domingo, 6 de junho de 2010

As virtudes correlativas do Educador e do Educando - Parte V

As virtudes correlativas do Educador e do Educando
Parte V


O objeto do respeito


Quem pode e deve beneficiar deste respeito?
- Os educadores, isto é, os pais e os professores, têm direito ao respeito;
- Devem fazer-se respeitar;
- Devem inspirar o respeito por tudo aquilo que o merece.

Artigo I - Os educadores têm direito ao respeito

Por que é que os pais têm um direito especial ao respeito de seus filhos?
Porque são, mais que qualquer outra pessoa, os representantes de Deus na obra da formação de seus filhos.

Este direito é sancionado por Deus?
Sim, e da maneira mais formal.

"Aquele que ofende seu pai ou sua mãe deve ser condenado à morte." (Ex. XXI, 15)
"Aquele que maldiz seu pai e sua mãe será punido de morte." (Ex. XXI, 17)
"Que o olho que ofende seu pai... seja arrancado pelos corvos das torrentes." (Prov. XXX, 17)

Por que merecem os padres um respeito particular?
Porque o papel que desempenham na educação é sempre necessariamente ungido do caráter sagrado com o qual prouve Deus marcá-lo no dia da sua ordenação.

"Honrareis a Deus de toda a vossa alma, e reverenciareis os padres." (Ecl. VII, 81)

"Este mesmo homem que vai agora subir à cátedra da sua sala de trabalho ou da sua aula, subiu esta manhã como sacrificador ao altar do vosso Deus, e aqueles lábios, que vos ensinam os rudimentos das letras, pronunciaram palavras às quais o mesmo Deus obedeceu, dignando-se descer entre as suas mãos."
(Mgr. Baunard, Deus na escola, t. I, p. 86-87)

Os professores têm direito ao respeito?
Sim.

"O preceptor tem direito a um grande respeito. Eu seria um ingrato, se não o incluísse no número daqueles que mais amo e respeito." (Sêneca)

"O duque de Borgonha, num dos seus arrebatamentos terríveis, dos quais S. Simão nos conta que faziam tremer tudo em volta de si, disse um dia a Fénelon:
- Não, não, Senhor, sei quem sou e quem vós sois!

Sabe-se como Fénelon lhe fez ver que não conhecia um nem outro, mandando-o depois para o seu lugar e não lhe perdoando senão a pedido de Luís XIV, do filho deste e de M.me de Maintenon."
(Mgr. Dupanloup, Da educação, t. II, p. 528)

Artigo II - Os educadores devem fazer-se respeitar

"O educador deve levar a sua abnegação até se desinteressar do reconhecimento... Mas no respeito é que não pode renunciar."
(Mgr. Dupanloup, Da educação, t. II, p. 527)

Em que sentido se deve tomar esta obrigação: os educadores devem fazer-se respeitar?
Os educadores devem fazer-se respeitar:

- Pessoalmente;
- mutuamente.

Como conseguirão os educadores fazer-se respeitar?
- Far-se-ão respeitar pessoalmente, tendo uma vida irrepreensível, estimável e venerável, especialmente nas suas relações com as crianças.

- Far-se-ão respeitar pessoal e mutuamente, evitando, reprimindo e corrigindo os defeitos que atinjam mais ou menos o respeito a quem têm direito.

Quais são os defeitos mais particularmente nocivos ao respeito?
São:

- A presunção.
- A familiaridade.
- A crítica.

A presunção e a familiaridade atingem especialmente os pais; a crítica tem, muitas vezes, por objeto, os padres e os professores.

Quais são os processos ordinários dos presumidos?
- É o de "causar assombro" aos pais.

"Durante a conversa e sem dar mostras disso, um deles faz uma pergunta de álgebra, que deixa os autores dos seus dias maravilhados e pensativos.

Em todos os liceus, em todas as instituições, há, com efeito, dessas tradições: um certo número de enigmas e de qui pro quos de erudição, de curiosidades requintadas, de problemas extravagantes, que giram nas classes e que os estudantes recolhem com cuidado.

Naturalmente, o pai e a mãe ficam admirados, e o nosso jovem ri-se da sua estupefação. Formem um juízo do seu triunfo! É ele que lhes apresenta questões. Como ele ri, prazenteiro ou trocista, quando se prestam a este exame mortificante."
(Nicolay - As crianças mal educadas, p.26)

- É o de fazer alarde de ciência

"Segunda-feira estive às voltas, durante toda a manhã, com um demônio dum co-seno e com um maldito dum logarítimo, mas consegui resolver a minha equação. " (Nicolay, ob. cit. p.27)

E, fingindo recordar uma lei algébrica, dirá com convicção e volubilidade:

"O coeficiente do segundo termo é a soma dos segundos termos dos fatores binómios, ou a soma das raízes com sinais contrários." (Corneille, O Mentiroso, 1,16)...

Que fazem muitas vezes os pais?
Muitas mães, penetradas de admiração ou lisonjeadas no seu orgulho, não deixam de desculpar o pequeno vaidoso:

Vem uma visita. A mãe exclama:

- Realmente! perguntam-se agora aos colegiais coisas terríveis! Para mim é chinês! Não compreendo nem uma palavra! Mas o rapaz gosta... É verdade que ele é esperto... Ah! se não houvesse meninos bonitos nas aulas... Mas ele não é desses estudantes que adulam os professores, pelo contrário!... Mas não gosta de injustiças e, creio bem, é capaz de dizer uma insolência num momento de exaltação... Mas, daí a pouco, esqueceu tudo.
Conclusão: é um cábula e um pretensioso,

O pai, orgulhoso com tanta precocidade, diz diante do filho, batendo nas coisas dum velho amigo:

- Decididamente, meu caro, nós já não somos do nosso século! Nessa época, a gente reconhece a sua inferioridade, deve-se confessar: julgo que somos bem ignorantes!
E abaixando um pouco a voz:

- Aqui para nós, ao lado destes mafarricos, parecemos velhos caturras.
(Nicolay, ob. cit. p. 27-28.)

Ser-lhe-á fácil meter tudo na ordem e salvaguardar o respeito, mesmo nos espíritos destes pedantes.

- Poderiam primeiramente fazer-lhes notar que as crianças vindas mais tarde, num mundo mais aperfeiçoado, aproveitam necessariamente descobertas e invenções que seus pais não conheceram..., e que será assim, enquanto os pais nascerem antes dos filhos.

- Poderiam, em seguida, mandar fazer ao pequeno vaidoso, que se faz admirar pelo seu palavreado e ares de ciência, uma página dum ditado simples... Seria o bastante, pensamos nós, esta picada de alfinete numa bexiga de vento.

- E, admitindo-se que seja real a superioridade intelectual da criança, poderiam fazer-lhe compreender que o bom sendo, o juízo, a idade, a experiência são muitas vezes preferíveis para a organização e maneira de proceder na vida a esse verniz literário e científico, que não deveria razoavelmente servir senão para formar a alma e prepará-la para o futuro.

Como é que a familiaridade prejudica o respeito?
A familiaridade manifesta-se pela sem-cerimonia com os superiores. Esta sem-cerimônia não será a princípio mais que uma travessura, mas degenerá muito depressa em insolência, arrastando consigo, no seu curso de morte, a obediência e o respeito.

Exemplo:

"Aos vintes anos, o filho de um general que nós conhecemos, tratava sua mãe por 'bichinha' e, no seu meio, parecia isso muito encantador!" (Nicolay, ob. cit., p. 108-109. passim.)

Que é preciso fazer para evitar esta familiaridade?
É preciso:

- Não tolerar palavras que traduzam uma diminuição do respeito;
- Não permitir partidas;
- Não suportar jamais que a criança tome ares de brincar quando se trata de coisas sérias, e quando possa haver desprestígio da autoridade.

Se, por exemplo, os pais querem punir algum pequeno delinquente, não devem ceder, por mais diligências que ele faça para escapar ao castigo, tentando mesmo levar o caso para rir; é o expediente a que ele recorre para desarmar a severidade daqueles de quem depende, e os pais serão pouco atilados se se deixarem cair nos laços em que a criança procura prendê-los.

Qual é a origem ordinária da falta de respeito em relação aos padres e aos professores?
É a crítica.

