terça-feira, 31 de agosto de 2010

ESPECIAL: As dores de Maria

Nota: Amanhã inicia-se o mês de setembro, mês com muitas festas marianas. Dia 08 (Natividade de Nossa Senhora); dia 12 (Santíssimo Nome de Maria); dia 15 (Sete dores de Nossa Senhora) e dia 24 (Nossa Senhora das Mercês). Em homenagem a Ssma. Virgem, o blogue preparou um especial para honrar e divulgar Suas santas dores, iniciaremos esta transcrição com este post.
Rainha dos mártires, rogai por nós!

AS DORES DE MARIA

"Tão grande foi a dor da Ssma. Virgem, que,
distribuída por todos os homens,
ela bastaria para fazê-los morrer a todos,
na mesma hora".
(São Bernardino de Sena)



1- O fundamento destas dores
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1- O FUNDAMENTO DESTAS DORES


A maior prova de amor que podemos dar àqueles que amamos disse Nosso Senhor, é dar a vida por eles. Maria devia dar esta prova de amor para conosco, senão morrendo, ao menos sofrendo torturas capazes de dar mil vezes a morte.

Associada à obra redentora, Ela devia suportar o Seu peso e ter Seu Calvário, como Jesus tivera o Seu.

De fato, a obra da redenção é, antes de tudo, uma obra de expiação e de sacrifício, e poderíamos dizer: "uma obra de sangue". Pois, observa São Paulo. "sine sanguine non fit remissio", sem efusão de sangue não há perdão.

Além disso, tudo, neste drama, parece girar em torno de dois eixos: o amor e o sangue.

O amor irradia por toda parte, com uma intensidade toda divina e tudo se desenrola no seio de uma nuvem sombria e sangrenta, sem jamais poder sair dela. Jesus Redentor segue primeiro o caminho do sacrifício e da imolação. Desde o primeiro instante até ao último, o sofrimento em Sua vida é o elemento que domina todo o resto. Ele o acompanha a Belém, a Nazaré, ao Egito. E no decorrer do Seu ministério público, vemo-lO como semeado sobre todos os caminhos da Judéia, da Galiléia, da Samaria. E, em Jerusalém, teve o Seu apogeu, e no Calvário a Sua última coroação.

Todos aqueles que colaboraram na obra de Jesus, foram submetidos também ao sofrimento, na medida em que tiveram de auxiliar o Redentor e que quiseram ser-Lhe úteis.

Ora, dizem os santos padres, estava marcado nos desígnios de Deus que assim como um homem e uma mulher haviam perdido o gênero humano, também um outro homem e uma outra mulher deveriam reerguê-lo: o homem como redentor e a mulher como co-redentora.

Deste modo Maria Se encontra associada à grande restauração, em um grau de intimidade, que jamais criatura alguma possui. Mas, o mesmo decreto divino que A proclama "Mãe de Deus", proclamou-A também "Rainha das dores". Associada como era à grande obra de Seu Filho, Ela sofreu a conseqüência necessária, que foi a Sua participação nos sofrimentos de Jesus. A Sua qualidade de Mãe valeu o privilégio de aí entrar muito antes que todos os outros, e Ela devia ir assim até o último extremo que uma criatura possa atingir no sofrimento.

Tal foi o fundamento das dores de Maria. Aqueles que realizam juntos uma obra, devem ter em comum as Suas obrigações, como devem participar também dos seus benefícios. Maria estará na glória, quando tudo estiver realizado; mas, antes, Ela deve estar no sofrimento.

Por conseguinte, Maria teve que sofrer como Mãe do Verbo encarnado, porque, por este título, Ela deveria estar submetida à lei da redenção, que é uma lei de sofrimento. Ela tinha que ser associada à paixão, não como um instrumento insensível, mas para que os Seus sofrimentos se ajuntassem aos sofrimentos de Nosso Senhor, para a redenção dos homens.

Ora, a esta razão geral vêm juntar-se outros pontos de vista, que mostram quão conveniente era ser Maria a Mãe das dores. De fato, Deus devia fazer resultar, das dores de Maria, uma grande glória, pois Ele manifestava magnificamente, neste mistério, os Seus principais atributos.
(P.S.M. Ledoux: A mais aflita das mães)

Nada era mais capaz de pôr em relevo o poder de Deus do que o concurso eficaz que daria ao reerguimento de todo o homem sobrenatural, uma criatura que, na aparência, não tem de notável senão a sua fraqueza e impotência.

A sabedoria divina não se mostra aí menos admirável.

Ao lado do Homem novo que sofre para reparar os prazeres culpados do primeiro homem, felizes somos em saudar esta Virgem humilde, forte, imaculada, que sofre igualmente, que apaga a lembrança desoladora da Eva orgulhosa, a antiga vítima de Satanás.

Enfim, a caridade de Deus brilha aí com todo o seu esplendor. Ele nos dá, não só um pai, mas uma mãe, um amigo, um Salvador, que pelos Seus inexprimíveis sofrimentos, nos merece a felicidade eterna; mas também Ele nos dá uma Mãe que é tanto mais Mãe, quanto mais teve que sofrer para o ser e para nos adotar.

Não é ainda tudo.

Suponhamos um instante que Maria tivesse sido isenta destas dores; o Seu reconhecimento para com Deus não teria exigido, por assim dizer, que Ela os pedisse? Aliás, não tinha Ela recebido de Deus a Sua Conceição imaculada e a Sua maternidade divina, tão grande em si mesmas e fontes de tantos outros privilégios?

Portanto, as Suas dores extremas e os Seus martírios eram, evidentemente, a única moeda que Lhe permitia pagar a Sua dívida, segundo os atrativos do Seu coração.

Maria era Mãe perfeita de um Filho perfeito. Ela não podia, pois, repudiar esta lei do amor, a glória e a grandeza de todas as mães, que lhes impõe a participação nos sofrimentos de seus filhos, como também ao gozo das suas alegrias, inseparáveis deles em tudo, por toda parte e sempre.

Também, em virtude deste princípio tão verdadeiro e tão nobre, Maria devia sofrer com Jesus e como Jesus. Além disso, Maria, que Se tornara a Mãe da cabeça, tornava-Se também a Mãe dos membros da universalidade dos humanos. Mas podia Ela aceitar este título, todo de amor, sem provar pelas Suas grandes dores, que, de fato, Ela vinha imediatamente após o Seu filho, pelo amor que tinha a todos os homens, Seus filhos?...

Depois, Maria devia ser também nossa Mãe. E era preciso que nós pudéssemos ir a Ela, não só com confiança, mas também com diligência. E assim era preciso que A víssemos puríssima, verdadeiramente poderosa e soberanamente boa.

Não era bastante.

O mais poderoso atrativo para nós, neste vale de lágrimas, devia ser o vermos que Ela também havia chorado, que havia tido uma vida saturada de toda espécie de aflições, e o coração transpassado por mil gládios. Esta auréola, qual diadema que A estabelecia Rainha dos mártires e Mãe das dores, era como o motivo que determinaria sempre, de um modo triunfante, todos os corações, mesmo os mais endurecidos e os mais desconfiados, a irem lançar-se aos Seus pés, e a depositar nEla toda esperança, no meio das maiores provações e das mais profundas misérias.

Vemos, por todas estas razões, quanto as dores de Maria se harmonizam como a glória de Deus, com a própria honra de Maria e com o bem dos homens.

Que motivo de amar a esta terna Virgem!

Triturada pelas nossas iniquidades como o Seu divino Filho, saturada de amarguras e de angústias, demos-Lhe a consolação de verificar que ao menos não é em vão que Ela sofreu por nós, e, sobretudo, que nós A amamos e que a nenhuma outra amamos senão A ela, depois de Jesus.

E que amor, aliás, será bastante forte para contrabalançar tantas dores sofridas por amor?...

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria)

PS: Grifos meus.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A EDUCAÇÃO SOBRENATURAL

Nota: Iniciaremos a transcrição do capítulo: A educação sobrenatural, retirado do livro "Catecismo da educação" do Abade René de Bethléem.

A EDUCAÇÃO SOBRENATURAL


"A educação das crianças consiste afinal, em encaminhá-las para Cristo".
(São Carlos Borromeu)

Que veremos neste livro da educação sobrenatural?
Depois de dar algumas noções preliminares (seção I), estudaremos as condições a satisfazer pelo educador para que ele possa levar a fim, com êxito, a sua difícil tarefa (seção II), e as diversas operações que regulam a vida sobrenatural (seção III).

Seção I - Algumas noções preliminares

"Já não sou eu que vivo, é Jesus Cristo que vive em mim".
(São Paulo, Gal. II, 20).

Que se deve entender por educação sobrenatural?
Por educação sobrenatural deve-se entender: a criação, a iluminação da alma, o amparo, a ressurreição, a frutificação, a extensão e a transformação da vida sobrenatural da graça.

A educação sobrenatural é necessária?
Impõe-se a todos os cristãos como o complemento das outras partes da educação; como o único caminho que leva ao fim da formação, como o único meio de educar a criança, elevando-a até ao céu...

A educação sobrenatural é difícil?
Sim, se se pretender dar o que se não tem, falar sem convicção do que se não aprecia, fazer atingir um fim para o qual não se dirige o espírito, não se volvem os olhos, não se encaminham os passos.

