A BOA VONTADE EM SI MESMA
(Foto: São Luís Maria Grignion de Montfort)
Para se santificar, a alma só tem necessidade de boa vontade. Guardá-la intacta e desenvolvê-la sem cessar, tal deve ser o fim constante e único de sua vida. "A boa vontade, dizia santo Alberto Magno, supre tudo, está acima de tudo" (De adhaerendo Deo, cap. VI).
A boa vontade entrega o homem inteiro a Deus, por um ato muito simples de amor; abandona o passado à Sua misericórdia; confia o futuro à Sua bondade; e só reserva para si o presente para santificá-lo. A boa vontade é uma orientação, em tudo, do homem para seu Deus, uma coordenação de todas suas faculdades para Ele, uma restauração da harmonia entre a criatura e o Criador, uma volta amorosa do filho para seu Pai celeste.
Ela é uma resolução generosa da alma, de se consagrar a glória do divino Mestre e de procurar o bem do próximo na medida de suas forças. Ela é uma renúncia completa a tudo aquilo que está em desacordo com a ordem divina, um esquecimento inteiro e uma despreocupação constante de si mesmo.
Essa boa vontade conserva-se a mesma tanto na aridez e penúria como na consolação e abundância, na tribulação e inquietação como na paz e tranquilidade, nos embaraços e multiplicidade de ocupações como na doçura e gozos da oração. Seu ato é um movimento simples do coração que se entrega por completo, disposto a tudo aceitar, a tudo sofrer, desde que o divino beneplácito lhe seja manifestado.
A boa vontade permanece sincera, não obstante as fraquezas e as inconstâncias da alma, as faltas veniais passageiras, as quedas ofensivas do amor próprio. A alma não se santifica em um dia. A vida inteira é concedida com este fim. Depois de cada recaída, a vontade entrega-se com simplicidade a Deus, mais uma vez abandona-se humildemente a Ele, até que se ache fixada definitivamente nEle.
A boa vontade não depende da vivacidade da imaginação, da penetração da inteligência, das qualidades naturais do coração, das vantagens da fortuna, da situação ou do nascimento. Ela é um ato essencialmente espiritual da livre vontade, um movimento simples para Deus, um olhar amoroso para Ele. Está no poder de todo o homem que tem uma vontade livre e que é ajudado pela graça.
A santidade é acessível a todas as almas. Para alcançá-la é suficiente amar a Deus e agir sempre por amor. Ora, quem não pode amar? O amor é a respiração da alma. Se ela o quer, cada um de seus movimentos atrai a Deus e submerge-a no próprio Deus.
A santidade está ao alcance das almas mais simples e mais ignorantes. Deus não quereria que um coração sincero não pudesse encontrá-lO. Uma misteriosa atração inclina-O para as almas retas. Desde que descobre uma dessas almas, Ele a reserva para Si e faz dela Sua morada de predileção. Conta assim almas de escol em todas as condições, sobretudo na classe dos humildes e pequenos.
Essas almas puras têm sobre o Deus de infinita pureza um poder irresistível: elas prendem e obtêm assim tudo o que desejam... Ele disse um dia a Santa Teresa: "Se eu não tivesse instituído a Eucaristia, Eu a instituiria hoje para ti". Ele agiria do mesmo modo para cada alma pura.
Deus não quis que o caminho que conduz a santidade fosse coberto de obstáculos e eriçado de dificuldades. Quanto mais uma coisa é necessária a vida natural do homem, mais esta mesma coisa lhe é dada em abundância. O que é mais necessário do que o ar que respiramos ou a terra que nossos pés pisam, mas também o que de mais comum? o que há mais indispensável do que a respiração, porém, o que há de mais fácil?
A vida da alma é bem mais importante do que a do corpo. Razão pela qual Deus a tem prodigalizado. O ar que nossa alma respira é a graça que nunca é negada a quem a pede; a terra que ela pisa é a divina vontade que se não esconde nunca sob seus passos; sua respiração é o ato de amor que brota espontâneamente da boa vontade.
Neste amor, Deus resumiu toda perfeição. "Toda nossa perfeição, diz santo Afonso, consiste no amor, do nosso Deus infinitamente amável". (Opúsculo: Conformidade com a vontade de Deus)
É a caridade que une a alma à Santíssima Trindade, que orienta para Ele todas as faculdades do homem, com todos os seus atos até o menor, até o último, que comunica a todas as ações sua grandeza, sua nobreza e seu mérito: Caritatem habete quod est vinculum perfectionis (Cl 3,14).
Somos almas de boa vontade?
Quem não quereria ser deste número?
Neste caso, prestemos atenção a voz do Senhor, esqueçamos nosso povo e a casa de nosso pai (Ps 44,11), quer dizer, desapeguemos nossos corações das coisas da terra e sigamos a Jesus Cristo.
Perguntemos a Ele humildemente: "Rabbi, ubi habitas?" (Jo I, 38,39). "Mestre onde habitais?" Ele nos responderá: "Venite et videte", "Vinde e vede". Ele nos introduzirá na Sua própria habitação, no santuário de Seu amor; admitir-nos-á no conhecimento de Seus inefáveis segredos; ligar-nos-á por laços tão suaves e tão fortes que nos será impossível quebrá-los.
(A boa vontade, por Pe. José Schrijvers, C.SS.R, edição de 1937)
PS: Grifos meus.