Um missionário deu um dia a entender, numa conferência, que talvez nem todas as pessoas piedosas soubessem corretamente o De profundis. Uma menina de treze a quatorze anos acha a insinuação descortês e comunica esta sua impressão à preceptora.
E eis a resposta que obteve:

- Semelhante a certos médicos, que fingem encontrar gravidade em todas as doenças, para se darem ares duma competência profissional extraordinária, certos pregadores têm o prazer de rebaixar os seus ouvintes, para fazerem crer que produzem um bem imenso; que esses mesmos ouvintes têm necessidade deles; e que muitos teriam a lamentar, se por ali não houvessem passado. (autêntico)

A menina fizera uma observação de mau gosto.
A preceptora faltara a todos os seus deveres, corroborando a opinião de sua discípula, em vez de reprimir energicamente a falta em que esta incorrera. Ambas faltaram ao respeito.

Por quem devem os educadores fazer-se respeitar?
Porque só o respeito produz, numa medida conveniente e sob forma útil, a atenção, a docilidade e o reconhecimento, sem os quais não há educação completa.

Qual é a importância da atenção?
Para ser susceptível de formação, a criança deve identificar-se com os que estão encarregados de lhe dar, o que se não pode fazer sem que ela seja, primeiro que tudo, atenta.

Esta atenção põe-se geralmente em prática?
Há certas crianças que não se dignam escutar os pais; que não prestam a mínima atenção ou mostram não prestar atenção alguma às recomendações paternais ou maternais.

E, se o superior desconsiderado insiste, recebe respostas, como esta:

- Ah! Eu não tinha compreendido!

Se isto for verdade, o respeito calcou-se aos pés. Se não for verdade, o desprezo duplica-se com uma mentira hipócrita.

A docilidade é também tão importante como a atenção?
É a sua consequência lógica e natural complemento.

E, como ela não é mais que a predisposição do espírito, do coração e da vontade para se deixar instruir, animar e conduzir, é a base necessária e a condição indispensável de toda a educação.

Que meios se devem empregar para obter a docilidade?
É preciso infundir, com abundância, no espírito das crianças, a humildade e a desconfiança pessoal. É preciso acostumá-las a dizerem consigo: "Os outros não são da minha opinião, posso enganar-me e proceder mal". E quando se trata dos pais: "A minha mãe falou, acabou-se a questão".

E, quando se trata do padre, especialmente no exercício do seu ministério: "O senhor abade está no lugar de Jesus Cristo; longe de mim o pensamento de o censurar, ou de dissimular".

É frequente esta docilidade?
Existe, excepcionalmente. Muitas vezes os conselhos, as recomendações e até as ordens dadas pelos pais ou por outros superiores são discutidas, julgadas e criticadas por cabecinhas de dez, doze ou quinze anos.

Se esses conselhos, recomendações ou ordens estão em harmonia com as opiniões, gostos ou desejos destes pequenos príncipes, estes aceitam-nas, "delas fazem escabelo" como se dizia no castelo de Versalhes. Mas se não agradam, são rejeitadas com desdém.

Qual é o grande inimigo da docilidade?
É o mau espírito.

Não tendes, ás vezes, notado, nos lábios e nos olhos de certas crianças, esse ar de piedade desdenhosa que traduz, ao mesmo tempo, a surpresa de espírito, o desprendimento do coração e a resistência da vontade?

Temo-lo notado a miúdo, muito a miúdo, por exemplo, nas crianças do patronato.

Somos forçados a dizer que crianças desse jaez só aí se demoravam o tempo bastante para se darem a conhecer; porque nunca suportamos, nas nossas obras, o mau espírito, tal era a convicção que tínhamos de que isso representava a ruína.

E nunca esquecemos o ar de surpresa duma mãe de família que nos perguntava, um dia, que é que tínhamos a reprovar em sua filha, para a afastarmos dum agrupamento de que ela fazia parte. Era, efetivamente, uma menina de dezesseis anos, inteligente, agradável à primeira vista, uma companhia amável, e mesmo piedosa; mas era também um espírito revoltado, um mau espírito em toda a acepção da palavra, capaz de lançar no grupo o péssimo fermento de todas as desordens. (Autêntico).

Quais são as fórmulas ordinárias do mau espírito?
São múltiplas: algumas vezes chora; também responde; chega a discutir; resmunga com frequência; critica, principalmente; atribui a mesquinhas razões as palavras e atos, a direção dos superiores; nunca se submete completamente; numa palavra, não faz senão a sua vontade.

Adquire assim o hábito de julgar, de resmonear e de dispensar o auxílio dos outros; caminha em falso; adquire costumes funestos; perde-se.

E, já crescido, continua a fazer o que sempre fizera: não aceita instruções, nem jugo, nem direção. Os desgraçados (não se julgue que a palavra é forte demais) que caem neste defeito personificam o que se chama "a vaidade dos tolos".

Lembremo-nos do que diz o Evangelho:

"Se um cego pretender conduzir um outro cego, ambos cairão na cova." (Mat. XV, 14)

Como se pode tentar a cura do mau espírito?
- Convencendo da malignidade desse defeito a criança que dele é vítima: o mau espírito arruína a docilidade, sem a qual não  há formação possível, seja no que for; o mau espírito é inconciliável com a serenidade intelectual, mãe dos bons estudos; o mau espírito faz cometer um grande número de pecados, cuja gravidade é sempre muito difícil de negar.

- Atacando o mau espírito na sua causa especialmente eficiente: ora é o orgulhoso, ora a arrogância, o rancor, o mau caráter, ora a fraqueza, que se deixa levar, ora um e outro, ou são uns e outros destes fatores reunidos.

E, embora a correção destes defeitos seja particularmente árdua, armando-se de espírito de lei, elevando-se as vistas da criança, pode-se e deve-se esperar, com a graça de Deus, um resultado pelo menos satisfatório.

O educador tem direito ao reconhecimento?
Sim, o educador tem direito ao reconhecimento, tanto como ao respeito, de que é a flor do perfume.

"Educar crianças, trabalhar para as tornar boas, sensatas, instruídas, sábias e felizes; estar ao serviço das necessidades, das fraquezas , das misérias espirituais da humanidade, eis o que merece, mais que tudo no mundo, o reconhecimento e respeito; eis o que demanda um zelo, um desinteresse, uma abnegação sem medida. e faz branquear os cabelos antes do tempo; eis o que faz cair da fronte do homem o suor mais fecundo e mais dignificador; eis o que absorve a dedicação e as forças mais elevadas."
(Mons. Dupanloup, ob. cit., t.II, p. 499-460)

O educador pode contar com o reconhecimento dos seus alunos?
A educação é uma missão ingrata!

- Tudo o que se faz pelas crianças lhes parece uma obrigação, e muitas raras vezes sentem a necessidade do reconhecimento.
- De mais, a obrigação, que se tem de castigar as crianças, quando se lhes quer formar o caráter, ofende-as, fere-as, torna-as reservadas.

O educador deve subordinar os seus esforços ao reconhecimento que excita no coração das crianças?
Não.

Deve elevar-se mais alto.
Deve cumprir o seu dever com desinteresse.

Deve recordar-se desta verdade muito esquecida: "Que no mundo nunca se é grande por si mesmo, mas sempre pelos outros". Deve imitar a natureza, que nos dá sem condições os seus incomparáveis tesouros.

Artigo III - Os educadores devem inspirar o respeito por tudo aquilo que o merece

"Na educação, sobretudo, as faltas de respeito são as mais deploráveis que se podem encontrar"
(Mons. Dupanloup, ob. cit. t. II, p. 529)

Quais são as coisas e as pessoas que a criança bem educada deve habituar-se a respeitar?
São:

- Os seres inferiores da criação;
- Os bens de outrem;
- Os velhos;
- Os pobres;
- A mulher;
- As coisas religiosas. (F. Kieffer, A autoridade, p. 340 e seg.)

Em que consiste o respeito pelos seres inferiores da criação?
Consiste em não destruir uma planta ou uma flor pelo único prazer de destruir; em não matar sem razão um inseto ou uma ave; em não maltratar ou fazer sofrer inutilmente os animais que nos servem; uma palavra, em ser o rei da criação sem se converter em tirano.

Como se pode habituar a criança a respeitar os velhos?
1º - Reprimindo nela a tendência natural que a leva a não ver senão as fraquezas da velhice e a troçar delas.

"Lestes, na vossa história sagrada, a desgraça daquelas quarenta e duas crianças que, saindo de Betel - vinham talvez da escola - insultaram o profeta Eliseu: "Sobe, careca; sobe, careca!. Foram amaldiçoadas pelo homem de Deus e, depois, devoradas por ursos saídos do bosque vizinho."
(Mgr. Baunard, Deus na escola, t. I, p.88)

- Ajudando-a considerar no velho aquilo que há de grande, de nobre e de belo.