Não, se o educador possuir as condições que indicaremos na seção II deste livro.

Seção II - Condições que o educador deve satisfazer

"Muitos pais perecerão, porque os filhos se terão perdido por culpa deles".
(Santo Isidoro)

São:

- O estado de graça;
- Um grande espírito de fé;
- Uma sólida instrução religiosa;
- Uma piedade profunda.

Por que é necessário o estado de graça?
- Por ser impossível que um educador em estado de pecado mortal faça com convicção do amor de Deus, do horror pelo pecado, da paixão de Jesus Cristo, e da hora final.

Todos os esforços que ele fizesse para dar às suas palavras uma unção penetrante, parecer-lhe-iam atos de hipocrisia, mentira e deslealdade.

- Porque um educador, tornado pelo pecado mortal um rebelde contra Deus, não merecerá atrair sobre aquilo com que está em contato a graça, sem, a qual nada se pode obter no domínio sobrenatural.

Que se deve entender por espírito de fé?
O espírito de fé consiste nessa disposição da alma, nesse estado do espírito que faz julgar todas as coisas à luz da eternidade; é o hábito de se guiar em tudo pelos preceitos da religião, e não pelas praxes do mundo, por princípio e não por capricho, por virtude, e não por atração natural.

Ter o espírito da fé é preferir a alma ao corpo, o céu à terra, a vontade de Deus à vontade própria, a vida eterna à do tempo, a morte ao pecado mortal.

Como se pode adquirir e desenvolver este espírito de fé?
- Pela oração.

A oração é uma prova de confiança, um ato de fé.

"Tem-se dito: o homem move-se, e é Deus que o guia. É verdade; mas eu não recearei dizer também que é a oração que guia o próprio Deus: ela é mais poderosa do que Ele, escrevia São João Crisóstomo".
(Mgr. Pichenot)

- Pela reflexão.
Os pais devem repetir a si próprios: Que os sofrimentos da vida duram pouco tempo; que o seu fardo é bem leve, comparado com o peso eterno de glória que será o prêmio das suas lutas; que a vida não lhes foi dada para gozar, mas para fazer o bem, o que não se consegue sem sofrimento; que eles não estão no mundo senão para cuidar da sua salvação e procurarem conseguir, tanto quanto lhes seja possível, a salvação dos seus filhos.

Por que é precisa uma sólida instrução religiosa?
- Porque, quando a criança é pequena, os pais devem ensinar-lhe os primeiros elementos da religião; responder às suas muitas e por vezes delicadas perguntas; formar a sua consciência; três funções igualmente importantes e difíceis que exigiram, para serem bem desempenhadas, uma ciência completa em teologia.

- "Porque quando a criança cresce, a descrença do mundo passa pela sua confiança como as rajadas de Abril pelos trigais, e fazem-na murchar... O seu espírito incrédulo de filósofo imberbe apaixonar-se por alguns fatos, algumas leis físicas, algumas fórmulas doutrinárias e, armada com estas provas, a criança faz altivamente ostentação das idéias que põem em dúvida princípios sãos.

Nesse momento, a mãe compreende bem o sofisma das razões que ele apresenta; mas, se não possuir uma sólida instrução religiosa, não saberá explicar no seu verdadeiro sentido os fatos que ele cita, refutar os fenômenos que ele invoca por uma ciência mais desenvolvida e mais precisa, nem mostrar-lhe o ponto fraco dos raciocínios que ele julga intangíveis.

Por falta de argumentos científicos que destruam razões apontadas também pela ciência, por falta duma palavra que teria sido decisiva, mas que a mãe não soube empregar, a alma da criança escapa à influência materna.

O filho mantém todo o seu respeito, a sua gratidão, mas retoma toda a sua confiança em si próprio... Arraiga-se nele um ceticismo que em breve as suas paixões  lhe tornarão cômodo e, por consequência, bem provado. E o filho chega assim a tomar uma atitude que julga a mais deferente para com a sua mãe, mas na qual, pelo contrário, se revela um desdém inconsciente e definitivo: ele evita as discussões religiosas ou morais, já não partilha as crenças da mãe, procurando apenas não as ofender".
(E. Lamy)

Porque é precisa uma piedade profunda?
1º- Porque a educação consiste em elevar os outros, e quem o deseje conseguir precisa de ter subido a uma certa altura: ora a piedade eleva.

- Porque a educação é uma longa paciência, como se tem dito muito bem. Ora a paciência é uma virtude que exige o domínio de si próprio, e que não pode ser praticada como convém sem a religião e sem a piedade.

- A educação exige o sacrifício quase contínuo do educador, em benefício da criança a educar. E, se o amor maternal pode facilitar a aceitação deste sacrifício, não poderia sempre torná-lo eficaz.

É preciso para isso o amor de Deus, a piedade. E aqueles que dizem que a educação, tal como os bons autores a preconizam, é demasiado árdua; que não passa de teoria; que crianças são crianças; que é preciso dar-lhes uma vida independente, etc.; aqueles que não se preocupam com a necessidade de se instruírem nos seus deveres de estado, quando têm ocasião de o fazer, reconheceriam talvez, se quisessem sondar a sua consciência, que todas as suas alegações têm uma única e verdadeira causa: o medo do sacrifício.

- Porque a educação necessita das graças de Deus, e a piedade é que as atrai.

"Ars artium, regimen animarum.
A arte das artes é a direção e a educação das almas".

Diz-se isto quando se fala do padre confessor.
Pode aplicar-se também aos pais educadores.

Ter o encargo e a responsabilidade duma alma! Quer dizer: do que há de mais precioso no mundo. Quer dizer: do que há de mais delicado, de mais impressionável.

E dizermos nós mesmos: "Esta alma serei eu quem a formará!"

Mas, para bem cumprir esta obrigação, seria preciso ser santo. Quintiliano desejava: Sanctitatem docentis: a santidade naquele que ensina. Seria preciso ser o próprio Deus! Eis a razão por que dizemos que a piedade é necessária ao educador, para que se torne santo, para que se aproxime de Deus, mereça as Suas graças e as Suas luzes, e aprenda na Sua escola a grande ciência da educação.

Qual é a forma principal e usual desta piedade?
É a oração, a oração que os pais educadores elevam a Deus por si mesmos e pelas crianças que têm de formar.

Os pais terão bastante confiança na oração para a obtenção das graças necessárias ao cumprimento dos seus deveres de educadores?
Pensamos que não.

A maior parte das famílias, mesmo as que têm pouca fé, rezam, mas quando rezam elas? Quando fazem peregrinações ou novenas? - Quando se reconhece a iminência dum perigo, quando a doença nos visita, quando os negócios não correm bem. Rezar-se-á, para obter a graça de dar às crianças uma educação verdadeiramente cristã? Que respondam as mães, mesmo as que forem cristãs.

Os pais devem rezar pelos filhos?
Sim.

- Antes de mais nada pela sua conservação.

"Deus tem nas Suas mãos as chaves da vida e da morte. é Ele que conduz às portas do túmulo e que desse túmulo liberta; o nascimento e a morte esperam as Suas ordens".
(Mgr. Pichenot, Tratado prático da educação, p.8, 9 e 10)

É a Deus, que lhes poupa as dores da separação ou que a estas dá lenitivo, que os pais devem rezar e rezar muito.

- Pela sua perseverança.

Santa Joana de Chantal, depois de ter deitado os seus filhos no berço, ficava muitas vezes horas inteiras a rezar de joelhos, ao lado deles.

"Se houvesse mais Brancas de Castela, haveria também mais São Luíses".
(Mgr. Pichenot, Tratado prático da educação, p.8, 9 e 10)


- Pela sua conversão.

Conhecemos uma mãe de família, que, um dia, mandou dizer uma missa pela conversão de seu filhinho de três anos. Nesta conjectura, este fato representa apenas a interpretação duma fórmula. Quantas mães não poderiam associar a súplica análoga todas as lágrimas do seus olhos e todo o sangue do seu coração!

"Se houvesse mais Mônicas aflitas, haveria também mais Agostinhos que regressariam à virtude e à felicidade".
(Mgr. Pichenot, Tratado prático da educação, p.8, 9 e 10)


"Job, que vivia segundo a lei de Deus, imolava, ao raiar da aurora, de sete em sete dias, vítimas por cada um dos seus filhos, porque, dizia, era possível que eles, nas suas reuniões alegres e nos seus banquetes fraternos, tivessem pecado e ofendido a Deus".
(Mgr. Pichenot, ibidem, p. 15)

A quem é que as mães podem dirigir mais em especial as suas orações?
- A Jesus que tanto ama as criancinhas. Por ocasião da comunhão, por exemplo, quando pensam nos seus filhos, e os recomendam com instância ao Deus da Eucaristia, afim de que lhes abra a inteligência e lhes forme o coração.

- À que foi a Mãe do Menino Deus.

- Ao anjo da guarda que está ao lado de cada um deles.

- Ao santo cujo nome receberam por ocasião do batismo.

(Catecismo da Educação, Abade René de Bethléem, segue com o post: Operações que regulam a vida sobrenatural).

PS: Grifos meus.

domingo, 29 de agosto de 2010

RECOLHIMENTO EUCARÍSTICO

RECOLHIMENTO EUCARÍSTICO



Quem fala em recolhimento, para logo se lembra do grande recolhimento, talvez o mais impressionante porque o mais misterioso: o recolhimento de Jesus Cristo, nas espécies sacramentais, recolhimento a que nós chamaremos de recolhimento eucarístico.

