post: As perfeições divinas e a dor

terça-feira, 6 de março de 2012

Pensamento da noite de 06/03/2012


"O Espírito Santo é um espírito de alegria, porque nos sentimos felizes quando vemos cair as nossas cadeias. A maior tristeza do homem é a de sentir-se preso numa prisão que se não pode abrir porque tem o nome de egoísmo; é nele que o homem está fechado. Mas cada ato de obediência, de humildade, de caridade, liberta-lhe o coração e sentimos que ressoa ao céu, como o esvoaçar de uma ave cuja gaiola acaba de ser aberta."
(Por um cartuxo anônimo)

Vantagens da dor


Deus alcança, pois, o Seu fim, enviando a dor aos homens, que podem, se quiserem, dela auferir inapreciáveis vantagens.

Se um golpe rude e seco ferir um seixo, ressalta uma centelha e produz-se um fogo que ilumina e abrasa. Da alma ferida pela dor, também ressalta uma centelha de amor, que pode produzir um vasto incêndio. Mas assim como a centelha tirada da pedra alumia antes de abrasar, assim também a dor, antes de atear na alma o incêndio de amor, produz claridade.

Essa centelha ilumina, em primeiro lugar, aquele a quem atinge, revelando-o a si mesmo e aos outros, dando-lhe a conhecer melhor suas fraquezas e suas virtudes. A alma começa por descobrir os seus defeitos: verifica que a causa de seus vivos sofrimentos não passa de amor próprio, de vontade própria; compreende que uma alma, abrasada de amor divino, ficaria indiferente em seu lugar àquilo que a faz chorar, ou, ao menos, daria pouca importância a esses males corporais, a essas contrariedades, repreensões, ou injustiças que tanto a magoam.

Serão suas virtudes profundas e sólidas? É ainda a dor que lha provará. "Que sabe aquele que não foi experimentado?" (Ecli 34, 9). Ninguém pode garantir que um homem que não sofreu seja forte e corajoso; sua atividade laboriosa está presa, talvez, ao seu temperamento ardente; esforça-se e dedica-se, mas quanto a moderar o seu entusiasmo não lhe seria possível. Que a provação o atinja, que a enfermidade o prostre, que a dor lhe torture os membros, e logo cessará todo desejo de atividade; não poderá mais dedicar-se senão por meio de corajosos esforços. Se tal homem continuar a labutar, então não poderemos mais pôr em dúvida à sua energia: a dor é, pois, a pedra de toque da virtude.

A dor é sobretudo a pedra de toque da humildade. É agradável, é uma felicidade para o cristão generoso trabalhar para a glória de Deus, esforçar-se por Lhe ganhar almas, por torná-lO mais conhecido e mais amado. Mas, se vier a fracassar em seus mais santos empreendimentos, enquanto outros alcançam êxito como aceitará ele a humilhação do revés? como assistirá ao êxito de outrem? Se só procura a Deus, que lhe importa por quem Deus seja servido, por quem seja glorificado?

"Eldade e Medad profetizam", disseram um dia os hebreus a Moisés. "Por favor, não os deixeis", exclama Josué. "E por que, responde o homem de Deus, por que esta inveja? Ah, praza aos céus que todo o povo o profetize e que o Senhor penetre a todos de seu Espírito!" São Paulo, na prisão, não podia mais pregar o Evangelho; então alguns de seus irmãos, invejosos e disputadores, entregaram-se à pregação com a idéia de que seu êxito, despertando a inveja do prisioneiro do Cristo, lhe tornasse mais pesados os grilhões. "Que importa! exclama o apóstolo; contanto que o Cristo seja conhecido, alegro-me e me alegrarei sempre" (Fp 1, 18). Quando a provação não desperta logo em nós esses protestos sinceros de desinteresse, patenteia claramente que, no próprio bem praticado, visávamos nossa satisfação pessoal ao mesmo tempo que a glória de Deus.
             
Se na obra que empreendemos surgem contradições, se nosso procedimento é censurado, se o acerto de nosso intento, ou a prudência de nossas decisões forem contestadas, se nos retirarem a obra começada, para confiá-la a outros, da maneira pela qual recebemos essas humilhações infere-se a pureza de nosso propósito.

Dá-se o mesmo com as demais virtudes, a doçura, o amor do próximo. A provação denota-lhes a sinceridade e perfeição. Ensina-nos, pois, a nos conhecermos a nós mesmos, e a melhor conhecermos a Deus. Adquirimos, na provação bem aceita, uma idéia mais justa de Sua santidade, que exige uma purificação severa, mesmo das almas aparentemente muito puras; de Sua sabedoria insondável, cujas veredas são tão diferentes das nossas; de Seu poder, que pode tirar o bem do mal; de Seu amor, que se manifesta mesmo quando castiga: quos amo castigo, e que sabe unir a paz e o consolo às mais duras provações.

A provação ilumina a alma sincera, desvenda-lhe o mal oculto nas dobras de seu coração. Faz mais, porém, que, revelar o mal, ataca-o, destrói-o, contanto que saibamos tirar proveito de sua ação benfazeja.