"É preciso que se ajude a criança a adivinhar no velho débil a grandeza e a majestade dum passado desaparecido; é preciso que se lhe ensine a adivinhar, no descaimento do corpo, as longas fadigas suportadas; nos  passos lentos, nos gestos comedidos e na palavra calma, a grande experiência acumulada em longos anos. Um pouco mais tarde, ao ver o velho inclinado para a tumba, é preciso que o jovem adivinhe o mistério e a profunda melancolia do destino humano, e, por pouco que o espírito cristão se concentre, o velho que está prestes a desaparecer será, para todos, um traço de união entre as novas gerações e as gerações desaparecidas, a viva e concreta expressão das palavras dos Livros santos: Não temos no mundo uma morada estável."
(Kieffer, ob. cit. p. 345)

Como se pode formar na criança o respeito pela mulher?
- Preservando-a de tudo o que, nas reuniões, leituras, conversas ou distrações, a leve a não ver na mulher senão o instrumento dum prazer de ordem inferior.

- Repetindo-lhe que a mulher é sua mãe, é a sua irmã, é a sua futura companheira da vida.

(Excertos do livro Catecismo da Educação, do Abade René de Bethléem, continua com o post: Formação do coração)

PS: Grifos meus.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Coração formado

Coração formado


- Este menino tem um coração de ouro. Dorme no mesmo quarto que a mãe. Sempre que acorda de noite, levanta-se, e vai beijar a mãe.
- Esta menina tem um coração muito meigo. Não pode ver gato ou cachorro que tenha fome.

Apresentações e recomendações como estas eu poderia citar uma centena. Nem sempre a observação materna foi certa, ao classificar de meigo e bom este ou aquele coração. Aqui exponho à leitora uns princípios de importância neste assunto.

É o coração em nós uma potência misteriosa. Pode elevar-nos até Deus e pode precipitar-nos na mais abjeta traição. É formável e também deformável, conforme os cuidados com que o cercamos. É ele que engrandece a vida e abre o céu.

O coração de teu filho, leitora, tem de ser sensível, forte, regrado, desinteressado e entusiasta.

Sensível - Isto é, acessível aos nobres sentimentos, capaz de se esquecer a si próprio para dedicar-se aos outros. Mas deves evitar que ele se torne mimado, sensual e piegas. Tal se dá quando a mãe vive cobrindo de carinhos os filhos, vive toda alarmada com o menor mal-estar da criança. Leitos moles, bombons, mostras de ansiedade, recomendações que revelam angústia, tudo isso se deve terminantemente evitar, diz Gualtier.

Não se admita que a criança, sob o pretexto de que se deve ser bom para com os animais, aplique injustamente em proveito dos irracionais as reservas de bondade concedidas por Deus, observa o P. Bethléem. Não se deve tolerar que chore a perda de um pássaro, de um cãozinho, etc.

Forte - É o coração quando sujeita suas afeições às normas da fé e da razão. Somente assim o coração será livre. Inimigo neste ponto são as paixões, os prazeres mundanos. Coração forte sabe também ser fiel, mantendo com constância as afeições legítimas e ordenadas que foram aceitas.

Regrado - Será o coração daquele que amar o belo e ligar-se ao bem. Há uns quantos amores que hão de ser cultivados no coração da criança. O amor à família (pai e mãe, irmãos e irmãs, avós, tios e tias, padrinhos e madrinhas e criados), o amor aos pobres, ao trabalho, ao dever , à pátria. Realmente, é vasta a tarefa para uma mãe de boa vontade!

Desinteressado - Isto é, livre de egoísmo. Deus, ao criar o coração, pôs nele a bondade. Mas o demônio nele insuflou o egoísmo. A criança sabe ser terrivelmente egoísta, nos passeios, nos brinquedos, à mesa, quando recolhe para si o melhor, deixando o resto para os outros.

Urge acostumar teu pequeno a repartir com os outros seus bombons, seus brinquedos,etc. Deves levá-lo a ver os doentes, aos quais ele fará um presentinho. A palavra "obrigado" será habitual na sua boca, quando receber serviços dos outros, mesmos dos criados.

Entusiasta - É o coração que tem chamas dentro de si. É por isso necessário que a criança comece a apaixonar-se por um fim mais elevado o que as necessidades de cada dia.

Neste ponto a religião, sobretudo a Eucaristia, é poderoso auxílio para as mães. À pureza do coração realizada pelos sacramentos, unem-se os convites do grande fascinador dos corações: Jesus Cristo. Outros são então os horizontes descortinados pelos olhos infantis. Outras igualmente lhes são as intuições e elevações da alma.

(As três chamas do lar, do Pe. Geraldo Pires de Souza)

PS: Grifos meus.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Refrigério para os olhos!



CATEDRAL DE ORVIETO

SACRE COUER

SAINTE CHAPELLE

SAINTE CHAPELLE

SAINTE CHAPELLE

CHARTRES

MONT SAINT MICHEL

As virtudes correlativas do Educador e do Educando - Parte IV

As virtudes correlativas do Educador e do Educando
Parte IV


O respeito

"É ímpio perante Deus
aquele que é irreverente para com seu pai"
(Tertuliano)

Como se divide esta segunda seção relativa ao respeito?
Em três capítulos:

- A natureza do respeito;
- A importância do respeito;
- O objeto do respeito.

Capítulo I - A natureza do respeito

Que é o respeito?
- "O respeito é alguma coisa mais que a estima, a deferência, a polidez e as atenções. Têm-se atenções para os iguais, deferência para os amigos, estima pelo mérito, delicadeza com toda a gente; o respeito ascende muito mais, e leva consigo a estima, a deferência, as atenções mais delicadas e, mais ainda, a consideração e a honra, a até alguma coisa superior.

- O respeito é a lembrança refletida e o religioso sentimento do que há de divino em si e nos outros. Não, o respeito por si e pelos outros não é outra coisa senão a consideração atenta daquilo que há de mais alto na dignidade humana, isto é, da imagem de Deus, da coisa divina em nós, e, além disso, o sentimento grave e íntimo o sentimento religioso, que esta recordação e esta luz inspiram." 
(Mgr. Dupanloup, Da Educação, t. II, p. 487.)

Que é, por exemplo, o respeito de si mesmo, "senão um olhar de admiração sobre si e de religiosa estima por uma dignidade interior e oculta"?(Mgr. Dupanloup)

Que é o respeito das leis, senão a consideração prática do que há de majestoso e de divino na expressão da vontade dos legisladores, para se tirar uma conclusão de religiosa docilidade? 

- "Se se quisesse definir o respeito, seria preciso denominá-lo: o sentimento dos valores; e, por conseguinte, o respeito é uma virtude intelectual que anda ligada ao juízo e o bom senso."
(F.Kieffer, ob. cit., p.340.)

O que há no fundo de todo o respeito?
Há Deus.

O verdadeiro respeito é divino; eleva-se até Deus e não se dirige senão a Ele. Distingue-se, por isso, e essencialmente, de todos os respeitos humanos, que rebaixam o espírito e aviltam o coração.

Quais são, para as crianças as formas do respeito?
- Há o respeito das maneiras:

"O respeito proíbe o desvio dos olhos, o atrevimento dos olhares, a rudeza dos gestos, as atitudes negligentes, as diligências precipitadas, as posições afetadas, os ares desdenhosos, em suma, tudo aquilo que denota a sem-cerimônia ou ao orgulho dum pobre mancebo (ou duma criança), que, pela sua afetação de independência, não faz senão depreciar-se, pretendendo elevar-se."
(Mgr. Baunard, Deus na escola, t. I, p.90)

2º - Há o respeito da linguagem.

a) Quando a criança fala dos seus superiores:

"O respeito não permite a lábios cristãos uma palavra, uma sílaba, uma alusão, uma insinuação, não digo caluniosa, não digo injuriosa, mas mesmo malévola, ou inconveniente, a respeito daquele, cujo caráter e pessoa devem ser sagrados, como a pessoa e a majestade de Deus."
(Mgr. Baunard, Deus na escola, t. I, p. 89)

b) Quando a criança fala aos seus superiores:

"O respeito não levanta a voz diante dum superior, de qualquer grau que seja; não o interrompe, não o contradiz, não fala senão quando é preciso, não diz senão o que deve dizer; fala-lhe com deferência, apressa-se a recolher a um silêncio discreto, como seu próprio domínio. Nada de vulgar, nada de familiar, nada de pretensioso, nada de peremptório, nada de inconsiderado, nem de leviano: mas uma conveniência perfeita no tom e nas palavras, sem excluir este bem-estar que não deixa esquecer que o senhor a quem nos dirigimos é ao mesmo tempo um pai." (Ibid.)