Em verdade, Vós és o Deus escondido! Quem poderia imaginar um abaixamento assim?! - "Na cruz - exclama Tomás de Aquino, admirado- se escondia a divindade, mas aqui, na Eucaristia, se esconde também a humanidade".

Este mistério do escondimento completo dá à Igreja um cunho peculiar, único, do qual nem ela, nem seus filhos (quer pertençam ao clero, quer ao laicato) se podem afastar, sob pena de desvirtuarem a sua essência e sua missão.

O mistério da Eucaristia é a vida da Igreja, a sua força, pois é o encontro permanente de Deus com os homens: Emanuel, Deus conosco.

Contemplemo-lO sob Seu tríplice aspecto: sacrifício, comunhão, sacrário. E sob qualquer destas modalidades, em que encontraremos Jesus Cristo, no Seu recolhimento de Amor, havemos de exclamar, elevados: "Na verdade, Vós sois um Deus escondido".

1- No santo Sacrifício

Eis o monumento construído pelo Amor, para perpetuar o Amor entre nós, e no-lo distribuir generosamente. Não se poderia imaginar maior grandeza, envolvida em maior simplicidade. Tomou Jesus Cristo o pão e o vinho, em Sua mãos santíssimas, elevou os olhos aos apóstolos, dizendo:

"Tomai e comei, isto é o meu corpo que será entregue por vós. Tomai e bebei, isto é o meu sangue do novo testamento, que será derramado por muitos, em remissão de seus pecado. Fazei isto, em memória de mim".

Foi, assim, a primeira santa Missa, com o seu ofertório, a sua consagração, e a sua comunhão, tudo dentro da mais severa simplicidade e brevidade. Como se nada fosse um Deus se revestir dos acidentes de pão e de vinho. Ó recolhimento eucarístico!

É verdade que a Igreja, através do séculos, cheia de veneração e de amor, cercou esta simplicidade de cerimônias mais ou menos longas, de cânticos, de orações.

Mas, ainda assim, desde a santa Missa rezada na capela mais humilde do sertão até a santa missa cantada, com todo o esplendor da liturgia, em basílica suntuosa, é sempre a mesma modéstia da oblação, o mesmo silêncio impressionante da transubstanciação, a mesma bondade e singeleza da fração do pão. Mistério da fé!

Se não soassem as campainhas, nem saberiam as assistências numerosas quando se realiza o milagre: quando Jesus Cristo está presente, quando Jesus Cristo se reparte. Mistério estupendo de recolhimento.

E o mais impressionante é saber-se que o mistério se realiza, tanta vez, no meio da maior distração ou indiferença, quem sabe até desprezo ou profanação: ninguém se lembra (e às vezes - ó tristeza! - nem o próprio celebrante) que se renova o sacrifício, vinte vezes secular, de um Deus que Se imola por nosso amor.

Realmente, não podemos conceber luz mais intensa, escondida sob alqueire mais fechado. Em verdade, a santa missa é um prodígio de recolhimento.

Assistamos a uma santa missa rezada, de madrugada, na clausura de algum convento pobre ou na capelinha rústica perdida sobre as montanhas... E reflitamos: é um Deus a vítima... É um Deus a comida... e tudo, assim, silenciosamente, ninguém percebe... pobremente, ninguém repara... Pode-se imaginar recolhimento mais profundo?!

2 - Na santa Comunhão

"Tomai e comei: é o meu corpo. Tomai e bebei, é o meu sangue...".

Com estas palavras, de uma simplicidade desconcertante, Jesus Cristo convida o homem para a mais extraordinária elevação que se possa imaginar. Eu bem compreendo por que os judeus, escandalizados, viraram as costas, perguntando: "Como pode este homem dar sua carne para comer?!... e seu sangue, para beber?!..." Os pobres judeus, amigos da ostentação e das grandes exibições até nas praças públicas, como entenderiam o recolhimento singular das palavras de Jesus, e, mais do que isto, o recolhimento do prometido:

"Eu quero esconder-me em uma migalha de pão, e em uma gota de vinho, para, depois, esconder-me em vossas almas; em tua alma, sim, em tua alma, meu filho".

Já se viu coisa semelhante? É loucura! Se é Deus, que saiba guardar Sua grandeza e dignidade; se é homem, como se atreve a prometer aquilo que só o milagre realiza?!

Entretanto, a Verdade eterna continua:

"Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, fica em mim e eu nele".

Ó mistério insondável. Ó recolhimento incompreensível: Um Deus vivo em uma migalha de pão! Um Deus vivo na pobre alma humana!

Há cibórios de prata, os há de ouro também, cravejados de pedrarias. Mas quão poucas são as almas verdadeiramente preciosas pela sua pureza, pela sua humildade, pela sua caridade e fervor! Quão poucas!

Entretanto, Jesus, conhecendo-as, sabendo a sua fraqueza e mesquinhez e, tanta vez, sua indignidade e hipocrisia, as convida, insistentemente:

"Vinde a mim, vós todos... Tomai e comei, isto é meu corpo..."

E, então, são estas comunhões por rotina, estas comunhões sem preparação, estas comunhões para agradar a alguém, estas comunhões para fazer número; estas comunhões de classe, estas comunhões - ó horror! talvez mais numerosas do que se pensa - comunhões sacrílegas! E, em todas elas, é o mesmo Jesus silenciosos, paciente, sofredor, no recolhimento que Ele inventou para Se unir intimamente às almas. Os santos compreendiam estes aniquilamentos e choravam, como Santa Catarina de Sena, ao presenciarem as comunhões da tibieza e da impiedade.

Não há dúvidas que houve, em todos os tempos, almas que souberam hospedar Jesus. Almas- sacrários, almas que provocaram a confidência consoladora de Nosso Senhor: "As minhas delícias é estar entre os filhos dos homens". Almas que bem poderiam dizer com Santa Madalena de Pazzi: "Depois da santa comunhão, eu não sabia se estava viva ou morta, em meu corpo ou fora dele, sobre a terra ou no céu: nada via, senão Jesus".

E Santo Agostinho, perplexo por tal modo de Se dar, perguntava: "Alimento?! Alimento?!" Ouviu, então, a resposta tranquilizadora: "Não sou Eu que me mudarei em ti, mas tu que te mudarás em mim".

Ó mistério da consdescendência divina! Escolhe a clausura de uma migalha, a clausura de uma gota, para ocultar-Se depois, na clausura da alma humana. Esconde-Se À moda de um (perdoai-me, Senhor) micróbio, que só o microscópio pode enxergar; sim, só através da fé é que se descobre Jesus no Seu recolhimento eucarístico.

E Ele entra no coração humano, numa ânsia de união íntima, perfeita, até com as mais pobres e humildes criaturas. "Ó coisa admirável! - exclamava o Doutor Angélico - comem o Senhor, o pobre, o servo, o humilde".

Ele entra na minha alma. Prostro-me, profundamente, fecho os olhos, e, adorando, penso, penso... Jesus em mim, Ele, o Verbo, por quem foram feitas todas as coisas; o Verbo, que é caminho, verdade e vida, que é luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo, cujo nascimento temporal em Belém divide a história da humanidade; o Verbo, no qual se revêm, beatificamente, os Anjos e os Santos do Céu; Ele está em mim, silenciosamente, humildemente... Momentos antes, poderia tê-lO mastigado impiamente, ou expelido de minha boca... Já se viu recolhimento mais completo?!

E eu, que nada sou, que sou pecador e maldade, como fujo do recolhimento! Como gosto de me derramar, de me exibir, de chamar sobre mim a atenção das criaturas. Como me enfeito com as penas dos outros e quero passar por alguém. Senhor, que vergonha! Perdoai-me!

Jesus em mim! Não sei aonde mais Ele poderá descer e esconder-Se. Não sei que recolhimento mais heróico Ele poderá encontrar?

Ó alma humana! A minha alma! A minha pobre alma! Ó santa comunhão!

3- No sacrário

Mas a alma humana, apesar de sua indignidade, é alguma coisa viva. E há almas menos indignas do recolhimento da santa comunhão, almas que se esforçam, que amam, que correspondem, de algum modo, ao amor de Jesus Cristo.

Há, portanto, outro aspecto do recolhimento eucarístico mais impressionante ainda: é o recolhimento do sacrário.

Oh! meu Senhor, será possível? Não bastavam os outros exemplos? O recolhimento no seio da eternidade, no seio da Virgem, o recolhimento em a morada humilde de Nazaré, o recolhimento no Sacrifício do altar e na alma do comungante?! Quereis mais ainda, meu Senhor? Será possível?

E entra o turista em famosa catedral. O turista?! e quantas vezes o próprio cristão - contempla extasiado as suas arcadas monumentais, examina a ordem de suas colunas, o acabamento e elegância dos capitéis; mede com o olhar seus grandes vitrais, por onde teima em passar o sol, avivando aquelas cores mágicas; contempla os painéis de pintores célebres, as estátuas de pedra, os altares riquíssimos; passa por uma capela envolvida em mística obscuridade, na qual arde uma lâmpada de prata, lâmpada que também passa pelo severo exame histórico-artístico do turista ou do cristão (que às vezes, formam um só); quem sabe se examina ainda, cuidadosamente, a porta do sacrário, talvez de mármore ou de bronze... E o turista sai, sai o cristão, sem terem dado a menor importância ao grande Escondido, ao divino Escondido, em honra do qual ali estão as dimensões, as colunas, as ogivas, as rosáceas, os altares, os painéis, as estátuas, o grande órgão, tudo, tudo...