A dor, humilhando-nos, torna-nos melhores. Faz-nos sentir mais vivamente nossa incapacidade e nosso nada.

Um ferido, que não pode mais levantar-se, recorre aos transeuntes, não se prevalece mais de suas forças. Assim também aquele a quem o sofrimento feriu, humilha-se e solicita socorro e alívio, mesmo junto a seus inferiores, ou àqueles a quem não estima. Se, como é freqüente, os homens são incapazes de consolar aquele que sofre, então este volta-se para Deus, implorando-O humilde e insistentemente. Quantas vezes a dor aproximou de Deus homens que a prosperidade dEle afastara? Abençoado o sofrimento que leva o filho pródigo ao lar paterno.

Se a dor converte muitos pecadores, santifica também muitas almas piedosas. Parece até impossível que certas almas alcancem a perfeição sem passar pelo sofrimento. Purificam-se, primeiro, de tudo quanto nelas é impuro, imperfeito, de tudo quanto, em suas, obras, não é sobrenatural. Temos ótima ocasião de desaprovar e de afastar para longe de nós as preocupações egoístas, que nem sequer suspeitávamos, e que se manifestam nas separações, nos reveses e contradições, aceitando alegre e amorosamente a vontade divina. Sim, meu Deus, permitindo Vós esta separação, este malogro, estas críticas, quisestes privar-me dos prazeres humanos que se misturavam à alegria de trabalhar para Vós; só me resta agora a satisfação de haver feito o bem e procurado agradar-Vos; as consolações naturais que teria encontrado, além do êxito, nos aplausos e na estima do próximo, Vós mas retirais; a dor que sinto, prova quanto as desejava; mas de bom grado renuncio hoje a elas e me regozijo de não ter outra recompensa senão a de Vos agradar.

Este ato de verdadeiro amor é tão agradável a Deus, que, para no-lo fazer praticar, permitirá por vezes o fracasso de obras, excelentes em si (1).

Teremos assim ocasião de nos tornarmos mais puros e mais santos, o que Deus deseja antes de tudo. Ele prefere ser glorificado pelas nossas virtudes do que pelas nossas obras, pela nossa humildade e nosso amor, do que pelos mais brilhantes êxitos exteriores.

Quantos atos de virtude não poderá ainda a dor suscitar? No sofrimento, a fé se ilumina, a esperança se torna ardente e inabalável, o amor se fortifica e se dilata. A prática destas três virtudes teologais brota espontaneamente da alma fiel, entregue à dor; e quantas outras virtudes não as acompanham? a paciência, a renúncia, a suavidade, virtudes tão belas, tão agradáveis a Deus, se exercem como que naturalmente e acrescem muito aos méritos já adquiridos.

Sem o sofrimento preparado pela Providência, quem seria bastante corajoso para aplicar a si mesmo o ferro e o fogo que suprimem e consomem os apegos imperfeitos, as afeições puramente naturais, esses inúmeros laços que encadeiam as almas, impedindo-as de voar para as alturas da perfeição? 

1) Quando São Luís empreendeu as cruzadas, não tinha outro fito senão a glória de Deus; entretanto, só encontrou reveses e desgraças; Deus, porém, permitindo tais provações, fez dele um santo.

(O Caminho que leva a Deus - Cônego Augusto Saudreau) 

P.S: Continua com o post : Do aproveitamento da dor.
P.S2: Ver primeira parte: Fim providencial da dor.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Pensamento da noite de 05/03/2012


"A mansidão para com as criaturas é feita de paciência e de respeito para com elas. Disse alguém que a mansidão era a coroa das virtudes cristãs, e um pouco mais do que uma virtude. É, com efeito, uma graça singular que penetra toda a pessoa, toda a sua vida, que se estende mesmo aos seres inferiores ao homens, às coisas inanimadas. Uma pessoa mansa não abre a porta, não desloca um móvel da mesma maneira que outra desprovida de mansidão. A sabedoria é mansa, a inteligência é mansa, porque é preciso respeitar o objeto para o compreender. E a mansidão é inteligente, porque penetra no íntimo dos seres, que se fechariam à violência e à brutalidade. A mansidão é virginal, a mansidão é maternal, e sem ela nenhuma ação sobre as almas pode ser profunda ou eficaz."
(Por um cartuxo anônimo)

Da dor


Vasa figuli probat fornax et homines justos tentatio tribulationis
A fornalha prova os vasos de barro e a tribulação prova os justos (Sr 27, 6)

Fim providencial da dor

A criação foi obra de amor. O bem tende a comunicar-se. Deus, o ser infinitamente bom, quis espalhar em torno de si algo de Sua bondade; infinitamente rico, quis distribuir Suas riquezas; infinitamente feliz, quis tornar felizes a outros. As criaturas, que Lhe saíram das mãos divinas, criaturas angélicas e criaturas humanas, foram logo cumuladas por Ele de benefícios; uma doce felicidade, isenta de dor, foi o quinhão dos anjos e dos homens durante o período de provação. Em troca, o Senhor pede às criaturas que O amem; Ele as amou, em primeiro lugar, com amor gratuito, ipse prior dilexit nos; a justiça, a honra divina, exigem que elas Lhe paguem amor com amor.