Capítulo II - A importância do respeito

"Uma criança que se educa é essencialmente um ser respeitoso ou não é nada, e fica abaixo de tudo."
(Mgr. Dupanloup, ob. cit. t.II, p. 524.)

Qual é, na educação, a importância do respeito assim compreendido?
"Há correlação essencial entre a idéia da autoridade e a do respeito, como entre a idéia do direito e do dever." (Ibid, p. 493)

O respeito completa a autoridade; é a aceitação dela no espírito, no coração e na vontade dos subordinados. E, se é verdadeira como devemos reconhecer, a afirmação de Mgr. Dupanloup: "Que se não educa sem ele e sem a criança o aceitar de boa vontade" (Ibid., ob.cit, t.III, p. 177) a autoridade não poderá produzir os seus frutos de educação, senão quando é aceita pelo respeito.

"O respeito é para todo o homem, e sobretudo para o jovem, a parte mais elevada da distinção. O mundo não estima nada tanto como os hábitos de deferência e comedimento; e aqueles que os têm, possuem por eles um encanto, que atrai todos os corações honestos. A Escritura lá diz: "Em troca do respeito, a boa graça vos será dada: Pro reverentia accedet tibi bona gratia; (Eccli XXXII,9)". Boa graça ou benevolência - a palavra pode significar uma e outra destas coisas - neste caso uma e outra são verdadeiras.

É em particular a bondade e o encanto imortal da infância e da adolescência, e a Escritura, compara-o a um colar, que junta o seu adorno ao desta idade, bela como a Primavera. É além disso, um tesouro para toda a vossa carreira. Tudo aquilo que um jovem respeitoso dispensa em deferência, ser-lhe-á retribuído em confiança. Quer-se honrar aquele que sabe honrar os outros, e tem-se gosto em corresponder às penhorantes provas de delicadeza e respeito. Àquele de quem se recebem, concebem, concede-se-lhe por unanimidade o título de homem bem educado, que é um dos melhores passaportes para a viagem da vida."
(Mgr. Baunard, Deus na escola, t. I, p. 91-92.)

Esta importância do respeito é suficientemente compreendida?
Há oitenta anos Royer-Collard dizia na Assembléia dos Representantes:

"Dizem que o respeito está morto: nada me aflige, nem entristece mais, porque o respeito é o que eu mais estimo. Mas quem se tem respeitado desde há cinquenta anos?"

Se assim fosse "seria preciso esconder o rosto nas mãos e desesperar do futuro" (Mgr. Dupanloup). Mas não, isto não se dá nem dará enquanto a Igreja, "esta grande escola de respeito" como a chamava o protestante Guizot, puder fazer ouvir a sua voz e exercer a sua ação.

Se é possível dizer-se que o respeito não foi extinto, não é justo afirmar que foi seriamente atingido?
Sim.
Villemain escreveu:

"Uma ngua é a forma aparente e visível do espírito dum povo. Há sempre uma relação profunda, ainda que muitas vezes obscura e aparentemente apagada, entre as palavras e as idéias, entre as idéias e o estado social dum povo."

Se esta reflexão é justa, que se deve julgar do nome de pensão, pela qual se designam correntemente certas casas de educação? Uma pensão é o dinheiro que se dá para alojamento e alimentação; ou ainda: a casa onde se dá cama e comida, mediante um certo preço.

Qual é, pois, o estado da alma dum povo que dá ao lugar onde se recebe e onde se paga a alimentação do corpo o mesmo nome que confere à casa onde se educam as almas?

Esta confusão só pode ser nociva ao respeito que se deve àqueles que se ocupam da formação e da educação.

A criança é, em particular, facilmente respeitosa?
"Esta idade é sem piedade", disse La Fontaine. Pode acrescentar-se que é sem respeito. E a razão é sempre a mesma. Se a criança é sem piedade, é porque não sabe o mal que faz. Se a criança é sem respeito, é porque não tem a "lembrança refletida e o religioso sentimento do divino" (Mgr. Dupanloup); é porque não tem o "sentido dos valores" (Kieffer, Da autoridade, p. 841).

(Catecismo da educação, do Abade René de Bethléem, continua com o post: O objeto do respeito)

PS: Grifos meus.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A festa do Corpo de Deus

A festa do Corpo de Deus
(São Pedro Julião Eymard)


"Haec est dies quam fecit Dominus."
"Eis o dia que fez o Senhor" (Sl 117,24)

Todos os dias provêm de Deus e devem à Sua Bondade sucederem-se com tão admirável regularidade. Todavia, se, entre sete, Deus dá seis aos homens, para seus trabalhos e suas necessidades, reserva-se um para Si. O domingo é, portanto, de modo especial, o Dia do Senhor. Mas, entre todos, há um que é sobremodo o dia de Deus, - chamado - Corpus Christi, dia em que na verdade, o Senhor reservou para Si, para Sua glória e para manifestar Seu Amor. E quão belo é o nome! Dia festivo para Deus e também para nós. Vejamos agora por quê.

I - A festa de Corpus Christi, designada pela Igreja festa do Corpo Sagrado de Jesus Cristo, Festum sacratissimi Corporis Christi, é o único dia que é consagrado a honrar tão-somente Sua adorável Pessoa, Sua Presença viva por entre nós. As outras festas, belas e fecundas em graças, honrando a Deus, celebram algum Mistério de Sua vida passada.

São no entanto, mera lembrança, o aniversário de um passado remoto que só revive na nossa piedade. O Salvador não se encontra mais nesses Mistérios. Seu dia veio, mas passou e hoje só Sua graça neles permanece. Aqui, trata-se de um Mistério atual. A festa dirigi-se à Pessoa de Nosso Senhor, vivo e presente entre nós, e por isso celebra-se de modo particular.

Não se expõem nesse dia relíquias, ou emblemas do tempos idos, mas o próprio objeto da festa, que é um objeto vivo. Vede como o povo, nos países onde Deus goza de liberdade, proclama Sua Presença e prostra-se à Sua passagem, enquanto os mesmos ímpios, tementes, inclinam-se. Deus aí está! Quão gloriosa é para a presença de Nosso Senhor esta festa em que todos O reconhecem e adoram!

II - É também a mais deliciosa das festas. Não nos foi dado assistir aos Mistérios da Vida e da Morte do Salvador que celebramos no correr do ano, embora nos alegremos pelas muitas graças que recebemos. Mas aqui participamos do Mistério - Mistério todo nosso - que se realiza sob nossos olhos. Existe entre Jesus vivendo no Sacramento e nós no mundo, uma relação de Vida, uma relação de Corpo a corpo. É porque esta festa não se chama simplesmente a festa de Nosso Senhor, mas a Festa do Corpo de Nosso Senhor. Por esse Corpo, n'Ele tocamos. Por esse Corpo tornou-se nosso alimento, nosso irmão, nosso hóspede.

Festa do Corpo de Jesus Cristo! Quanto amor envolve tal nome, por ser humilde e proporcionado à nossa miséria. Nosso Senhor desejou essa festa para Se aproximar cada vez mais de nós. Não deseja o pai ver o filho celebrar-lhe o aniversário, por lhe dar ocasião de provar com maior vivacidade seu amor paternal e lhe poder conceder algum favor particular?

Seja esta festa toda de alegria e ser-nos-ão concedidos insignes favores. Os hinos e cânticos desta solenidade exprimem a idéia de que Nosso Senhor se mostrará neste dia mais favorável que noutro qualquer.

Por que não celebra a Igreja a Festa do Corpo de Deus na Quinta-feira Maior, dia da Instituição da Eucaristia? Porque nesse dia, todo de luto, em que se inicia Sua Paixão, não teria podido celebrar Sua alegria de modo condizente. Impossível lhe é regozijar-se ao meditar na Morte, pensamento que domina os magnos dias da Semana Santa.

A Festa do Corpo de Deus foi igualmente adiada para depois da Ascenção pelas tristes despedidas que restavam ainda fazer, pela dolorosa separação a consumar, e para depois do Pentecostes, para que, cheios das graças e do júbilo do Espírito Santo, possamos celebrar, com toda a pompa, a festa do Esposo divino que habita por entre nós.

III - A Festa do Corpo de Deus é a maior festa da Igreja, esposa de Nosso Senhor glorioso e ressuscitado, e não de Jesus Cristo nascendo ou morrendo. Ao se realizarem esses Mistérios, ela não existia ainda. É natural que deseje seguir ao divino Esposo no Presépio e nos sofrimentos porém desses Mistérios guarda apenas a lembrança e as graças.