Ó cegueira e dissipação humana! Ó recolhimento divino! Será possível? Dá-se valor a tudo, tudo se examina e se observa, mas, o verdadeiro "Tudo" fica esquecido no sacrário...

Estava eu, certa vez, em nossa igreja franciscana de São Paulo, quando entrou uma família de judeus, acompanhada por um frade que dava instruções para, eventualmente, receberem o batismo. O frade, com jeito, explicava o sentido e finalidade dos altares, imagens, velas, de tudo. Chegando ao altar mor, parou, olhou para o sacrário, fez uma pausa, durante a qual pais e filhos se aconchegaram mais uns aos outros, cheios de natural curiosidade. Então, o franciscano, olhando para cada um e conservando a mão direita, respeitosamente, a indicar o tabernáculo, diz com tom firme e suave:

"Nós católicos, cremos firmemente que aqui, no sacrário, está, escondido sob as aparências do pão consagrado, Jesus Cristo, Nosso Senhor, vivo, com Seu corpo glorioso, como está no céu".

Que momento! suspendi a respiração. Que pensariam? que diriam eles: O mesmo Jesus que seus antepassados perseguiram, caluniaram, esbofetearam, mataram, sim, Ele mesmo, vivo, ali estava, olhando para eles, esperando sua resposta. Voltar-lhes-iam as costas? Ou diriam com São Pedro: "A quem iremos, Senhor?! Tu tens palavras de vida eterna". Que momento decisivo! o frade fez uma genuflexão profunda, demorada. Fechei os olhos para não ver o resto...

Mas pensei: ó recolhimento, ó clausura humilhante: uma caixa de pedra ou de madeira ou de metal... E dentro dela, Jesus, o céu...

E não é só pela morada em si, que, às vezes, é preciosa. Mas, é pelo isolamento, em que O deixam, tanta vez, clero e fiéis. Quantas vezes, horas e horas, e a lâmpada se apaga: eis o recolhimento impressionante do tabernáculo de Deus.

Há, também, sacrários desalinhados, sujos, maltratados, indecentes, e Nosso Senhor lá está, com o mesmo amor, com o mesmo desejo de Se repartir e de Se dar aos fiéis.

É verdade que, nos últimos anos, se formou uma legião de almas fervorosas que não abandonam o sacrário: são as almas adoradoras. - Almas abençoadas que, de algum modo, correspondem ao amor divino escondido e que monta guarda de honra e de reparação, pelos ingratos, pelos indiferentes, pelos ímpios, por todos os que não adoram a Jesus.

E organizam-se grandes congressos, admiráveis concentrações eucarísticas, que tiram o Senhor do Seu profundo isolamento, levando-O em triunfo pelas ruas e pelas praças. Mas, será mesmo que Jesus é o centro de tudo? Não há perigo que, justamente, Ele, fique o mais esquecido?!

Quão raras são as Terezinhas verdadeiras que, cheias de inocência e de amor, atiram flores a Jesus, ao passar pelas ruas em procissão! Quão raros sãos os campônios do Santo Cura de Ars que ficam, horas inteiras, namorando o sacrário, na convicção profunda de que "Jesus olha para eles, assim como eles olham para Jesus"!

Há, desgraçadamente, também, mãos de Judas, de todos os tempos, mãos sacrílegas, que arrombam o sacrário, donde roubam o Senhor sacramentado, que vão levar - quem o diria? - para suas orgias diabólicas ou para o desprezo do montuoros. Perdoai, Senhor, por piedade! Perdoai tanta maldade!

Pobre sacrário, tão fraco e impotente para guardar e defender Jesus! Mas, foi Ele que assim o quis, Ele, na fortaleza misteriosa de Seu recolhimento.

E fica sempre a verdade, apesar de tudo: Eis o Tabernáculo de Deus, com os homens! O Tabernáculo do recolhimento eucarístico! Oh! nós, que temos fé, não O abandonaremos. Levemos as nossas flores; ascendamos as nossas luzes e, de joelhos, cerquemo-lO com as nossas adorações.

Que este recolhimento de Amor, recolhimento impressionante, cubra e corrija as dissipações e ostentações da nossa pobre vida.

Ecce tabernaculum Dei!

(Recolhimento, por D. Fr. Henrique Golland Trindade O. F. M, bispo de Bonfim)

PS: Grifos meus.

sábado, 28 de agosto de 2010

A BOA VONTADE EM SI MESMA

A BOA VONTADE EM SI MESMA

(Foto: São Luís Maria Grignion de Montfort)

Para se santificar, a alma só tem necessidade de boa vontade. Guardá-la intacta e desenvolvê-la sem cessar, tal deve ser o fim constante e único de sua vida. "A boa vontade, dizia santo Alberto Magno, supre tudo, está acima de tudo" (De adhaerendo Deo, cap. VI).

A boa vontade entrega o homem inteiro a Deus, por um ato muito simples de amor; abandona o passado à Sua misericórdia; confia o futuro à Sua bondade; e só reserva para si o presente para santificá-lo. A boa vontade é uma orientação, em tudo, do homem para seu Deus, uma coordenação de todas suas faculdades para Ele, uma restauração da harmonia entre a criatura e o Criador, uma volta amorosa do filho para seu Pai celeste.

Ela é uma resolução generosa da alma, de se consagrar a glória do divino Mestre e de procurar o bem do próximo na medida de suas forças. Ela é uma renúncia completa a tudo aquilo que está em desacordo com a ordem divina, um esquecimento inteiro e uma despreocupação constante de si mesmo.

Essa boa vontade conserva-se a mesma tanto na aridez e penúria como na consolação e abundância, na tribulação e inquietação como na paz e tranquilidade, nos embaraços e multiplicidade de ocupações como na doçura e gozos da oração. Seu ato é um movimento simples do coração que se entrega por completo, disposto a tudo aceitar, a tudo sofrer, desde que o divino beneplácito lhe seja manifestado.

A boa vontade permanece sincera, não obstante as fraquezas e as inconstâncias da alma, as faltas veniais passageiras, as quedas ofensivas do amor próprio. A alma não se santifica em um dia. A vida inteira é concedida com este fim. Depois de cada recaída, a vontade entrega-se com simplicidade a Deus, mais uma vez abandona-se humildemente a Ele, até que se ache fixada definitivamente nEle.

A boa vontade não depende da vivacidade da imaginação, da penetração da inteligência, das qualidades naturais do coração, das vantagens da fortuna, da situação ou do nascimento. Ela é um ato essencialmente espiritual da livre vontade, um movimento simples para Deus, um olhar amoroso para Ele. Está no poder de todo o homem que tem uma vontade livre e que é ajudado pela graça.

A santidade é acessível a todas as almas. Para alcançá-la é suficiente amar a Deus e agir sempre por amor. Ora, quem não pode amar? O amor é a respiração da alma. Se ela o quer, cada um de seus movimentos atrai a Deus e submerge-a no próprio Deus.

A santidade está ao alcance das almas mais simples e mais ignorantes. Deus não quereria que um coração sincero não pudesse encontrá-lO. Uma misteriosa atração inclina-O para as almas retas. Desde que descobre uma dessas almas, Ele a reserva para Si e faz dela Sua morada de predileção. Conta assim almas de escol em todas as condições, sobretudo na classe dos humildes e pequenos.

Essas almas puras têm sobre o Deus de infinita pureza um poder irresistível: elas prendem e obtêm assim tudo o que desejam... Ele disse um dia a Santa Teresa: "Se eu não tivesse instituído a Eucaristia, Eu a instituiria hoje para ti". Ele agiria do mesmo modo para cada alma pura.

Deus não quis que o caminho que conduz a santidade fosse coberto de obstáculos e eriçado de dificuldades. Quanto mais uma coisa é necessária a vida natural do homem, mais esta mesma coisa lhe é dada em abundância. O que é mais necessário do que o ar que respiramos ou a terra que nossos pés pisam, mas também o que de mais comum? o que há mais indispensável do que a respiração, porém, o que há de mais fácil?

A vida da alma é bem mais importante do que a do corpo. Razão pela qual Deus a tem prodigalizado. O ar que nossa alma respira é a graça que nunca é negada a quem a pede; a terra que ela pisa é a divina vontade que se não esconde nunca sob seus passos; sua respiração é o ato de amor que brota espontâneamente da boa vontade.

Neste amor, Deus resumiu toda perfeição. "Toda nossa perfeição, diz santo Afonso, consiste no amor, do nosso Deus infinitamente amável". (Opúsculo: Conformidade com a vontade de Deus)

É a caridade que une a alma à Santíssima Trindade, que orienta para Ele todas as faculdades do homem, com todos os seus atos até o menor, até o último, que comunica a todas as ações sua grandeza, sua nobreza e seu mérito: Caritatem habete quod est vinculum perfectionis (Cl 3,14).

Somos almas de boa vontade?
Quem não quereria ser deste número?