Ai de nós! em vez de amor e reconhecimento, Deus só recebe, de grande parte das criaturas, ingratidão e pecado. O amor divino é um fogo devorador que não pode permanecer sem efeito; se não provocar no coração da altura um incêndio de amor, que lhe seja alegria e felicidade, tornar-se-á um fogo vingador ao serviço de Sua justiça. Essa justiça, portanto, sucede ao amor desprezado, enquanto os castigos sucedem aos benefícios.

Os anjos rebeldes foram os primeiros a fazer tão triste experiência; em seguida, os homens, após o pecado, viram dissipar-se a alegria e surgir a dor. Tanto nos anjos rebeldes, como nos condenados, a justiça divina defronta o ódio e a obstinação; longe de aceitar a expiação exigida pela honra divina, erguem-se contra Deus, no orgulho e na revolta; então a pena que atraem sobre si, torna-se numa tortura que lhes excita o rancor e aumenta o ódio. Na terra, ao contrário, o homem pode reconhecer sua falta, detestá-la, e submeter-se ao castigo; a pena assume então um caráter inteiramente diverso: é a dor resignada e amorosa, amorosa, porque o amor que os benefícios de Deus não puderam produzir, a dor o fará brotar do coração.

Tal é, pois, o escopo da dor, reparar a honra de Deus, punir o pecado, destruir todas as conseqüentes corrupções. O fogo terrestre purifica, devorando tudo quanto é corruptível e separando as escórias dos elementos incorruptíveis. Edificamos, diz o apóstolo, firmados em Cristo, um edifício em que se mesclam ouro e prata, pedras preciosas e lenha, feno e palha; o fogo porá esse vício à prova, revelando tudo quanto continha de puro e sólido. É o fogo da justiça, o fogo da dor, que produz semelhante efeito; no inferno, no purgatório, o fogo vingador atinge tudo quanto está maculado; não atua, porém, sobre o que se conservou puro.

A dor é, pois, filha do pecado. O Deus de toda bondade que poderia não a ter excluído a princípio do plano divino, só a introduziu, de fato, no mundo, em seguida ao pecado. Antes da queda original o homem não sofria a tirania das paixões e só devia esperar alegrias do convívio com sua companheira e as criaturas só lhe proporcionavam prazeres, enquanto elevavam o seu coração a Deus pelo reconhecimento.

Mas o pecado desmoronou toda a ordem da natureza. Para colher, o homem deve primeiro semear no labor e na fadiga; deve ganhar o pão com o suor de seu rosto. As rosas que o encantam estão cercadas de espinhos, aptos a ferir quem as quiser colher. Cada criatura parece dizer em sua linguagem muda: Que uso pretendes fazer de mim? Fui encarregada, pelo nosso comum Criador, de te pôr à prova. Ou então: Sou de tal natureza que o só fato de me encontrares em teu caminho, será penoso para ti. Ou ainda: se te sou útil, obrigo-te a esforços árduos, e; não raras vezes, sou rebelde a esses esforços e te imponho cruéis privações.

Mais acerbos ainda que os sofrimentos exteriores são os sofrimentos íntimos; angústias do coração dilacerado pelas separações, pelos lutos, pela visão dos males de nossos irmãos; dores da alma causadas pelos nossos insucessos, pelas nossas próprias misérias, pelos nossos defeitos e pecados.

Esses sofrimentos visam todos corrigir e reparar as conseqüências do pecado; são uma força destruidora e é isto que os torna tão pungentes. Há na alma humana, maculada pelo pecado original, tendências egoístas, apegos maus que se desenvolveram e se fortaleceram com as faltas individuais; são outros tantos obstáculos que impedem e tolhem as santas inclinações depositadas em nós pela graça. O fogo da dor visa devorar essas impurezas; Deus que consumir em nós o que lhe ofende a pureza do olhar, e, sobre as cinzas de nossos defeitos, fazer germinar belas virtudes.

Quão viva e penetrante é por vezes a dor da alma cheia de imperfeições, mas que procura purificar-se!

Dir-se-ia uma fogueira que consome muitas achas, e em cujo montão de cinzas esperamos encontrar ocultas algumas moedas de ouro. Levará muito tempo para consumir todo esse lenho que, verde ainda, gemerá ao torcer-se e ao lançar ondas de fumaça; e só se deixará destruir depois de opor viva resistência às chamas. Assim também as almas imperfeitas têm tanto afeto às coisas deste mundo e tanto apego à sua opinião e à sua vontade, têm um amor próprio tão desenvolvido que, tudo quanto tende a consumir esses defeitos, isto é, as privações, as contradições, as humilhações mais insignificantes, tudo lhes parece extremamente penoso. E tal sofrimento, que perdurará enquanto não fizerem reais progressos na renúncia, é necessário às almas imperfeitas.