Mas Jesus Cristo, vivendo no Santíssimo Sacramento, permanece com Sua Igreja. Julga-a viúva quem nunca penetrou em sua morada considerando-a como um cadáver, a seus templos como um local onde só se cogita de morte e sofrimento. Ora, eis que hoje, mesmo quem não assiste às suas solenidades, a verá rica e bela, de uma beleza natural, realçada pela Presença de Deus, seu Esposo. Quão rico é o cortejo que desfila ante os fiéis prostrados, enquanto a Igreja mostra a todos seu Esposo no Ostensório resplandecente!

Ah! quem a chamará de viúva nesse dia? Ao adorarem, seus amigos, tremem seus inimigos! Jesus patenteia-se a todos, abençoa os bons, fita com olhar compassivo os pecadores, chama-os e atrai-os a si. O Concílio de Trento, referindo-se a esta festa di-la o triunfo da Fé. Ah! na verdade assim é. Mas é também o triunfo da Igreja, por Seu divino Esposo.

IV - Esta festa, finalmente, pertence-nos a nós, adoradores que somos do Augusto Sacramento. A Sociedade do Santíssimo Sacramento, em seus diversos ramos, só existe para celebrar continuamente, em louvor a Jesus Cristo, a Festa do Corpo de Deus. Prolongá-la por todo o ano, eis a lei da nossa vida, da nossa felicidade. Deixaremos aos demais filhos da Igreja administrar os Sacramentos, cuidar dos pobres, sarar as chagas físicas e morais da miséria humana. A nós cabe perpetuar a Festa do Corpo de Deus.

É portanto, para nós seus religioso, a nossa festa. É também, meus irmãos, vossa festa, pois não vos dedicastes inteiramente ao serviço do Santíssimo Sacramento? À noite, assim o querem as conveniência, vós vos retirais, deixando-Vos, depositais o coração aos pés do divino Rei, o que nos permite dizer que toda vossa vida se passa aqui. E não celebrais na verdade, ao comungardes, em vosso coração a Festa do Corpo de Deus?

Ah! conheceis a alegria, a felicidade que traz consigo Jesus. Ousarei dizer, que, para as almas que sabem comungar, existe apenas uma festa: a Comunhão, onde encontram o autor e o objeto de todos os Mistérios, Aquele em cuja honra são celebrados. Aos outros, isto é, a maior parte dos cristãos, só lhes é dada uma vaga lembrança.

Digo mais: se Nosso Senhor não vivesse no Seu Sacramento, todas as festas cristãs seriam funerais renovados. Mas a Eucaristia, o sol das festas da Igreja, iluminado-os, vivifica e alegra-os.

A alma que sabe comungar, e o faz com freqüência, é mui justamente apelidada juge convivium, festim perpétuo. Quem vive com Jesus em si, de Jesus e por Jesus, é um tabernáculo, um precioso cibório. Ah! quão grande será a alegria dessas almas, alegria toda pura e inalterável!

Coragem! Sabei distinguir tais dias de outro qualquer. Nosso Senhor instituiu dias de realeza e hoje celebramos um deles. Ao rei compete distribuir suas riquezas. Tributai-Lhe vossas homenagens e em troca Ele tudo vos dará. Dar-se-á a Si mesmo com maior efusão de graças.

Sabendo fazer distinções entre amigos, sabe quem há de conceder maiores favores. O que desejo e ambiciono para vós neste belo dia, não é tornar-vos santos, carregados de virtudes magníficas e extraordinárias - e tal jamais conseguireis? - , mas sim de gozar de grande felicidade no serviço de Deus, e que Nosso Senhor Se comunique a vós de modo mais terno e afetuoso. Sentindo-vos mais amados, dar-vos-eis mais inteiramente.

Desses dois amores resultará a união perfeita, em que consiste toda a santidade e perfeição. Pedi com confiança, certos de alcançá-la. Dai integralmente vosso coração. Jesus é um terno pai: sede vós filhos dedicados. É um amigo fiel: provai quão suave é Seu Amor.

Ah! tremo pela salvação de quem nunca gozou da Bondade de Deus. Penetrai nessa imensa Bondade: "Sentite de Domine in bonitate!"

(A Divina Eucaristia - Volume I - São Pedro Julião Eymard)

PS: Grifos meus.

XIII. A CRUZ: AS MULHERES QUE CHORAM

XIII. A CRUZ: AS MULHERES QUE CHORAM


 
Jesus chega penosamente à porta Judiciária. Atualmente é um vão de paredes muito espessas que expande, nas sombras dessa espessura, a sua ogiva esbelta. Do outro lado, são as ruas sinuosas e movimentadas dos bazares.

No tempo de Jesus, a porta dava para as valas que margeavam as muralhas e para a planície rochosa onde se erguia o Calvário. De ordinário o cortejo parava nessa porta; a multidão apinhava-se formigante e curiosa, e lia-se uma última vez a sentença ao condenado. Quando Jesus desembocou na plena luz da planície, tendo à esquerda, não longe, o sinistro perfil do Calvário, ergueu os olhos e viu todas as caras hostis da plebe. Comprime-se esta, acotovela-se, quer ouvir, sobretudo quer ver o rosto e as impressões do condenado.

Todos os olhares fixam-se com efeito no Cristo: analiza-se-Lhe a palidez, o terror; há uma curiosidade malsã da multidão que a si própria se convida para o espetáculo do último suspiro de um condenado. É o que os Atos dos Apóstolos chamarão, a propósito de São Pedro, de expectatio plebis: essa espera cruel de todo o povo ante o qual, como em derradeira cena, se produz, se exibe a Vítima.

“Este – clama em voz alta o arauto – é Jesus de Nazaré, agitador e sedutor do povo, e que se disse Rei dos Judeus. Seus compatriotas, os sacerdotes e os anciãos, entregaram-nO à justiça para ser crucificado. Ide, lictores, e preparai a cruz”.

Ela está pronta, esmaga já os ombros do paciente. A multidão esbraveja. Jesus vê tudo e ouve tudo.

Entretanto o cortejo se põe novamente em marcha e dobra à esquerda. Alguns passos mais, e é a suprema subida de onde já se não torna a descer. Nesse momento, inopinadamente, Jesus fraqueja: será a comoção nova da sentença, o horror natural da morte, o peso da Cruz que durante a simples parada da leitura pesou mais esmagadoramente nos ombros curvados? Cai Ele humilhantemente, e desta vez o levantar é mais custoso.

Já não há Simão Cirineu! A grande multidão que O cerca sente-se burlada: contava com uma exibição, e vê só um infeliz que treme e desfalece a cada passo; murmura então.

As mulheres são mais compassivas. No ponto em que a estrada dobra para o Calvário, agruparam-se elas, grupo comovido e que se lamenta. Jesus percebe o som sincero dos corações partidos, através das blasfêmias de todo um mundo: pára. Ele que nada disse a Sua Mãe, nada a Simão, nada a Verônica, tem uma palavras de consolação para aquela piedosa simpatia: “Não choreis por Mim, diz com voz sumida, chorai antes por vós: dia virá em que direis: Felizes nós se não houvéramos gerado. Está próximo esse dia, porque se deste modo se trata a lenha verde, pergunto-vos Eu, que se fará da lenha seca?” (Lc 23, 31).

Os soldados deixaram-nO dizer: porque Jesus queria falar, Ele é o Mestre quando cumpre o que seja.

Assim, quem é para lastimar não é o Messias amesquinhado, desfeito e agonizante, segundo foi escrito e decidido, Filius Hominis vadit, o Filho do Homem vai: ai, porém, daqueles que atraiçoam e abandonam o Cristo a morrer por nós.

Deus orienta assim com uma palavra a piedade dos homens. Deve ela ir não às vítimas, porém aos algozes; não aos perseguidos, mas aos perseguidores; não aos que sobem o Calvário, mas aos que os fazem subi-lo. São os grandes miseráveis porque, se Deus permite que assim se trate a lenha verde, a que tem a seiva da Graça, que produz frutos e que gera os Seus eleitos, que se vai fazer de vós, opressores dos justos, mortos à Graça, lenha seca e sem vida? Em verdade, Eu vo-lo digo, vós prestais é para o fogo eterno. Lenha seca e eternamente árida, haveis de ser o pasto eterno de um fogo lento, vingador e divino, que arderá enquanto tiver um alimento... Ora, vós sois imortais!

Esta palavra do Cristo consola todas as opressões deste mundo. Delas está o mundo cheio, e Deus se cala.

Este silêncio de Deus deveria amedrontar os opressores: virá uma hora em que essa palha seca fugirá louca diante da cólera divina, e esta cólera lhe há de apanhar a menor felpa, ainda que se fosse esconder no fim do mundo.