Neste caso, prestemos atenção a voz do Senhor, esqueçamos nosso povo e a casa de nosso pai (Ps 44,11), quer dizer, desapeguemos nossos corações das coisas da terra e sigamos a Jesus Cristo.

Perguntemos a Ele humildemente: "Rabbi, ubi habitas?" (Jo I, 38,39). "Mestre onde habitais?" Ele nos responderá: "Venite et videte", "Vinde e vede". Ele nos introduzirá na Sua própria habitação, no santuário de Seu amor; admitir-nos-á no conhecimento de Seus inefáveis segredos; ligar-nos-á por laços tão suaves e tão fortes que nos será impossível quebrá-los.

(A boa vontade, por Pe. José Schrijvers, C.SS.R, edição de 1937)

PS: Grifos meus.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O recolhimento e as virtudes

O RECOLHIMENTO E AS VIRTUDES


Parece que se pode afirmar, sem medo de erro, que há pouca virtude no mundo, porque há pouco recolhimento também. Onde não há virtude, há, forçosamente, o contrário, pois a alma não pode conservar-se neutra, ou sem direção. Ou se apega às coisas de Deus, ou às coisas do mundo. Ou olha para o céu, ou olha para o lodo.

Não havendo virtude, há fraqueza ou defeitos, pecados ou vícios. Ora, tudo isso é feio e reprovável, não só aos olhos da fé, como também aos olhos da razão.

"Como é feio - dizia o célebre aviador e cristão profundo Jacques D'Arnoux - aquela senhora que mente, aquele cidadão que come e bebe demais, aquele rapaz sem compostura. Outros falam mal do próximo, elogiam-se a si mesmos, têm modos ríspidos, são indelicados, geniosos, egoístas, para não citar coisas piores".

Pois é no recolhimento que a alma descobre tudo isso e muito mais. A sós consigo e com seu Deus, no silêncio e na solidão, ainda que momentâneos, quanto se enxerga! E como tudo, então, toma outras proporções. Já não parecem apenas faltinhas que se bebem como um copo de água, ou que se purificam, com o sinal da cruz. Vê-se, como tudo isso é feio, ridículo, até abominável, às vezes.

De outro lado, a virtude toma feições novas, atraentes, encantadoras. Compreende-se, então, que ela não é tão inacessível, e que, com esforços, se poderá consegui-la.

Entra-se em intimidade com os santos do céu e da terra, e vai-se tomando os seus modos, as suas maneiras. E mais depressa do que se imaginava, se vai alcançando o seu feitio.

Será possível, uma alma recolhida deixar-se levar, habitualmente, pela ira ou impaciência?

De modo algum. Pois impaciência e rispidez são faltas de domínio próprio e o recolhimento, adquirido com tanto esforço, às vezes, é domínio de si mesmo, é equilíbrio, é força de vontade, e de tudo isso, para a paciência e mansidão verdadeiras, é um passo muito pequeno. Louva-se tanto a mansidão proverbial de Francisco de Sales, mas é bom não nos esquecermos de seu recolhimento angélico que se percebe, em seus escritos e em todas as situações de sua vida: era o ambiente próprio de sua paciência inalterável, heróica tanta vez. Para ele não havia surpresas; porque, como o salmista e todo homem recolhido, sua alma estava, sempre, em suas mãos.

Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus. Ora, é a alma recolhida que não somente vê a Deus, através de sua fé, mas o goza, tendo a túnica da pureza, sem a qual ninguém se aproxima do Altíssimo.

Demais, o recolhimento é abnegação, é penitência, pois é cortar com mil coisas exteriores, é renunciar a mil curiosidades e distrações. Ora, não é este o caminho da pureza verdadeira?

Luiz Gonzaga permanecerá sempre o modelo de pureza, o anjo de carne, mas sabemos até que ponto (que nos poderia parecer exagero) ia o seu recolhimento heróico, não só nos colégios da Companhia de Jesus, mas também em Castiglione ou nas côrtes da Espanha e Itália, onde viveu sem se queimar, como os três moços na fornalha ardente.

O orgulho, a vaidade, a soberba são próprias da cabeça que não pensa. Quem somos nós? Que valor possuímos? Qual é a nossa importância? Nada somos, nada, nada. É a pura expressão da verdade. Não há exagero algum.

Ora, se há alma compenetrada desta verdade, mas que não desanima nem se atrofia, pois sabe que "em Cristo tudo pode", é a alma recolhida que, no silêncio e na solidão, vê claramente, os seus valores e quando são reais, canta como Maria o Seu "Magnificat", atribuindo tudo a Deus Nosso Senhor, conservando-Se, sem fingimentos, na Sua pequenez.

Não foi neste ambiente fechado do santo recolhimento que um grande Agostinho ou Tomás de Aquino ou Boaventura aprenderam a falar, com tal profundeza, sobre a sublime humildade, onde se conservaram toda vida, ainda que rodeados de fama, de louvores, de elogios, que não os atingiam?

"O humilde entra na galeria dos grandes", dizia Madalena Sofia Barat, a santa que soube levar, tão bem, as suas suas filhas ao recolhimento do Coração de Jesus.

Então, compreende-se como as almas recolhidas sabem sofrer. Elas vêem a provação e a dor, seja física seja moral, de outro ponto de vista. E numa aparente fraqueza ou ingenuidade, realizam heroísmos. As almas dissipadas, exteriores, apenas sofrem, logo correm a divulgar as suas dores, mendigando, de todo  modo, consolo e compaixão, quando não espalhando descontentamentos e revoltas.

A alma recolhida se domina. Expande-se perante Deus. Guarda para si o seu segredo doloroso e isso já é princípio de consolo e ânimo que Deus não deixa de enviar, pelos Seus anjos, como no deserto, depois da tentação de Jesus Cristo.

A alma recolhida em Deus é forte e sabe sofrer. Sabe também que é ilusão momentânea a distração que tantos e tantos procuram nas criaturas.

"Saiam as visitas, por favor; leia-me, Padre, a Imitação de Cristo" - dizia-me um doente ilustre. O ambiente se transformava e ele sabia sofrer, no recolhimento admirável, que esse livrinho de ouro sabe despertar.

Convençamo-nos: o recolhimento é a atmosfera própria onde cresce e se desenvolve toda a virtude cristã. E ninguém o duvidará, lembrando-se de que o virtuoso, de verdade, é homem de Deus. Ora, o homem de Deus em Deus vive.

(Recolhimento, por D. Fr .Henrique Golland Trindade, O.F.M, bispo de Bonfim)

PS: Grifos meus.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

RECOLHIMENTO NO LAR

RECOLHIMENTO NO LAR


Se há no mundo deserção de conseqüências funestíssimas é, de certo, a deserção do lar.

E, justamente, isto acontece porque o lar verdadeiro representa, na ordem natural, um dos recolhimentos mais veneráveis, mais santos e mais importantes e que, portanto, não está de acordo com o espírito dissipado e superficial da época moderna.

Quem se admira, então, de quererem as ideologias ímpias, destruir, pela base, a família e, assim, o lar? Quem se admira do grito desenfreado que se ouve em todos os tons: "Divórcio! Divórcio!" - que é a dissipação desbragada?!

Como é triste ver a clausura doméstica abandonada! São ninhos vazios, colméias desprezadas! E isto, infelizmente, não só nas famílias ricas, onde cada um sai para o seu lado - não tolerando o ambiente doméstico - onde até as criancinhas, com suas aias, são educadas (!) nas ruas e nas praças - mas, desgraçadamente, também, nas famílias pobres, onde se procura, com avidez, os divertimentos chamados baratos, mas, hoje, sempre caros, em vista da situação e das necessidades crescentes da vida. Como é triste!

As casas pobres se fecham, e as ricas ficam entregues aos empregados.

As conseqüências deste abandono, quase geral, dos lares são as mais desastrosas: perdem-se energias e dinheiro, enfraquecem-se uniões, estragam-se harmonias, perde-se, completamente, o espírito de família.

Entretanto, quando se compreende a força do recolhimento doméstico, que expansão maravilhosa, ao depois! Eis a revoada dos pássaros novos que se levantam dos ninhos quentes para a amplidão do espaço, onde se goza verdadeira liberdade. Eis o mel das virtudes domésticas (fabricado na colméia do recolhimento) que dulcifica tudo até o fel das provações e sofrimentos.

Do lar pode-se dizer o que o piedoso autor da Imitação de Cristo diz da cela do religioso que, "pouco frequentada, gera tédio e aborrecimento, frequentada, porém, com vontade, gera gozo e doçura"

Então, cada sala ou aposento, por modesto que seja, tem sua história, sua fascinação. Cada canto e cada móvel nos dizem alguma coisa. Cada quadro tem a sua linguagem, despertando reminiscências preciosas. E a gente olha para o jardim ou para o quintal humilde e cada árvore ou arbusto ou plantinha nos enche de saudades e nos segredam esperanças. Principalmente a mesa, quase sempre grande, guardam em si histórias lindas, que os profanos não saberiam compreender.

Por graças de Deus, ainda há famílias assim, para as quais o lar é um santuário, não somente onde se reza, mas onde se ama, se trabalha, se goza, mas, também, onde, quando se sofre, se respira a paz da resignação e a elevação da compreensão da vida a anunciar horas melhores e a mostrar que as horas de dor têm a sua finalidade e riqueza.