A sensualidade será destruída pela dor física; a avareza, pela perda ou diminuição dos bens; o orgulho, dos desprezos, pelas críticas, ou pelas calúnias; o egoísmo, pelo abandono, pela indiferença do próximo. Quando ao contrário, a alma está livre de tais apegos, cheia amor de Deus e disposta a tudo aceitar de suas mãos, aquilo que outrora lhe fazia sofrer, agora a deixa indiferente; suas dores são menos acerbas; o fogo devorador tem nela pouco alimento; encontrando apenas um lenho seco ou já meio queimado, acaba de consumi-lo em silêncio. Isso não significa que essa alma purificada esteja isenta toda dor, mas essa dor é geralmente suscitada por causas mais nobres e assim sofrerá pelas ofensas feitas a Deus. Demais, a essas penas une-se uma paz cheia de doçura, uma resignação total que alivia, que torna amáveis próprias dores.

(O Caminho que leva a Deus - Cônego Augusto Saudreau) 

P.S: Continuará...

sexta-feira, 2 de março de 2012

Pensamento da noite de 02/03/2012


"A nossa infelicidade pende apenas por um fio e este fio somos nós mesmos que o seguramos: não nos queremos libertar. Ceder a Deus no que Ele pede, totalmente, radicalmente, pronunciar um Amen sem reservas, seria a libertação. Há um provérbio que diz: onde nada há, o rei perde seus direitos. Da mesma maneira, o Príncipe deste mundo não tem poder sobre aquele que consente em ser reduzido ao nada; os demônios do orgulho, da impaciência, do ciúme não o cercarão mais, porque abandonou já tudo o que estas potências poderiam cobiçar."
(Por um cartuxo anônimo)

O que é a oração pelo Papa Pio XII


Grande virtude é a devoção, salvaguarda de todas as demais virtudes! Mas seu ato mais belo e ordinário é a oração, que para o homem, que é corpo e espírito, é o alimento cotidiano do espírito, como o pão material é o nutrimento cotidiano do corpo.

Certamente, Nós bem sabemos que conversar com Deus na contemplação das criaturas não está ao alcance de todos os homens. Por isto foi dado outro meio, fácil e familiar, para apresentar-lhe as suas súplicas e escutar suas palavras. Esta audiência divina é a simples oração.

A oração pessoal e íntima, antes de tudo. Orar é, em primeiro lugar, recolher-se diante do Senhor. Para procurar a Deus, para encontrá-lo, basta entrardes em vós mesmos, de manhã, à tarde, ou em qualquer momento do dia. No íntimo de vossa alma se estais felizmente em estado de graça, vereis, com os olhos da fé, Deus sempre presente como um Pai imensamente bom, pronto para acolher os vossos pedidos e a vos dar também aquilo que espera de vós. Se tiverdes pelo contrário, desventuradamente perdido a graça, entrai então lealmente em vós mesmo, aí encontrareis Deus presente como um juiz, mas juiz misericordioso e pronto para perdoar; ou, melhor ainda, como o pai do filho pródigo, que vos abrirá os braços e o coração, contanto que vos prosterneis arrependidos, confessando: "Pai, pequei contra o céu e contra ti". Quantas almas se salvaram da obstinação no pecado do endurecimento e da eterna perdição com um breve exame de consciência cada tarde! Quantas devem a sua salvação à oração cotidiana!

O Apostolado da Oração dá o meio, com a oferta da manhã. Como a varinha mágica nas histórias de fadas, que muda em ouro tudo quanto toca, assim esta oferta feita entre os cristãos em estado de graça com a qual endereça a Deus todas suas obras para as grandes necessidades da Igreja e das almas, pode levantar a atos sobrenaturais de apostolado também as menores e mais modestas ações. O camponês com o seu arado, o empregado do comércio, no seu escritório, o comerciante no seu balcão, a dona de casa em sua cozinha podem tornar-se, já o dissemos, os colaboradores de Deus.

E quando cai a noite, e termina a dura tarefa diária, finalmente vos reunis entre as paredes domésticas na alegria de gozar um pouco um a presença do outro e comunicar mutuamente os acontecimentos da jornada: naqueles momentos de intimidade e de repouso tão doces e preciosos, dai o lugar devido a Deus. Não temais: Deus não virá importunar e perturbar o vosso confiante e delicioso colóquio; ao contrário, Ele, que já vos escuta e no seu coração vos preparou e conseguiu aqueles instantes, torná-los-á, sob o seu olhar de Pai mais suaves e confortáveis. Procurai conservar intata esta bela tradição das famílias cristãs, a oração da noite, em comum, que recolhe no fim de cada dia, para implorar a bênção de Deus e honra: a Virgem Imaculada com o Rosário de suas laudes, todos aqueles que irão adormecer sob o mesmo teto.  

Tal exercício de devoção cristã não é transformar a casa em uma igreja ou em um oratório; é um sagrado impulso de almas que sentem em si força e a vida da fé. Mesmo na antiga Roma paga a habitação familiar tinha a edícula e a ara dedicada aos seus deuses Lares, que, especialmente nos dias festivos eram adornados com guirlandas de flores e onde se ofereciam súplicas e sacrifícios. Era um culto maculado pelo erro politeísta; mas em cuja recordação, quantos e quantos cristãos deveriam envergonhar-se, cristãos que com o batismo na fronte, não encontram nem lugar em seus lares para aí colocar a imagem do verdadeiro Deus, nem tempo entre as vinte e quatro horas do dia para se recolherem ao redor dela e prestar-lhe a homenagem da família!