Que é a grandeza do mundo diante do poder de Deus? Esses pecadores ambiciosos que quiseram encher este mundo, quando viviam, hão de mendigar então – e com que angústia – um buraco nas montanhas para se esconderem: e não o hão de ter.

Assim, até nos últimos abaixamentos Jesus deixa escapar os clarões longínquos da Sua Justiça derradeira.
Vereis o Filho do Homem, mais tarde, em todo o esplendor de Sua Majestade, dissera Ele perante o Tribunal. No momento de galgar o Calvário, diz com mais tristeza e não menos autoridade: “Então eles hão de clamar: Montanhas, cai sobre nós. Porque se deste modo se trata a lenha verde, que se fará com a lenha seca?...”

O lado do Calvário que olha para Jerusalém é muito abrupto. O cortejo teve pois que contornar à direita a rocha escarpada, onde a rampa era mais suave.

O esforço que fizera Jesus para falar às filhas de Jerusalém esgotara-Lhe o resto de forças e, no momento de galgar o outeiro, uma terceira, uma última vez Ele cai de rosto no chão.

Evidente se fazia que quase já só arrastavam um cadáver. Era de recear que talvez Ele não tivesse sequer alento bastante para chegar ao cimo, deitar-se na Cruz e sentir os cravos enfiarem-se-Lhe brutalmente na carne morta. A todo custo, cumpria que fosse alçado vivo na Cruz.

O texto sagrado deixa-nos adivinhar que os soldados tiveram que amparar, quase que carregar a Vítima até em cima. Era o último instrumento de suplício, antes da crucifixão. Vivamente o sentiu Jesus; sentiram-no também os que O cercavam e por isto ainda mais o devem ter desprezado, pois acham que Ele não é corajoso. [Voluntariamente] não tem aquela energia, aquele arrojo que concederá mais tarde aos Seus Mártires.

Vai ao suplício a tremer, e esta aparência ou realidade de delíquio são tanto mais humilhantes quanto Ele se disse o Messias, o Filho de Deus, aquele que existia “antes que Abraão fosse...”, o restaurador de Israel, o filho de David!

Que amarga irrisão! Como todas estas coisas devem acudir ao pensamento dos espectadores! ‘Nós esperávamos, dirão os discípulos de Emaús, nós esperávamos nEle: sim, ontem, porém hoje! Que fim lastimável! Que mísero epílogo àquela vida estranha, semeada toda de milagres e prodígios! Se era assim que Ele devia acabar, era oportuno erigir-se em fundador de uma religião nova? Que crédito conferir a um homem que, depois de ter avançado tanto, morre frouxamente e sem brilho?’

Este caráter da Paixão é inteiramente divino e reservado. Só o comunica Jesus a mui raros e mui fiéis amigos, aos que já não sabem o que seja a glória deles, mas só vêem a de Deus.

A humilhação do sofrimento, a fraqueza, o abatimento dos últimos instantes, não ser e não parecer vigoroso no suplício a fim de que os homens, tão desejosos de honras, nos desprezem um pouco mais ainda! Em verdade, em verdade, que aquele só a quem tal seja dado o compreenda se puder, e o ame ardentemente.

Qui potest capere, capiat.

Se o cálice me for posto aos lábios, ó Jesus, e os lábios me tremerem; se essa Cruz me for posta nos braços e os meus braços penderem; se essa amargura me for vertida no coração e o coração a deixar vasar como dum vaso partido e sem preço, eu bendirei, no segredo desse coração desprezado de todos, a adorável bondade que terá me feito unir-me ainda mais a Vós na ríspida subida do Calvário. Assim seja.

+ + +
(“A subida do Calvário”, do Pe. Louis Peroy, SJ)

PS: Recebido por e-mail, mantenho os grifos.

XII. A CRUZ: VERÔNICA

XII. A CRUZ: VERÔNICA


A rua que sobe à porta Judiciária é estreita, íngreme, uma espécie de escada de degraus e declives escorregadios. Em certos pontos, muito era (a julgar pelo que ela é hoje) se se podiam manter três ou quatro pessoas de frente.

À esquerda, na soleira da porta, estacionava uma mulher, ansiosa por ver Jesus.

Avistou-O no meio dos soldados: solta um grito de angústia; não mais é Ele. Aquela Face tão meiga que ela admirara outrora, fascinada como tantos outros pelo brilho que Lhe irradiava em torno, já não passa de uma máscara terrosa, onde os traços se afundam numa camada mista de Sangue e suor; estrias de pó cavam-se-Lhe no rosto; cusparadas escorrem e se embaraçam nos cabelos e pelo meio da barba; e depois, há naquele ser informe tal expressão de languidez, de vergonha, de delíquio, a fisionomia a um tempo apavorada do homem que vai morrer e resignada do que sabe que não pode escapar à morte!

Ela não resiste mais, despega o véu que lhe cobre a cabeça, e antes mesmo que a sua idéia tenha podido defender-se da menor objeção, atira-se para a frente. Estende a Jesus o véu, ela própria quase lho aplica ao rosto.

O bom Mestre, que tem livres ambas as mãos, pois já não sopesam a Cruz, enxuga por alguns instantes a Face profanada.

Mas já os soldados empurraram a mulher: repelem-na violentamente para a soleira da sua porta entreaberta, a escolta brada, Simão Cirineu resmunga. Esse minuto de atraso e de alívio é pago caro: afligem mais duramente a Jesus. Se assim aproveita Ele – pensam – o repouso que Lhe concedem aliviando-O do peso, é muito simples impedir as sensibilidades de que é objeto: e brutalmente tornam a pôr nos ombros do condenado a Sua pesada Cruz. Jesus consente, sem dizer palavra.

A mulher piedosa entra toda trêmula para casa. Simão de Cirene retoma a seu cesto e a sua ferramenta e o seu caminho para a cidade. Sente-se aliviado, só vendo no incidente a feliz circunstância que o desvencilhou do peso incômodo e vergonhoso da Cruz. Não compreendeu a honra imensa que lhe foi feita.

Compreendê-lo-á mais tarde. Mais tarde!... Depois!... Com o tempo!... Com a reflexão!...

Há coisas que só se compreendem na volta. Tais as nossas cruzes e as nossas provações.

Oh! Como nos sentiremos ufanos, santamente ufanos, mais tarde, de havermos carregado a Cruz rastejante do Mestre que há de julgar o mundo inteiro à sombra gigantesca e radiosa dessa Cruz! Como nos sentiremos felizes de juntar-lhe uma parcela da nossa, para torná-la maior ainda! Com que regozijo apresentaremos ao Filho do Homem os ombros machucados por essa Cruz, fazendo como Ele que ostentará aos olhos de todos os pés e mãos traspassadas!

Simão Cirineu entrou no drama da Paixão, nele figura com o seu nome, com o de seus dois filhos ainda por cima, porque carregou por alguns instantes a Cruz... resmungando! Se Deus dá semelhante glória e tal segurança de salvação a quem O segue constrangido e recalcitrante, que não fará por aquele que abraçar com amor as cruzes quotidianas que lhe forem oferecidas!

O Crux, ave, spes unica! Ave, ó Cruz, única esperança!

Cruz santa, cruz bendita, minha cruz de cada dia, és a minha esperança de salvação e predestinação!

E nesse entretanto a mulher piedosa, Verônica, recolheu-se à sua morada, pousou o véu todo manchado em cima de uma mesa, mal se atreve a olhá-lo: ouve ainda passar tumultuosa à porta a multidão compacta que vocifera, subindo, os seus brados de morte. Então não se pode conter no lugar, sai de novo, mistura-se ao sinistro cortejo. Aquele semblante do Senhor ficou-lhe nos olhos, no coração; quer vê-lO ainda, como Pedro na noite precedente, ao menos para entrever ainda uma vez aquela Face que ela enxugou. Assim, a palidez e o horror daquele semblante fascinam-na agora tanto quanto o faziam dantes a doçura e o brilho do Filho do Homem.

Só a Deus pertence o atrair-nos pelos Seus opróbrios, bem mais ainda, o induzir-nos a reproduzirmos em nós os traços do Seu semblante desfigurado, quando menos a nos alegrarmos se essa divina semelhança nos cabe em partilha.

E efetivamente essa Face do Cristo, dolorosa, Face de condenado, Face lívida e sangrenta, Face incessantemente ultrajada e enxugada, é a verdadeira face dos eleitos.

Quantos semblantes avançam assim radiantes de esquecimentos e de desprezos! Sejam quais forem as nossas culpas, quaisquer que tenham sido as nossas quedas, se tivermos esse semblante Jesus reconhecerá a Sua semelhança. Já estávamos salvos pela dor e pelo desdouro da Sua Face; salvos seremos ainda pelas contusões de que cobrirmos a nossa.