É nesses ambientes fechados, que crescem as grandes e pequenas virtudes de que o mundo tanto precisa... Conhecemos, entre muitos outros, por graça de Deus, um lar privilegiado, na vizinhança de grande cidade, construído, sobre montanhas, cercado de muros lindos, a guardar uma família verdadeira, um ambiente alegre e elegante, mas cheio de severidade e nobreza, lar que tem por nome a palavra expressiva da Escritura: "Hortus conclusus", isto é, horto cerrado.

Que programa esplêndido para um lar que sabe ser a célula-mater da sociedade!

Oh! se não houvesse tantos lares escancarados, abertos! Se não houvesse tanta clausura violada, como seria diferente o mundo! Que ondas de força, de ordem, de princípios, que ondas de amor verdadeiro e de dedicação e generosidade deles se espalhariam pela sociedade, que precisa de tudo isso, para não se degradar de todo!

Que se fechem os lares. Que se guardem os lares. Que a clausura severa e alegre da família seja respeitada. E nela se veja o futuro da verdadeira sociedade.

Então sairão dali, quando for o tempo, moças, jovens, preparados para a construção de novo lar que será modelado pelo lar fechado, de espírito cristão, em que viveram felizes e alegres, apesar da disciplina ou, melhor, por causa da disciplina.

São esses lares fechados, recolhidos (quanta vez o vemos com satisfação!) que melhor se abrem para receber os amigos escolhidos, em dia de festa, que todos sabem gozar e viver.

São esses lares enclausurados, pela fé e pelos bons costumes, que se abrem com facilidade, para receberem os pobres, os mendigos, os famintos, vendo neles mensageiros ou, quem sabe, até, disfarces de Jesus Cristo.

São esses lares fechados, oficinas verdadeiras de caráter, de virtude e toda prova, que melhor preparam os grandes homens de amanhã.

São esses lares fechados que soltam, de vez em quando, os seus moradores satisfeitos pelo mundo, em viagem, ou, pela cidade e pelos campos, em passeio, para que depois, com mais saudades e compreensão, voltem para o seu aconchego e saibam-no melhor aproveitar, carregados, que vêm, como as abelhas, só daquilo que é bom.

Lares recolhidos, recatados, silenciosos, (ricos ou pobres) que melhor espalham, para si mesmos, atmosfera de paz e de bem estar, e, para os outros, de distinção e fidalguia.

"A minha casa é minha fortaleza", diz um ditado inglês. Abrem-se as janelas para o jardim e para o quintal, enfloram-se as varandas repousantes; mas fechem-se as janelas para a rua e cerrem-se as cortinas para a casa dos vizinhos.

A casa de família é feita para a comodidade de quem nela mora e não apenas para o embelezamento da cidade e gáudio de quem a contempla da rua. Por isso, não se tenha medo de ocultá-la atrás de grandes árvores ou dentro de muros fechados. Mas lembremo-nos de que só isso não faz o recolhimento, que exige a vontade, a vida.

Oh! se o mundo compreendesse a força e a felicidade do recolhimento do lar, e quando este recolhimento - que pode ser meramente natural - é transfigurado com a doutrina e presença de Cristo que o ilumina, então pode ser o lar mais pobre e modesto, ele toma aparências de átrio de céu.

Uma pobre mãe, antes rica, pediu-me que fosse benzer a casa e dizer uma palavra de paz, pois as filhas moças não se conformavam com a nova situação e muito a faziam sofrer. Fui à tarde. estava a mãe sozinha. As filhas todas no cinema. A pobre salinha de visitas tinha só um quadro: o retrato de um artista de tela!

Entrei em uma casa rica, mas sofredora, e encontrei a senhora, de seus quarenta anos, a recortar caras de artistas para um álbum de sua distração. Incrível, mas verdadeiro!

Lares escancarados, infelizes! o que sabem eles de recolhimento, que os poderia transformar?!

(Recolhimento, por D. Fr. Henrique Gollard Trindade O.F.M - Bispo de Bonfim, edição de 1945)

PS: Grifos meus

VII. O BEIJO E O ABANDONO

VII. O BEIJO E O ABANDONO


Eis o que faz Jesus: não só recebe humildemente os conselhos fortalecedores do Anjo, mas os põe imediatamente em prática.

Levanta-se... ruídos de passos fazem-se ouvir... tilintar de armas, murmúrios abafados. Clarões avermelhados e indecisos de archotes que caminham perturbam a sombra e o silêncio opressivo daqueles lugares.

O Mestre aproxima-se dos seus, mal despertos ainda do pesado sono, e diz-lhes tristemente: “Agora podeis dormir, se quiserdes”; depois, de repente, com uma decisão e uma energia que contrastam com a fraqueza e as angústias de há pouco, acrescenta: “Vamos, levantai-vos, é o momento. Eis que vêm prender o Filho do homem; o que me trai se acerca”.

O horto e a estrada que o atravessa são subitamente invadidos.

Um homem destacou-se um pouco para a frente do grupo de soldados e criados.

Era Judas.

Qual seria o seu estado de espírito? Quais as suas impressões? Cinismo? Hipocrisia? Temor?

Teria ele querido, como dizem pios comentadores, simular aos olhos dos Apóstolos que vinha a prevenir o Mestre do perigo que O cercava e parecer insinuar-Lhe, sob a capa de um beijo apressado, um aviso salutar?... Pensava ele que Jesus se livraria facilmente, como dantes? Pode-se duvidar, porque ao contrário ele parece ter querido prever as ‘astúcias’ e as ‘habilidades’ do ‘fazedor de milagres’.

Recomendou que guardassem, cercassem de perto o Prisioneiro: Tenet eum ducite caute.

Presa da paixão, já tendo vendido o Mestre, sentindo aliás que toda fuga era impossível, toda demora inútil, mais provável é que tivesse tomado sem constrangimento o seu partido de ser julgado pelos Apóstolos pelo que era. É, pois, rapidamente, eu ia dizer desassombradamente, que ele se adianta: “Mestre, eu Vos saúdo”. E beijou Jesus.

Jesus, este tem duas palavras: a primeira é ainda uma delicadeza do Seu amor: “Amigo, diz com simplicidade, que vindes fazer? Que quereis? Por que viestes?”

Depois acrescenta logo, com esse tom pungente do amigo profundamente magoado:

“Oh como, Judas... tu me entregas com um beijo?!...”

Porque o Mestre que vê o fundo dos corações e para quem o passado é como o presente, o Mestre ouviu no caminho as palavras trocadas entre Judas e os soldados.

Estes não conhecem Jesus. Como é Ele? Que corpo tem? Que feições? Será de noite, os discípulos são muitos; dizem que há um que se parece com Ele – era Tiago, o Menor –, que sinal, pois, para O distinguir?

De que cor é a veste dEle?

Judas tranqüiliza-os com uma palavra: Nada mais fácil. Eu me adiantarei, e aquele que eu beijar será Ele. Prendei-O e guardai-O bem guardado.

Judas! Um beijo! Aí estão pois o sinal e os sinais.

A ingratidão e a traição assombram, transtornam-nos a alma, custa-nos dar-lhes crédito... Será possível? Ele?... que Eu distingüira, que Eu chamara! Ele que compartia a minha vida, os meus segredos; ele, a quem Eu reservava a mais alta dignidade do mundo: Apóstolo, fundamento da Igreja!

Ah! Se fosse um dos meus inimigos, no mínimo um indiferente; porém tu, Judas, meu amigo, ad qui venisti?

A que viste?

Todo pecador é um ingrato. Mas há graus no pecador, porque os havia entre os amigos. A gravidade do pecado mede-se sem dúvida pela matéria e pela intenção, mas também pelas graças de escolha e pelas infinitas delicadezas de um amor já tantas vezes atraiçoado e vendido.

Todos os crimes deviam estar representados na Paixão do Cristo. Cada qual deve nela desempenhar a seu papel.

Quando, ao clarão das tochas, no meio do horto, cercado pela criadagem e pelos soldados, Jesus sentiu se abaterem sobre Ele os lábios de Judas, aceitou o beijo porque sentiu neste beijo todas as traições secretas ou públicas daqueles a quem mais havia de amar no decorrer dos tempos, os Seus sacerdotes e os Seus religiosos. Judas era um e outro.

A trama íntima da Paixão é aliás o abandono, a desafeição, a traição. Sobre essa trama dolorosa desenhar-se-ão em traços de sangue todos os padecimentos físicos do Salvador e todas as Suas demais humilhações: maior não houve, porém, do que a de se ver assim repudiado, Ele que tanto amara, Ele que só fizera amar.

Era forçoso, porém como expiação, pois nada fere mais o Coração de Deus do que ver a Sua criatura abandoná-lO.

Como explicar diversamente a falência completa dos Apóstolos, senão por essa severa intenção da Justiça Divina?

Porque, tão depressa foi Jesus preso e atado, todos, sem exceção a princípio, todos O abandonam e fogem. É uma debandada, não fica ninguém. Previra-a Jesus, essa desafeição; e temera-a, a tal ponto que prevenia dela os Seus Apóstolos: é a grande tentação que os ameaça. Quando Ele lhes avisa que orem, que vigiem, para não sucumbirem à tentação que se aproxima, é dessa que fala. Grande, com efeito, era essa tentação. Toda a fé dos Apóstolos, laboriosamente desenvolvida no seu coração desde há três anos, está agora em jogo. A provação dessa fé consistirá justamente nessa prisão odiosa de Jesus, no meio da noite, e de Jesus que consente, que perde aparentemente todo o Seu poder. Não é ainda a provação quotidiana da fé, principalmente nestes tempos de prevaricação geral dos homens e de profundo silêncio de Deus?