Nada ajuda tanto a oração com confiança quanto a experiência pessoalmente feita da eficácia da oração, a que a amorosa Providência correspondeu, dando largamente, plenamente, aquilo que se pedia.

E a alguns, que desde muito oram, as divinas graças parecem tardar demasiadamente. Aquilo que pedem parece para eles útil, bom, necessário, e bom não somente para o corpo, mas também para suas almas, para as almas daqueles que lhes são caros; oram com fervor por semanas, por meses, e ainda nada obtiveram. A saúde necessária para aquela mãe. Aquele filho, aquela filha, cuja conduta coloca em perigo a salvação eterna dos mesmos, infelizmente ainda não começaram a sentir diversamente. Aquela dificuldade material, em meio à qual os pais se agitam e se afanam para assegurar um pedaço de pão aos filhos, não se suavizam, mas, pelo contrário, tornam-se mais duras e ameaçadoras. A Igreja toda, com todos os povos, multiplica as suas orações para obter o fim das calamidades que magoam a grande família humana; e pelo contrário tarda ainda em avizinhar-se aquela paz segundo a justiça, augurada, invocada, suspirada com tão viva instância, que parece tão necessária para o bem de todos e para o próprio bem das almas.

Sob o peso de tais pensamentos, muitos olham surpresos para os altares sagrados, diante dos quais se ora, e talvez permanecem escandalizados e perplexos ouvindo a liturgia sagrada incessantemente recordar e proclamar as promessas do Salvador divino: "Tudo aquilo que pedirdes na oração, crendo, obtereis". "Pedi e recebereis ... Todo aquele que pede, recebe". "Tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, eu o farei". "Em verdade, em verdade eu vos digo, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo concederá". As promessas do Salvador deveriam talvez ser mais explícitas, mais claras, mais solenes? Não serão alguns porventura tentados ver quase que uma amarga irrisão, diante do silêncio de Deus para com os seus pedidos?

Mas Deus não mente nem pode mentir; aquilo que prometeu, manterá; aquilo que disse, fará.

(1) Discurso aos esposos, 2 de fevereiro, 1941 e 17 de abril, 1942.


Nosso Senhor em nenhum lugar prometeu tornar-nos infalivelmente felizes neste mundo; Ele nos prometeu, leiamos o Evangelho, de escutar-nos como o pai que ao seu filho não dará, ainda que lhe pedisse, por alimento uma pedra, nem uma serpente, nem um escorpião, mas o pão, o peixe, os ovos, que o nutrirão e o farão viver e crescer. Aquilo que Jesus, nosso Salvador, se empenhou de nos dar infalivelmente como fruto de nossa oração, não são aqueles favores que os homens pedem muitas vezes por ignorância daquilo que realmente serve para a sua salvação, mas aquele "bom espírito", aquele pão dos dons sobrenaturais necessários ou úteis para a nossa alma; aquele peixe por ele preparado que, futuro símbolo, Cristo ressurgido deu em alimento aos apóstolos sobre as praias do Lago de Tiberíades; aqueles ovos, alimento para os pequenos da piedade e devoção, que os homens muitas vezes não distinguem das pedras danosíssimas para a saúde espiritual, a eles oferecidas por Satanás tentador.

Os homens muitas vezes são como crianças ignaras daquilo que é bom para elas e lhes convém pedir; ineptas são muitas vezes as orações que dirigem ao Pai Celeste. Mas o Espírito Santo, o qual com a sua graça age em nossas almas e inspira os nossos gemidos, sabe muito bem dar a elas um verdadeiro sentido e um valor real; e o Pai, que lê no fundo dos corações, à luz do sol vê aquilo que através de nossas orações e de nossos desejos, o seu divino Espírito para nós e em nós pede, e tais pedidos do Espírito, profundamente íntimos em nós, Ele, fora de qualquer dúvida, ouve.

A oração, portanto, quer ser um pedido daquilo que é bom para a alma, um pedido com perseverança, mas também pedido piedoso.

A oração piedosa! Qual é? Não é a oração do som de palavras somente, com a mente e o coração vagando, com os olhos desviando para todos os lados; mas é a oração recolhida que diante de Deus se anima de confiança filial, ilumina-se de viva fé, impregna-se de amor para com Ele e para com os irmãos; é a oração sempre feita na graça de Deus, sempre meritória de vida eterna, sempre humilde em sua própria confiança; é a oração que, quando vós vos ajoelhais diante do altar ou diante da imagem do Crucifixo, da Virgem Santíssima em vossa casa, não conhece a arrogância do fariseu, que se vangloria achando-se melhor do que os demais homens, mas, semelhante ao pobre publicano, vos faz sentir no coração que tudo o que recebestes não é senão pura misericórdia de Deus para convosco.

O pão da divina doutrina é verdadeiramente um pão cotidiano, é o pão da oração.