O mundo é louco, loucos são os homens; verdadeiro sábio é aquele que padece os mesmos padecimentos que o Cristo.

Espera, ó pobre eleito chasqueado e escarnecido, o fulgor do teu rosto há de cegar mais tarde aos que te cospem à face.

Ibant gaudentes, quoniam digni habiti sunt... contumeliam pati (At 5, 41). É o caminhar vagaroso, nobre e triunfante de todos os Mártires: eles vão felizes, porque são oprimidos e desonrados por amor do Cristo.

O mundo está cheio de Mártires! diz São Gregório Magno. Fazem-nos os homens, fa-los ainda mais o demônio. Todos quantos, por qualquer tentação, padecem violência no coração, no pensamento, na memória, no corpo e na alma: Mártires do Cristo, semblantes de eleitos!

No local do encontro de Jesus com Verônica, desce-se a uma espécie de cripta, cavada e construída no lugar mesmo onde se abria a casa da piedosa mulher.

Ali, na sombra, que rasgam de onde em onde alguns clarões de círios e lâmpadas, ergue-se a um canto um grupo grosseiramente esculpido. O Cristo com a Sua veste vermelha, com a Cruz pesada ao ombro, e em frente Verônica. Todos os fiéis se aproximam do grupo de joelhos: eu ali vi mulheres cobrirem de beijos os braços, as mãos, a Cruz do Cristo. Outras tomavam da coroa de espinhos e punham-na na própria cabeça ou na dos filhos.

Homem algum suscitou jamais através dos séculos semelhante entusiasmo. Que estátua a gente ainda beija após dois mil anos com tanto amor?

Só esse é Deus, esse a quem se beijam assim as Chagas, a Coroa de Espinhos, os cravos e o lado perfurado.

(“A subida do Calvário”, do Pe. Louis Peroy, SJ)

PS: Recebido por e-mail, mantenho os grifos.

XI- A CRUZ: SIMÃO DE CIRENE

XI- A CRUZ: SIMÃO DE CIRENE


A partir do momento em que Jesus se encontra com Sua Mãe, faz-se-Lhe no Coração um rasgão tão profundo, que as águas acerbas da Paixão nEle se precipitam e o inundam de todas as partes. Inundaverunt aquae super caput meum; dixi: perii. Invocavi nomen tuum, Domine, de lacu novíssimo!” (Lam 3, 54-55).

Sim, a ferida que Lhe fez aquela vista de Sua Mãe, aquela impossibilidade de se aproximar dEla: é bem esse abismo novo, último, sem fundo, inexplorado, de lacu novíssimo, em que o Filho do Homem se debate, com a Alma agitada, transtornada, retomando a Sua marcha e a Sua Cruz rastejante pela via do Tyropeon. É uma dessas etapas que, uma vez transpostas, nos rechaçam mais que nunca para o irreparável e para o absoluto das últimas desgraças. Assim, a vista do ente caro por excelência foi o instrumento de suplício mais penetrante da Paixão: só os que experimentaram a picada de uma dor semelhante é que poderão compreender esta ferida nova.

O Calvário avizinhou-se pois: a subida vai realmente começar para Jesus a partir do ponto em que Ele se encontrou com Sua Mãe. Agora só a verá Ele de longe, quando O crucificarem, e de perto, ao pé da Cruz, para se separar dEla.

À direita da via do Tyropeon, alguns passos mais além do lugar, quase no ponto a tradição situa a casa do mau rico, uma viela sobe, estreita, íngreme e pedregosa, até a saída da cidade pela porta Judiciária.
Os corpos dos animais cujo sangue era derramado em sacrifício pelos pecados do povo eram levados para fora da muralha. É pela mesma razão, diz-nos São Paulo, que Jesus, qual cordeiro languido mas sem queixa, caminha para a porta, para fora das muralhas. Saiamos também nós após Ele, para fora das fortificações, carregando a cruz infamante aos olhos dos homens.

Exeamos igitur ad eum extra castra, improperium ejus portantes (Hebr 13, 14).

Três acontecimentos assinalam esta suprema subida do Calvário: o encontro com Simão de Cirene, o encontro com Verônica, e a parada de Jesus por alguns instantes diante do grupo de mulheres que choram e se lamentam.

No momento de enveredar pela viela da direita, que sobe e se estende para o alto por entre as sombrias muralhas das casas, Jesus parece tão desfalecido que os que O cercam se perguntam se Ele poderá chegar ao termo. No cortejo ninguém O quer ajudar. Carregar a Cruz a um condenado é uma vergonha: Improperium ejus portantes.

Procurei alguém em torno de Mim para me prestar socorro, e não achei”.

Os soldados não vieram para essa tarefa; a multidão se recusa; e durante esse tempo os diálogos apressados e tumultuosos que se travam a respeito, Jesus fraqueia e cada vez mais.

Quando carregarmos a Cruz, a verdadeira, estaremos quase a sós. Os nossos amigos, os melhores, estranharão sermos tão pouco vigorosos, não nos perdoarão parecermos fracos e termos necessidade de socorro; as nossas lentidões serão covardias, as agonias inépcias ou sensibilidades exaltadas. O mundo quer ostentação até na morte daqueles que ele leva ao suplício.

Ó Jesus, como a Vossa fraqueza me conforta! Caniço recurvado e já calcado aos pés, é a Vós que eu me abordôo, como a uma vara e a um firme bordão: Virga tua et baculus tuus, ipsa me consolata sunt” (Sl 22, 4).

Foi nesse momento crítico que um homem que regressava do campo e que carregava sem dúvida o seu cesto e os seus instrumentos de trabalho, descia da porta Judiciária até a via do Tyropeon. Topou com o cortejo lúgubre. À vista daquele campônio, pelos modos do ofício – homem recrutável e bom para qualquer requisição – os soldados param: quase se faz mister a violência, o rústico não quer, tem seus afazeres; parlamenta-se, “será só para a subida; até o Calvário, no mínimo até o alto da rua tortuosa...” Angariaverunt. Em suma, forçam-no, compelem-no.

Jesus tudo viu, tudo ouviu, regateiam-Lhe aquele socorro. Recusam-se a carregar-Lhe o fardo, improperium, porque é uma vergonha.

Enquanto isso o Cristo larga a Sua Cruz; vai adiante agora, exausto, de braços caídos, sempre na frente, e atrás Simão Cirineu arrasta reclamando a Cruz de Jesus.

Existem ainda Simões Cirineus. Eu sou um. Eu carrego, arrasto constrangido a Cruz de Jesus. Queixo-me, reclamo, quase que é preciso a violência das circunstâncias ou o temor de um mal maior para me fazer suportar o jugo.

E Jesus vai na minha frente, não se volta, caminha.

“Aquele que não carrega a sua cruz todos os dias, após mim, não é digno de ser meu discípulo”.

Deste modo, faz-se mister uma cruz; uma todos os dias, uma que nos repugne, uma que nos humilhe aos olhos do cortejo, na subida do Calvário.

Ó luz sobre o meu sofrimento! Ó alegria nas minhas humilhações! Serenidade nas minhas quedas! Assim a minha repugnância é a marca autêntica de que eu tenho a verdadeira cruz, e quanto mais eu a arrastar com dor, tanto mais será a do Cristo Jesus que vai adiante. “Ó boa Cruz, exclamava extático Santo André [em seu martírio], Cruz longo tempo desejada e procurada!”

Esta é a Cruz privilegiada, a Cruz benigna, é a Cruz dos Mártires, à qual por grande bondade tira Deus a rude e oprobriosa asperidade: se assim m’a dais Vós, Jesus, obrigado. Porém, se me dais a de Simão Cirineu, a Vossa, a Cruz humilhante, que nos rebaixa, que nos pesa e que arrastamos forçados, quase a nos queixarmos... Ó vera Crux! Ó verdadeira Cruz do Calvário! Obrigado cem vezes mais ainda!...

ORAÇÃO DE UMA ALMA QUE ARRASTA A SUA CRUZ:

Vontade de meu Deus, quão me sois amarga hoje!

A cruz que eu mais temia é a que tenho de carregar: a cruz sem humilhação é uma cruz incompleta.
Vinde completar a minha, ó meu Deus, e nada faltará para me crucificar e imolar.

Pode a morte destruir-me mais ainda, e a morte valêra talvez mais para mim do que a vida: mas Vós quereis que eu viva para sofrer e também para Vos amar; eu Vos amo, pois, ó meu Deus, gemendo, porém submetendo-me.