Certo, era duro de crer que debaixo daquele Ser prostrado, batido, beijado e traído por um dos Seus houvesse um Deus, o único Deus, o grande Deus! E, semelhantemente, é duro ainda hoje para os justos oprimidos ver o malogro coroar-lhes a paciência, enquanto que triunfa a audácia dos pecadores.

Jesus, para preparar os Seus, começara por lhes mostrar a Sua fraqueza [aparente], o Seu temor, as Suas vacilações angustiadas, o Seu Sangue a correr sob os golpes do medo; e ainda assim só tinha querido mostrar este horrível espetáculo aos três prediletos. Ai! A tentação era já demasiado forte, mesmo para eles.

Poucas almas aceitam Jesus humilhado, poucas gostam dEle atado e O adoram crucificado.

- Vigiai, pois, e orai, repetia o Mestre, a fim de não sucumbirdes ao espetáculo escandalizador da minha agonia e da minha aparente impotência. E os Apóstolos, longe de vigiar e orar, dormiam. Assim se lhes preparava a fuga; assim, de esboçarem um vago movimento de resistência, tudo abandonaram.

E ei-los agora que correm desatinados através dos túmulos do vale de Josafat. Acossa-os o medo, a dúvida dilacera-os: sim, a dúvida, porque desta dúvida fazem eles uma desculpa para a sua fuga. Afinal, quem sabe? Os Pontífices e os Anciãos talvez tivessem razão: um ente que se deixou agarrar daquele modo e levar como um ladrão, para quem no momento oportuno Deus é silencioso... ter-se-iam eles, os Apóstolos, enganado-se? E não acham cavernas bastante profundas onde se esconderem, e refugiam-se em túmulos. Bem podiam sepultar neles a sua fé e o seu amor.

Como não termos, nós, esta dúvida cruel a respeito deles, quando a gente pensa que, à exceção de um só que subiu ao Calvário – o mais moço – nenhum deles houve que ousasse mostrar-se nas ruas no dia seguinte, e que aqueles que deviam mais tarde anunciar esse grande excesso do amor de Jesus na Cruz, esses, digo, nada viram, a não ser a nuvem espessa e acusadora das trevas que cobriram o mundo inteiro durante as três horas que o Cristo levou a morrer no Gólgota! Eis o resultado de três anos de amor, de ensinamentos, de vida íntima e familiar: três anos de Coração a coração e de doces colóquios! Relicto eo omnes fugerunt. Abandonando-O, todos fugiram.

Por que nos admirarmos? Não era preciso que os nossos abandonos estivessem representados?

Quem de nós não terá experimentado às vezes, talvez muitas vezes, essas derrocadas da consciência, essas derrotas da vontade? Promessas não nos faltaram nas horas de fervor, e tais eram então os nossos sentimentos, o fogo ardente do nosso amor, que nada parecia dever separar-nos do Mestre tão amado...
Ora, eis que, de surpresa, a nossa alma, assim como o horto, é invadida: as paixões desencadeadas lá estão, armadas, envolventes: há laços, grilhões, dardos que furam, lâminas que matam... “A quem buscais?” – A Jesus, esse mesmo Jesus que aí está no teu coração.

Pedro, Tiago, João, André, vós os queridos e os privilegiados, defendei o vosso Mestre. Almas eleitas, a quem Deus fez tantas carícias, a quem passeou de Tabores em Tabores, almas de sacerdotes, almas religiosas, eis aí o momento, defendei o Vosso Jesus.

E é um desbarato, a vontade foge louca, já não se importa com Deus, e após uma primeira falta eis que estas se acumulam: essa alma desce tão baixo quão alto havia subido. Como para os Apóstolos, é a fuga através dos túmulos; a derrota é completa, até que, por entre aquelas mesmas pedras fúnebres onde se ia sepultar, a alma encontre ainda – pois Ele está por toda a parte – esse mesmo Jesus que ela traiu e que lhe estenderá os braços para retomá-la e de novo amá-la.

O fons amoris perpetui, quid dicam de te? Ó fonte do amor inexaurível, que hei de dizer de Vós? (Imit., l. III, 10)

No local em que Judas beijou Jesus e onde começou a debandada dos Apóstolos, o caminho passa poeirento, indiferente; sobe sulcando pela montanha: não há hoje mais que umas poucas oliveiras espaçadas ao longo da estrada, mas ainda assim o cenário permanece impressionante e desolado. À direita, entre duas muralhas, um atalho dá num beco sem saída: no muro do fundo há uma pedra engastada onde se acham esculpidas, meio apagadas pelo tempo, duas cabeças que um beijo aproxima. Eis tudo quanto assinala a vergonhosa e dolorosa traição. Gostaríamos de ver elevar-se ali um santuário de expiação.

É verdade que esse beijo atravessou os séculos, que ele se dá ainda todos os dias, e que Jesus repete a cada vez, não sem menor dor: “Oh! Como?! Tu que eu amava... um beijo...”

A cada um de nós, pois, cumprir a sua parte de expiação, beijando amorosamente, e com freqüência, os pés do seu Crucifixo, para reparar o outro beijo que se deu talvez na Face e em pleno dia.

+ + +

(Segunda parte do livro “A subida do Calvário”, do Padre Louis Perroy, SJ)

PS: Recebido por e-mail, mantenho os grifos. Agradeço a caridade e generosidade de quem me enviou, Deus lhe pague!

FALSOS MOTIVOS

Nota: Este texto é continuação do post: Néo-maltusianismo, um grande golpe do inimigo

FALSOS MOTIVOS


São insubsistentes os motivos com que pretendem justificar-se os fraudadores. Examinemos alguns dos mais comuns.

1) Situação econômica

Autoriza a continência periódica desde que seja real. Nunca autorizará um ato contra a natureza. Na verdade, os que argumentam com situação econômica são, em geral, os que melhor a desfrutam. Guilherme Schimidt chegou a estabelecer como uma tese que "o temor dos filhos é fruto da abundância, e não da necessidade". Têm com que manter os próprios filhos e estão ainda obrigados em consciência a concorrer para as crianças pobres que vivem na miséria. Mas desejam uma vida cada vez mais burguesa, gozadores, impenitentes e insaciáveis.

Move-os a desmedida ambição da riqueza, a preocupação obsedante do luxo, a vaidade imbecil da ostentação. Aqueles, cuja situação econômica é deveras penosa, são os grandes procriadores em que se estaria a densidade demográfica, se o Estado acudisse à mortalidade infantil que dizima assustadoramente as classes proletárias.

2) Melhor educação aos filhos

Não consiste, porém, em colégios caros, vida folgada, estágios no estrangeiro, mimos excessivos, absoluta ociosidade servida à mão por serviçais bem pagos. Pelo contrário. Nada melhor para prejudicar a educação dos filhos! Como nada melhor para realizar uma boa educação doméstica e social do que o ambiente da família numerosa.

3) Saúde da esposa

Quer o marido poupar a saúde da esposa, em prejuízo da consciência dela impondo-lhe sacrifícios morais, enchendo-a de remorsos, atribulando-lhe o coração cristão - contanto que ele não diminua a dose de prazeres sexuais! esta é a verdade. Sei de casos em que o "delicado" esposo, para poupar a cara metade, franzida e doentia, fê-la correr o risco de uma operação esterilizadora - quando o cavalheirismo (já não digo o amor) mandava conter-se, se fosse real o motivo alegado.

Já vimos que os processos anti-concepcionais são todos eles nocivos aos cônjuges, especialmente à esposa. Ao invés, a medicina diz que é na maternidade que se realiza plenamente o organismo feminino. A maternidade é necessária à saúde e ao desenvolvimento da mulher, diz o Dr.Pinard. A maternidade é uma função normal e fisiológica do organismo feminino, junta o Dr. Guchtencere. Podíamos alinhar dezenas de citações semelhantes.

Mas não se trata somente do aspecto físico do problema. Igualmente importante é o lado psíquico. Os processos anti-concepcionais não são tão esterilizantes como parecem... Não geram filhos, mas geram perturbações nervosas. Alguns são unicamente responsabilizados pelos médicos como fonte de desequilíbrios psíquicos.

"O nervosismo da mulher contemporânea progride inquietadoramente dia a dia, escreve o Dr. Cattier em seu La Procréation Humanine. Eis um fato em que todos convêm... Já sabemos, agora, de modo seguro, que a causa do desequilíbrio da mulher reside muitas vezes na esfera genital. Deve-se perguntar se, na vida conjugal, os atos contra a lei natural e a lei fisiológica e principalmente as fraudes anti-concepcionais... não são as verdadeiras causas do desequilíbrio tantas vezes verificado".

E ele conclui esta página dizendo:

"É banal repetir que a mulher foi feita para a maternidade. É para ela uma lei inelutável: procurando fugir-lhe, ela o faz sempre em prejuízo de sua saúde geral".