Se volvemos um olhar para a história dos séculos passados, Roma, já nos albores da fé, nos aparece como uma cidade orando, não nos templos dos falsos deuses do gentilismo, mas ao único verdadeiro Deus, nas casas particulares dos primeiros seguidores de Cristo, ou em momentos de maior perigo nas catacumbas, pois, desde o terceiro século, em edifícios ao aberto, verdadeiras igrejas, como as nossas, e finalmente na magnífica e dourada basílica, porque a oração foi desde então para ela potentíssima arma de vitória e de triunfo para permanecer nas perseguições, para manter-se forte nos tribunais e nos suplícios, a morrer mártir de Cristo sob o ferro dos carnífices. Arma de sua defesa e de sua esperança era a oração: baluarte e rocha de fé as suas basílicas e os seus altares de elevação a Deus; as aras dos mártires, santuários e tumbas, onde a piedade chamava, desde distantes regiões e além dos mares também, devotos e coroados príncipes para se inclinarem na oração e escolherem para si, naqueles lugares venerandos, o repouso de seus despojos mortais. Que se não são de se atenuar as deficiências da vida religiosa através da Idade Média, e as idades seguintes, toda a vida pública porém, em toda classe social, era acompanhada, animada e nobilitada pela oração; poder-se-ia antes dizer que o cristão era educado, crescia e mantinha-se na oração da própria sociedade.

A oração é um bem, que não humilha e abaixa, mas exalta e faz grande homem. Os mais excelentes artistas, estes mestres da Psicologia figurada, não criaram nada que mais subjugue o ânimo quanto a representação do homem em oração. Nesta atitude de orante ele demonstra a sua mais alta nobreza, tal que se afirmou plasticamente que o "homem é grande, somente quando está de joelhos" (2).

(2) Discurso em Audiência Geral, 2 de julho, 1941.

Fonte: Pio XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José Marins, 2.ª Edição, edições Melhoramentos.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Pensamento da noite de 01/03/2012


Aos Sacerdotes pelo Papa Pio XII


Não é porventura verdade que nós todos, sacerdotes, somos constituídos mediadores de reconciliação entre Deus e os homens? Mediadores, verdade é, subordinados a Cristo, único mediador entre Deus e os homens, "unus mediator Dei et hominum homo Christus Jesus", que deu a si mesmo em redenção por todos, e pelo qual, Deus nos reconciliou a si e nos deu um ministério de reconciliação "dedit nobis ministerium reconciliationis", e nos encarregou da palavra de reconciliação "posuit in nobis verbum reconciliationis". "Pro Christo ergo legatione fungimur". Somos embaixadores por Cristo em meio ao mundo, como se Deus exortasse os homens por nossa boca. A este alto conceito sacerdotal a nós proposto pelo Doutor das Gentes, elevamos, diletos Filhos, o nosso olhar, as nossas aspirações e os nossos entendimentos; e com o nosso operoso zelo exaltamos e tornamos, em meio ao povo cristão, veneranda a nossa dignidade de mediadores e embaixadores de Cristo. Na sacra hierarquia, porém, quem é tão próximo ao povo, quanto o vigário, o pároco, cuja missão é caracterizada e definida por três palavras: apóstolo, pai, pastor?

1. Em todo pároco há um apóstolo; mas sobretudo aquele que desenvolve a sua obra em uma grande cidade deve sentir em si a flama do espírito apostólico e missionário e do zelo conquistador de um São Paulo. Se considerais os tempos modernos com seus acontecimentos políticos, religiosos e com o multiforme desviar-se das pesquisas filosóficas e científicas e da instrução e educação civil das crenças religiosas, vós não tardareis em ver como de tal modo tenham mudado as antigas condições espirituais da sociedade que nem mesmo nesta nossa Roma se pode jamais falar de um terreno puramente, inteira e pacificamente católico, porque junto daqueles - e são legiões magníficas - que permanecem fiéis na fé não faltam em todas as paróquias círculos de pessoas que, tornando-se indiferentes e estranhas à Igreja, constituem quase um território de missão para ser reconquistado para Cristo.

De tal dúplice aspecto do seu povo é dever do pároco formar, com pronto e ágil intuito, um quadro claro e minuciosamente particularizado, queríamos dizer até topograficamente, estrada por estrada; isto é, de um lado a população fiel, e assinaladamente os seus membros mais escolhidos, dos quais tiraremos os elementos para promover a Ação Católica; e de outro, as facções que se afastaram da prática da vida cristã. Estes também são ovelhas pertencentes à paróquia, ovelhas desgarradas; delas também, antes, especialmente delas sois responsáveis, sois os guardas; e como bons pastores não deveis vos esquivar dos trabalhos e das penas para procurá-las, para ganhá-las novamente, nem vos concedais repouso, até que todas encontrem abrigo, vida e alegria, voltando ao rebanho de Jesus Cristo. Tal é para o pároco o significado óbvio e essencial da parábola do Bom Pastor, daquele Pastor que é ao mesmo tempo Pai e Mestre. Tal é o apóstolo da paróquia, que, semelhante a Paulo, "torna-se débil com os débeis para ganhar os débeis, e torna-se tudo com todos, para todos salvar".