Dentro de alguns anos (o tempo é curto), eu já aqui não estarei, baixando os olhos sob as vistas desprezadoras e sob as palavras mordazes: estarei sob os olhares dos Anjos e dos Santos, bendizendo os momentos dolorosos que terão me valido a alegria do Paraíso.
Ó, sim, meu Deus, por tudo sede bendito e agradecido eternamente. Amém.

(“A subida do Calvário”, do Pe. Louis Peroy, SJ)

PS: Recebido por e-mail, mantenho os grifos.

terça-feira, 1 de junho de 2010

As virtudes correlativas do Educador e do Educando - Parte III

As virtudes correlativas do Educador e do Educando
Parte III


Os meios imediatos

Quais são os meios imediatos de adquirir e de conservar a autoridade?
São seis os princípios:

- É preciso falar pouco.
2º - É preciso usar de autoridade com discrição.
- É preciso ser claro.
- É preciso tomar a sério o que se diz.
- É preciso exigir uma obediência imediata.
- É preciso manter a firmeza até ao fim.

1º - É preciso falar pouco

Qual o sentido desta fórmula: é preciso falar pouco?
É preciso intervir raramente.

Seria, com efeito, desastroso, não permitir e não deixar passar nada. Alguns pais falam sem descanso, tanto para mandar, como para proibir ou para aconselhar:

- Pedro, tem cuidado, não caias.
- Olha bem.
- Olha para a frente.
- Não vás tão depressa.
- Aí vem um carro.
Etc.

A criança acaba por não prestar atenção às recomendações que se lhe fazem. Os próprios pais não ligam importância ao que dizem, e, quando querem fazer valer a sua autoridade, compreendem que esta está irremediavelmente perdida.

2º - É preciso usar da autoridade com discrição

"Todo o excesso é um erro. Eis uma afirmação que se faz a cada passo, e cujo sentido nunca se põe em prática." (La Fontaine)

Que é preciso fazer para praticar a discrição no exercício da autoridade?
- É preciso que a autoridade intervenha raras vezes.

"É preciso mandar poucas vezes, mas formalmente, a fim de deixar à criança, sem risco para ela, e sem perigo para a autoridade dos pais, o maximum de liberdade possível. Afrouxam-se as rédeas ao cavalo, quando se sabe que se pode segurar a tempo, ao passar ao longo dos precipícios do caminho; não se tem constantemente preso, nem sob a ameaça do látego, o cão fiel, acostumado a obedecer à voz do dono."
(F.Nicolay, ob cit., p.142)

- É preciso não empregar a autoridade senão com conhecimento de causa: Quer dizer em casos que valha a pena, e em ordens cuja sensatez e oportunidade sejam indiscutíveis.

É uma situação lamentável, difícil e, geralmente, sem uma saída honrosa, a de alguns pais obrigados, pela sua imprudência, a recuar, se querem ser razoáveis, ou a deixarem-se comprometer gravemente por bagatelas ou erros, se querem salvaguardar a sua autoridade.

3º - É preciso ser claro

Em que sentido se deve tomar esta recomendação?
Em dois sentidos diferentes:

- Quando se ordena, é de toda a necessidade que se saiba claramente o que se quer.

- Quando se ordena, é indispensável exprimir a sua vontade em termos claros, que se prestem a nenhum equívoco, nem a nenhum erro de interpretação. Temos muitas vezes notado que num dado grupo de crianças a obediência não é pronta e rigorosa, por que as ordens não foram claras: não tinham compreendido.

4º - É preciso tomar a sério aquilo que se diz

Há, então, pais que não tomam a sério aquilo que dizem?
Pode ser que o tomem a sério, mas um certo número deles não o parece.

Ordenam e ameaçam por forma que nem eles mesmos, nem, com mais razão as crianças, prestam atenção às ordens dadas; e assim não ligam importância nem ao que lhe dizem, nem ao que lhes prometem, nem os castigos com que os ameaçam.

Falam com aquele tom de indiferença que se toma quando se encontra alguém, para se cumprimentar:
"Como tem passado"? Pensa-se tão pouco no que se diz que, se a pessoa cumprimentada desta maneira tivesse estado doente, julgar-se-ia uma falta de delicadeza não se ter perguntado pela sua saúde.

5º - É preciso exigir uma obediência imediata

Que se deve pensar da obediência demorada?
A obediência que obriga a repetir duas vezes uma ordem recebida, já não é obediência; não deve ser considerada como tal: deve ser tratada como uma desobediência.

Quantos pais, entretanto, se resignam a repetir duas vezes, três vezes e mais, as ordens que dão a seus filhos. E, acompanhando essas repetições com as palavras "imediatamente" e "depressa", não notam, ou não querem notar, que estão em contradição consigo próprios, e que perdem as palavras.

É verdade que há nisso vantagem: pois que, sendo a obediência à quinta intimação, por exemplo, segundo o modo de ver do pai ou da mãe, ainda uma obediência imediata, não há motivo para castigo, pode ter-se a ilusão dum triunfo. Mas não é mais que uma ilusão: na realidade, à obediência falta uma qualidade essencial: a prontidão.

Tiago é mal mandado e choraminga constantemente. A mãe agastada: "Se não te calas num minuto, comerás sobremesa no prato de sopa!"(É o castigo que Tiago mais teme). E agora ainda mais. "Não me ouviste? - Sim mas sei bem quanto é um minuto, e que posso chorar ainda mais um bocado"...

Este ligeiro exemplo, absolutamente autêntico, demonstra que as crianças abusam até ao extremo da fraqueza do pai e da mãe.

Que outro incoveniente da obediência que discute?
É mais defeituosa ainda que a obediência demorada. É o vício capital da educação sentimental, de que já falamos:

- Luís, leva a tua capa.
- Não vale a pena, mamãe.
- Olha: o céu está a enublar-se; o vento sopra de Oeste; o barômetro baixa; faz o que te digo.
- Mamãe, tenho a certeza de que não chove.
- Na quinta-feira, quando fostes ver teu tio, não levaste a capa; depois choveu, e vieste todo molhado.
- Sim; mas, no domingo, a mamãe obrigou-me a levá-la, e o tempo este lindíssimo.

E se a mãe se resolve, por fim, a fazer-se obedecer, acrescenta nervosamente:
- Sabes que me mortificas com as tuas reflexões? Leva a capa, que mando eu.

Para chegar a esta conclusão, de que serviram as divagações meteorológicas?
(Nicolay, ob. cit., p.170)

6º - É preciso ir até ao fim

Como proceder praticamente para tirar vantagens deste conselho?
Nunca se devem fazer concessões, ou transigir. De maneira que a criança saiba, e não o possa pôr em dúvida um só momento, que aquilo que se ordenou deve cumprir-se sempre, custe o que custar.

Qual é a importância desta firmeza?
É capital.
O sistema das concessões compromete ou arruína a autoridade.

Se, com efeito, uma recusa não for definitiva e positivamente uma recusa, se um não se pode converter num sim, sendo apenas uma questão de oportunidade, a criança empregará todos os meios, até os mais violentos e os mais humilhantes, para apressar o momento da submissão paternal ou maternal.

Que ninguém se iluda.
Não se trata aqui de tal ou tal brinquedo, de tal ou tal gulodice.

Trata-se, nem mais nem menos, da própria autoridade do pai e da mãe. É sobre este ponto que a luta se trava, a propósito dos mil pequenos incidentes da vida quotidiana. Se os paus são fracos e cedem, enveredam pelo caminho que conduz à impotência, porque a criança anima-se-á medida das concessões que arranca.

Se os pais procedem com firmeza, se domam a criança e resolutamente a constrangem, serão sempre senhores, manterão a autoridade, serão obedecidos por seus filhos.

Qual é o escolho desta firmeza?
- São as lágrimas e os arrufos das crianças.
É preciso não ceder nunca.

"Não se receiem as lágrimas nem as cóleras das crianças. Conheceis o provérbio inglês: Ventos de março e chuvas de abril trazem flores de maio. E eu acrescentarei que as flores de maio trazem os frutos de setembro." (Mlle. Thêrèse Alphonse Karr)

- São também as meiguices das crianças.
A criancinha, por exemplo, percebe que a mamãe é muito sensível aos beijos, aos abraços, às palavras aduladoras e carinhosas; faz disso o resgate da sua independência e não lhe dá grande trabalho; e nisso encontra, como sua própria mãe, uma satisfação de intenso afeto ou delicadeza.

(Catecismo da educação, por Abade René de Bethléem, continua com o artigo: O Respeito)

PS: Grifos meus.