O médico belga Schockaert (Mariage et Natalité) depois de acentuar os males orgânicos dos métodos neo-maltusianistas..., aponta os inconvenientes psíquicos: irritabilidade, irascibilidade, tristezas, emotividade, falta de energia e coragem, idéias de suicídio. Os estados de angústia se acentuam quando a mulher é católica - o que quase sempre acontece entre nós, o estado de pecado a abate; o remorso a tortura; o pensamento da morte a apavora. Vive sobressaltada. Repelida (dos Sacramentos) da Confissão e da Eucaristia, sente-se diminuída, humilhada em face das companheiras piedosas, retrógrada espiritual em vista dos seus tempos de vida sacramental.

Não sei como é possível preconizar o neo-maltusianismo em nome do bem-estar da esposa.

4) Ordem médica

Há um grave risco de vida com nova concepção, afirma o médico; e vai logo aconselhando a evitar filhos... Esses riscos graves são, em geral, muito fáceis em proclamá-los; mas a experiência mostra felizmente que eles são mais raros. A verdadeira medicina, em vez de secar a fonte da vida, cuja proteção e defesa é sua missão, tem feito precisamente diminuir os inevitáveis perigos que acompanham a maternidade.

Os cuidados acépticos e anticépticos reduziram a porcentagem mínimas a mortalidade obstétrica. Há um século, Semmelweis estabelecia 10% de morte nestes casos; já hoje De Lee dá 1,5% (NB: a edição deste livro é de 1955). E que fossem os perigos frequentes; poderão os homens transtornar as leis naturais, mudar a natureza das coisas e sobrepor-se à vontade de Deus? Têm com que substituir a graça divina nas almas? Irão defender seus clientes no tribunal definitivo que decide da eternidade? Para o verdadeiro "é melhor morrer do que pecar". As senhoras que morreram vítimas da maternidade, nos raros casos em que isto acontece, são verdadeiras heroínas, que não devem ser lastimadas, mas glorificadas.

São um exemplo, não apenas às outras senhoras, mas a todos os que só sabem cumprir deveres fáceis e se acovardarem diante do sacrifício. Mas, não esqueçamos de apontar o egoísmo gozador desses maridos: não sabem conter-se nem ante os riscos da vida da esposa! Ela é que deve sacrificar a consciência à sua fome de sexo.

5) A saúde dos filhos

Têm sido franzinos ou subnormais. Há casos frequentes de degenerecência na família - máculas perigosas. Preferimos, sem dúvida, uma prole sadia. Mas a eugenia nunca poderá tornar lícitos processos imorais. Recorram à continência periódica; aos atos contra a natureza, nunca. Para quem sabe o que é a graça de Deus mais valem filhos doentios do que um só pecado mortal. Os cristãos, sem perderem de vista os cuidados científicos, procriam primeiramente para gerar filhos de Deus.

Chamamos a atenção para a solução simplista e apressada de certos médicos. Correm logo ao "remédio" anti-concepcional, em vez de buscarem os verdadeiros remédios. É assim quando se trata da saúde da esposa, é assim quando se trata da saúde dos filhos. Àquela cortam os riscos, desviando-a da maternidade; destes se descartam, eliminando-os... A ciência tem já hoje preciosos recursos para prevenir males hereditários: eles os desconhecem, ou não querem aplicá-los. A lei do menor esforço diminui, ao mesmo tempo, a necessidade dos estudos e... os clientes.

No entanto, quem acompanha os progressos da pediatria, da psicoterapia, e vê como realizam verdadeiros prodígios os médicos e educadores conjugados, sabe quanto bem se pode fazer às crianças mal dotadas. Se isto não autoriza facilidades perigosas aos que vão contrair matrimônio, muito menos deve autorizar desrespeito às leis divinas e naturais aos que já o contraíram.

A Igreja reconhece as razões da verdadeira eugenia. Ainda a nova ciência não tinha organização e nome, e a Igreja já cuidava da saúde dos homens e exigia em consciência cuidados preciosos ao bem-estar da prole possível e nascitura. Nunca, porém, aprovará meios eugênicos que colidam com os princípios naturais em que se espelha a Razão Eterna, fonte imutável de toda a Moral.

Grande coisa é a saúde: muito mais importa a higidez espiritual. Na hierarquia de valores dos que se conservam fiéis à Moral mais vale a alma que o corpo, mais vale o espírito que os músculos, mais vale a virtude que a força. A humanidade cultura sábios e santos, que viveram em corpos fracos e doentios: o saber e a bondade deram-lhes auréola.

Venha a eugenia dentro da Moral. Cuide-se dos corpos, sem prejuízo das almas. Melhorem-se as condições físicas, sem detrimento das espirituais. Revigore-se a saúde, revigorando ainda mais a virtude. Que os cuidados higiênicos não sirvam para estabelecer o domínio dos instintos sobre o espírito. O progresso humano não deve ser medido pela resistência física mas pela inteligência e pela consciência.

Os que acreditam no espírito sabem que as disposições morais se transmitem aos filhos, tal como as físicas. E que mais precisamos de caracteres que de atletasO grande mal dos nossos tempos, é que os homens estão ficando menos homens. Uma eugenia que procure melhorar a "raça", em vez de elevar os homens, e que liberte as consciências dos preceitos espirituais para considerar as condições do "produto", e que repute a geração humana condicionada exclusivamente às normas da higiene - equiparando a geração dos homens com a reprodução dos irracionais, está desservindo à civilização e fazendo retrogradar a humanidade.

A maior de todas as medidas eugênicas é a virtude. Os subprodutos humanos nascem da libertação dos instintos - que é o pecado. Da impureza vêm os sifilíticos; da embriaguez, os agitados - e assim por diante. Pois, em geral, os "eugenistas" são pregadores da liberdade sexual, e não se pejam de repetir que a castidade é impossível e até nociva. Acima das necessárias condições fisiológicas, venham as mais necessárias ainda condições morais!

6) É só por algum tempo...

Fosse por única vez!... É gravíssimo pecado mortal. E não se pode cometer um pecado que seja, mesmo que para salvar o mundo.

As maternidades, em si, não são prejudiciais. Já vimos precisamente o contrário: são benéficas. E de modo geral não são tão frequentes que se tornem indesejáveis. A média apresentada pelas estastisticas é de um intervalo de dois anos no mínimo... Os primeiros filhos vêm mais próximos; os outros vão-se naturalmente espaçando. A própria amamentação é, em muitas senhoras, um óbice à concepção.

Restam os casos de excessiva fecundidade e de senhoras realmente fraquinhas - em que se pode recorrer à continência periódica.

Nunca, porém, seria lícito, por nenhum motivo, seja para que for, recorrer a processos pecaminosos. Só os que desconhecem o que seja o pecado, os que calejaram a pobre consciência, ou os que perderam a fé e o santo temor de Deus, poderão apelar para o pecado mortal, mesmo que fosse uma só vez na vida. E os que não entendem esta linguagem não são dignos do reino do céu.

7) Já tem a "família normal"

Isto é, os três filhos de que falam os sociológos e economistas. Mas esta linguagem não tem sentido em moral. Em moral cada ato fraudado é contrário à natureza e à vontade de Deus. Tanto faz ter dez filhos como não ter nenhum. Trata-se de um ato intrinsecamente mau que nenhuma razão poderá jamais contestar.

Os que se detêm no segundo ou no terceiro filho cortam o passo à felicidade, mesmo natural. Interessantes pesquisas sobre a felicidade conjugal determinam que as famílias com muitos filhos são mais felizes. Têm mais com quem compartilhar os sacrifícios e mais a quem proporcionar alegrias. Têm menos preocupações absorventes e assustadoras. A perda de um filho é sempre dolorosa, é naturalmente compensada pelos que ficam. Eis mais um castigo da própria natureza aos que calculam contra ela!

8) A intolerância da Igreja

Aliás, não se trata de uma doutrina da Igreja propriamente dita. Trata-se de uma lei natural, que a Igreja não poderá jamais modificar, nem modificará. Esta sagrada intransigência só pode honrá-la. Enquanto os bispos anglicanos (protestantes dos mais conservadores) autorizam o desrespeito às leis naturais, a Igreja mantém-se inabalável como a rocha em que Cristo a firmou. Enganam-se os que pensam que ela venha um dia a ceder nesta matéria.

A própria Bíblia é positiva, quando afirma que Onam "fazia uma coisa detestável" porque, quando se unia à esposa, "impedia que ela concebesse". E a severidade do castigo indica a gravidade da falta: "E por isto o Senhor o feriu de morte" (Gen. 38,10). De resto, contam pouco com a Igreja os cônjuges neo-maltusianos...

9) Não casou para a continência

É frequente este argumento na boca dos maridos. Laboram num engano: pensam que o casamento não exige continência. Exige, e não pequena. O nascimento de um filho exige de um marido decente o mínimo de dois meses de continência. Como o guardará, se não é capaz de conter-se uns poucos dias cada mês? Argumentando assim, ele justificará a infidelidade nas ausências ou enfermidades da esposa.

Não se casou para a continência absoluta, certo; casou-se, porém, para a continência conjugal, talvez ainda mais penosa. A esses maridos árdegos e sôfregos perguntaremos:  Casaram-se, acaso, para o pecado? Ou pensam que o matrimônio dá-lhes alvará de licenciosidade conjugal?

(Excertos do livro: Noivos e esposos, do Pe. Álvaro Negromonte)

PS: Grifos meus.