2. O pároco é pastor e pai, pastor de almas e pai espiritual. Devemos ter sempre presente, diletos Filhos, que a ação da Igreja, toda dirigida ao Reino de Deus, que não é deste mundo, se não quer ser estéril, mas dirigir-se vivificante, sábia e eficaz, precisa tender ao escopo: que os homens vivam e morram na graça de Deus. Instruir os fiéis no pensamento cristão renovar o homem na imitação e no seguimento de Cristo, aplainar a via: embora estreita, para o reino do céu e tornar verdadeiramente cristã a cidade, tal é a missão própria do pároco como mestre, pai e pastor de sua paróquia.
No cumprimento destes deveres não vos deixeis afastar e obstacular o vosso zelo pelos trabalhos de administração. Talvez não poucos de vós tendes diariamente que conduzir áspera luta para não permanecerdes oprimidos pelas ocupações administrativas e encontrar o modo e o tempo indispensável para a verdadeira cura de almas. Ora, se a organização e administração são sem dúvida meios preciosos de apostolado, devem porém ser adaptadas e subordinadas ao ministério espiritual e ao verdadeiro e próprio ofício pastoral.

3. Pelo divino desígnio, também o sacerdote, como todo Bispo "ex hominibus assumptus, pro hominibus constituitur in iis quae sunt ad Deum, ut offerat dona et sacrificia pro peccatis"; e por isto o sacro caráter dele, intermediário entre Deus e os homens, se manifesta, se desenvolve, se expande, se levanta e plenamente se sublima circundado e envolvido pela suprema e suma luz do seu ministério, no sacrifício da santa missa e na administração dos sacramentos. Ao altar, à fonte batismal, ao tribunal da penitência, à mesa eucarística, à bênção dos esposos, ao leito dos enfermos, à agonia dos moribundos, entre as crianças ávidas do futuro e do caminho da vida, nas famílias e nas escolas, nos asilos da dor e nas casas abastadas, sobre o púlpito e nas piedosas reuniões, dos sorrisos e dos vagidos dos cândidos berços aos silenciosos cemitérios dos que repousam na expectativa de um renascimento imortal, o sacerdote é, nas mãos de Deus, o ministro, o instrumento mais operante da potência, do amor, do perdão, da redenção dada ao homem decaído para subtrair-se à escravidão e às insídias de satanás, e retornar ao Pai Celeste, como peregrino regenerado, revestido de graça, herdeiro do céu, restaurado pelo viático de um pão mais vivo e salutar que o fruto da árvore da vida plantado no meio do Éden, tanto agradou ao Filho de Deus, Redentor do Mundo, exaltar para salvação dos homens o seu sacerdote!

Colocai portanto máximo cuidado em que a vossa dignidade resplandeça sempre diante do vosso povo, e que este, do santo sacrifício e dos sacramentos que administrais conheça e compreenda com viva fé o significado e o valor, de modo que uma inteligente e pessoal participação os anime a viver as admiráveis cerimônias, como também todas as inefáveis belezas da sagrada liturgia.

Vós todos, portanto, celebrai com digna e íntima devoção os santos mistérios evitando com toda solicitude que os ritos sagrados, por assim dizer, se tornem áridos nas mãos do sacerdote. Sem dúvida não depende do mérito pessoal do ministro o efeito essencial dos sacramentos, e correr-se-ia o perigo de reduzi-los a um mero ato externo se se atribuísse importância principalmente à sua eficácia psicológica. Mas mesmo para estimular os fiéis a aproximarem-se destas fontes sobrenaturais e dispô-los a receber a graça, deveis ter como vosso sagrado dever o celebrar o santo sacrifício e administrar os sacramentos com aquele profundo respeito, com aquela consciente reverência, com aquela piedade interior que tornam as sagradas funções exemplos de edificação e incitamentos de devoções. Premido pelas duras contingências da vida diária, quando o relógio, ou os sinos da paróquia o convidam e lhe trazem no meio do tumulto de seus afetos, o pensamento de Deus e a palpitação do espírito, então coloca os pés sobre o limiar do templo e entra para reunir-se aos fiéis a fim de assistir aos sagrados mistérios e escutar a palavra de Deus, que procura, que deseja o cristão? Que quer o povo? Ele quer encontrar alimento e restauração antes de tudo e sobretudo na graça que conforta, mas também - e isto também é vontade de Cristo - no efeito elevante que a magnificência da casa de Deus e o decoro dos ofícios divinos oferecem ao ouvido e aos olhos, ao intelecto e ao coração, à fé e ao sentimento.

Depois do santo sacrifício, o vosso ato mais grave e relevante é a administração do sacramento da penitência, que foi chamado a tábua de salvação depois do naufrágio. Sede prontos e generosos em oferecer esta tábua aos navegantes no proceloso mar da vida. Insisti com especial zelo e plena dedicação; sentai-vos naquele divino tribunal de acusação, de arrependimentos e de perdão, como juízes que nutrem no peito um coração de pai e de amigo, de médico e de mestre. E se o escopo essencial deste sacramento é de reconciliar o homem com Deus, não percais de vista que para atingir tão alto fim ajuda potentemente aquela direção espiritual, para a qual a alma, mais vizinha que nunca da paterna voz do sacerdote, expandem nele as suas penas, as suas perturbações e as suas dúvidas e escutam confiantemente os conselhos e as admoestações, porque o povo sente aguda necessidade de confessores, que por virtude e por ciência teológica e ascética, por
maturidade e ponderação, valham para fornecer iluminadas e seguras normas de vida, em maneira simples e clara, com tato e com benevolência.

4. Quanto dissemos até aqui diz respeito especialmente ao devoto e vigilante ministério do pároco; mas, além disto, é seu estrito dever anunciar a palavra de Deus, dever essencial ao apóstolo, ao qual vem confiado o "verbum reconciliationis", não menos que o "ministerium reconciliationis". "Vae enim mihi, est, se non evangelizavero". Porque "fides ex auditu, auditus autem per verbum Christi...", "Quomodo credent ei, quem non audierunt? Quomodo autem audient sine praedicante?" Como o intelecto preluz a vontade, assim a verdade é a lâmpada da boa ação. A palavra é o veículo da verdade, e infelizmente também do erro, que batem à porta do intelecto e da vontade. Vós bem compreendeis porque as admoestações do Apóstolo unem fé e ouvido, ouvido e pregador, e porque, para sanar a cegueira do mundo em conhecer Deus, falando da sabedoria que do universo criado se deduz "placuit Deo per stultitiam praedicationis salvos facere credentes".

Sublime estultice esta: já que a estultice de Deus é mais sábia do que os homens e a "desonra do Gólgota" é a glória de Cristo. Estas verdades são oportunas (juntamente com as admoestações do Apóstolo) ao nosso tempo, quando profunda e perigosa é a ignorância da religião. Pregai a doutrina, as humilhações e as glórias do Divino Salvador, e pois que, especialmente todo domingo e no tempo da quaresma numerosos cristãos se reúnem em torno dos púlpitos, oferece-se a vós uma ocasião única - que é observada com inveja, pelos arautos de outras ideologias - para tornar mais potente, sólida e profunda a fé do povo; e quem não se aproveitasse com zelo ardente de uma hora tão oportuna faltaria à compreensão de sua responsabilidade em promover o bem, tão necessário para a vida cristã, o bem da instrução sagrada.

Com a pregação, tornai familiares a pessoa e os exemplos do Homem-Deus, pois que a vida religiosa dos indivíduos em particular, brota e desenvolve-se com divina pujança na relação pessoal e união com Jesus Cristo. Pregai os mistérios da fé; pregai a verdade em sua pureza e integridade até nas últimas conseqüências morais e sociais; disto tem fome o povo. Pregai com simplicidade, mirando aquele sentido prático que chega à mente e se faz guia do espírito. Não a cintilante e procurada facúndia irá conquistar hoje as almas, mas sim a palavra convicta que parte do coração e vai ao coração.

Com grandes e com maduros, deveis ser, como o Apóstolo Paulo, Pai e doutores de perfeição; com os pequenos e com os jovens tornai-vos pequenos tal qual uma mãe: "tamquam si nutrix foveat filios suos". Não penseis que vos humilhais com os pequenos e com os ignorantes: igual em valor à pregação, é a catequese, a instrução das crianças como a instrução dos adultos. Em tal ofício o clero da paróquia pode certamente contar com o apoio e o concurso da Ação Católica; e a todos aqueles que em tão santa obra colaboram Nós, com sentimento paterno e feliz, mandamos o Nosso profundo agradecimento e a Bênção Apostólica. Esta importante missão, não vos esqueçais, os sagrados cânones supõem como natural e primário cuidado, a que deve entregar-se aquele que foi colocado como cura das almas. 

O zelo do sacerdote, a sua habilidade serão estímulo e modelo aos colaboradores leigos; e a hora do catecismo oferecerá ao pároco propícia ocasião de encontrar-se com a jovem geração da paróquia. Não vos deixeis fugir a ocasião de preparar pessoalmente, quanto vos for possível, as crianças para a primeira comunhão e confissão; é o primeiro secreto encontro vosso e de Cristo, o divino amante dos pequeninos, com almas ingênuas que se aproximam de vós e abrem-se ao altar, como flores de primavera aos primeiros raios de sol, e conservam inesquecível a recordação disto, através do curso flutuante da vida.

5. Queremos finalmente deixar uma linha característica da figura do Bom Pastor, que, além de ser a Luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo, na verdade, no caminho e na vida prodigalizava fora de si a virtude, que sana também os corpos de todas as misérias humanas, "bene faciendo et sanando omnes", e deixando aos seus apóstolos e à sua Igreja o mandamento do amor misericordioso aos pobres, aos que sofrem, aos esquecidos, porque a vida daqui debaixo é um fluxo e refluxo de bens e de males, de choro e de alegria, de necessidades e de socorros, de caídas e de ressurreições, de lutas e de vitórias. Mas o amor para com os irmãos, todos redimidos por Cristo, é o misterioso bálsamo de toda dor e miséria.

Discurso aos párocos e quaresmalistas, 6 de setembro, 1940.

Fonte: Pio XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José Marins, 2.ª Edição, edições Melhoramentos.